Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:028/18
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
ATRASO NA JUSTIÇA
Sumário:Não é de admitir a revista tirada do acórdão que fixou uma indemnização pelos danos morais resultantes da excessiva demora de uma acção de reivindicação se for óbvio que o TCA andou bem ao recusar que esse atraso envolvesse a ofensa do direito de propriedade do reivindicante, ao determinar equitativamente o «quantum» indemnizatório e ao abater a essa importância a indemnização que, em observância do decidido pelo TEDH, o Estado já prestara ao lesado pelos mesmos danos.
Nº Convencional:JSTA000P22839
Nº do Documento:SA120180125028
Data de Entrada:01/16/2018
Recorrente:A.....
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A…….., identificado nos autos, interpôs esta revista do acórdão do TCA-Norte confirmativo de vários despachos proferidos na 1.ª instância e revogatório, mas só numa restrita parte, da sentença do TAF do Porto – aresto esse que fixou a indemnização a pagar ao autor pelo Estado, a título de danos morais decorrentes do atraso havido num processo judicial.

O recorrente pugna pela admissão da revista para se corrigir o aresto «sub censura».
O Estado, representado pelo MºPº, considera a revista inadmissível.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
A acção dos autos funda-se, essencialmente, na responsabilidade civil do Estado pela demora excessiva de uma acção de reivindicação – que correu termos, em 1.ª instância, no Tribunal Judicial de VN Gaia – instaurada pela mãe e antecessora do recorrente contra o Município de VN Gaia e relativa a uma parcela de terreno que tal autora anteriormente cedera a este réu.
Porém, a petição dos autos incluiu acessoriamente, nos pressupostos da responsabilidade civil do Estado, um acórdão transitado do STA; e imputou ao réu Estado – ainda como fruto do atraso desse processo judicial – a violação do direito de propriedade da inicial autora sobre o mesmo terreno, com consequente obrigação de indemnizar.
As instâncias apenas reconheceram que a «reivindicatio» não fora decidida em prazo razoável. Daí que o TAF tivesse condenado o Estado a pagar à autora as importâncias de € 1.431,80 (por danos patrimoniais) e de € 18.000,00 (por danos morais). Mas esta última importância foi pelo TCA corrigida para € 21.000,00, a que se seguiu o abatimento de € 9.600,00, já satisfeitos pelo Estado Português a esse título, na sequência da sua condenação do TEDH.
Na presente revista, o recorrente desfecha quatro básicas críticas ao acórdão «sub specie». E nelas avulta, pela sua óbvia magnitude, a reafirmação da tese, recusada pelas instâncias, de que o atraso havido na dita acção de reivindicação traduzira uma ofensa, pelo Estado, do direito de propriedade da autora; de modo que o Estado devia ter sido condenado a pagar ao recorrente o valor do terreno alvo da «reivindicatio» e, ainda, os lucros cessantes que a aplicação desse valor propiciaria.
Mas esta pretensão do recorrente carece de sustentáculo jurídico. A acção dos autos radica na violação do direito à obtenção de justiça em prazo razoável. Quando o Estado ofende esse direito não se torna, «eo ipso», co-autor na violação dos direitos subjectivos invocados na acção atrasada. E fere o bom senso pedir-se que o Estado pague o valor de um terreno – para além dos frutos civis desse valor – que persiste na esfera jurídica do peticionante.
Portanto, o acórdão «sub censura», ao recusar que o recorrente possa ser indemnizado pelo réu Estado com base na violação do seu direito de propriedade, decidiu bem e não merece ser revisto.
O que dissemos sobre o anterior ponto resolve logo a questão de saber se o aresto «sub specie» deve ser revogado para que, anulando-se a perícia realizada quanto aos lucros cessantes possibilitados pelo valor do terreno, se ordene a realização de uma segunda peritagem. Na verdade, a circunstância do Estado não ter de indemnizar o ora recorrente pelo valor do terreno prejudica tudo o que se concluísse acerca desse valor e dos réditos que ele possibilitaria.
E isto mostra que este ataque ao aresto também não justifica a admissão da revista.
O recorrente censura ainda o TCA por haver descontado, no «quantum» da indemnização por danos morais, o montante que o Estado já satisfizera, a mando do TEDH; pois, segundo diz, nenhuma «disposição normativa» impede a «cumulação» das duas indemnizações.
Mas é claríssimo que o TCA andou bem neste ponto. Tratando-se dos mesmos danos morais, o Estado não tem de os ressarcir por duas vezes – como resulta da lógica e, ainda, da letra e da «ratio» das normas sobre a obrigação de indemnização e a extinção das obrigações pelo cumprimento. Daí que, à indemnização que o TCA globalmente arbitrara em sede de danos morais, tivesse de ser abatido, «ex necessitate», o quantitativo que o Estado já prestara por essa mesma causa e a esse título. E tal «modus operandi» do TCA, sendo claro e exacto, não exige reanálise.
Por último, o recorrente ataca o acórdão porque o valor da indemnização – pelos danos morais advindos da ofensa do «direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável» – mereceria ser revisto. No entanto, o aresto recorrido explicou, com aparente acerto e com flagrante plausibilidade, os motivos por que equitativamente chegou ao «quantum» indemnizatório. E, assim sendo, nenhuma justificação há para que quebremos, neste domínio, a regra da excepcionalidade das revistas.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.