Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:076/21.7BALSB
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:I - As disposições da RCM nº 43/2021 não revestem a natureza de "normas regulamentares administrativas" não obstante a expressa referência à alínea g) do art. 199º da CRP já que estamos perante um “princípio geral” por que se deverá reger a prossecução e realização de objetivos de política legislativa, a extinção da estrutura orgânica do SEF criado pelo DL n.º 252/2000, de 16 de outubro no uso da autorização legislativa concedida no artigo 1.º da Lei n.º 24/2000, de 23 de agosto, e da determinação da criação do Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA), que lhe sucede, tudo se passando no exercício das opções políticas primárias.
II - Pelo que a sua sindicabilidade está afastada da jurisdição administrativa nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 4º do ETAF.
Nº Convencional:JSTA00071221
Nº do Documento:SA120210713076/21
Data de Entrada:06/01/2021
Recorrente:SINDICATO DA CARREIRA DE INVESTIGAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO SEF
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Objecto:Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2021,
Decisão:ABSOLVE DA INSTÂNCIA
Área Temática 1:DIREITO PROCESSUAL
Legislação Nacional:Alínea a) do nº 3 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório

1. O SINDICATO DA CARREIRA DE INVESTIGAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF), invocando o disposto na alínea a) do n.°2 do art. 112°, da al. a) do n.°1 do art. 114°, do art. 120.º e do art. 130.º, todos do CPTA, vem requerer a adoção da providência cautelar de suspensão da eficácia das normas constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2021, publicada na 1.ª Série do Diário da República, que procedeu à redefinição das atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, bem como de todos os atos legislativos, regulamentares ou administrativos subsequentes que lhe dêem cumprimento.

2. No seu requerimento inicial invoca, em síntese, que:

- No uso da autorização legislativa (Lei n.º 24/2000, de 23 de agosto), o DL. 252/2000 aprovou a Lei Orgânica do SEF, por força do qual, o SEF é definido como uma força de segurança que funciona na dependência do Ministro da Administração Interna e que tem por “(…) objectivos fundamentais controlar os movimentos das pessoas nas fronteiras, a permanência e actividades de estrangeiros em território nacional, bem como estudar, promover, coordenar e executar as medidas e acções relacionadas com aquelas actividades e com os movimentos migratórios.”, e é um órgão de polícia criminal que “(…) actua no processo, nos termos da lei processual penal, sob a direcção e em dependência da autoridade judiciária competente, realizando as acções determinadas e os actos delegados pela referida autoridade.”.

- O DL. 290-A/2001, de 17.11 (sucessivamente alterado), em consonância com o regime de pessoal estabelecido na Lei Orgânica do SEF, aprovou o Estatuto do Pessoal do SEF, preceituando o artigo 2.º do aludido Estatuto, que as carreiras que integram o corpo especial do SEF, se desenvolvem nas categorias aí discriminadas expressamente.

- A Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2021 foi aprovada em 8.04. e publicada no DR, I S., nº 72, de 14.04.2021, nos termos da qual, ao abrigo da função administrativa estabelecida na alínea g) do artigo 199.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), o Governo determina a “redefinição das atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”, cria o Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA), que sucede ao SEF.

- As atribuições de natureza criminal transitam para a GNR, PSP e Polícia Judiciária.

- Em cumprimento desta Resolução, foi já emitido, em 16.04.2021, um despacho do Ministro da Administração Interna, sobre a interoperatividade de dados e gestão integrada de Base de Dados da responsabilidade do SEF.

- A Resolução sub judice constitui um regulamento administrativo.

- E é inválida, pois viola um conjunto de diplomas legais, pelo que está eivada do vício de desconformidade com a lei.

- Causa prejuízos aos associados do Requerente, e também ao interesse público pondo em causa o assegurar a manutenção da paz pública.

- A providência requerida preenche os pressupostos para a sua concessão, pois a suspensão de normas é um meio tutelar associado à declaração da ilegalidade (arts. 112º, nº 2, al. a), 2ª parte, 130º, 120, nºs 1 e 2 ex vi 130º, nº 4 CPTA, verificando-se os requisitos de aparência do bom direito, do periculum in mora e da proporcionalidade.

- A Resolução é um regulamento administrativo lesivo e imediatamente operativo, em conformidade com os art.s 135º, 138º, nº 3, al. b), CPA, foi tomada ao abrigo da al. g) do art. 199º CRP, pelo que não é um ato praticado no exercício da função política do Governo (art. 197º CRP).

- O Requerente tem legitimidade ativa (art.s 130º, nº 2, 9º, nº 2 do CPTA, conjugado com os art.s 1º a 3º da Lei 83/95, de 31.08. e art. 52º, nº 3 CRP, podendo propor a ação popular para a tutela de interesses difusos e constitucionalmente protegidos) para instaurar o presente processo cautelar, pois enquanto associação sindical tem o direito fundamental a defender e promover a defesa dos interesses dos seus associados (art. 56º, nº 1 CRP), e atendendo ao objeto da Resolução, de forma indireta, a defesa do interesse público e segurança nacional, pois são os seus associados que desempenham as funções inerentes à área da segurança e da investigação criminal.

- A contradição entre um regulamento e a lei é geradora de uma ilegalidade, como resulta dos artigos 280º e 281º da CRP.

- A Resolução padece de vícios de inconstitucionalidade formal, orgânica e material, no desrespeito pela Lei Orgânica do SEF e na desconformidade com a Lei da Segurança Interna, nomeadamente, dos seus artigos 1.º, 2.º, n.º 3 e 25.º e seguintes, sendo, portanto, apenas a violação destes diplomas e de outros alegados que constitui o objeto da presente ação.

- O Regulamento viola a Lei Orgânica do SEF foi aprovada por diploma do Governo – o Decreto-Lei n.º 252/2000 – ao abrigo de autorização da Assembleia da República – a Lei n.º 24/2000, de 23 de agosto – que é uma lei de valor reforçado, já que o Governo estava obrigado a respeitar tal autorização legislativa.

- Pelo que a Resolução padece de manifesto vício de desconformidade do regulamento com leis de hierarquia superior – por violação da CRP, da Lei Orgânica do SEF e do Estatuto do Pessoal do SEF – usurpando competências legislativas que apenas podem ser exercidas por lei, em violação da reserva absoluta de lei parlamentar – al. u) do art. 164.º da CRP leis estas que consubstanciam um parâmetro de vinculação dos regulamentos administrativos, acarretando a ilegalidade das normas constantes da Resolução, na medida em que violam frontalmente o disposto na Lei Orgânica do SEF e no Estatuto do pessoal do SEF (art.s 2º, nº 1, al. a) e 19º a 16º) – violação da Lei de Segurança Interna (art.s 1º, 2º, nºs 2 e 3 e 25º e segs da Lei 53/2008, de 29.08) e de Leis Orgânicas da GNR, PSP e PJ.

- A Resolução viola ainda a Lei da Organização da Investigação Criminal.

- O requisito do periculum in mora (art.120º, nº 1, ex vi art. 130º, nº 4 do CPTA está presente, pois só a concessão da providência cautelar de suspensão da Resolução, pode evitar a perpetuação, na esfera jurídica dos associados da Requerente (dos particulares e do Estado Português), de prejuízos irreparáveis.

Caso não seja deferida, a Resolução em causa determinará, para além dos seus efeitos imediatos, a perpetuação de uma situação de ilegalidade flagrante (e de inconstitucionalidade) de difícil reparação, na medida em que será objecto da produção de atos legislativos, regulamentares e administrativos consequentes da Resolução que ferirão a esfera jurídica dos associados da Requerente, dos particulares e do Estado Português, produzindo efeitos de muito difícil reparação.

- O n.º 2 do artigo 120.º do CPTA impõe ainda a ponderação entre os prejuízos que recairão sobre os associados do Requerente, em caso de recusa da providência, e os eventuais prejuízos para os demais interesses em presença em consequência da respetiva concessão.

- A providência requerida não determina danos para o interesse público, pois não se destina apenas a defender os interesses dos associados do Requerente, mas também evitar a violação flagrante dos princípios constitucionais e legais que enformam tanto a atividade dos associados do Requerente, como das forças de segurança, a principal consequência da suspensão da eficácia da Resolução é que terá de se proceder à manutenção das competências e estrutura organizativa do SEF nos termos em que constitucional e legalmente se encontravam previstos antes da entrada em vigor da Resolução, fazendo-se cessar a execução de um regulamento administrativo inconstitucional, ilegal e inválido, com os inerentes benefícios para o interesse público e a segurança dos cidadãos.

2. O requerido veio deduzir a sua oposição, excecionando e impugnando pretensão cautelar.

Invoca a exceção de incompetência absoluta da jurisdição administrativa invocando que pedido de suspensão da eficácia apenas pode ter por objeto os atos da função administrativa atuais e devidamente identificados, que preencham os pressupostos estabelecidos no CPTA e a exceção de insuscetibilidade de suspensão dos efeitos das disposições objeto do pedido, por violação dos requisitos do artigo 130º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Por impugnação refere que o requerente não consegue demonstrar o preenchimento cumulativo dos requisitos constantes do nº 1 e do nº 2 do artigo 120º do CPTA para que remete o nº 4 do artigo 130º do mesmo diploma legal, não se verificando os requisitos da providência cautelar.

3. O requerente responde às exceções no sentido da sua improcedência invocando que a Resolução contém disposições normativas que produzem efeitos externos, imediatos, portanto suscetíveis de impugnação direta junto da jurisdição administrativa, nos termos do preceituado no artigo 73.º, n.º 1 do CPTA, e que tem legitimidade.


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Comecemos por conhecer as exceções arguidas pelo CM.

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1. O Conselho de Ministros invoca a exceção de incompetência absoluta da jurisdição administrativa invocando que o pedido de suspensão da eficácia apenas pode ter por objeto os atos da função administrativa atuais e devidamente identificados, que preencham os pressupostos estabelecidos no CPTA.

E que a Resolução do CM 43/2021 é constituída por opções primárias que, de acordo com o Governo, devem enformar os instrumentos legislativos que estabelecem os regimes jurídicos de determinadas políticas públicas - e não à atividade posterior que executa tais opções, que cabe na função administrativa – pois concretiza opções do Governo de política pública setorial, sendo nalguns casos somente auto-vinculações de produção legislativas assumidas para um futuro próximo, sendo pois um ato emitido na prossecução da função política do Estado e não na prossecução da função administrativa.

Conclui assim que, por estar em causa a apreciação de atos praticados no exercício da função política o STA é materialmente incompetente para apreciar o pedido formulado, devendo ser declarada a incompetência da jurisdição administrativa e sua absolvição da instância.

O requerente responde no sentido de que está em causa uma norma de natureza regulamentar pelo que a jurisdição administrativa é a competente.

Vejamos então se a Resolução suspendenda tem um conteúdo que se insere no exercício da função política atribuída pela Constituição ao Governo.

O art. 212º, nº 3, CRP determina que a competência material dos tribunais administrativos diz respeito aos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas.

O art. 4º, nº 3, al. a), estabelece que “3- Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de: a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa” .

Pelo que não há dúvida que a jurisdição administrativa não tem competência para determinar a suspensão jurisdicional da eficácia no âmbito da atividade política e legislativa do governo nos termos do nº 3 do artigo 4º do ETAF.

Como se extrai do acórdão P. 01357/15 de 17/11/2016 do Pleno da Secção do CA do STA:

“(...) Tem sido considerado pacífico o entendimento segundo o qual, deve considerar-se que o exercício da função política se traduz em definir do interesse geral da colectividade e, por isso, que a mesma se concretiza na escolha das opções destinadas à preservação e melhoria do modelo económico e social por forma a assegurar a satisfação das necessidades colectivas de segurança e de bem estar das pessoas. E, por isso, é que só os órgãos superiores do Estado podem exercer essa função pois só eles têm legitimidade para definir, em termos gerais, os fins que a sociedade deve almejar, os meios que cabe utilizar para os alcançar e os caminhos que será necessário percorrer, legitimidade que encontra fundamento no sufrágio popular, isto é, na livre escolha dos cidadãos [cfr. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., vol. I, pg.s 8 a 10, Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo pg.s 29/30 e Freitas do Amaral Curso de Direito Administrativo, vol. I, pg 45, e Acórdãos deste STA de 22/04/93 (rec. n.º 29.790), de 9/06/1994, (rec n.º 33.975), de 5/03/98 (rec. n.º 43.438), de 9/05/2001 (rec. 28.775) e de 02/04/2009 (rec. nº 0195/08)].

Como também é indiscutível que a função administrativa se reporta a um momento posterior uma vez que se destina a aplicar as orientações gerais traçadas pela função política revestindo, no essencial, natureza executiva e complementar.

Porém, na organização do Estado, órgãos existem que podem praticar quer funções políticas, quer funções administrativas, quer ambas, pelo que, em concreto, por vezes não é fácil descortinar se os actos praticados têm natureza política ou administrativa.

E deste modo, impõe-se apurar quando é que os actos têm natureza política e quando é que têm natureza administrativa uma vez que só as decisões administrativas são susceptíveis de controlo judicial...”

É o seguinte o teor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2021:

“Sumário: Prevê a redefinição das atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

A segurança constitui um pilar fundamental do Estado de direito democrático e um garante da liberdade dos cidadãos, porque ninguém pode ser verdadeiramente livre se não se sentir seguro. Acresce que, um país seguro contribui também para uma sociedade mais tolerante, livre e democrática. Portugal tem sido reconhecido nos últimos anos como um dos três países mais seguros do mundo. Ora, num mundo assolado por ameaças globais cada vez mais diversificadas, complexas e sofisticadas, importa criar condições para que esse nosso estatuto de país seguro - por si próprio, um fator de competitividade internacional -, possa sair consolidado e reforçado.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) é um serviço de segurança integrado na área governativa da administração interna que, no quadro da política de segurança interna, tem por missão assegurar o controlo das pessoas nas fronteiras, dos estrangeiros em território nacional, a prevenção e o combate à criminalidade relacionada com a imigração ilegal e tráfico de seres humanos, gerir os documentos de viagem e de identificação de estrangeiros e proceder à instrução dos processos de pedidos no âmbito da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, na sua redação atual, na salvaguarda da segurança interna e dos direitos e liberdades individuais no contexto global da realidade migratória.

Enquanto órgão de polícia criminal, o SEF atua no processo, nos termos da lei processual penal, sob a direção e em dependência funcional da autoridade judiciária competente, realizando as ações determinadas e os atos por esta delegados.

Compete ainda ao SEF promover, coordenar e executar as medidas e ações relacionadas com estas atividades e com os movimentos migratórios e, a nível internacional, assegurar, por determinação do Governo, a representação do Estado Português nas instâncias preparatórias da União Europeia, bem como em organizações ou eventos internacionais relativos à sua área de atuação.

O Programa do Governo prevê a clara separação orgânica entre as funções policiais e administrativas do SEF. Relativamente às funções policiais - nomeadamente, o controlo das fronteiras aérea, terrestre e marítima e a investigação criminal, designadamente relacionada com o tráfico de seres humanos e auxílio à imigração ilegal -, tal implica uma redefinição do quadro do seu exercício entre os quatro órgãos de polícia criminal que atuam nesta área: a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, o SEF e a Polícia Judiciária. Na área administrativa - nomeadamente a de autorizações de residência, renovações de autorizações de residência e em matéria de asilo -, cumpre reforçar a dimensão de intervenção humanista que esta separação de áreas favorecerá, uma vez que Portugal adotou uma política ativa de considerar positiva a vinda de imigrantes para o País.

Por outro lado, o tráfico de pessoas está entre os fenómenos criminais de crescente complexidade que reclamam respostas atualizadas e mais eficazes. A prevenção e a repressão destes fenómenos impõem um reforço dos instrumentos de cooperação internacional e, bem assim, uma coordenação cada vez mais eficaz das forças e serviços de segurança.

A imigração foi e é um contributo útil para a sustentabilidade demográfica e o desenvolvimento económico do nosso país.

Importa, pois, respeitar a dignidade de quem procura o nosso país para viver e fruir das oportunidades oferecidas, assegurando um exercício adequado e proporcional dos poderes de autoridade por parte do Estado.

Assim, e sem prejuízo de uma atuação determinada no combate às redes de tráfico humano ou na prevenção do terrorismo, há que reconfigurar a forma como os serviços públicos lidam com o fenómeno da imigração, adotando uma abordagem mais humanista e menos burocrática, em consonância com o objetivo de atração regular e ordenada de mão-de-obra para o desempenho de funções em diferentes setores de atividade.

Para este efeito, e tal como estabelecido no Programa do XXII Governo Constitucional, o Governo vem agora estabelecer as traves mestras de uma separação orgânica muito clara entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes.

Assim:

Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

1 - Aprovar as orientações de política legislativa para a concretização da reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em execução do estabelecido no Programa do XXII Governo Constitucional.

2 - Determinar a criação do Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA), que sucede ao SEF, enquanto serviço central, que integra a administração direta do Estado, organizado hierarquicamente na dependência do membro do Governo responsável pela área da administração interna, com autonomia administrativa.

3 - Estabelecer que, no quadro da política de segurança interna, o SEA deve ter atribuições de natureza técnico-administrativa na concretização de políticas em matéria migratória, como sejam as áreas documental, de gestão de bases de dados, de relacionamento e cooperação com outras instituições e de representação externa, designadamente no âmbito do Espaço Schengen e com as agências europeias de fronteiras e de asilo.

4 - Determinar que devem transitar do SEF para a Guarda Nacional Republicana as seguintes atribuições de natureza policial:

a) Vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras marítima e terrestre;

b) Agir no âmbito de processos de afastamento coercivo e à expulsão judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas da sua jurisdição;

c) Assegurar a realização de controlos móveis e de operações conjuntas com forças e serviços de segurança nacionais e congéneres espanhóis.

5 - Estabelecer que devem transitar do SEF para a Polícia de Segurança Pública as seguintes atribuições de natureza policial:

a) Vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras aeroportuárias e terminais de cruzeiros;

b) Agir no âmbito de processos de afastamento coercivo e de expulsão judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas da sua jurisdição.

6 - Determinar que a investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e de outros com estes conexos deve passar a ser competência reservada da Polícia Judiciária.

7 - Determinar que deve transitar do SEF para o Instituto dos Registos e Notariado, I. P. (IRN, I. P.), a competência para emitir passaportes e renovar as autorizações de residência, garantindo-se mecanismos de célere tramitação e simplificação do procedimento, incluindo o acesso pelo IRN, I. P., às bases de dados necessárias para o efeito, previstas no n.º 12.

8 - Estabelecer que deve ficar salvaguardado o direito à carreira dos trabalhadores do SEF, designadamente dos trabalhadores integrados na carreira de investigação e fiscalização.

9 - Prever a manutenção do regime atual de passagem à disponibilidade dos trabalhadores da carreira de investigação e fiscalização, com 55 ou mais anos de idade.

10 - Aprovar, até ao final do 1.º semestre de 2021, as regras sobre os mecanismos de transição de mapas de pessoal ou exercício de funções noutros organismos, das pessoas do mapa de pessoal do SEF, nos termos do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro.

11 - Determinar que as regras que estabeleçam e delimitem a possibilidade de os trabalhadores do SEF manifestarem a opção de transição para os mapas de pessoal dos órgãos ou serviços públicos que recebam competências no âmbito da reestruturação do SEF, a que se refere o número anterior, devem estabelecer o limite temporal aplicável à referida opção, o qual não pode ser posterior a 31 de dezembro de 2021.

12 - Determinar que a gestão integrada das bases de dados, atualmente da responsabilidade do SEF, transite para o SEA, em articulação com a Rede Nacional de Segurança Interna, sendo garantido o acesso a todas as entidades legalmente habilitadas para tal.

13 - Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua aprovação.

Presidência do Conselho de Ministros, 8 de abril de 2021. - O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.

A Estrutura Orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi criada pelo DL n.º 252/2000, de 16 de outubro no uso da autorização legislativa concedida no artigo 1.º da Lei n.º 24/2000, de 23 de agosto, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição.

E, nos termos do art. 198º nº1 al. b) da CRP:

“1. Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:

b) Fazer decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta”.

A função política corresponde à definição primária e global do interesse público, interpretando os fins do Estado enquanto que a função administrativa visa antes ou envolve a eventual realização de opções circunscritas a aspetos secundários, instrumentais em relação às opções já contidas na lei e que se destinam a produzirem efeitos jurídicos no âmbito de relações entre a Administração e os particulares.

A este propósito diz-se no Acórdão do STA no Proc. n.º 1214/05, de 05.12.2007: «Sucede que o Legislador não definiu o que se deva entender por atos praticados no exercício da função política, daí que o conceito de tal função se deve clarificar, recorrendo, desde logo, ao texto constitucional, em especial, os artigos 133º, 134º, 135º, 141º, 145º, 161º, 163º, 197º e 201º, da CRP.
Podemos, assim, concluir que o Legislador faz apelo a critérios materiais para se saber se se está perante um ato excluído da jurisdição administrativa.
Não é relevante, por isso, o critério puramente orgânico, que pretende aferir a natureza política das funções exercidas partindo da autoria do ato em causa.
Por outro lado, relevante também não é um critério formal, assente apenas na forma externa de que se revista o ato em questão.
De qualquer maneira, importa salientar ser perfeitamente compreensível a exclusão contida na dita alínea a), do nº 2, do artigo 4º do ETAF.(...)
No tocante ao nosso ordenamento jurídico temos que, como já se salientou, é de seguir o critério material.
Ou seja, aquele que atende às funções do Estado, definidas por um critério material.
Assim, serão atos políticos os praticados no desempenho da função política e que têm por objecto direto e imediato a conservação da sociedade política e a definição e prossecução dos interesses essenciais da coletividade mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis, exprimindo tais atos, precisamente, as opções do poder político, as quais não podem, por isso, ser sujeitas a controlo jurisdicional, por este se ter de situar ao nível do controle de legalidade, não podendo os tribunais exercer, por isso, qualquer tipo de apreciação quanto ao mérito ou demérito de tais volições primárias dos órgãos políticos, quando atuem no exercício da função política.
No âmbito da função política cabe, designadamente, definir primária e globalmente o interesse público, interpretando-se os fins do Estado e elegendo os meios que em cada momento sejam tidos por adequados à sua concreta prossecução.(...)
Porém, a jurisprudência do STA não tem sido uniforme quando se trata de densificar o conceito de atos praticados no exercício da função política, embora os acórdãos mais recentes tenham alinhado pela tónica já atrás enunciada, ou seja, que a função política correspondente à prática de atos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da coletividade, assumindo-se, assim, como próprio da função política a definição do interesse geral da comunidade, traçando os rumos do destino coletivo, daí o seu cariz eminentemente criador, livre e primário, ainda que limitado em certas áreas pela CRP Confrontar, neste sentido, em especial, os Acs. de 6-2-01 – Rec. 45990, de 9-5-01 – Rec. 28775, de 6-4-02 – Rec. 48174, de 6-3-07 – Rec. 1143/06 e de 30-10-07 – Rec. 477/07”.
Neste mesmo sentido diz-se no Acórdão do STA n.º 714/10, de 12.10.2012: «De acordo com a doutrina e a jurisprudência a função política consiste na escolha das opções destinadas à preservação e desenvolvimento do modelo económico e social que enforma uma organização social e a função administrativa traduz-se na materialização dessas opções. Por ser assim é que só os órgãos superiores do Estado – entre eles o Governo - podem exercer a função política pois só eles têm legitimidade para definir, em termos gerais, as finalidades que a sociedade deve prosseguir, os meios que cabe utilizar para as alcançar e os caminhos que para o efeito terá de percorrer.
É, assim, evidente que a atividade administrativa funciona a jusante da função política e que a mesma, no essencial, reveste natureza executiva - a de pôr em prática as orientações gerais traçadas pelos órgãos políticos (Vd. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., pg.s 8 a 10 e 429 e seg.s, S. Correia, Noções de Direito Administrativo pg.s 29/30 e F. Amaral Curso de Direito Administrativo, vol. I, pg 45, e Acórdão deste STA de 22/04/93 (rec. n.º 29.790), de 9/06/1994, (rec n.º 33.975), de 5/03/98 (rec. n.º 43.438) e de 9/05/2001 (rec. 28.775)”. Atenhamo-nos, então, ao conteúdo da Resolução aqui em causa para aferir da sua natureza jurídica.

Desde logo, não há qualquer dúvida que não se tratam de atos legislativos, nos termos do art. 112º nº 1 da CRP.

Colocando-se a questão de saber se se trata de um ato que se integra no exercício da competência política do Governo ou se, pelo contrário, a Resolução tem um conteúdo normativo com eficácia externa, que, a ser este o caso, implicará ter de ser tratado como normativo regulamentar.

É certo, como vimos, que a referida Resolução foi tomada ao abrigo da al. g) do art. 199º da CRP que confere competência administrativa ao Governo para “Praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas”.
Contudo, analisando a referida Resolução resulta do seu nº1 que a mesma consubstancia uma série de” orientações de política legislativa para a concretização da reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em execução do estabelecido no Programa do XXII Governo Constitucional.”

Revela, pois, na mesma que estão em causa princípios e critérios orientadores de política legislativa em termos de orientação e definição de escolhas políticas em termos da estruturação e organização das forças de segurança e que é emanada pelo Governo no exercício da sua função política.

Ou seja, resulta do primeiro número da Resolução que estamos perante um “princípio geral”, por que se deverá reger a prossecução e realização de objetivos de política legislativa.
E não se diga que os restantes números contêm disposições de cariz manifestamente regulamentar.
Ora, não há dúvida que os restantes números da Resolução revelam o exercício pelo Governo da função político-legislativa por se tratar da extinção da estrutura orgânica do SEF criado pelo DL n.º 252/2000, de 16 de outubro no uso da autorização legislativa concedida no artigo 1.º da Lei n.º 24/2000, de 23 de agosto, e da determinação da criação do Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA), que lhe sucede, tudo se passando, também no exercício das opções políticas primárias.

Assim, ainda que seja feita expressa referência à al. g) do art. 199º da CPR, ou seja, de que a Resolução é tomada no exercício da competência administrativa do Governo prevista nessa disposição, o nº 1 da Resolução é um ato político/legislativo, estando a sua sindicabilidade afastada da jurisdição administrativa.

Em suma, as disposições da RCM nº 43/2021 não revestem a natureza "normas regulamentares administrativas".

E tanto assim é que recentemente deu entrada na AR a Proposta de Lei nº 104/XIV/2, em que se propõe a concretização e operacionalização em lei das orientações fixadas na RCM nº 43/2021, com a respetiva alteração da Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto (Lei de Segurança Interna), da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal), da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro (orgânica da Guarda Nacional Republicana) e da Lei n.º 53/2007 (orgânica da Polícia de Segurança Pública).

Estamos, assim, perante litígio que cai na previsão da alínea a) do nº 3 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais pelo que a competência para conhecer da RCM 43/2021 não pertence à jurisdição administrativa.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões em causa nestes autos.


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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em julgar procedente a exceção de incompetência material deste Supremo Tribunal e em consequência absolver o CM da presente instância.

Sem custas.

Lisboa, 13/7/2021

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, a Relatora atesta que os Juízes Conselheiros Adjuntos Drs. Adriano Cunha e Carlos Luís Medeiros de Carvalho têm voto de conformidade.
Ana Paula Soares Leite Martins Portela