Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01122/14
Data do Acordão:11/20/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:ASSOCIAÇÃO
UTILIDADE PÚBLICA
PREJUÍZO PARA TERCEIROS
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:É de admitir revista estando em discussão se em providência de suspensão de eficácia de acto administrativo uma associação de utilidade pública pode arvorar como elemento integrador do periculum in mora os prejuízos para os seus associados.
Nº Convencional:JSTA000P18258
Nº do Documento:SA12014112001122
Data de Entrada:10/16/2014
Recorrente:CLUBE DE CAMPISMO DE LISBOA
Recorrido 1:COSTAPOLIS - SOCIEDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA POLIS NA COSTA DA CAPARICA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. O Clube de Campismo de Lisboa intentou processo cautelar contra COSTAPOLIS – Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis na Costa da Caparica, S.A., peticionando a suspensão de eficácia da deliberação do seu Conselho de Administração, de 14/02/2013, a qual determinou a entrega pela requerente, no prazo de 120 dias, de uma parcela do terreno que ocupa, com a área de 1,6 hectares, propriedade da entidade requerida, acrescida de 1520 m2 em domínio público marítimo integrado na Zona de Intervenção da Praias Urbanas.

1.2. O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por sentença de 11/04/2014 (fls. 667 a 720), julgou procedente o pedido e decretou a providência solicitada.

1.3. A requerida recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão 10/08/2014 (fls. 849 a 862), concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogou a sentença e julgou totalmente improcedente o pedido de suspensão de eficácia.

1.4. É desse acórdão que o Clube de Campismo de Lisboa vem, ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, requerer a admissão do recurso de revista. Sustenta que a questão que submete à apreciação deste Tribunal «se reveste de importância fundamental, sendo também a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que se trata de decidir sobre o sentido e o alcance do regime jurídico que confere às associações de direito privado, titulares do estatuto de utilidade pública, o direito de impugnar judicialmente um ato administrativo, bem como o requerer a suspensão de eficácia desse ato, quanto aos direitos e interesses que lhe cumpra defender, nomeadamente para os efeitos nos artigos 9.º, n.º 2, e 55.º do CPTA».

1.5. A recorrida sustenta a não admissão.

Cumpre apreciar e decidir.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevê excepcionalmente recurso de revista quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Este Tribunal tem sublinhado, em jurisprudência constante, que não estamos perante um recurso normal de revista, pois que das decisões dos tribunais administrativos proferidas na sequência de recurso de apelação não cabe, em princípio, revista; estamos perante uma revista excepcional, que deverá funcionar apenas como uma válvula de segurança do sistema.

2.3. Como se viu, as instâncias divergiram.
O TAC de Lisboa deu por verificados todos os pressupostos de adopção da providência.
Para a melhor compreensão, deve recordar-se que na apreciação do periculum in mora, o TAC considerou que o requerente «alegou factos, bem como provou factos relativos aos utentes do parque de campismo, cujo encerramento como consequência, da entrega da parcela são afectados na sua vivência diária por se tratarem de pessoas, na sua maioria, já de idade, que optam por passar a maior parte do tempo no parque de campismo, pelas infra-estruturas que podem beneficiar do mesmo, para além de estarem integradas em grupo, e terem acesso, a variadas actividades que de outro modo não teriam acesso, não fosse o facto de serem sócias da requerente e utentes do parque de campismo. Ora, a interferência naquele modus vivendi constitui necessariamente se não decretada a providência cautelar danos de difícil reparação, pois a compensação monetária não pode sequer compensar as influências negativas na vida diária daqueles utentes a sua maioria já idosos …».

Já, o acórdão do Tribunal Central alicerçou a revogação daquela sentença, essencialmente, na ponderação de que o requerente «intentou o presente processo cautelar para evitar que sejam causados danos aos seus sócios (que são utentes do parque de campismo que se encontra instalado no terreno cuja desocupação foi determinada pelo acto suspendendo), isto é, não alegou — e, em consequência, não provou — qualquer dano relativo à sua esfera jurídica que pretende evitar com o deferimento da suspensão da eficácia solicitada, sendo certo que a decisão recorrida decretou tal providência atendendo, em exclusivo, aos prejuízos que incidem na esfera jurídica dos utentes/sócios do recorrido.
Ora, são irrelevantes os prejuízos que incidem na esfera jurídica dos que não são requerentes da suspensão da eficácia, dado que a situação destes não é objecto da protecção concedida por este meio processual…».
A favor do seu entendimento da irrelevância dos prejuízos dos utentes/sócios, aduziu, nomeadamente, diversos acórdãos deste Supremo Tribunal, proferidos no quadro da LPTA.
Ora, a questão principal que o recorrente suscita reside, precisamente, em determinar-se as circunstâncias em que as associações de utilidade pública podem, em pedido de suspensão de eficácia de acto impugnado, arvorar os prejuízos para os seus associados, como elemento integrador do periculum in mora; ou seja, importa determinar em que circunstâncias os prejuízos dos associados não são de classificar como prejuízos de terceiros.
O recorrente considera que o presente caso é um dos que impõe que os prejuízos dos seus associados que estão dados como provados não sejam considerados prejuízos de terceiros, pois que os interesses em causa se integram nos que estatutariamente lhe estão cometidos defender.
No presente caso, para além de se observar a divergência de julgamento das instâncias, observa-se que o acórdão recorrido não chegou a proceder a uma análise estatutária, tendo imediatamente excluído a possibilidade de consideração dos prejuízos alegados e provados.
Trata-se, assim, de questão de direito importante sendo que a sua importância fundamental, no quadro das providências cautelares, se revela, desde logo, pelo destino imediato de improcedência, em situações do género, a seguir-se o entendimento do acórdão recorrido. Além disso, estando em causa um largo universo (são mais de 3000 cidadãos os que estão instalados no parque), tem o caso importância social fundamental.

3. Em face do exposto, admite-se a revista.
Lisboa, 20 de Novembro de 2014. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.