Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01421/18.8BEAVR |
Data do Acordão: | 01/16/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR |
Sumário: | Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150.º do CPTA, não se verificam os respectivos pressupostos se a questão suscitada se reconduz à aferição do julgamento da matéria de facto e não se verificam os pressupostos previstos no n.º 4 daquele artigo. |
Nº Convencional: | JSTA000P25423 |
Nº do Documento: | SA22020011601421/18 |
Data de Entrada: | 11/27/2019 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1421/18.8BEAVR
1. RELATÓRIO 1.1 Inconformado com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que, negando provimento ao recurso interposto pela AT, manteve a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro anulou o despacho por que o órgão da execução fiscal indeferiu o pedido formulado pela ora Recorrida, de dispensa parcial de prestação de garantia efectuado no processo executivo, veio o Representante da Fazenda Pública interpor recurso de revista. 1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as respectivas alegações, que resumiu na conclusão do seguinte teor: «a) O acórdão proferido pelo TCA Norte considerou que a AT “não demonstrou, como impõe a norma vertida na última parte do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, que a ora recorrida teve uma actuação conducente ao depauperamento da sua situação patrimonial com intenção de provocar uma diminuição das garantias dos credores, ou seja, dolosamente dirigida à dissipação do património”. b) Considerou não estar demonstrado que os factos colhidos pela inspecção são suficientes para concluir que a referida insuficiência económica, e consequente insuficiência de bens, se deveu àqueles factos ou à actuação descrita no relatório inspectivo. c) Não se encontrando na fundamentação da AT qualquer relação de causalidade entre a actuação da contribuinte e a situação de insuficiência patrimonial em que se encontra. d) Ou seja, o ónus da prova que impendia sobre a AT não se considerou verificado. e) Entende a Fazenda Pública, em consonância com o parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, que a AT demonstrou a existência de fortes indícios de que a actuação da Reclamante levou a uma condição económica debilitada provocando a insuficiência de bens para garantia da dívida exequenda. f) Assim sendo, cremos que a AT cumpriu o ónus da prova sobre a verificação do requisito em causa para a não concessão da dispensa de prestação de garantia. g) Decorre da interpretação dos artigos 52.º da LGT e 170.º do CPPT que, para a AT deferir o pedido de dispensa de prestação de garantia é necessário cumprir os seguintes requisitos: h) O acórdão recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, conjugado com o artigo 170.º do CPPT. i) Com a recente alteração legislativa introduzida pela LOE de 2017, o órgão de execução fiscal passou a estar incumbido de demonstrar a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”. j) Assim, é visível, pela letra do referido artigo, que cabe à AT o ónus da prova da actuação dolosa, desonerando-se, portanto, o executado do ónus da prova que sobre ele impendia no regime anterior. k) Consideramos que a lei circunscreve os moldes para a aplicação dos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT na existência de indícios de uma actuação dolosa, e não de factos que comprovem tal actuação assim qualificada. I) Na verdade, na informação de dispensa parcial da garantia são apresentados factos apurados no âmbito da inspecção externa que demonstram uma actuação, por parte da Reclamante, que se pode caracterizar como indiciariamente dolosa. m) Verificamos que a sociedade participava activamente em negócios dissimulados, por via de contratos fictícios, e adulterando de tal forma os seus registos contabilísticos que tornariam inviável uma prossecução da sua actividade de forma consentânea com o respectivo objecto social, incorrendo em obrigações pecuniárias a nível fiscal que sabia não conseguir satisfazer, como veio a acontecer. n) Desta forma, através da análise do Relatório da Inspecção (Ordens de Serviço n.ºs OI201600774, OI 201600755 e OI 201602243), facilmente encontramos os aludidos indícios, que mostram a intenção dolosa, por parte do gerente, em alterar os resultados financeiros da sociedade e que conduziram à insuficiência do património. o) Assim, a AT demonstrou que tais práticas podem constituir fortes indícios de que a insuficiência do património se deveu a actuação dolosa da interessada, pois sem esse tipo de conduta, os valores arrecadados com as vendas efectivas das viaturas teriam dado entrada na empresa, e integrando o seu património e/ou lucro, daria uma liquidez susceptível de regularizar atempadamente os impostos respectivos ou mesmo que assim não fosse, poderia possuir património suficiente para a prestação de garantia. p) Factos estes que, segundo consta no relatório inspectivo, poderão configurar o crime de burla, previsto no artigo 217.º do Código Penal, assim como o crime de fraude fiscal previsto e punido pelo artigo 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. q) Considerando o tribunal a quo que não é de aceitar os indícios de crimes de fraude fiscal para a actuação dolosa na insuficiência de património, devemos perguntar-nos então, quais seriam os indícios que poderiam aceitar-se? r) Temos de recorrer ao conceito de indícios suficientes para depois considerar se a prova recolhida pela AT foi considerada como válida para o cumprimento do ónus da prova. s) O Tribunal da Relação de Coimbra já se pronunciou quanto ao mesmo e considerou como sejam indícios suficientes os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado. t) Como sejam indícios os vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há uma qualquer “realidade” e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade. u) De acordo com o vertido no anterior ponto, entendemos que a AT relacionou todos os “vestígios” do seu conhecimento, conjugando-os entre si por forma a considerar que a actuação do sujeito passivo ao longo dos anos em análise levou à insuficiência ou inexistência de bens. v) Consideramos que neste conceito não está em causa a culpa do gerente na insuficiência de bens da sociedade devedora originária, para efeitos de uma reversão, mas apenas a recolha de indícios fortes de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a acuação dolosa do requerente. w) Mais recentemente temos o acórdão proferido em 03 de agosto de 2018, processo n.º 00268/18.6BEAVR, onde refere que “A recolha dos (fortes) indícios não é equivalente à prova da existência dos factos indiciados, nem configura uma acusação criminal ao contrário do que sugere o Recorrido. Não é de factos provados, mas sim de indícios que fala a lei. E estes são os factos a partir dos “quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” - cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”; pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo n.º 00964/06.0BEPRT)”. x) Torna-se importante responder à seguinte questão: quais os documentos, informações ou outros elementos que possam ser considerados suficientes e válidos como prova para que a AT cumpra o ónus da prova que impende sobre si na que diz respeito aos fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu à sua actuação dolosa? y) Entendemos que o ónus da prova se bastará com a reunião de elementos que configurem ou potenciem indícios de que a actuação do sujeito passivo tornou o cumprimento das obrigações fiscal impossível, impossibilitando a apresentação de garantias às dívidas tributárias. z) Para a concretização deste ónus, a AT recolheu uma série de fortes indícios relativos à gestão patrimonial e financeira da reclamante que indiciam da sua responsabilidade pela insuficiência patrimonial para satisfazer esse pagamento. aa) A questão aqui em análise é susceptível de repetição em inúmeros casos, tendo em consideração que o ónus da prova impõe à AT uma análise constante de pedido de dispensa de garantia e a verificação da actuação dolosa na inexistência ou insuficiência de património. bb) Esta questão jurídica em si, pela sua relevância jurídica ou social, mas também, pelo facto de se mostrar bastante pertinente decisão sobre a matéria, sendo necessária a intervenção desse STA, a fim de ser julgada, definitivamente e de forma uniforme, em julgamento ampliado de revista. Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido o presente recurso de revista e, analisando do mérito do recurso, deve ser dado provimento ao mesmo, revogando-se o douto acórdão recorrido, com todas as legais consequências». 1.3 O recurso foi admitido. 1.4 A Recorrida não apresentou contra-alegações. 1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que não seja admitido o recurso. Isto, após enunciar os termos do recurso e os requisitos da sua admissibilidade, com a seguinte fundamentação: «[…] A questão que a recorrente pretende ver reapreciada pelo tribunal ad quem consiste em saber como se concretiza o ónus da prova que recai sobre a AT para a demonstração dos fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado. 1.6 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) (Após a alteração introduzida no regime de recursos da jurisdição tributária pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, o recurso de revista excepcional passou a ter previsão no art. 285.º do CPPT, que decalca o regime do art. 150.º do CPTA. No entanto, o novo regime apenas será aplicável «[a]os recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes [leia-se depois] de 1 de Janeiro de 2012», nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 13.º da referida Lei.). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.1.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 150.º do CPTA a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.3 CONCLUSÃO Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão: Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150.º do CPTA, não se verificam os respectivos pressupostos se a questão suscitada se reconduz à aferição do julgamento da matéria de facto e não se verificam os pressupostos previstos no n.º 4 daquele artigo. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, em não admitir o presente recurso, por não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do mesmo artigo. Custas pela Recorrente. * Lisboa, 16 de Janeiro de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – José Gomes Correia. |