Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:043023
Data do Acordão:06/17/2004
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:GOUVEIA E MELO
Descritores:REQUISIÇÃO CIVIL.
GREVE.
TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS.
Sumário:Verificam-se os pressupostos que condicionam o reconhecimento da necessidade em decretar a requisição civil, nos termos previstos no DL nº. 637/74, de 20/11, quando, como no caso, se tratava de assegurar o regular funcionamento de actividades fundamentais, cuja paralisação acabaria por causar perturbações graves na vida social e económica, dado-se encontrar em questão uma actividade -o transporte aéreo- que é essencial ao funcionamento da vida colectiva.
Nº Convencional:JSTA00061418
Nº do Documento:SAP20040617043023
Data de Entrada:05/08/2003
Recorrente:SIND DOS PILOTOS DA AVIAÇÃO CIVIL
Recorrido 1:CM
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC STA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:RCM 131/97 DE 1997/08/09.
DL 637/74 DE 1974/11/20 ART1 ART3 ART4.
DL 65/77 DE 1977/08/26 ART8.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no pleno da 1ª. Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
O Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), melhor identificado nos autos, vem recorrer para este Tribunal Pleno do acórdão da Secção, de 16/6/2000 (fls. 323 e segts. dos autos), que negou provimento ao recurso contencioso que o mesmo havia interposto da Resolução do Conselho de Ministros, nº. 131-A/97, de 9 de Agosto, a qual tinha reconhecido a necessidade de se proceder à requisição civil, dentro e fora do território nacional, dos trabalhadores da TAP – Transportes Aéreos Portugueses, S.A., associados no Sindicato ora recorrente e outros que viessem a aderir às greves pelo mesmo decretadas através dos pré-avisos de greve, de 16/2/96, 28/2/97 e 15/7/97, autorizando os Ministros das Finanças, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, da Economia e a Ministra para a Qualificação e o Emprego, a promover a requisição civil dos aludidos trabalhadores.
Nas suas alegações para este Tribunal Pleno conclui o ora recorrente – Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil – do seguinte modo, que se transcreve:
«1 - A requisição em causa anulou completamente as greves declaradas pelo Recorrente.
« 2 - Abrangeu a totalidade dos serviços dos Pilotos.
« 3 - Não excluiu quaisquer deles, e muitos menos os que excedessem os serviços mínimos.
« 4 - A requisição não identificou sequer quaisquer serviços mínimos.
« 5 - Que não tinham sido entretanto estabelecidos por ninguém.
« 6 - A requisição contra a greve só é admissível, pela nossa Constituição e pela nossa lei ordinária, a título excepcional.
« 7 - Ela vai contrariar um direito fundamental - o direito à greve - pelo que só em nome duma necessidade social impreterível e superior poderá ser constitucional e legal.
« 8 - O DL n°. 637/74, que regula a requisição e foi anterior ao actual período constitucional, tem de ser considerado limitado, no que se refere à requisição que contrarie greve, pelos preceitos constitucionais e pelos da Lei da Greve.
« 9 - Só é admissível para assegurar o cumprimento da obrigação de serviços mínimos prevista no artº. 8°. da Lei da Greve.
« 10 - Tendo desrespeitado tais limites, a Resolução recorrida violou os artºs. 18°. e 57°. da Constituição.
« 11 - E violou também a Lei da Greve, nomeadamente o seu artº. 8°., pois não visou garantir serviços mínimos.
« 12 - Mas sim toda a operação, na sua normalidade e regularidade, e mesmo na sua anormalidade e irregularidade.
« 13 - As greves em causa apenas tinham como objecto serviços anormais e irregulares dos Pilotos, não planeados, em dias de folgas ou de férias, ou que eles não estavam obrigados a prestar.
« 14 - Uma companhia aérea minimamente organizada não precisa de recorrer ao trabalho extraordinário dos Pilotos para assegurar a normalidade e a regularidade da sua operação.
« 15 - Por isso a TAP não precisava do trabalho abrangido pelas greves em causa para assegurar a sua regular exploração, e muito menos os serviços mínimos.
« 16 - Os serviços mínimos são apenas os que correspondam a necessidades sociais impreteríveis.
« 17 - No caso presente não ficavam, por definição, minimamente afectados pelas greves declaradas.
« 18 - O acto recorrido foi portanto afectado por violação de lei.
« 19 - Também foram errados os pressupostos em que se baseou a Resolução em questão, que não correspondiam à realidade, como dos autos se alcança.
« 20 - E tal erro é relevante e configura violação de lei.
« 21 - Sendo no uso de poder discricionário quanto ao objecto, requisição teria de ter motivos determinantes inteiramente que não divergissem dos fins legais para que foi instituída.
« 22 - Não foi assim no caso vertente, uma vez que foi motivo determinante, expressamente declarado no preâmbulo da resolução, a “ viabilização da TAP ”.
« 23 - Tal fim diverge do legal.
« 24 - Como tal o acto é também afectado de desvio de poder. »
Contra-alegou o Primeiro-Ministro, defendendo o improvimento do presente recurso jurisdicional.
Neste Tribunal Pleno o Exmº. magistrado do Ministério Público emitiu parecer no mesmo pendor.
Redistribuído que foi o processo ao presente relator e colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Da matéria recolhida no acórdão recorrido resulta que pela Resolução do Conselho de Ministros nº. 131-A/97, de 9 de Agosto, publicada no DR I série-B, da mesma data, foi decidido reconhecer, ao abrigo do nº. 1 do artº. 1º. e da al. c) do nº. 1 do artº. 3, do DL nº. 637/74, de 20/11, a necessidade de se proceder à requisição civil, dentro e fora do território nacional, dos trabalhadores da TAP – Transportes Aéreos Portugueses, S.A., associados do Sindicato recorrente e outros que venham a aderir às greves pelo mesmo decretadas através dos avisos de greve datadas de 16/2/96, de 28/2/97 e de 15/7/97 ( nº. 1 da citada Resolução ).
E mais resulta ainda do acórdão recorrido que no nº. 2 da mesma Resolução nº. 131-A/97, foram atribuídos aos Ministros das Finanças, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, da Economia e à Ministra para a Qualificação e o Emprego, poderes no sentido de promover a requisição civil dos trabalhadores mencionados no nº. 1 da mesma Resolução, acima transcrito, desiderato este depois preenchido através da Portaria nº. 643-A/97, de 9/8/97, publicada no DR I série-B, da mesma data, da autoria dos acima referidos membros do Governo.
Portaria esta por força da qual se procedeu à requisição civil dos trabalhadores grevistas, com o âmbito pessoal e temporal delimitado nos referidos instrumentos legais.
Decisão a qual o acórdão recorrido entendeu não padecer dos vícios que o Sindicato ora recorrente lhe atribuía em sede do recurso contencioso dos autos.
É contra semelhante entendimento que o mesmo Sindicato se insurge através do recurso judicial que para este Tribunal Pleno agora traz do acórdão da Secção que assim julgou.
Vejamos se com fundamento bastante.
Liminarmente importa começar por fazer uma precisão relevante.
Em parte substancial das conclusões da sua alegação, mais acima transcritas, defendo o recorrente que a requisição no caso decretada pelo Governo terá de ser contrastada com a Lei da Greve ( DL nº. 65/77, de 26/8 ), nomeadamente com o seu artº. 8º., o qual, segundo entende, sujeita em cada caso a requisição ao desrespeito pelas associações sindicais e trabalhadores do disposto no nºs. 1, 2 e 3 do mesmo artº. 8º., o que na situação sub judice se não teria verificado.
Mas o certo é que o acórdão recorrido de forma expressa entendeu que no caso a requisição civil tinha sido decretada ao abrigo do DL nº. 637/74, de 20/11, razão por que “ a legalidade material do acto contenciosamente impugnado se tem de aferir face aos pressupostos naquele diploma enunciados e não através dos pressupostos respeitantes ao instituto afim, (da Lei da Greve – artº. 8º., nº. 4 da Lei nº. 65/77).
Conclusão esta irrecusável, uma vez que a resolução do Conselho de Ministros autorizativa da requisição em causa se apoia exclusivamente, como resulta dos respectivos considerandos, no DL nº. 637/74 e, de forma específica, no seu artº. 4º..
Ora, se como agora entende o recorrente, a requisição em causa se deveria pautar antes pela Lei da Greve e pelo normativo do seu artº. 8º., ou devendo esta pelo menos integrar também o seu quadro legal, então o que se verificaria é que o acto administrativo consubstanciado naquela requisição passava a ficar inquinado de erro nos pressupostos de direito nessa parte.
Só que tal erro assim desenhado como causa de pedir não foi alegado, no recurso contencioso, perante a Secção, que dele consequentemente não conheceu.
Daí que seja defeso agora ao recorrente, em sede de recurso jurisdicional do acórdão recorrido, suscitar tal questão, sabido como é que os recursos desse tipo visam alterar decisões e não criá-las sobre matéria nova.
Conclui-se assim que as conclusões 1ª. a 18ª. da alegação – e era esta a precisão que, como se disse acima, se impunha no caso fazer liminarmente -, na parte em que aludem ou pressupõem a questão acima equacionada improcedem necessariamente.
Resta agora apreciar, de tais conclusões, o que se situa para além de tal questão.
O que é bem pouco.
Na verdade, o ora recorrente admite, na sua alegação (cfr. fls. 364), que “o Dec. Lei nº. 637/74 não é, em geral, inconstitucional”, de acordo aliás com o decidido nessa parte no acórdão impugnado.
Ora, nesse âmbito e tal como se entendeu no mesmo aresto, há que reconhecer que “ no caso em apreço, atendendo às razões que motivaram a prática do acto recorrido, tem de se concluir que se verificaram os pressupostos que condicionam o reconhecimento da necessidade em decretar a requisição civil, nos moldes prescritos no DL nº. 637/74, já que se tratava de assegurar o regular funcionamento de actividades fundamentais, cuja paralisação acabaria por causar perturbações graves na vida social e económica”, dado se encontrar “em questão uma actividade (o transporte aéreo que é essencial ao funcionamento da vida colectiva ”.
Conclui-se assim nesta parte improceder a matéria das conclusões 1ª. a 18ª..
Nas conclusões 19ª. e 20ª. da alegação censura o ora recorrente o acórdão da Secção na parte em que o mesmo afastou o erro nos pressupostos de facto, o qual vinha, a par de outros, imputado ao acto impugnado em sede de recurso contencioso.
Mas também aqui falece razão ao recorrente.
É que o acórdão da Secção, ponderando nessa parte a matéria de facto, decidiu não se ter demonstrado “ que o acto recorrido se tivesse baseado em factos não coincidentes com a realidade ou apreciados erroneamente ”.
Semelhante conclusão, extraída no âmbito da matéria de facto – e sem que neste momento venha invocado ter sido tal juízo realizado com ofensa de qualquer regra ou princípio jurídico -, impõe-se a este Tribunal Pleno como tribunal de revista que é.
Improcede, pois, também, a matéria das referidas conclusões 19ª. e 20ª..
Resta, finalmente, apreciar a que se refere à das conclusões 21ª. a 24ª..
Diz a mesma respeito ao vício de desvio de poder que o recorrente contencioso havia a seu tempo invocado perante a Secção.
Esta, a esse respeito, ponderou, na parte que agora interessa, que “ contrariamente ao defendido pelo recorrente, não é possível concluir, do alargado elenco de motivos explicitados pela entidade recorrida na sua Resolução que levaram à tomada da medida nela enunciada, que a viabilização económica da TAP tenha sido erigida como motivo determinante ”.
Trata-se, também aqui, de um juízo de facto emitido pela Secção, o qual, como tal, e nos termos mais acima referidos, se impõe a este Tribunal Pleno.
Continuando o ora recorrente a pugnar por um desvio do fim legal em que incorreria o acto recorrido, desvio esse que contudo não encontra apoio na matéria de facto recolhida pela Secção nessa parte, como se disse, improcede necessariamente o conteúdo das conclusões 21ª. a 24ª. da alegação.
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Taxa de justiça: € 500.
Procuradoria : € 250.
Lisboa, 17 de Junho de 2004 - Pedro Manuel de Pinho de Gouveia e Melo (relator) - António Fernando Samagaio - Fernando Manuel Azevedo Moreira - João Pedro Araújo Cordeiro - José Manuel da Silva Santos Botelho - Maria Angelina Domingues - Luís Pais Borges - José Manuel Almeida Simões de Oliveira - Jorge Manuel Lopes de Sousa