Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01060/16.8BEALM
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
DEDUÇÕES
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
Sumário:I - As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II - Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei.
III - Donde que, à colecta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC.
IV - Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime do PEC não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.
Nº Convencional:JSTA000P27596
Nº do Documento:SA22021042801060/16
Data de Entrada:09/30/2020
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…………., S.A., com os demais sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 30/04/2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação intentada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referentes aos exercícios de 2013 e 2014, no que se refere ao valor liquidado a título de tributações autónomas, no montante de €20.633,92 e de €11.242,41, respectivamente.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………….., S.A., as seguintes conclusões:

a) A questão suscitada na impugnação, consiste em saber se decorria de alguma norma do CIRC que o PEC (assim como as demais deduções referidas no artigo 90.º, n.º 2, do citado Código) realizado num dado ano não podia ser deduzido à coleta de IRC apurada nesse ano, incluindo nessa coleta os montantes já pagos a título de tributações autónomas em sede de IRC.
b) O tribunal recorrido considerou que « a solução normativa do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC, interpretada num sentido puramente literal, como pretende a Impugnante, poderia abranger quer a liquidação do IRC, quer a liquidação das tributações autónomas, mas isso, como se viu, não se coaduna com o espírito da lei, nem é conforme às especificidades e natureza próprias das tributações autónomas e às finalidades subjacentes ao pagamento especial por conta», devendo pois tal disposição ser interpretada «de modo a restringir a remissão que faz para o n.º 1 do artigo 90.º, n.º 1 CIRC ao montante da coleta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º do CIRC à matéria coletável) e não aos montantes apurados a título de tributações autónomas (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 88.º do CIRC)».
c) Assim, o objeto do presente recurso não versa, propriamente, sobre o efeito da norma do artigo 135.º da LOE 2016, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma da 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pelo artigo 133.º da citada Lei, segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de PEC nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016; Embora, reflexamente, a questão seja exactamente essa.
d) A tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas efetuadas pela empresa, não visando a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico, mas antes desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa, constituindo, portanto, um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável, mas ainda assim, revelador da capacidade contributiva.
e) Porém, a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC.
f) Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, por via do art.º 133º da LOE/2016 – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas, sendo inovadora e diminuindo as possibilidades de o contribuinte realizar deduções à coleta de IRC.
g) O juízo de inconstitucionalidade acerca das “interpretações autênticas” determinadas pelo art.º 135º, no que se refere à solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da mesma LOE 2016, foi já objeto de, pelo menos, duas pronúncias do Tribunal Constitucional: a primeira, no acórdão n.º 267/2017; e a segunda, reafirmada na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 11/2018 e confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018; E em ambos os casos, foi julgado inconstitucional por violação da proibição da retroatividade dos impostos, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao disposto no n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, na parte em que determina que não há lugar a quaisquer deduções (nomeadamente, dos pagamentos especiais por conta) aos montantes de tributações autónomas que integram a coleta do IRC.
h) Mesmo que lograsse essa demonstração de se estar perante uma lei (a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC) interpretativa autêntica (por oposição a lei interpretativa só de nome), ainda assim a eventual pretensão de atribuição de carácter retroactivo a esta norma não se coadunaria com a proibição constitucional de retroactividade da lei fiscal.
i) Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação, estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil , nos seguintes termos: «1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo», mas, «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal» devendo o intérprete «presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».
j) Ao restringir a remissão que o nº 2 faz para o n.º 1 do artigo 90.º, CIRC ao montante da coleta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º do CIRC à matéria coletável) excluindo os montantes apurados a título de tributações autónomas (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 88.º do CIRC)», a sentença recorrida violou a referida disposição legal, e bem assim, o disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária e o artigo 9.º do Código Civil.
k) Atendendo ao elemento literal da norma constante do artigo 90.º, n.º 2 d) do Código do IRC, ao montante da colecta de IRC apurado, é dedutível
Ao que acresce que,
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É que, por um lado, o pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º daquele Código, uma vez que, no apuramento do lucro tributável incluem-se as despesas, gastos e encargos previstos no artigo 88.º do Código do IRC, as quais, no entanto, são objecto de tributação autónoma, não existindo no Código do IRC qualquer norma especial aplicável à liquidação das tributações autónomas, que nos permita concluir pela inaplicabilidade da norma geral estabelecida no artigo 90.º do Código do IRC.
l) De facto, a liquidação das tributações autónomas tem a mesma base legal que a liquidação de IRC - é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do Código do IRC - sendo, no entanto, a matéria colectável e as taxas de tributação aplicáveis diversas, o que de resto a própria Administração Tributária sempre assumiu, Cfr. Informação n.º 1221/2012, proferida no âmbito do processo de consulta à AT, sancionada em 16 de Julho de 2012.
m) Em consequência, e tendo em conta uma interpretação literal das normas envolvidas, apenas é possível concluir que prevendo-se na alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC que “Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: (…) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º”; do ponto vista literal, o PEC deve ser deduzido à colecta (de IRC, incluindo as tributações autónomas).
n) Assim, tendo em conta que a colecta de IRC inclui as despesas, gastos e encargos objecto de tributação autónoma (Embora as taxas de tributação autónoma não sejam dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 23.-A, n.º 1 a) do Código do IRC), então, atento o disposto no n.º 2 d) do artigo 90.º da Código do IRC, o PEC deve ser deduzido à colecta de IRC apurada, que abrange as taxas de tributação autónoma devidas.
o) O propósito subjacente à criação das taxas de tributação autónoma é o combate à evasão fiscal, o que foi de resto expressamente assumido pelo legislador na Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
p) A autonomia da Tributação Autónoma, restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º, referente às formas de liquidação do IRC e aplicável ao apuramento do imposto devido em todas as situações prevista no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10), razão pela qual se aplica também à liquidação do montante das tributações autónomas, por não haver qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
q) Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, na ausência de norma especial relativamente à forma de liquidação das taxas de tributação autónoma, esta deverá processar-se nos termos gerais previstos no Código do IRC, por força do princípio da legalidade tributária, que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 8.º da Lei Geral Tributária, que impedem que a liquidação de imposto se efectue sem base legal.
r) E não se vê de que modo se possa entender existir um conflito de normas e daí retirar como consequência a impossibilidade de dedução do PEC à colecta, aí incluindo as tributações autónomas, até porque, o propósito subjacente à sua criação é o combate à evasão fiscal, objectivo que não é desvirtuado pelo facto desse imposto poder ser satisfeito pelo imposto cobrado através do PEC.
s) Afinal, de acordo com o n.º 4 do artigo 11.º da LGT, “As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração Por outro lado, analógica.”, pelo que, na ausência de norma especial relativamente à forma de liquidação das taxas de tributação autónoma, esta deverá processar-se nos termos gerais previstos no Código do IRC, por força do princípio da legalidade tributária, que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 8.º da Lei Geral Tributária, que impedem que a liquidação de imposto se efectue sem base legal, impedindo, de igual forma, uma interpretação “restritiva” que não encontra, no elemento literal da norma, o menor suporte.
t) Conclui-se, assim, que a norma prevista no artigo 90.º, n.º 1 e 2 d) do Código do IRC, deve ser interpretada no sentido de se considerar que a colecta de IRC abrange as taxas de tributação autónoma, que são também IRC, sob pena de àquelas norma, a fim de contornar a grosseira violação da proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), em que o legislador ordinário incorreu com a solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da LOE 2016, ser dada uma interpretação claramente desconforme ao princípio da segurança jurídica ou da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da C.R.P.), bem como, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, nº3 da C.R.P. e artigo 8.º da Lei Geral Tributária).
Termos em que deverá o Recurso proceder e em consequência, ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por acórdão que, declarando procedente a impugnação, anule a autoliquidação de IRC referente aos exercícios de 2013 e 2014, no que se refere ao valor liquidado a título de tributações autónomas, no montante de € 20.633,92 e de € 11.242,41, respetivamente, com o consequente indeferimento do reembolso de tais quantias, acrescidas de juros indemnizatórios, assim fazendo sã e serena Justiça!

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a por em substância e ma esteira de jurisprudência que abundantemente cita e que infra melhor se explicitará, entender que à colecta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC.

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Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:
A. Em 27.5.2014, a Impugnante apresentou a Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2013, na qual apurou no quadro 07, campo 777, «prejuízo para efeitos fiscais» no valor de € 129.990,66 - cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 7 da petição inicial de fls. 195 a 201 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 481 a 487 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

B. Na declaração referida no ponto A. que antecede, a Impugnante apurou no quadro 10, «cálculo do imposto», campo 351, uma «coleta» no valor de € 0,00 (cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 7 da petição inicial de fls. 195 a 201 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 481 a 487 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

C. Na declaração referida no ponto A. supra, a Impugnante indicou, no quadro 10 «cálculo do imposto», campo 365 «tributações autónomas», o montante de € 20.633,92 - cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 7 da petição inicial de fls. 195 a 201 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 481 a 487 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

D. Na declaração referida no ponto A. supra, a Impugnante apurou no quadro 10 «cálculo do imposto», campo 367, um «total a pagar» de € 20.633,92 - cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 7 da petição inicial de fls. 195 a 201 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 481 a 487 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

E. Em 30.5.2014, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto referido no ponto antecedente - cf. documento constante do PAT de fls. 502 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;

F. Em 29.5.2015, a Impugnante apresentou a Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2014, na qual apurou no quadro 07, campo 778, «lucro tributável» no valor de € 113.217,66 - cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 8 da petição inicial de fls. 202 a 210 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 488 a 496 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

G. Na declaração referida no ponto F. que antecede, a Impugnante apurou no quadro 10, «cálculo do imposto», campo 378, uma «coleta total» no valor de € 7.812,02 - cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 8 da petição inicial de fls. 202 a 210 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 488 a 496 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

H. Na declaração referida no ponto F. supra, a Impugnante indicou no quadro 10 «cálculo do imposto», campo 356 «pagamento especial por conta», o valor de € 7.812,02 - cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 8 da petição inicial de fls. 202 a 210 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 488 a 496 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

I. Na declaração referida no ponto F. supra, a Impugnante indicou no quadro 10 «cálculo do imposto», campo 365 «tributações autónomas», o valor de € 11.242,41 - cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 8 da petição inicial de fls. 202 a 210 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 488 a 496 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

J. Na declaração referida no ponto F. supra, a Impugnante apurou no quadro 10 «cálculo do imposto», campo 367, um «total a pagar» de € 12.192,04 - cf. «Declaração de Rendimentos» junta como doc. 8 da petição inicial de fls. 202 a 210 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 488 a 496 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

K. Em 29.5.2015, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto referido no ponto antecedente - cf. documento constante do PAT de fls. 505 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;

L. A Impugnante efetuou os seguintes pagamentos especiais por conta, que não foram deduzidos aos montantes apurados nas declarações dos períodos de tributação a que respeitam:


- cf. documento junto como doc. 1 da petição inicial a fls. 160 e 161 dos autos, constando igualmente do PAT a fls. 396 e 397 dos autos, e respetivas declarações modelo 22 juntas como docs. 3 a 8 da petição inicial, de fls. 171 a 210 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 407 a 446 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos;

M. Em 25.5.2016, a Impugnante apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») reclamação graciosa dos atos de autoliquidação decorrentes da entrega das declarações de rendimentos modelo 22 identificadas nos pontos A. e F. supra, dando origem ao processo de reclamação graciosa a que foi atribuído o n.º 2194201604001583 - cf. «Reclamação Graciosa» junta como doc. 1 da petição inicial de fls. 114 a 143 dos autos, constando igualmente do PAT constante do PAT de fls. 451 a 480 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

N. Em 6.6.2016, a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal elaborou «Informação» relativa à reclamação graciosa apresentada pela Impugnante referida no ponto que antecede, na qual, além do mais, consta o seguinte:

«I – INTRODUÇÃO
Vem o sujeito passivo antes identificado nos termos do disposto no n.º 1 e 2 art 78º da LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT), apresentar um pedido de revisão contestando as autoliquidações efetuada nas declarações mod 22 apresentada para o exercício de 2013 e 2014, nas quais apurou imposto a pagar de 20 633,92€ e 12 192,04€.
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
(…)
III – OS FACTOS
O sujeito passivo entregou as declarações periódicas de rendimentos mod 22 dos exercícios de 2013 e 2014 para cumprimento do disposto nos artigos 117º nº 1 alínea b) e 120º do CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS (CIRC) e procedeu à autoliquidação do imposto como determina a alínea a) do art 89º
Nas autoliquidações efetuadas apurou:
2013
◦ Coleta de IRC – 0,00€
◦ Tributações autónomas – 20 633,92€
◦ Total a pagar – 20 633,92€
2013
◦ Coleta de IRC – 7 812,02€
◦ Tributações autónomas – 11 242,41€
◦ Total a pagar – 12 192,04€
IV – O PEDIDO
Através do presente procedimento vem pedir que lhe seja permitida a dedução do montante dos pagamentos especiais por conta (PEC´s), ainda susceptível de dedução, ao valor das tributações autónomas apurado, uma vez que em 2013 e 2014 possuía de saldo de PEC passível de dedução.
V – O ALEGADO
Em síntese alega que:
◦ perante o entendimento do CAAD proferido no âmbito de vários processos entre os quais no processo 80/2014 que refere “(…) as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de titular lucros permitindo a dedução de despesas em que os sujeitos passivos têm de incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis (…)
◦ o Acórdão do STA no processo 0964/2014
◦ e o disposto na nova redação do nº 1 alínea a) do art23ºA do CIRC
é inquestionável que o valor das tributações autónomas faz parte integrante da coleta do IRC.
VI – APRECIAÇÃO DO PEDIDO
Analisada a petição constata-se que a questão a apreciar consiste em saber se o montante apurado a título de tributações autónomas deve ser entendido como parte integrante da coleta de IRC e, como tal, permitir a dedução dos PEC´s.
Importa assim saber qual a base de incidência do IRC e a partir daqui chegar ao conceito de coleta.
Nos termos do n.º 1 alínea a) do art. 3º do CIRC, nas sociedades comerciais o IRC incide sobre o lucro, resultando este da diferença entre rendimentos e gastos.
Porém, para efeitos fiscais tem que se atender ao conceito de lucro tributável, que é dado no nº 1 do art 17º do CIRC: “o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste código”.
Ao lucro tributável são deduzidos [os] prejuízos fiscais nos termos do art 52º, para apuramento da matéria colectável definida no art 15º nº 1 alínea a) ao qual se aplicam as taxas plasmadas no art 87º, para cálculo da coleta e, é a esta coleta que são efectuadas as deduções previstas no nº 2 do art 90º entre as quais a dedução dos PEC´s (nº 2 alínea d) do art 90º), sendo de salientar que das deduções contempladas nas alíneas a) a d) não pode resultar valor negativo (nº 9 do art 90º).
Enunciada a forma como nos termos da lei se processa a liquidação de IRC das sociedades comerciais conclui-se que o CIRC não prevê a possibilidade de se efectuarem as deduções do PEC previstas na alínea d) do nº 2 do art 90º, ao valor calculado a título de tributação autónoma, interpretação que veio a ser reforçada pelo disposto no nº 21 do art 88º do CIRC que refere “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no art 89º, e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”, norma que foi introduzida no ordenamento jurídico pela Lei 7-A/2016 (lei do orçamento para 2016) e que tem natureza interpretativa face ao disposto no art 135º da referida Lei.
A tributação autónoma embora regulamentada no art 88º do CIRC, tributa despesas e não rendimento contrariamente ao IRC, despesas que pela sua natureza potenciam evasão fiscal, quer em sede de IRC, pela diminuição do lucro tributável, quer em sede de IRS por representarem, em muitos casos, uma forma indirecta de remuneração e, como tal, pretende-se que esta tributação seja um fator de dissuasão da realização destas despesas, minimizando por esta via este tipo de evasão, pois o valor apurado é sempre devido independentemente de ser ou não apurado IRC.
Ao permitir-se a dedução do PEC ao valor das tributações autónomas iria anular-se o efeito pretendido com esta tributação não podendo considerar-se displicente o facto da empresa nos exercícios em causa ter apurado coleta de IRC de 0,00 (2013) e 7 812,02 (2014) e apurar o valor a pagar de tributação autónoma de 20 639,92 € e 11 242,41 € respectivamente, sem que isso tivesse posto em causa a sua estrutura económico-financeira, revelando assim uma capacidade contributiva não espelhada na liquidação do IRC.
V – CONCLUSÃO
Face ao exposto entende-se não haver base legal que sustente o pedido, devendo proceder-se ao indeferimento
Considerando que o pedido formulado pela reclamante mereceu proposta de indeferimento, fica, deste modo, prejudicada a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
(…).» - cf. «Informação» junta como doc. 2 da petição inicial de fls. 166 a 171 dos autos, constando igualmente do PAT de fls. 508 a 511 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

O. Em 1.6.2016, a Direção de Finanças de Setúbal emitiu o ofício n.º 013977, dirigido à Impugnante, para efeitos de audição prévia sobre o projeto de decisão da reclamação graciosa apresentada pela Impugnante referido no ponto anterior - cf. ofício junto como doc. 2 da petição inicial a fls. 165 dos autos, constando igualmente do PAT a fls. 512 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;

P. Em 29.8.2016, foi elaborada «Informação Complementar» pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, no sentido de converter o projeto de decisão da reclamação graciosa referido no ponto N. supra em decisão definitiva, com o seguinte teor:
«Informação Complementar
Foi a reclamante antes identificada, notificada pelo ofício 139_7 de 2016/08/01, para exercer o direito de audição consignado no disposto na alínea b) do art. 60º da LGT.
Embora notificada a reclamante não veio exercer o direito, assim o projecto de decisão converte-se em decisão definitiva e indefere-se o pedido.» - cf. «Informação Complementar» junta como doc. 2 da petição inicial a fls. 164 dos autos, constando igualmente do PAT a fls. 513 e 514 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

Q. Em 30.8.2016, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal proferiu despacho de concordância com a «Informação Complementar» referida no ponto anterior, indeferindo a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante referida no ponto M. supra - cf. despacho exarado na «Informação Complementar» junta como doc. 2 da petição inicial a fls. 163 dos autos, constando igualmente do PAT a fls. 513 dos autos que se dá por integralmente reproduzido;

R. Em 30.8.2016, a Direção de Finanças de Setúbal emitiu ofício, dirigido à Impugnante, por via do qual comunica o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Impugnante referido no ponto anterior - cf. ofício junto como doc. 2 da petição inicial a fls. 162 dos autos, constando igualmente do PAT a fls. 516 dos autos que se dá por integralmente reproduzido;

S. Em 29.11.2016, a petição inicial deu entrada neste Tribunal - cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelos recorrentes, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se, a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação deduzida do indeferimento da reclamação graciosa contra os actos de autoliquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, dos exercícios de 2013 e 2014, padece de erro de julgamento, uma vez que os montantes pagos a título de pagamento especial por conta (PEC) são dedutíveis aos valores apurados a título de tributações autónomas.
Examinemos.
No fundamental, a Recorrente, imputa à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de direito, por perfilhar a opinião de que os montantes por si pagos a título de pagamento especial por conta (PEC) são dedutíveis aos valores apurados a título de tributações autónomas.
Cingidos tematicamente à questão de avaliar da possibilidade legal de deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) – o qual consiste numa entrega antecipada por conta do imposto relativo à atividade normal do sujeito passivo, calculado com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, efectuando-se os pagamentos durante o período de constituição do facto tributário - o valor da colecta das tributações autónomas apurado na autoliquidação do IRC dos exercícios de 2013 e 2014, portanto, se é dedutível à colecta de tributações autónomas de IRC o valor adiantado a título de pagamento especial por conta, cumpre desde logo assinalar, que à luz da jurisprudência pacífica deste STA sobre a natureza das tributações autónomas, não se pode deduzir à colecta o valor dos PEC suportado no mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC.
Com efeito e como se faz ressaltar no Ac. de 24.02.2021, do Pleno da Secção do Contenciosos Tributário do STA, no Processo nº086/19.4BALSB, a questão da natureza jurídica das tributações autónomas tem vindo, desse há muito, a ser objecto de apreciação por este Tribunal apontando-se, entre inúmeros, os acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 06.7.2011 proferido no processo com o n.º 281/11 e de 27.09.2017, tirado no processo com o n.º 146/16, ambos disponíveis www.dgsi.pt sempre no sentido de que «estas tributações autónomas […] embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste».
Pontifica, a respeito, o acórdão do Pleno deste STA de 08-07-2020, tirado no Processo nº010/20.1BALSB e que se encontra disponível em www.dgsi.pt ao qual, por força do artº 8º do Código Civil, na decisão que proferir, impõe-se que aqui se tenha em consideração os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito e que, sem outro tipo de considerações, se passa a transcrever de modo adaptativo ao caso concreto:
“3.2.1. O pressuposto material em que repousa a decisão (…) baseia-se, como dissemos, em jurisprudência consolidada do STA quanto à qualificação das tributações autónomas como imposição fiscal diversa do IRC e, nessa medida, não subordinadas às regras gerais da liquidação daquele imposto (…)
3.2.3. Do que vimos de dizer depreende-se que para a decisão do presente caso importa compulsar a orientação perfilhada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017 e o que sobre ela se explicita no acórdão n.º 107/2018. Decisões pelas quais aquele Tribunal, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, julgou inconstitucional o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, com fundamento em violação da regra consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição de proibição de criação de imposto com natureza retroactiva. Apesar de decidirem de forma coincidente, não há, como veremos, total coincidência entre estes acórdãos, sendo a respectiva diferença ― que se deve interpretar como complementaridade ― muito significativa.
O acórdão n.º 267/2017 conclui pela inconstitucionalidade do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 por entender que a alteração da redacção do artigo 88.º do CIRC (em especial o aditamento do n.º 21) assume conteúdo inovador quanto à proibição de dedução à colecta das tributações autónomas do montante apurado em sede de pagamento especial por conta.
Este aresto, embora com eficácia limitada ao processo em que foi proferido (artigo 80.º, n.º 1 da LTC (Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actualizada.)), parece, numa primeira leitura, revelar que o Tribunal Constitucional, em linha, de resto, com um pendor já assinalado ao acórdão n.º 18/2011, vem, pela via da “constitucionalização material das questões”, “interferir metodologicamente” com a competência deste Supremo Tribunal Administrativo no que respeita à “última palavra” quanto à interpretação jurídico-legal das normas tributárias e à qualificação dos respectivos conceitos jurídicos. Vejamos.
3.2.3.1. No acórdão n.º 267/2017, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma em que a AT se baseara para impedir a dedução do valor do pagamento especial por conta à colecta das tributações autónomas de IRC relativas ao exercício fiscal de 2012, com o fundamento de que essa impossibilidade de dedução resultava exclusivamente da alteração da redacção do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, introduzida pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, à qual o artigo 135.º da mesma lei atribuíra a qualificação de norma interpretativa, sendo essa qualificação afastada pelo Tribunal Constitucional, que a classificou, como já dissemos, como norma de conteúdo inovador e, enquanto tal, violadora da regra contida no n.º 3 do artigo 103.º da CRP (proibição de criação de impostos retroactivos) (Sublinhe-se que a decisão arbitral fundamento “afasta” a jurisprudência vertida neste acórdão ao concluir que in casu é desnecessário lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC.).
A questão crítica relativa a esta decisão prende-se com o facto de no exercício hermenêutico que levou a efeito para alcançar o resultado da inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional ter, aparentemente, adentrado metodologicamente no âmbito da qualificação jurídica de conceitos jurídico-tributários, substituindo-se inevitavelmente à interpretação e qualificação jurídica que o Supremo Tribunal Administrativo havia feito das tributações autónomas (Uma “sobreposição” de competência material para a qual expressamente se alerta no voto de vencido que acompanha esta decisão, como, de resto, já havia sucedido no acórdão n.º 18/2011 e na respectiva declaração de voto que o acompanha.), como resulta expressamente do excerto seguinte:
«[…]Em suma, a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico, mas antes desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa. A despesa objeto de tributação constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação, sendo a sua realização assumida pelo legislador como facto revelador da capacidade contributiva.
Porém, a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas […]» (destacados nossos).
Com efeito, a qualificação que este aresto assim, aparentemente, opera da colecta das tributações autónomas como “parte integrante da configuração legislativa do IRC” consubstancia uma pronúncia pouco clara, que está na base de alguma confusão que perpassa nas contra-alegações do presente recurso, e que pode ser interpretado como extrapolando o âmbito da “questão de constitucionalidade”, e assim afectando o âmago da tarefa jurisdicional de interpretação legal da norma fiscal e de qualificação de uma categoria tributária, como são as tributações autónomas.
A admitir-se uma tal interpretação daquela decisão do Tribunal Constitucional, a mesma estaria até em contradição com a orientação que havia sido firmada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/2015, em que, chamado a apreciar a conformidade constitucional das tributações autónomas a se com os princípios fundamentais da tributação das empresas pelo rendimento real, da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da proporcionalidade e da protecção do direito de propriedade, aquele Tribunal havia afirmado que:
“[…] a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.
[…]
Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo n.º 77/12) […]”
Como a dado passo se diz no aresto que vimos de citar, as tributações autónomas revelam capacidade contributiva a partir das despesas (“evitáveis”, porque não, ou não estritamente, ligadas à actividade empresarial) que constituem o respectivo facto tributário, pelo que o contribuinte tem, nos casos em que realiza essas despesas, de estar em condições de suportar o encargo fiscal que elas representam:
“[…] A lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.
A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa […]”.
Não ignoramos que, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo também tem admitido, o legislador tem vindo a alargar a categoria das tributações autónomas e a torná-la cada vez mais complexa e difícil de recortar dogmaticamente como categoria unitária – v., por todos, acórdão de 27 de Setembro de 2017 (proc. 146/16), onde se conclui que não obstante as tributações autónomas não constituírem imposto sobre o rendimento, elas também não podem qualificar-se como encargos fiscais dedutíveis, uma vez que o intérprete e primacial aplicador da lei deve assegurar que aquela espécie tributária cumpre integralmente a sua função sistémica no ordenamento jurídico tributária, qual seja, mormente, a de assegurar que despesas não intrinsecamente empresarias possam ser aproveitadas no âmbito da tributação do rendimento empresarial como forma de desagravamento da tributação geral dos rendimentos dessas actividades:
«[…] Tanto mais que, a nosso ver, a teleologia das tributações autónomas impõe a recusa da dedutibilidade dos encargos fiscais suportados com as mesmas. Essa recusa é evidente relativamente àquelas despesas que não são, elas mesmas, dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável, como é o caso das despesas não documentadas e quanto às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal privilegiado. Mas também nos casos – como o de que ora nos ocupamos – em que as tributações incidem sobre encargos fiscalmente dedutíveis, mal se compreenderia que a intenção do legislador, que é a de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução, fosse depois contrariada pela dedução dos encargos com essas tributações. Se a tributação autónoma serve, nestes casos, para fazer face à dificuldade de controlo rigoroso de despesas da carácter empresarial e de carácter pessoal, desincentivando a realização das mesmas, e para compensar a perda de receita fiscal decorrente dessa realização, constituindo, ao final, uma redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria tributável, não faria sentido que, depois, fosse permitir a dedução dos encargos com a tributação autónoma […]».
Ora, partindo desta compreensão interpretativa geral das tributações autónomas, que este Supremo Tribunal Administrativo continua a sufragar, admitir que as deduções que não podem ser efectuadas à colecta de IRC por ausência ou insuficiência desta pudessem ser deduzidas à colecta das tributações autónomas, seria frustrar a razão de ser desta categoria tributária autónoma.
Por todas estas razões, nunca poderia resultar da fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017 uma “adulteração” do conceito legal e da racionalidade jurídico-tributária das tributações autónomas, tal como ela é definida por este Supremo Tribunal Administrativo. Sobretudo, porque estamos ante uma questão de interpretação da legalidade tributária (alheia às competências do Tribunal Constitucional) e não uma questão de constitucionalidade.
E, de facto, não foi isso que se pretendeu com aquela jurisprudência, como, de resto, é expressamente dito no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018, quando aí se destrinça a dimensão funcional do exercício judicativo de cada uma das jurisdições, deixando expressamente afirmado o seguinte:
«[…] O Tribunal Constitucional não «sufragou» qualquer interpretação da lei em matéria de deduções dos pagamentos especiais por conta aos montantes das tributações autónomas que integram a colecta do IRC. Não o fez, desde logo, por não lhe compete determinar o sentido da lei, mas apenas apreciar a constitucionalidade da lei com o sentido que lhe foi fixado pelas instâncias. Daí decorre que o facto de certa interpretação da lei ser inconstitucional, no juízo do Tribunal Constitucional, não implica a adesão a qualquer interpretação alternativa da lei, nem sequer o juízo de que tal interpretação, a vir a ocorrer, não é inconstitucional; significa apenas que a interpretação que constitui o objeto do recurso ─ e apenas essa ─ é inconstitucional. Em todo o caso, no Acórdão n.º 267/2017, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC ─ nos termos da qual os pagamentos especiais por conta não podem ser deduzidos aos montantes das tributações autónomas -, mas a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que lhe atribui natureza interpretativa (e, por essa via, nos termos das regras gerais, efeito retroativo). A constitucionalidade da solução consagrada no n.º 21 do artigo 88.º não esteve, nesse ou no presente recurso, em causa. Mais: o que o Tribunal julgou inconstitucional foi a imposição legal de determinado sentido, o que em nada impede que o mesmo sentido seja alcançado através da interpretação jurisdicional da lei, ou seja, não porque o legislador a impôs, mas porque entente o tribunal do caso que essa é a interpretação correta da lei […]».
Em suma, como decorre, cristalinamente, do excerto antes transcrito, o decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017 não contende com a interpretação e qualificação que o Supremo Tribunal Administrativo sempre fez das tributações autónomas.
3.2.4. A conclusão que, aparentemente, a Recorrida pretende extrinsecar do acórdão n.º 267/2017 do Tribunal Constitucional é resultante de uma incorrecta compreensão da metodologia do processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, como aqui procuramos esclarecer.
O objecto do controlo na fiscalização concreta ― “os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restrito à questão da inconstitucionalidade (…) suscitada no âmbito de um processo” (artigo 71.º, n.º 1 da LTC) ― desencadeia permanentes dificuldades metodológicas, não só na destrinça entre “a norma que serviu de parâmetro de decisão ao caso” (o objecto do controlo) e a “decisão judicial que aplicou essa norma” (a qual não integra o objecto do recurso), mas também quanto ao sentido que as decisões positivas e negativas de constitucionalidade podem assumir. O Tribunal Constitucional atem-se ao parâmetro de decisão mobilizado pelo julgador do Tribunal a quo, ou seja, à interpretação da norma legal em que se fundou a decisão do caso, ignorando o sentido da decisão material recorrida, pois a sua competência é restrita à questão normativa da constitucionalidade da norma aplicada como parâmetro de decisão e não abrange a cassação das decisões recorridas, nem envolve qualquer poder de julgamento em substituição.
Mas a questão pode tornar-se mais complexa quando o parâmetro normativo convocado e aplicado pelo Tribunal a quo envolva, simultaneamente, a qualificação jurídico-material do conceito atinente à área jurídica a que respeita a questão controvertida e a sua interpretação (sua, leia-se, do tribunal a quo) em conformidade com a constituição ― ou, numa formulação metodológica que nos parece mais correcta, o tribunal constitucional seja chamado a controlar a conformidade constitucional do sentido normativo-conceitual alcançado segundo as regras da hermenêutica jurídica aplicadas à área jurídica a que o conceito pertence a partir da interpretação constitucional do mesmo construída e aplicada pelo Tribunal a quo é neste caso que surgem os aparentes conflitos positivos de competência como aquele que a Recorrida entende que está aqui presente, mas que na realidade não existe.
O que foi decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, e reiterado no acórdão n.º 107/2018, foi apenas a inconstitucionalidade do segmento normativo, consagrado no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, que impunha a interpretação e aplicação aos casos controvertidos anteriores da solução explicitada no novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC. A dimensão inovadora e merecedora de censura constitucional é, no entendimento daqueles arestos, apenas a que resulta da obrigação de aplicação do sentido fixado no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor e não o conteúdo dessa norma tributária.
Assim, é evidente que: primeiro não resulta das referidas decisões do Tribunal Constitucional que seja inconstitucional a inadmissibilidade de deduzir à colecta das tributações autónomas o montante do pagamento especial por conta (lembre-se que era esta a questão discutida); segundo o Tribunal a quo que tenha decidido não admitir a dedução à colecta com fundamento na aplicação da norma interpretativa (o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016) julgada inconstitucional, pode, em sede de reforma da sua decisão no âmbito da execução do disposto no n.º 2 do artigo 80.º da LTC, manter a proibição da referida dedução, desde que fundada noutra norma, designadamente, na interpretação de que aquela proibição já resultava, implicitamente, da redacção anterior dos artigos 88.º e 90.º do CIRC, como sucede na decisão arbitral aqui recorrida.”
À luz da jurisprudência consolidada do STA, nenhuma censura pode ser desferida à sentença recorrida ao concluir que a solução normativa do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC, interpretada num sentido puramente literal, como pretende a Impugnante, poderia abranger quer a liquidação do IRC, quer a liquidação das tributações autónomas, o que, como se viu, não se coaduna com o espírito da lei, nem é conforme às especificidades e natureza próprias das tributações autónomas e às finalidades subjacentes ao pagamento especial por conta, sendo forçoso interpretá-la de modo a restringir a remissão que faz para o n.º 1 do artigo 90.º, n.º 1 CIRC ao montante da colecta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º do CIRC à matéria coletável) e não aos montantes apurados a título de tributações autónomas (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 88.º do CIRC), pois só assim se reconstituirá o pensamento do legislador, fazendo prevalecer a solução que lhe corresponde.
Em suma: ao valor contabilizado a título de tributações autónomas referente aos exercícios de 2013 e 2014 não poderá ser deduzido o montante dos pagamentos especiais por conta efectuados nos períodos de tributação referentes aos anos de 2009 a 2014, devendo ser negado provimento ao recurso e, em consequência, conservar-se integralmente a sentença recorrida.

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3.- Decisão:

Nestes termos acorda-se na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 6.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).
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Lisboa, 28 de Abril de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.