Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0402/11
Data do Acordão:04/19/2012
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
NOTIFICAÇÃO
CONTESTAÇÃO
DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS
VIDEOVIGILANCIA
RESTRIÇÃO
DIREITO FUNDAMENTAL
DELIBERAÇÃO
COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS
Sumário:I – O julgamento de providência cautelar não tem de ser precedido de notificação da contestação, pelo menos se não se sustentar em excepções nela suscitadas;
II – A ponderação do juiz sobre as diligências de prova que considera necessárias, nomeadamente quando entende passar à decisão da providência imediatamente após a junção da contestação, não tem que ser objecto de despacho, pois será aquela decisão, sim, que será objecto de escrutínio;
III – A utilização de sistemas de videovigilância origina, em princípio, um conflito de direitos ou interesses fundamentais, que deverá ser resolvido em função do caso concreto;
IV – Não se revela manifestamente ilegal deliberação da Comissão Nacional de Protecção de Dados que ordenou a cessação de determinado sistema de vigilância vídeo de controlo de tráfego, com base em não se encontrarem reunidas as condições necessárias para garantir a legalidade do tratamento de dados, se este pressuposto não é imediatamente afastado pelos elementos do processo.
Nº Convencional:JSTA00067529
Nº do Documento:SA1201204190402
Data de Entrada:04/15/2011
Recorrente:MUNICÍPIO DE LISBOA
Recorrido 1:COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC
Legislação Nacional:CPTA02 ART90 N2 ART118 N3 ART119 N1 ART120 N1 B
CPC96 ART201 ART517 ART526
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC42385 DE 2001/10/02; AC STAPLENO PROC510/10 DE 2011/09/15
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VII PAG507.
ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG424.
MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG182.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. O Município de Lisboa, intentou no TAC de Lisboa, contra a Comissão Nacional de Protecção de Dados, a suspensão de eficácia da sua Deliberação nº 661/2010, de 20 de Setembro de 2010, nos termos do qual a Comissão Nacional de Protecção de Dados decidiu (i) não autorizar a utilização de um sistema de videovigilância para controlo de tráfego pelo Município de Lisboa, de acordo com as disposições contidas nos artigos 7.º, n.º 2, 23.º, n.º 1, alínea b), 27.º, 28.º n.º1, alínea a), e 30.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, e (ii) ordenar que o responsável pelo tratamento cessasse, de imediato, o tratamento processado no seu Centro de Controlo de Tráfego, nos termos do artigo 22.º n.º 3, alínea b), da Lei nº 67/98, por não se encontrarem reunidas as condições necessárias para garantir a legalidade do tratamento de dados pessoais, sob pena de incorrer em crime de desobediência qualificada.

1.2. O TAC de Lisboa declarou-se incompetente em razão da hierarquia, e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Central Sul.

1.3. Por acórdão desse Tribunal Central, a providência foi indeferida (fls. 254-262).

1.4. Inconformado, o Município de Lisboa vem interpor o presente recurso, concluindo nas respectivas alegações:
«(i) O Recorrido não foi notificado da oposição oferecida nos autos pela Recorrida Comissão Nacional de Protecção de Dados, notificação essa que se torna exigível para efeitos do exercício do contraditório preconizado pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, e para conceder cumprimento ao disposto nos artigos 229.º-A e 260.º-A do CPC, também aplicável por remissão do aludido artigo 1.º do CPTA, apesar de o artigo 118.º, n.º 3, do CPTA não prever a notificação da oposição ao Recorrente.
(ii) O teor da oposição releva designadamente para efeitos de ponderação dos interesses em presença, ficando o Recorrente impossibilitado de se pronunciar sobre a eventual violação do n.º 5 do artigo 120.º do CPTA, embora saiba que a mesma não proferiu resolução fundamentada para os efeitos previstos pelo n.º 1 do artigo 128.º do CPTA.
(iii) A falta de notificação da oposição constitui nulidade processual na medida em que é susceptível de interferir no exame e na decisão da causa.
(iv) Em conformidade, importa declarar a nulidade de todo o processado subsequente à apresentação da oposição pela Requerida, ora Recorrida, nos termos do artigo 201.º, n.ºs 1 e 2 do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA).
(v) De igual forma, desconhece o Recorrente se a Recorrida deu cumprimento ao artigo 8.º, n.º 3, do CPTA, conforme era devido, e assim foi impetrado pelo Recorrente no seu requerimento inicial, mas tem por certo que tal facto impunha-se ser do seu conhecimento.
(vi) O processo instrutor, se ponderado, configura prova documental, sendo que a notificação de documentos juntos aos autos, para efeitos de eventual impugnação da matéria de facto, da sua admissão e da sua força probatória, é obrigatória de acordo com o disposto nos artigos 517.° e 526.° do CPC.
(vii) É inconcebível que a Recorrida não tenha procedido à junção do processo instrutor, quer porque a sua junção é obrigatória, quer porque o conteúdo do processo é vital para, em conjunto com os demais elementos de prova, proceder ao apuramento da matéria de facto, pelo que essa omissão representa um desvio do formalismo processual que a lei prescreve, e cujas consequências influem de forma negativa na decisão de fundo a tomar nos autos.
(viii) O Recorrente também não conhece, e nem sabe se existe, a posição tomada pelo Tribunal recorrido quanto à dispensa das diligências de prova requeridas, contudo essa pronúncia não poderia deixar de ser consignada e notificada ao Recorrente - ainda que a lei não prescreva como formalidade essencial a notificação das partes sobre a dispensa das diligências de prova.
(ix) A dispensa de diligências de prova influi no desfecho da lide e, nessa medida, verifica-se uma omissão de uma formalidade processual essencial, que em muito prejudica o Recorrente.
(x) Tais nulidades, pela sua especial importância e pela utilidade que os actos omitidos revelam para a boa decisão da causa tendo em conta o escopo que aos mesmos se encontra subjacente (v.g. para o exercício do contraditório), nela influindo de forma nefasta, devem ser declaradas nos termos do artigo 201.º, nºs. 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
(xi) O acórdão aqui em apreço encontra-se inquinado de nulidade decorrente de omissão de pronúncia (cfr. artigo 668.°, n.º 1, alínea d), do CPC) perante factos alegados pelo Recorrente e não apreciados pelo Tribunal a quo, mas cujo relevo interfere com o sentido dispositivo do mesmo, como sucede com a apreciação da violação do princípio da boa fé, da participação, da colaboração e da prossecução do interesse público ou da ponderação sobre os efectivos termos e condições em que se processa o funcionamento das câmaras de monitorização de tráfego que se encontram instaladas na cidade de Lisboa e as reais características e potencialidades do sistema, cujo conhecimento é indispensável para a boa decisão da causa.
(xii) O acórdão recorrido encontra-se inquinado de erro de julgamento e de errada interpretação do regime previsto pelo artigo 120.° do CPTA e aplicação das regras e princípios preconizados pela LPD, pela CRP e pelo CPA.
(xiii) No âmbito de uma providência cautelar o conhecimento quanto à factualidade que lhe subjaz é meramente perfunctório, facto que determina que na presente tutela cautelar apenas se permite uma regulação provisória de natureza instrumental e urgente, impondo-se ao Julgador uma apreciação sumária das questões submetidas ao seu crivo (a summaria cognitio), questões essas que somente em sede de acção principal serão apreciadas com a devida profundidade e acuidade.
(xiv) O acórdão recorrido evidencia insuficiência da matéria de facto, em função dos factos alegados, pelo menos pelo Recorrente, e dos pressupostos em que assenta a valoração do Tribunal a quo, sustendo-se num segmento da Deliberação n.º 661/2010, sobre a qual versa o pedido de suspensão de eficácia. Ou seja, o reportório da factualidade considerada é profundamente redutor para uma valoração imparcial, concreta e correcta do pedido submetido à sindicância judicial.
(xv) Tal asserção torna-se especialmente pertinente em função dos factos expostos no requerimento inicial e que permitiam apurar argumentos de contraprova dos fundamentos expostos na deliberação suspendenda, tal como proferida pela Recorrida, onde se destacam as condições de visionamento das imagens, a segurança que suporta esse visionamento, as características e as potencialidades efectivas e actuais do sistema implementado.
(xvi) O Tribunal a quo fundou a sua decisão apenas no acto administrativo proferido pela Recorrida, sem que sobre este se encontre garantida, ou indiciariamente demonstrada, a sua fidedignidade e certeza.
(xvii) Ao cingir-se ao teor da Deliberação n.º 661/2010, da autoria da Recorrida, o Tribunal a quo prescinde da apreciação dos factos alegados pelo ora Recorrente e que são necessários à boa decisão da causa, o que não se compadece com um princípio de igualdade e de imparcialidade processual.
(xviii) A insuficiência da matéria de facto poderia ter sido suprida pela ponderação da factualidade alegada pelo Recorrente, designadamente por recurso à realização das diligências de prova solicitadas a final no requerimento inicial, mediante a inquirição das testemunhas arroladas.
(xix) A inquirição das testemunhas revela-se absolutamente necessária para denunciar que o sistema de monitorização que se encontra implementado pelo Recorrente em algumas artérias da cidade não conflitua, de forma desproporcional e excessivamente intrusiva, com quaisquer direitos fundamentais conferidos aos cidadãos em geral, incluindo o direito à imagem, à livre circulação e manifestação.
(xx) Impunha-se, assim, aditar ao elenco da matéria de facto, outros elementos que permitissem sustentar, com a devida eloquência, igualdade e imparcialidade, a deliberação sufragada a final.
(xxi) O Tribunal a quo menciona um auto de fiscalização de que apenas terá tido conhecimento porque o mesmo é mencionado na Deliberação supendenda, o que permite considerar que alicerçou a sua fundamentação em factos a que não terá tido acesso e que decorrem de uma mera menção, não comprovada, da contraparte na Deliberação por esta proferida.
(xxii) Há que concluir pela patente insuficiência, e não demonstrada realidade, da matéria de facto exposta no acórdão sob censura, a qual não poderia deixar de carrear outros elementos decorrentes do alegado pelo Recorrente (e que este se propôs provar por via testemunhal), por forma a permitir avaliar condignamente, e com isenção, os pressupostos de que depende o decretamento da providência requerida e a ponderação equitativa dos interesses em presença.
(xxiii) Sendo notória a deficiência, senão veracidade, da matéria de facto, fica inquinado o acórdão recorrido por falta de motivação bastante, justificando-se a sua ampliação, nos termos previstos pelo artigo 712.°, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
(xxiv) Para comprovar a verificação dos requisitos determinantes da adopção da medida cautelar de suspensão cautelar requerida pelo Recorrente, considera-se aqui reproduzida toda a argumentação expendida no requerimento inicial, por questões de economia processual, o que se faz para efeitos de impugnação directa do teor e alcance do acórdão recorrido. Essa matéria permite demonstrar a errada interpretação e aplicação dos preceitos inscritos no artigo 120.º, n.os 1 e 2, do CPT A, e, entre outros ali enunciados, nos artigos 7.°, n.º 2, 23.°, n.º 1, alínea b), 27.°, 28.°, n.º 1, alínea a), e 30.°, todos da LPD, bem como, considerando a existência de tratamento de dados pessoais (o que apenas se conjectura), o artigo 6.°, alínea d), também da LPD, e ainda do disposto no artigo 18.°, n.º 2, da CRP e dos princípios prefigurados pelos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 6.º-A, 7.° e 8.°, do CPA, a par da inusitada impossibilidade de o Recorrente conceder o devido e eficiente cumprimento às suas atribuições e competências legais, tal como previstas pelos artigos 13.°, n.º 1, alínea c), e 18.° da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e o artigo 64.°, n.º 2, alínea t), da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.
(xxv) No que tange ao requisito do ''fumus boni iuris", ou aparência de bom direito, cuja apreciação, é mais ténue quando se está na presença de uma providência conservatória, considera-se existir um notório erro de julgamento pelo Tribunal a quo ao assentar a sua convicção em factos que não se encontram sumariamente comprovados e ao conjecturar circunstâncias sem suporte bastante para tanto.
(xxvi) O facto de o Tribunal a quo assumir que o sistema de vigilância implementado permite a captura em ecrã e que, ademais, tal pretenso facto constitui uma potencialidade do sistema que coloca em causa os direitos fundamentais dos particulares, não comporta qualquer fundamento, porque o Recorrente, mesmo que aquela captura em ecrã seja possível, nunca procede, ou procedeu, a essa captura, porque as especiais condições de segurança em que o visionamento é efectuado não permitem a disseminação do resultado das imagens, nem visam a captura estática das imagens obtidas - sendo que o visionamento das imagens é efectuado através de um sistema cujo acesso apenas é feito através de uma password e que aquele está ainda instalado numa sala de acessibilidade condicionada dotada de código de entrada, de que um escassíssimo número de pessoas tem conhecimento e que àquela pode aceder, nunca se encontrando em permanência nessa sala mais de um técnico municipal.
(xxvii) A alocução a meios técnicos inexistentes no presente mas que o futuro poderá conceder baseia-se em circunstâncias hipotéticas ou eventuais, sem apoio na realidade que é submetida à cognição do Tribunal, o que faz com que essa a realidade virtual não possa ser ponderada.
(xxviii) O sistema existente é indispensável para a prossecução das atribuições municipais e é adequado aos fins visados pelo Recorrente, estando em causa a salvaguarda de bens como a vida, a integridade física e a segurança rodoviária, os quais, com o sistema utilizado, ganham tutela verdadeiramente eficaz, sem que se ponha em causa de forma desigual os direitos privados.
(xxix) O facto de as câmaras instaladas incorporarem zoom e a facilidade de rotação apenas visa uma maior funcionalidade do sistema, sendo que a forma como se opera a rotação e alcance de imagem não permite identificar pessoas ou torná-las identificáveis.
(xxx) A substituição dos mecanismos de vigilância electrónica por policiamento não acautela condignamente a prevenção da sinistralidade e muito menos protege a assistência rodoviária almejada, e concretizada, com aquele sistema.
(xxxi) Não é exigível que o Recorrente promova um superpoliciamento para ajustar as suas atribuições às necessidades e interesses das populações, antes lhe competindo lançar mão de todos os meios e mecanismos ao seu dispor para que, da forma mais eficiente, satisfaça os interesses gerais da comunidade.
(xxxii) O sistema utilizado pelo Recorrente é necessário, adequado e proporcionado em face das finalidades de protecção dos direitos à vida, à integridade física e à segurança rodoviária.
(xxxiii) A medida adoptada é idónea para conseguir o objectivo proposto (princípio da idoneidade).
(xxxiv) A medida em causa é necessária, porque não existe outra medida capaz de garantir o mesmo objectivo com igual grau de eficácia (princípio da necessidade).
(xxxv) Essa mesma medida foi devidamente ponderada e reputada equilibrada, de tal forma que, através dela, são atingidos substanciais e superiores benefícios e vantagens para o interesse geral quando confrontados com outros bens ou valores em conflito (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).
(xxxvi) A não se entender que é cristalina a ilegalidade do acto administrativo impugnado na acção principal com evidente procedência dessa lide, estamos pelo menos na presença de uma situação em que a pretensão do Recorrente não pode ser reputada como evidentemente improcedente, o que significa que, ao não ter por verificado o requisito do fumus boni iuris, comprovadamente preenchido em sintonia com as alegações feitas no requerimento inicial (e cuja prova foi declinada oficiosamente), o Tribunal a quo violou o artigo 120.°, n.o 1, alínea a), e, bem assim, perante a constatação do fumus non malus iuris, a subsequente alínea b), 2.a parte, do CPTA.
(xxxvii) Para verificação do preenchimento do requisito do periculum in mora é de ponderar o perigo de inutilidade decorrente do mero decurso de tempo a ser aferido em função de factos públicos e notórios, que não carecem de demonstração, como sejam o facto de a desactivação do sistema até à prolação da decisão final a proferir na acção principal não permitir, posteriormente, vir a repristinar a celeridade na assistência rodoviária e a alocação dos meios de emergência adequados à natureza do acidente, não se permitindo nesse interregno salvar vidas dos sinistrados e/ou proteger a sua integridade física ou assegurar, de modo preventivo e reparador, a segurança rodoviária, ou repor o cumprimento das atribuições e competências legalmente conferidas ao Recorrente.
(xxxviii) O policiamento por meios convencionais, a participação à policia e o recurso às entidades competentes à prestação de socorro não pode assegurar o mesmo uivei de eficácia que é obtido pela visualização em tempo real das circunstâncias existentes por quem detém todos os contactos, uma multiplicidade de recursos e excepcionais facilidades de acesso aos meios de socorro e assistência, como sucede com os técnicos municipais que, individualmente e por turnos, procedem ao visionamento das imagens em tempo real.
(xxxix) Os custos emergentes da instalação do sistema de monitorização constituem um encargo contemplável para valorização de prejuízos, pois que esses encargos apenas decorrem da concretização das atribuições municipais e em função do interesse público, facto mais do que apto a eleger tais custos como tuteláveis para efeitos do requisito do periculum in mora.
(xl) Ao não considerar verificado o requisito do periculum in mora perante a matéria alegada pelo Recorrente e o conhecimento emergente da experiência comum e de juízos de probabilidade, é inequívoco concluir que o Tribunal a quo violou, por errada interpretação e aplicação, o artigo 120.°, n.º 1, alínea b), 1.ª parte, do CPTA.
(xli) Por último, na ponderação dos interesses, público e privado, em presença, entende o Recorrente ser intransigível a conclusão de que o Tribunal a quo não respeitou ou ditames do artigo 120.°, n.º 2, do CPTA, precisamente porque fez uma incorrecta avaliação do interesse público que subjaz à instalação e utilização do sistema de monitorização de tráfego e que deve ter-se por prevalecente - com a nota de que a Recorrida nem sequer proferiu nos autos resolução fundamentada para os efeitos previstos pelo n.º 1 do artigo 128.° do CPTA.
(xIii) Estando em conflito direitos fundamentais de idêntica natureza, como o direito à imagem, à intimidade da vida privada e à livre circulação, por um lado, e o direito à via, à integridade física e à segurança, por outro, importa fazer apelo ao princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no artigo 18.°, n.º 2, da CRP, cuja ponderação leva a concluir pela primazia do interesse público que com o sistema de monitorização se pretende alcançar, sem que o mesmo se configure como um meio demasiado intrusivo na vida privada dos cidadãos.
(xIiii) Em suma, encontram-se verificados todos os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da Deliberação n.º 661/2010, da autoria da Recorrida, nos termos do qual a Comissão Nacional de Protecção de Dados deliberou (i) não autorizar a utilização de um sistema de vigilância para controlo de tráfego pelo Município de Lisboa, de acordo com as disposições contidas nos artigos 7.°, n.º 2, 23.°, n.º 1, alínea b), 27.°, 28.°, n.º 1, alínea a), e 30.° da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, e (ii) ordenar que o responsável pelo tratamento cessasse, de imediato, o tratamento processado no seu Centro de Controlo de Tráfego, nos termos do artigo 22.°, n.º 3, alínea b) da Lei n. ° 67/98, por não se encontrarem reunidas as condições necessárias para garantir a legalidade do tratamento de dados pessoais, sob pena de incorrer no crime de desobediência qualificada, previsto no n.º 1 do artigo 46.° do mesmo diploma.
Termos em que,
Sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, por provado, declarando-se a nulidade processual decorrente da omissão de notificação da oposição ao Recorrente, da eventual junção ou supressão da junção do processo instrutor e da decisão de recusa das diligências probatórias requeridas pelo Recorrente, por as mesmas influírem no exame e na boa decisão da causa, considerando-se, consequentemente, de nenhum efeito todo o processado ulterior, com as demais consequências legais.
Caso assim V. Exas. não o entendam, o que só por cautela de patrocínio se admite,
Deve ser declarada a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, com as demais consequências legais.
Caso ainda assim V. Exas. não o entendam, o que por cautela de patrocínio se admite,
Deve ser concedido integral provimento ao presente recurso, por provado, determinando-se a revogação do acórdão proferido pelo Digmo. Tribunal a quo e substituindo-o por outro que julgue procedente o procedimento cautelar, decretando-se, por conseguinte, a suspensão do acto administrativo que determinou a não autorização da utilização de um sistema de vigilância para controlo de tráfego pelo ora Recorrente Município de Lisboa, e ordenou que o responsável pelo alegado tratamento cessasse, de imediato, o tratamento processado no seu Centro de Controlo de Tráfego, suspensão essa a manter até ao trânsito em julgado da decisão que vier a pronunciar-se sobre o mérito da pretensão formulada no processo principal de que o presente constitui apenso, tudo com as demais consequências legais, como é de Justiça».

1.5. A CNPD alegou em sentido contrário ao do recorrente.

1.6. O digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

1.7. Recorrente e recorrida pronunciaram-se sobre esse parecer.

1.8. Tendo os autos subido sem pronúncia do tribunal a quo sobre as alegadas nulidades, baixaram, pronunciando-se o TCA por acórdão de fls. 486.

1.9. Houve posteriores requerimentos do recorrente (fls. 493, fls. 509).

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. O acórdão recorrido considerou a seguinte matéria de facto:
«a) Em 20 de Setembro de 2010 a CNPD emitiu a Deliberação nº 661/2010, da qual se salienta o seguinte:
DELIBERAÇÃO Nº661/2010
I. O pedido
1. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) veio solicitar a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) para um tratamento de videovigilância com a finalidade de monitorização do tráfego. Com esta monitorização a Câmara pretende concretamente satisfazer dois tipos de funções:
a) A detecção de acidentes - efectuada visualmente com o auxílio das câmaras de CCTV;
b) A prestação de assistência rodoviária - efectuada pelo elemento da PSP-DT presente no centro de controlo de tráfego, que direccionará, em caso de necessidade, os meios para o local.
Para além destas, o sistema faculta ainda a satisfação de outros tipos de funções que não serão objecto de apreciação nesta deliberação por não implicarem tratamentos de dados pessoais.
II. Audiência prévia
2. Nos termos dos artigos 100° e 101° do Código do Procedimento Administrativo foi dado à CML a possibilidade de se pronunciar por escrito sobre o projecto de deliberação desta Comissão. Para além da audiência escrita, os representantes da CML tiveram a oportunidade de consultar do processo em momento anterior.
Nas suas observações ao projecto de deliberação a CML veio em síntese dizer o seguinte:
1) As imagens captadas pelas câmaras de visualização não são gravadas, não havendo no Centro de Controlo meios técnicos que as permitam reproduzir, alterar ou copiar. Não existe, por isso, qualquer tratamento de dados pessoais.
2) A Lei n°67/98, de 26 de Outubro (Lei de Protecção dos Dados Pessoais - LPD), distingue, no seu artigo 4°, n° 4 entre "captação" e "tratamento" de dados pessoais, podendo haver captação sem tratamento. "Tratamento" é, segundo a alínea b) do artigo 3° da LPD, uma operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, o que pressupõe que esses dados existam em condições de serem objecto de manipulação, ou seja, que já tenham sido obtidos e registados Por essa razão, por facultar apenas a visualização de informação volátil que não é perene nem chega a ser transmitida, o sistema de controlo municipal do tráfego procede a uma mera captação de imagens sem qualquer tratamento de dados pessoais.
3) Ao contrário do que pretende a CNPD, todas as medidas de segurança adoptadas satisfazem os requisitos essenciais para a finalidade pretendida. É isso que acontece, designadamente, com a simples visualização em tempo real das imagens, uma vez que não existem actualmente na sala de controlo meios técnicos que permitam a reprodução/tratamento dos dados.
4) "Terceiro", para efeitos do artigo 3°, alínea f) da LPD, é alguém que está habilitado a tratar dos dados. Ora, como não há tratamento de dados, o elemento da PSP presente no local não pode ser considerado como tal. A presença do elemento da PSP destina-se unicamente a garantir o auxílio no accionamento de mecanismos de prevenção e de socorro em matéria de acidentes de trânsito.
5) A falta de qualquer imposição de regulamentação da Lei n° 1/2005, de 10 de Janeiro, constante do artigo 14° do mesmo diploma, sobre «Utilização de sistemas municipais», que foi aditado pela Lei n°53-A/2006, de 29 de Dezembro, - ao contrário do que acontece com o artigo 13° da mesma Lei n°1/2005, introduzido pela Lei n° 39-A/2005, de 29 de Julho e relativo aos sistemas de vigilância electrónica rodoviária instalados pela Estradas de Portugal. E.P.E. e pelas empresas concessionárias rodoviárias – implica a possibilidade da existência de sistemas municipais de vigilância que visem a salvaguarda de pessoas e bens na circulação rodoviária desde que criados nos termos legais.
6) Da comparação entre a letra da lei dos artigos 14° e 13° da Lei n° 1/2005 extrai-se um argumento no mesmo sentido, uma vez que o primeiro se refere a sistemas já "criados" e não a "criar" pelos municípios, enquanto o segundo menciona os sistemas "instalados ou a instalar" pela Estradas de Portugal, E. P. E. e pelas concessionárias rodoviárias.
7) Em paralelo com o que acontece ao abrigo da Lei n°51/2006, de 29 de Agosto, que autoriza a criação e a instalação pela Estradas de Portugal, E.P.E e pelas concessionárias rodoviárias de sistemas de vigilância e de informação relativos à prevenção e socorro em matérias de acidentes de trânsito nas estradas nacionais e nas vias concessionadas, é de entender, por se tratar de matérias similares, que o mesmo deve acontecer, por maioria de razão, nas estradas que integram a jurisdição do Município.
8) São duas as razões que justificam que os municípios gozem, dentro da sua jurisdição, dos mesmos poderes que são atribuídos àquelas entidades: em primeiro lugar, segundo uma justificação finalística, porque o Município de Lisboa pretende com este sistema de vigilância investir na salvaguarda das pessoas e bens na circulação rodoviária, accionando com a maior rapidez e eficácia os mecanismos de prevenção e de socorro em acidentados; em segundo lugar, segundo uma justificação territorial, porque integram a jurisdição de Município as redes municipais de estradas (a chamada "rede viária de âmbito municipal"), de que fazem parte as estradas não incluídas no Plano Rodoviário Nacional, bem como as estradas regionais que possam vir a integrar as redes municipais mediante despacho do ministro da tutela do sector rodoviário e, ainda, as vias de comunicação, caminhos, ruas, praças e espaços verdes.
9) No que toca ao princípio da adequação dos meios aos fins, a instalação do sistema de vigilância electrónica é indispensável para a obtenção de resultados imediatos e eficazes na detecção de acidentes e à prestação de socorro aos acidentados.
10) Embora a utilização de câmaras permita a visualização de matrículas de veículos estacionados, de manifestações ou reuniões públicas ou do desenrolar da vida particular dos residentes nos prédios circunvizinhos, tal facto não se deve à utilização do zoom e da rotação que as câmaras permitem, mas acontece porque, mesmo sem estas potencialidades técnicas, há sempre uma área onde é possível ver as matrículas, seja porque a viatura se encontra mais perto da câmara seja porque está parada num semáforo ou por qualquer outro motivo.
11) Numa situação de conflito de direitos fundamentais, é necessário equacionar qual o valor com maior relevância. E se o direito à reserva da vida privada é um direito fundamental, o direito à vida constitui, por seu turno, um direito fundamental superior àquele. Mas neste caso não há lesão efectiva do direito à reserva da vida privada nem tão pouco se conhece qualquer queixa que tenha sido feita aquando do socorro e assistência efectuado a um acidentado, decorrente da sua visualização por este sistema.
(...)”
b) Em 11 de Novembro de 2010 o Município de Lisboa requereu, contra a CNPD, a suspensão de eficácia daquela Deliberação, com pedido de decretamento provisório.
c) O pedido de decretamento provisório foi liminarmente rejeitado por despacho de fls.76.
d) Em 25.11.2010, a CNPD deduziu oposição, defendendo o indeferimento dos pedidos formulados pela Câmara Municipal de Lisboa e a manutenção da deliberação impugnada.
e) Em 2.12.2010, o Mmº Juiz do TAC de Lisboa declarou o Tribunal incompetente em razão da hierarquia, ordenando a remessa dos autos a este Tribunal».

2.2.1.1. Pela CNPD vem suscitada a extemporaneidade do presente recurso, na suposição de que ele foi interposto na data constante do carimbo de comunicação. Todavia, aquele carimbo não corresponde à data de interposição. O recurso foi interposto, por telecópia, dois dias antes, em 1 de Março (fls. 269-297). Por isso, foi cumprido o prazo de 15 dias, previsto no artigo 147.º do CPTA.

2.2.1.2. A CNPD também suscita a extemporaneidade da arguição de nulidades processuais.
Quanto à extemporaneidade baseada na existência da decisão do TAC, ela não tem razão de ser. A decisão do TAC a que se refere (decisão indicada supra em 1.2.) limitou-se a julgar a sua incompetência e a ordenar a remessa dos autos para o TCA. Não tem qualquer interferência na matéria em discussão.
Quanto à tese de que deveriam ter sido arguidas em reclamação.
A própria CNPD dá conta nas suas contra-alegações dos diversos entendimentos sobre o momento e meio de arguição de nulidades processuais, quando elas acabam por ficar cobertas por decisão judicial.
Como se indica no parecer do Ministério Público, este Tribunal tem adoptado o entendimento de que, naqueles casos, as nulidades podem/devem ser arguidas em recurso.
Esse entendimento tem sido seguido, sem discrepância manifesta, desde o acórdão do Pleno de 2.10.2001, processo n.º 42385 (cujo texto completo pode ser lido em Apêndice ao Diário da República de 16.4.2003, págs. 985-992). Esse acórdão suporta-se, entre o mais, na interpretação que faz do posicionamento de Alberto dos Reis ‒ quer no “Comentário ao Código de Processo Civil, 2.°”, págs. 507, quer no seu “Código de Processo Civil anotado, V”, pág 424, e ss. ‒ e de Manuel de Andrade, nas “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 182.
Exemplo daquela constância é o acórdão, também do Pleno, de 15.9.2011, processo 510/10 (ver em www.dgsi.pt). Como aí se ponderou, «Permanece válida no nosso direito adjectivo a ideia matriz segundo a qual das decisões recorre-se e das nulidades reclama-se […] Contudo, é geralmente aceite que a reacção contra nulidades «cobertas» ou assumidas por decisões judiciais consiste no recurso que destas se interponha, sendo ele possível».
No quadro dessa linha de entendimento, sem necessidade, aqui, de outros desenvolvimentos, considera-se que não procede a tese da recorrida.

Na alegação de recurso vêm apontadas nulidades processuais, nulidades do acórdão e erros de julgamento. Comecemos pelas nulidades.

2.2.2.1. Nulidade por falta de notificação da oposição oferecida pela CNPD.
Alega-se:
«(i) O Recorrido [sic] não foi notificado da oposição oferecida nos autos pela Recorrida Comissão Nacional de Protecção de Dados, notificação essa que se torna exigível para efeitos do exercício do contraditório preconizado pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, e para conceder cumprimento ao disposto nos artigos 229.º-A e 260.º-A do CPC, também aplicável por remissão do aludido artigo 1.º do CPTA, apesar de o artigo 118.º, n.º 3, do CPTA não prever a notificação da oposição ao Recorrente.
(ii) O teor da oposição releva designadamente para efeitos de ponderação dos interesses em presença, ficando o Recorrente impossibilitado de se pronunciar sobre a eventual violação do n.º 5 do artigo 120.º do CPTA, embora saiba que a mesma não proferiu resolução fundamentada para os efeitos previstos pelo n.º 1 do artigo 128.º do CPTA.
(iii) A falta de notificação da oposição constitui nulidade processual na medida em que é susceptível de interferir no exame e na decisão da causa.
(iv) Em conformidade, importa declarar a nulidade de todo o processado subsequente à apresentação da oposição pela Requerida, ora Recorrida, nos termos do artigo 201.º, n.ºs 1 e 2 do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA).

O recorrente suscita a nulidade, embora com o reconhecimento de que o faz «apesar de o artigo 118.º, n.º 3, do CPTA não prever a notificação da oposição ao Recorrente» (da conclusão (i)).
Na verdade, não é só do artigo 118.º, n.º 3, do CPTA que resulta que o julgamento não tem de ser precedido de notificação da contestação. Resulta, também, do artigo 119.º, n.º 1: «O juiz ou relator profere decisão no prazo de cinco dias contado da data da apresentação da última contestação ou do decurso do respectivo prazo, ou da produção de prova, quando esta tenha tido lugar».
Com certeza que se poderá colocar um problema de respeito do princípio do contraditório. Esse problema surgirá se forem suscitadas excepções.
Mas o julgamento não se sustentou em quaisquer excepções.
Na circunstância, a recorrente alicerça-se na necessidade de se poder pronunciar sobre a questão da ponderação de interesses. Mas, aí, não é matéria de excepção. No seu requerimento inicial o Município pôde, logo, dizer o que achava conveniente, do mesmo modo que o pôde fazer a requerida, na sua contestação, não se revelando ter havido, ainda neste domínio, qualquer matéria de excepção considerada pelo acórdão recorrido.
Não ocorre, portanto, esta nulidade.

2.2.2.2. Nulidade por não comunicação de junção do processo instrutor e por não pronúncia quanto a dispensa de diligência de prova requeridas
Alega:
«(v) De igual forma, desconhece o Recorrente se a Recorrida deu cumprimento ao artigo 8.º, n.º 3, do CPTA, conforme era devido, e assim foi impetrado pelo Recorrente no seu requerimento inicial, mas tem por certo que tal facto impunha-se ser do seu conhecimento.
(vi) O processo instrutor, se ponderado, configura prova documental, sendo que a notificação de documentos juntos aos autos, para efeitos de eventual impugnação da matéria de facto, da sua admissão e da sua força probatória, é obrigatória de acordo com o disposto nos artigos 517.° e 526.° do CPC.
(vii) É inconcebível que a Recorrida não tenha procedido à junção do processo instrutor, quer porque a sua junção é obrigatória, quer porque o conteúdo do processo é vital para, em conjunto com os demais elementos de prova, proceder ao apuramento da matéria de facto, pelo que essa omissão representa um desvio do formalismo processual que a lei prescreve, e cujas consequências influem de forma negativa na decisão de fundo a tomar nos autos.
(viii) O Recorrente também não conhece, e nem sabe se existe, a posição tomada pelo Tribunal recorrido quanto à dispensa das diligências de prova requeridas, contudo essa pronúncia não poderia deixar de ser consignada e notificada ao Recorrente - ainda que a lei não prescreva como formalidade essencial a notificação das partes sobre a dispensa das diligências de prova.
(ix) A dispensa de diligências de prova influi no desfecho da lide e, nessa medida, verifica-se uma omissão de uma formalidade processual essencial, que em muito prejudica o Recorrente.
(x) Tais nulidades, pela sua especial importância e pela utilidade que os actos omitidos revelam para a boa decisão da causa tendo em conta o escopo que aos mesmos se encontra subjacente (v.g. para o exercício do contraditório), nela influindo de forma nefasta, devem ser declaradas nos termos do artigo 201.º, nºs. 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

Como reflecte o digno magistrado do Ministério Público, diversamente do disposto no artigo 90.º, n.º 2, do CPTA, o seu artigo 118.º, n.º 3, não impõe qualquer fundamentação sobre indeferimento de produção de prova. Atenta a natureza urgente do procedimento, é o juiz que «pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias», podendo socorrer-se, naturalmente, das que tenham sido sugeridas pelas partes.
Essa ponderação, nomeadamente quando o juiz entende passar imediatamente à decisão, conforme o já citado 119.º, não tem que ser objecto de despacho. E será já a decisão, sim, que será objecto de escrutínio, como é agora.
Já quanto à junção do processo instrutor.
Conforme os artigos 517.º e 526.º do CPC a apresentação de documentos deve ser notificada.
Na circunstância, não houve a notificação. Todavia, verifica-se do julgamento que o acórdão não se socorreu desse processo instrutor, antes se socorreu do constante da deliberação suspendenda, que foi junta pelo requerente. É, aliás, o que o próprio recorrente reconhece: «(xvi) O Tribunal a quo fundou a sua decisão apenas no acto administrativo proferido pela Recorrida».
Assim, a falta de notificação não interferiu no exame e decisão da causa, não havendo, portanto, produção da nulidade prevista no artigo 201.º do CPC.

2.2.2.3. Nulidade por omissão de pronúncia
(xi) O acórdão aqui em apreço encontra-se inquinado de nulidade decorrente de omissão de pronúncia (cfr. artigo 668.°, n.º 1, alínea d), do CPC) perante factos alegados pelo Recorrente e não apreciados pelo Tribunal a quo, mas cujo relevo interfere com o sentido dispositivo do mesmo, como sucede com a apreciação da violação do princípio da boa fé, da participação, da colaboração e da prossecução do interesse público ou da ponderação sobre os efectivos termos e condições em que se processa o funcionamento das câmaras de monitorização de tráfego que se encontram instaladas na cidade de Lisboa e as reais características e potencialidades do sistema, cujo conhecimento é indispensável para a boa decisão da causa.

Interessa começar por sublinhar que não se deve confundir o âmbito de apreciação da acção principal com o âmbito de apreciação da providência cautelar.
Nesse último caso o âmbito de apreciação tem em vista a verificação dos requisitos da providência.
Por isso que se aprecia aquilo que for considerado pertinente para esse efeito.
Já especificamente sobre a matéria de facto pronunciar-nos-emos no ponto seguinte.
O acórdão recorrido indicou os termos essenciais pelos quais o ora recorrente sustentava o pedido de providência. E analisou a deliberação posta em crise. Concluiu que era legal, pelos fundamentos que exarou e que serão discutíveis, sim, em sede de mérito.
Que teve em conta o essencial, no que aos alegados princípios diz respeito, à boa-fé, à proporcionalidade à prossecução do interesse público ou à ponderação sobre os efectivos termos e condições em que se processa o funcionamento das câmaras de monitorização de tráfego, resulta, sem necessidade de mais, do seguinte segmento final do acórdão:
«[…] o sistema em análise colide com direitos fundamentais, não podendo a CNPD transigir com a adopção de um sistema de videovigilância com as características e potencialidades daquele que se encontrava em funcionamento até à prolação da Deliberação em causa.
Em suma, a manutenção de um sistema de videovigilância com as características descritas revelar-se-ia excessiva, com ofensa dos direitos e liberdades dos cidadãos (designadamente o direito a circulação de forma anónima e à reserva e intimidade da vida privada), pelo que não pode deixar de se considerar prevalecente o interesse defendido pelo CNPD, que se limitou a actuar em obediência à lei, dentro dos limites dos poderes que a CRP, a LPA e o CPA lhe conferem.
Concluindo, a ponderação relativa dos interesses em presença é impeditiva do sacrifício da privacidade e da reserva da intimidade da vida privada, prevalecendo sobre os interesses invocados pelo Município no âmbito das suas competências de controlo do trânsito, que poderá ser efectuado por meios não intrusivos, como já se disse.
Não há, pois, qualquer violação do princípios da proporcionalidade e da boa fé por parte da Deliberação nº 661/2010, que se mostra fundamentada de forma clara, suficiente, congruente e até exaustiva, descrevendo e apreciando todas as circunstâncias do caso concreto e procedendo à sua apreciação jurídica, como resulta da sua leitura».
Ora, para além dos princípios, conhecidos na essencialidade, não se descortina qualquer concreta disposição cuja violação tivesse sido invocada e devesse ter sido conhecida, pelo que não se verificar a alegada omissão.

Passemos a apreciar os alegados erros de julgamento.

2.2.3.1. Da necessidade de ampliação da matéria de facto e o erro do acórdão por não aceitar a evidência da ilegalidade da deliberação do CNPD. E, de qualquer modo, do erro do acórdão pois que a pretensão do ora recorrente não poderia ter sido considerada manifestamente improcedente.

No essencial, entende o recorrente que o acórdão não considerou a matéria de facto que tinha apresentado, apenas se tendo baseado no constante na própria deliberação em crise, não estando demonstrada a veracidade do que nela se refere. E insiste em que é cristalina a ilegalidade da deliberação do CNPD:
“Há que concluir pela patente insuficiência, e não demonstrada realidade, da matéria de facto exposta no acórdão sob censura” (da conclusão xxii)), o que determina a falta de motivação bastante do acórdão, «justificando-se a sua ampliação, nos termos previstos pelo artigo 712.º, n.º 4, do CPC» (da conclusão xxiii)); «A não se entender que é cristalina a ilegalidade do acto administrativo impugnado na acção principal com evidente procedência dessa lide, estamos pelo menos na presença de uma situação em que a pretensão do Recorrente não pode ser reputada como evidentemente improcedente» (da conclusão xxxvi).
Nos termos do acórdão recorrido, o Município de Lisboa invocara que se encontravam reunidos os requisitos da suspensão de eficácia daquela Deliberação do CNPD, designadamente o “fumus boni juris” e o “periculum in mora”, e ainda que a ponderação de interesses a que alude o artigo 120.º, n.º 2, do CPTA lhe era favorável.
Conforme se lê no acórdão, «Quanto ao “fumus boni juris”, o Município de Lisboa alega que o acto administrativo da CNPD é manifestamente ilegal e afecta os comandos legais que regulam a gestão do trânsito na cidade de Lisboa, violando a Lei Fundamental, pelo que é notória a evidência da procedência da acção principal. E isto porque, diz o requerente, a Deliberação nº661/2010 não observa os princípios da legalidade, boa-fé e da proporcionalidade e não se encontra devidamente fundamentada».

O acórdão não deu por demonstrada a manifesta ilegalidade da deliberação; ao contrário, julgou que não se verificava o fumus boni juris.
O recorrente insiste na evidência da ilegalidade do acto e em que, de qualquer modo, se verifica o fumus bonis iuris.

No seu discurso fundamentador, o acórdão começou por enunciar a problemática constitucional a considerar em matéria de vídeo vigilância. Depois, foi ao caso:
«No caso concreto, vemos que a Deliberação nº 661/2010, de 20 de Setembro, da CNPD deliberou não autorizar a utilização de um sistema de videovigilância para controle de tráfego pelo Município de Lisboa, tendo em conta as disposições contidas nos artigos 7º nº2, 23º nº1, alínea b) 27º, 28º nº1, alínea a) e 30º da Lei nº 67/98, de 28 de Outubro, bem como ordenou que o Município de Lisboa cessasse, de imediato, o tratamento no seu Centro de Controlo de Tráfego, nos termos do artigo 22º nº3, alínea b) da Lei nº67/98.
A nosso ver, estas medidas não são ilegais.
Em primeiro lugar, e como se observa na Deliberação impugnada, apesar de a CML alegar que a recolha de imagens pelas câmaras de visualização do sistema de controlo do tráfego não supõe qualquer tratamento de dados pessoais, a verdade é que, como resulta do Auto de Diligências realizado em 10 de Julho de 2007 nas instalações do Centro de Controlo de Tráfego, por um Especialista de Informática da CNPD, embora as câmaras permitam apenas a visualização das imagens, o sistema instalado procede à sua captura em ecrã (print screen), o que possibilita, desde logo, que se proceda à captura da imagem em visualização no monitor do operador. E também não impede que no futuro, desde que sejam instalados os meios técnicos adequados, essa imagem seja reproduzida, alterada ou transmitida (cfr. artigo 3º, alínea b) da LPD).
E resulta ainda do teor da Deliberação nº 661/2010 que (...) “é duvidoso que, para além de outros meios já existentes, o funcionamento do sistema de controlo de tráfego se revele indispensável para a prossecução destas atribuições municipais. De facto, deve entender-se que este sistema não se revela um meio adequado à prossecução destes fins, porquanto, mesmo que se entenda que é necessário para os realizar com um grau elevado de eficácia e um mínimo de desfasamento temporal, acaba por permitir, devido à utilização de câmaras equipadas com “zoom” e rotação, que sejam captadas imagens que nada têm a ver com o controlo de tráfego”. É o caso da visualização de matrículas de veículos estacionados, de manifestações ou reuniões públicas ou do desenrolar da vida particular dos residentes nos prédios circunvizinhos.
Nesta medida, as potencialidades do sistema instalado extravasam claramente a finalidade de controlo de tráfego com vista à detecção de acidentes e à prestação de socorro aos acidentados, podendo invadir áreas da vida privada dos cidadãos, o que viola o artigo 15º da LPD, e os princípios da adequação, pertinência e proporcionalidade.
Acresce que, tratando-se de vias muito frequentadas, como também se refere na Deliberação impugnada, seria possível obter o objectivo pretendido ou um objectivo equivalente utilizando apenas meios convencionais do policiamento, da participação à polícia e do recurso para as entidades competentes para a prestação do socorro às eventuais vítimas.
É, pois, óbvia a não verificação do invocado “fumus bono juris”».

O recorrente entende, como se disse, que o acórdão, baseando-se apenas no referenciado na deliberação da CNPD, julgou com falta de factualidade. No entanto, o recorrente também concedeu que «(xiii) No âmbito de uma providência cautelar o conhecimento quanto à factualidade que lhe subjaz é meramente perfunctório, facto que determina que na presente tutela cautelar apenas se permite uma regulação provisória de natureza instrumental e urgente, impondo-se ao Julgador uma apreciação sumária das questões submetidas ao seu crivo (a summaria cognitio), questões essas que somente em sede de acção principal serão apreciadas com a devida profundidade e acuidade».
Não poderá deixar de se admitir, na verdade, a possibilidade de que venha a ser afastada a conclusão a que chegou o Auto de Diligências realizado em 10 de Julho de 2007 nas instalações do Centro de Controlo de Tráfego, por um Especialista de Informática da CNPD, identificado na deliberação da CNPD.
Existe a possibilidade de que uma produção mais completa de prova, nomeadamente através da eventual inquirição de testemunhas, venha demonstrar, como alega o Município de Lisboa, «que o sistema de monitorização que se encontra implementado pelo Recorrente em algumas artérias da cidade não conflitua, de forma desproporcional e excessivamente intrusiva, com quaisquer direitos fundamentais conferidos aos cidadãos em geral, incluindo o direito à imagem, à livre circulação e manifestação» (da conclusão xix).
Mas essa necessidade de produção de prova alongada, de análise circunstanciada e detalhada de todo o material fáctico, revela que não seria possível concluir pela manifesta ilegalidade da deliberação.
A manifesta ilegalidade tem de resultar patente, sem exigências de indagação aprofundada, nomeadamente de uma indagação com o pleno e mais completo aprofundamento de todo o material de facto invocado por cada uma das partes, indagação só possível, como a própria recorrente reconhece, na acção principal.
Assim, se a verificação da legalidade da deliberação está dependente dessa mais aprofundada indagação, logo se pode concluir que não é manifesta a sua alegada ilegalidade, não é de primeira percepção.

Mas se isso é assim, também parece claro que o acórdão não poderia concluir pela inexistência de fumus boni iuris.
No caso das providências cautelares conservatórias esse fumus boni iuris basta-se com que não seja evidente, manifesta, a falta de fundamento da pretensão formulada ‒ artigo 120.º, n.º 1, b), do CPTA.

Ora, os próprios termos que nos permitem afastar a manifesta ilegalidade da deliberação permitem-nos afastar a evidência da falta de pretensão de anulação. Basta, como ponderámos, que exista a possibilidade de que uma mais completa produção de prova venha demonstrar, como alega o recorrente, «que o sistema de monitorização que se encontra implementado pelo Recorrente em algumas artérias da cidade não conflitua, de forma desproporcional e excessivamente intrusiva, com quaisquer direitos fundamentais conferidos aos cidadãos em geral, incluindo o direito à imagem, à livre circulação e manifestação» (da conclusão xix).
E se assim for, com certeza que não está afastada a possibilidade de o ora recorrente obter ganho de causa.

Nesse quadro, também se pode concluir que, seja para a vertente tendente à demonstração da manifesta ilegalidade da deliberação, seja para a vertente tendente à demonstração de que não há fumus malus juris, não há lugar a ampliação da matéria de facto.
Na primeira vertente, pelas razões que expusemos, da impossibilidade de se chegar àquela afirmação de primeira aparência. Na segunda vertente, por desnecessária, por aqui já se considerar assente, assim se afastando a conclusão do acórdão.

2.2.3.2. Erro quanto à apreciação do periculum in mora
Ponderou o acórdão recorrido:
«Tentando demonstrar a existência do “periculum in mora”, o requerente alega que se perspectiva uma situação de impossibilidade de reintegração especifica da sua esfera jurídica e dos cidadãos em geral que circulam nas vias inscritas no perímetro municipal (...), “uma vez que a integridade física e a vida das pessoas a quem a assistência médica não for suficientemente célere e adequada, poderá assumir especial gravidade. Aliás, diz o requerente Município de Lisboa que a promoção de expedito e eficiente socorro e colocação de meios de emergência às vitimas de acidentes de viação é, sem dúvida, a autêntica causa finalística que subjaz à instalação das câmaras de monitorização de tráfego pelo requerente.
Também aqui não assiste razão ao requerente.
Como diz a CNPD, será sempre possível ao requerente implementar um sistema que permita assegurar as condições de circulação, garantir a monitorização do tráfego e a detecção de acidentes, cujas características, em concreto, não permitam identificar ou tornar identificável pessoas singulares, nos termos constantes do artigo 3º, alínea a) da Lei nº67/98, nomeadamente optando pelo recurso aos meios convencionais de policiamento, de participação à polícia e do recurso às entidades competentes para a prestação do socorro.
Assim, o sistema de videovigilância instalado não é indispensável, podendo ser substituído por outros meios dos quais não resulte a captação de dados pessoais pelas câmaras.
A CML, quanto ao “periculum in mora”, invoca ainda os avultados gastos dispendidos na aquisição do sistema, e a possibilidade de tal equipamento estar obsoleto aquando da decisão final. Todavia, a CML, enquanto responsável pelo tratamento, sabia que, previamente à implementação do sistema, devia proceder à sua notificação junto da CNPD, uma vez que do mesmo pode resultar a realização de tratamento de dados pessoais, e a CNPD é a autoridades nacional do controlo a quem compete fiscalizar o cumprimento dos princípios e regras vigentes em matéria de dados pessoais.
É de concluir, pois, que a CML adquiriu o equipamento por sua própria conta e risco, sendo-lhe imputável a existência de um eventual prejuízo. Ainda quanto à existência de atraso na assistência a possíveis vítimas de acidentes, a alegação feita refere-se a danos eventuais ou hipotéticos, não ficando demonstrado que um sistema alternativo não pudesse garantir a eficiência pretendida.
Assim, é manifesto que também se não verifica o alegado “periculum in mora”».

O recorrente, discordando frontalmente, entende que a desactivação do sistema até à prolação da decisão final a proferir na acção principal não permite, posteriormente, repristinar a celeridade na assistência rodoviária e a alocação dos meios de emergência adequados à natureza do acidente, e não permite, nesse interregno, salvar vidas dos sinistrados e/ou proteger a sua integridade física ou assegurá-lo, de modo preventivo e reparador, nem permite manter a segurança rodoviária ou repor o cumprimento das atribuições e competências legalmente conferidas ao Recorrente (vide conclusão xxxvii); que o policiamento por meios convencionais, a participação à polícia e o recurso às entidades competentes à prestação de socorro não pode assegurar o mesmo nível de eficácia que é obtido pela visualização em tempo real (vide conclusão (xxxviii); que há os custos emergentes da instalação do sistema de monitorização, e da sua inoperacionalidade, ainda que provisória, bem como há os custos de soluções alternativas, todos eles que devem ser considerados (vide conclusão xxxix).

Os prejuízos materiais inerentes aos gastos com o sistema, tornado inoperacional, não são merecedores de suficiente relevo.
Na verdade, não há razões para sustentar que esses eventuais prejuízos não sejam susceptíveis de reparação. Sendo quantificáveis e estando em causa entidade pública, haverá condições para o seu ressarcimento, o que conduz à conclusão de que não são de difícil reparação.
Já seria de toda a importância o que diz respeito à eventual perda de vidas ou lesão da integridade física.
Seria inquestionável a sua importância se se pudesse concluir, com suficiente sustentação, e logo numa abordagem perfunctória, como é próprio das providências cautelares, que o sistema de vigilância vídeo, posto embora em funcionamento sem prévia autorização, é indispensável para evitar perdas de vidas ou lesões da integridade física.
Nessas circunstâncias, haveria, evidentemente, possibilidade de ocorrência de situação de factos consumados ou de prejuízos de difícil reparação, claramente relevantes.
Mas não existe essa demonstração, nesse âmbito de abordagem.
Como também vem considerado na deliberação em causa, designadamente ao apreciar a pronúncia do Município, em audiência prévia, não oferece dúvida que o sistema implantado pelo Município pode permitir «a obtenção de resultados imediatos e eficazes na detecção de acidentes e na prestação de socorro aos acidentados» (ver 7.º, a fls. 60 dos presente autos).
Mas isso não significa que esse sistema seja o único que possibilita o mesmo resultado, que seja indispensável para a obtenção desse resultado. Queira o Município mobilizar e maximizar os meios disponíveis ou outras soluções, como as apontadas pela CNPD e tidas em conta pelo acórdão recorrido, que não comprometem os direitos fundamentais que a deliberação do CNPD considerou estarem postos em causa.
A fazer como sugerido, logo se vê que é possível evitar aquelas consequências graves, pelo que não pode retirar-se a consequência de consumação e de difícil reparação.
Não há, pois, a possibilidade de se afirmar o fundado receio daquele resultado.
E nesse quadro, não se descortina erro do acórdão na conclusão que tirou sobre o não preenchimento do periculum in mora previsto no artigo 120.º, n.º 1, b), do CPTA.
2.2.2.2. Erro quanto à ponderação de interesses
Não se detectando erro na apreciação do periculum in mora, não pode ter havido erro na ponderação de interesses.
Em rigor, na verdade, sem periculum in mora não há lugar a ponderação de interesses, pois deixam de existir interesses em confronto, em sede de providência cautelar.
Com efeito, não se demonstrando fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, não há equação, pois restam os interesses que a deliberação controvertida intenta preservar, e que no caso são, nomeadamente, que não sejam sacrificados direitos e liberdades dos utentes das vias «como o direito à imagem, a liberdade de circular de forma anónima, o direito à reserva da vida privada e os direitos de reunião e de manifestação» (em 12. da deliberação, fls. 70 dos presentes autos).
E, por isso, o problema volta ao princípio, que é o de saber, afinal, da bondade da deliberação. Mas essa, para além do que aqui se disse, é matéria para a acção principal.

3. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se, embora com fundamentos não totalmente coincidentes, a decisão do acórdão de indeferir a providência.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 19 de Abril de 2012. – Alberto Augusto Andrade Oliveira (relator) – António Bento São Pedro – Rosendo Dias José.