Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0775/02.2BTVIS |
Data do Acordão: | 02/20/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | MÉTODOS INDIRECTOS FUNDAMENTAÇÃO |
Sumário: | I - As características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico). II - Resultando da petição inicial que a causa de pedir invocada sob a denominação “falta de fundamentação” se refere à fundamentação substancial, enferma de erro de julgamento a sentença que a apreciou como se se tratasse de fundamentação formal. |
Nº Convencional: | JSTA000P24248 |
Nº do Documento: | SA2201902200775/02 |
Data de Entrada: | 11/15/2018 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A...., LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional de sentença proferida em processo de impugnação judicial
1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 1999, após a AT ter feito correcções à matéria tributável declarada, com recurso a métodos indirectos. 1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A- Incide o presente recurso sobre a sentença proferida em 31/05/2018, que julgou totalmente procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação de IRC relativa ao ano de 1999, no valor total a pagar de € 78.326,68. B- Concluiu o Tribunal a quo “… que a decisão de recurso a métodos indirectos não cumpre desde logo a especial exigência de fundamentação jurídica imposta pelo n.º 4 do artigo 77.º da LGT, sendo quanto basta para padecer o despacho do Director de Finanças em que se suporta a liquidação, de manifesta falta de fundamentação”. C- O pedido formulado pela impugnante nos presentes autos, tal como expresso na PI, é a anulação da liquidação do imposto ora impugnado, por errónea quantificação dos rendimentos e por vício de falta de fundamentação. Concretamente, no que a este último vício concerne, imputa-o a impugnante à motivação constante do relatório inspectivo, sancionado hierarquicamente e que, em sede de procedimento de revisão, redundou na manutenção dos valores propostos. D- Neste domínio a impugnante não faz nas suas alegações qualquer alusão ao despacho que manteve aqueles valores e que constitui a fixação definitiva da matéria tributável por métodos indirectos, nem lhe imputa qualquer vício. O presente recurso tem, assim, por objecto, a reapreciação da matéria de direito no que diz respeito à apreciação do vício na estrita medida das alegações da impugnante. E- Para conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância é competente a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito e é competente a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo territorialmente competente se o fundamento não for exclusivamente de direito (alínea b) do art. 26.º e alínea a) do art. 38.º, ambos do ETAF, e n.º 1 do art. 280.º do CPPT); “não deve considerar-se como invocação de matéria de facto as referências a peças que constem do processo, pois todas as ocorrências processuais são de conhecimento oficioso”, vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6.ª edição, págs. 225. F- Pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do acto se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de substância; razão, aliás, por que se tem reconhecido que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do acto possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o acto e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo. G- Contudo, a apreciação e eventual procedência destes vícios depende do teor do discurso fundamentador do acto de liquidação, pois só ele pode fornecer ao julgador a razão ou base legal que sustenta o acto, ficando o conhecimento desses vícios inviabilizado sem essa prévia revelação e clarificação do enquadramento jurídico em que ele assentou. H- Neste contexto, não merece reparo a sentença impugnada ao optar pelo conhecimento prioritário do vício de falta de fundamentação. Não obstante, como ficou dito supra (em C e D), a densificação operada pela impugnante relativamente a tal vício não permitiria o alcance que foi conferido na análise efectuada, o que, de alguma forma, pode explicar o erro de julgamento que imputamos à sentença, ao concluir pela falta de fundamentação do despacho do Director de Finanças em que se suporta a liquidação. I- Falamos em erro de julgamento, dado não padecer a sentença ora sindicada de falta absoluta de motivação, nem de inteligibilidade; enfermando, apenas, de uma inexactidão dos fundamentos utilizados para justificar a decisão; decorrente de a impugnante, na PI, jamais invocar como causa de pedir a falta de fundamentação nos termos configurados na sentença. J- Refere a Meritíssima Juíza [do Tribunal] a quo que a fundamentação adoptada pela AT e os motivos pelos quais considera legalmente justificado o recurso aos métodos indirectos de tributação e respectiva quantificação, se condensaram no despacho do Director de Finanças de Viseu proferido ao abrigo do que determina o art. 92.º, n.º 6 da LGT, por a liquidação nestes autos impugnada assentar no acto por si emanado no procedimento de revisão apresentado nos termos e para efeitos do art. 91.º da LGT. L- O critério para aferição da clareza, congruência e suficiência da fundamentação consiste em verificar se na situação em concreto e perante o acto em causa e as circunstâncias específicas em que o mesmo é praticado um destinatário normalmente diligente ou razoável ficaria em condições de conhecer o itinerário funcional, cognoscitivo e valorativo do autor do acto, que o levou a decidir em determinado sentido. M- A falta de fundamentação constitui um vício formal do acto, pelo que não está em causa aqui a apreciação da validade material dos fundamentos invocados, mas a existência de pressupostos e motivos coerentes, possíveis, credíveis e suficientes a esclarecer as razões determinantes do sentido do acto. N- Distingue-se, neste âmbito a validade formal do acto, decorrente do facto de a Administração Tributária ter dado a conhecer razões ou motivos em que fundou a sua decisão, da validade substancial do acto, correspondente a saber se os motivos invocados correspondem à realidade e, correspondendo, são suficientes para legitimar o concreto sentido da decisão tomada. O- A jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. P- A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo pacificamente que, nos casos de remissão, o acto administrativo integra, nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma. Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. Q- Acresce dizer que “o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte”. R- Ora, visto o teor e as circunstâncias concretas do caso, os vícios inquinantes da liquidação são apontados pela impugnante, apenas e tão só, por reporte ao relatório inspectivo. S- O que é bem expressivo das circunstâncias concretas em que tal acto foi praticado: na sequência de acção inspectiva levada a cabo à actividade da impugnante, foi elaborado projecto de relatório inspectivo (fls. 18 a 30 do PA), relativamente ao qual veio a impugnante exercer o seu direito de audição, de cuja apreciação não resultou qualquer alteração, pelo que o dito se converteu em definitivo – conforme fls. 34 do PA. Apresentou a impugnante reclamação da fixação do lucro tributável, imposto e volume de negócios em sede de IRC e para o ano de 1999, conforme fls. 12 e 13 do PA, o qual mais não traduz do que o cumprimento de condição de impugnabilidade do acto de liquidação, posto que, conforme decorre do teor de tal reclamação, se limita a meras considerações, desprovidas de qualquer meio de prova (nomeadamente meios de pagamento utilizados nas transacções efectuadas), que permitisse uma inflexão na motivação da AT. T- Do referido relatório consta, quer a fundamentação sobre os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, quer o critério de quantificação, o qual teve por base a amostragem elaborada na acção inspectiva, que se estribou nos folhetos de publicidade das agências imobiliárias da cidade de Viseu (que se encontram juntos a fls. 24 a 30 do processo administrativo) de preços de venda de apartamento e de lojas, praticados na mesma zona e em zonas idênticas, referentes aos anos de 1998, 1999 e 2000, tendo-se, em conformidade, obtido o preço médio de venda por m2. Metodologia devidamente elaborada e justificada no relatório da acção inspectiva. U- Constatou-se na acção inspectiva a existência de diferenças acentuadas entre os preços declarados pelo sujeito passivo e os preços praticados no mercado, concluindo-se que as vendas das fracções foram escrituradas manualmente e registadas na contabilidade por um preço substancialmente inferior ao seu valor de mercado. E o que a impugnante vem sindicar, em sede de errónea quantificação dos rendimentos sujeitos a tributação, é precisamente o preço médio de mercado achado no relatório de inspecção; o que se inscreve já no âmbito da chamada fundamentação substancial do acto. V- À fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo e à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto, ou seja, na medida da real verificação dos pressupostos de facto invocados e da correcta interpretação e aplicação das normas que servem de fundamento jurídico. Ou seja, uma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a motivaram a actuar como actuou (questão que se situa no âmbito da validade formal do ato), situação diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos se verificam e se são suficientes para legitimar a concreta actuação da AT. X- Emerge de forma clara e expressa, no relatório inspectivo, a enunciação da fundamentação sobre os pressupostos de aplicação de métodos indirectos; cumprindo-se o desiderato da fundamentação formal. Z- A Meritíssima Juíza [do Tribunal] a quo incorreu em erro de julgamento ao tomar em consideração, para a resolução da questão colocada pela impugnante, factos não alegados de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente; por violação do princípio dispositivo, enunciado no art. 5.º do CPC. Termos em que se requer seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, julgando-se não verificada a falta de fundamentação, por referência à decisão da comissão de revisão; ordenando-se, em consequência, a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí prosseguir os seus termos». 1.3 A Impugnante apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor: «i. As “conclusões” apresentadas pela Recorrente violam o disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o que implica o indeferimento do requerimento de recurso (artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC). ii. A douta sentença recorrida não enferma de qualquer inexactidão dos fundamentos utilizados para justificar a decisão. iii. A Meritíssima Juiz [do Tribunal] a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento». 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] De acordo com as conclusões apresentadas, resulta para apreciar: 1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deu como assentes os factos que constam de fls. 241 a 246 v.º, dos quais ora nos interessam (A sentença deu ainda como provados muitos outros factos, sob os n.ºs 12 a 31, mas, porque os mesmos foram registados em ordem a conhecer da questão da prescrição da obrigação tributária correspondente à liquidação impugnada, dispensamo-nos de os reproduzir.) os seguintes: «1. No cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs 29717/29721, os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu, desencadearam procedimento inspectivo à sociedade A………………., Lda., NIPC: ……………, aqui Impugnante, de âmbito geral e com incidência, entre outro, ao exercício de 1999 – cfr. capítulo II. do projecto de relatório de inspecção tributária de fls. 18 a 30 do Processo Administrativo apenso aos autos. 2. Em 27/02/2002, na sequência do procedimento inspectivo, foi elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária projecto de relatório, onde foi proposta a correcção à matéria tributável em sede de IRC, com recurso a métodos indirectos, no montante de € 186.057,79, por referência ao ano 1999 – cfr. projecto de relatório de inspecção tributária de fls. 18 a 30 do Processo Administrativo apenso aos autos. 3. A correcção com recurso a métodos indirectos, referida no ponto que antecede, resultou da seguinte fundamentação inclusa no projecto de relatório de inspecção tributária, que dali se extrai:
IV- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS - A conta caixa apresenta permanentemente nos exercícios em causa elevados saldos devedores. No ano de 1999 o saldo em 31/12/1999 é de 45.698.565$00 e no ano de 2000 o saldo em 31/12/000 é de 45.072.026$00. Nas mesmas datas as contas de Depósitos à Ordem evidenciam saldos de 648.420$00, devedor e 218.486$00 credor, respectivamente. - As únicas entradas de meios monetários relativos às transmissões de apartamentos, em termos contabilísticos ocorrem apenas com base nas respectivas escrituras e pelos valores constantes das mesmas. Não são referidas quaisquer importâncias eventualmente recebidas antecipadamente e a título de adiantamentos. - Perante montantes de dinheiro em caixa tão elevados, entendemos que não existem quaisquer razões objectivas para que se contraiam empréstimos junto da banca, os quais ascendem a 21.550.000$00 em 31/12/1999 e 25.550.000$00 em 31/12/2000, respectivamente. - De referir que a construção deste prédio (…………….), situa-se numa das zonas da cidade com um grande crescimento habitacional. O forte impacto da construção nesta zona contribuiu para um aumento sustentado dos preços das habitações. Através do registo de propriedade horizontal e das escrituras de venda, fez-se a análise a fim de verificar o preço de venda por m2. Nesta análise teve-se em conta a área dos apartamentos não se considerando áreas das varandas, os lugares na cave e subcave de estacionamento e arrumos e sótão. De salientar que a área dos compartimentos amplos no sótão destinados a arrumos e a escadaria de acesso, bem como a(s) varanda(s) das fracções J e L, também não foram tidas em conta. Neste caso apenas se teve em conta a área das fracções B, C, E, F, J e L, uma vez que são as garagens e os apartamentos vendidos no ano de 1999. De salientar que no ano de 2000, não existem vendas de apartamentos e/ou garagens. As fracções E, F, J e L são apartamentos e as fracções B e C são garagens. Deste modo considerou-se uma área total de 512,50 m2 para as vendas totais de apartamentos de 46.000.000$00, o que nos dá um preço médio de venda por m2 de 89.756$00/m2 (apartamentos). - Relativamente às garagens, que correspondem às fracções B e C aceita-se os valores de venda declarados. - De modo a confirmar esta conclusão, procedeu-se à recolha [em rodapé: 1Esta recolha foi feita através dos folhetos de publicidade das agências imobiliárias viseenses que se encontram arquivados nos nossos serviços e das quais se anexam fotocópias] de preços de venda de apartamentos e de lojas praticados na mesma zona e em zonas idênticas, referentes aos anos de 1998, 1999 e 2000, tendo-se obtido o preço médio de venda por m2, que se indica nos quadros seguintes: Apartamentos
Preço médio de mercado = 162.539$00/m2 Se comparamos o preço de venda obtido dos registos contabilísticos e o preço de mercado, verificamos que existem diferenças acentuadas entre os preços declarados pelo sujeito passivo e os preços praticados no mercado, o que nos leva a concluir que as vendas das fracções foram escrituradas notarialmente [em rodapé: 2A propósito de escrituras notariais, como documentos autênticos, leia-se o art. 371.º do n.º 1 do Código Civil e acórdão do STA de 24 de Novembro de 1999, proferido no processo n.º 24.0124. Em suma, a força probatória plena dos documentos autênticos limita-se aos factos que neles se referem. No caso em apreço, escritura de compra e venda, apenas se tem como plenamente provado que os outorgantes do contrato declararam compra e vender por um certo preço, mas não que esse preço tenha sido o efectivamente praticado.] e registadas na contabilidade por um preço substancialmente inferior ao seu valor de mercado. Esta análise permite-nos reforçar a ideia de que as escrituras não relevam os valores de venda efectivamente praticados. Contactado o responsável pela sociedade, este declarou que os custos contabilizados correspondem aos efectivamente ocorridos. V- CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS 5.1- CRITÉRIO Com base no que foi exposto anteriormente, propõe-se que os resultados do ano de 1999 sejam corrigidos com recurso a métodos indirectos conforme prevê o art. 90.º da L.G.T. Serão utilizados os preços médios de mercado referenciados anteriormente. 5.2- CÁLCULOS 5.2.1- IRC/1999 Neste exercício foram vendidas as fracções E, F, J e L. De acordo com o registo de propriedade horizontal, a área correspondente aos apartamentos vendidos neste ano perfaz uma área total de 512.50 m2. Utilizando o preço de mercado acima obtido, chegamos ao seguinte valor de vendas presumidas: 512.50 m2 x 162.539$00 = 83.301.238$00 Em síntese concluímos que:
(…)” – cfr. projecto de relatório de inspecção tributária de fls. 18 a 30 do Processo Administrativo apenso aos autos. 4. Pelo ofício n.º 3220 de 04/03/2002, da Direcção de Finanças de Viseu, dirigido à Impugnante, foi remetido o projecto de relatório a que se alude em 3), dando conta do prazo para o exercício do direito de audição, o qual, tal como ali se referiu, a não ser exercido ou não sofrer alterações, acarretaria a conversão do projecto de relatório em definitivo – cfr. cópia do ofício da fls. 16 a 17 do Processo Administrativo apenso aos autos. 5. Em 18/03/2002, foi elaborado relatório de inspecção tributária, do qual consta o seguinte: 6. Em 22/04/2002, a aqui Impugnante apresentou junto do Director de Finanças de Viseu, pedido de revisão da matéria colectável – cfr. doc. de fls. 12 a 13 do Processo Administrativo apenso aos autos. 7. Em 20/05/2002, no âmbito do procedimento de revisão a que se alude no ponto que antecede, reuniram-se os peritos da Administração Tributária (AT) e da Impugnante para apreciação do pedido, fazendo constar o teor da reunião em acta elaborada para o efeito com o n.º 35/02, que não chegaram a acordo, tendo o perito da AT proposto a manutenção das correcções propostas no relatório de inspecção tributária e o da Impugnante o regresso aos valores declarados, nos seguintes termos, como dali consta: 8. Em 24/05/2002, foi elaborada pelo Director de Finanças de Viseu, a seguinte decisão no âmbito do procedimento de revisão a que se alude em 6), a qual foi remetida à Impugnante por ofício n.º 8141 de 27/05/2002, por carta registada com aviso de recepção, o qual se mostra assinado com data de 30/05/2002: 9. Em resultado da correcção com recurso a métodos indirectos efectuada pelos Serviços da Inspecção Tributária a que se alude em 2) e descrita em 3) e 5), mantida por decisão referida em 8), em 05/06/2002, foi emitida, por referência à aqui Impugnante, a liquidação de IRC n.º 2002 8310009602, relativa ao exercício económico do ano de 1999, no valor total a pagar de € 78.326,68, nestes autos impugnada – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, de fls. 10 do processo físico. 10. Em 12/10/2002, foi autuado pelo Serviço de Finanças de Viseu 2, o processo de execução fiscal (PEF) com o n.º 3700200201027590, em que é executada a aqui Impugnante, para cobrança coerciva do IRC relativo ao ano de 1999, resultante da liquidação a que se alude em 9) – cfr. fls. 1 a 2 do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos. 11. Em 22/10/2002, foi apresentada no Serviço de Finanças de Viseu 2, a petição inicial que deu origem aos presentes autos […]». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT entendeu que a contabilidade da ora Recorrida, com referência ao exercício do ano de 1999, não reflectia a sua verdadeira situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtidos, motivo por que procedeu à correcção do lucro tributável declarado, com recurso a métodos indirectos e, após ser decidido o pedido de revisão formulado por aquela sociedade ao abrigo do disposto no art. 91.º da Lei Geral Tributária (LGT), à consequente liquidação adicional do IRC. * 2.2.2 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO FORMAL VERSUS FUNDAMENTAÇÃO MATERIAL Lida a petição inicial, verificamos que a Impugnante invocou como fundamentos do pedido de anulação da liquidação «a errónea quantificação dos rendimentos sujeitos a tributação» e «o vício da fundamentação legalmente exigida». Interessa-nos agora considerar este último vício, pois foi com fundamento em falta de fundamentação que a sentença recorrida anulou o acto impugnado. A Impugnante refere a verificação desse vício ao relatório da inspecção, designadamente à conclusão que nele é formulada, de que «existem motivos e factos que permitem concluir que não declarou a totalidade dos valores obtidos pelas vendas das fracções do prédio sito na ……………..», conclusão que considera «não se encontra minimamente fundamentada» porque «[n]ada consta do relatório que permita retirar essa ilação». Se bem interpretamos a petição inicial, a Impugnante, pese embora invocar expressamente a verificação do «vício de fundamentação legalmente exigida», revela ter alcançado os motivos invocados pela AT para ter lançado mão dos métodos indirectos para a avaliação da matéria tributável e o critério utilizado na fixação dessa matéria. * 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - As características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico). II - Resultando da petição inicial que a causa de pedir invocada sob a denominação “falta de fundamentação” se refere à fundamentação substancial, enferma de erro de julgamento a sentença que a apreciou como se se tratasse de fundamentação formal. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí serem conhecidas as questões suscitadas na petição inicial. * Custas pela Recorrida. * Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Ana Paula Lobo – Dulce Neto. |