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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0220/19.4BEMDL
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Os dois fundamentos possíveis do recurso previsto no artº.73, nº.2, do R.G.C.O., são, nos termos da norma, a promoção da uniformidade da jurisprudência e a melhoria da aplicação do direito. Portanto, o recurso previsto no artº.73, nº.2, do R.G.C.O., somente pode ter por fundamento questões de direito.
II - A "melhoria da aplicação do direito" está em causa quando se trate de uma questão jurídica que preencha os seguintes três requisitos:
a-Ser relevante para a decisão da causa;
b-Ser uma questão necessitada de esclarecimento e;
c-Ser passível de abstracção, isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares.
III - Por outras palavras, a citada expressão, "melhoria da aplicação do direito", deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que existem erros claros na decisão judicial, situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito.
IV - Já a "promoção da uniformidade da jurisprudência" está em causa quando a sentença recorrida consagra uma solução jurídica que introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência. O simples erro de direito não é bastante, sendo necessário que o erro tenha inerente um perigo de repetição. Este perigo de repetição verifica-se, designadamente, quando se aplicam sanções muito diferenciadas a situações de facto similares ou quando se violam princípios elementares do direito processual.
V - No caso "sub judice", deve o presente salvatério ser admitido ao abrigo do examinado artº.73, nº.2, do R.G.C.O., dado que nos encontramos perante situação em que o Tribunal "a quo" violou jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, nomeadamente, do Supremo Tribunal Administrativo, em sede de exame dos requisito da decisão de aplicação de coima que se consubstanciam na "descrição sumária dos factos" e se encontra consagrado pelo legislador no artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., tal como no que se refere à injunção "indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima", consagrado na al.c), do mesmo normativo.
VI - A decisão recorrida padece de insuficiência em sede de matéria de facto provada (sendo incapaz de suportar a decisão em abstracto, seja a mesma decisão condenatória ou absolutória), vício de conhecimento oficioso que se encontra consagrado no artº.410, nº.2, al.a), do C.P.Penal, norma aplicável ao presente processo contra-ordenacional "ex vi" dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do R.G.C.O., mais sendo passível de apreciação pelo Tribunal "ad quem", mesmo quando este apenas tenha competência em matéria de direito, como é o caso deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr.artº.26, al.b), do E.T.A.F.).
VII - Os vícios previstos no citado artº.410, nº.2, do C.P.Penal, consubstanciam pechas de lógica jurídica, ao nível da matéria de facto - implicam erro de facto - que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida, determinando o reenvio do processo para novo julgamento (cfr.artº.426, nº.1, do C.P.Penal). Trata-se de vícios da decisão, não do julgamento, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artº.374, nº.2, do C.P.Penal.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27097
Nº do Documento:SA2202102030220/19
Data de Entrada:12/10/2020
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto decisão proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Mirandela, exarada a fls.183 a 187-verso do presente processo de recurso de contra-ordenação, através da qual julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), "ex vi" do artº.79, nº.1, als.b) e c), e 27, todos do R.G.I.T., mais anulando os despachos de aplicação de coima e o processado subsequente, tudo no âmbito de processos de contra-ordenação que correm seus termos no Serviço de Finanças de Bragança.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.189 a 196 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A natureza, medida e a minúcia da "descrição sumária dos factos" e da "indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima" prescritas pela disposição do art. 79º/1-b) e c) do RGIT é algo que só no caso concreto se deve definir, em função da complexidade da matéria decidir, como é a presente situação em apreço, porque não se trata, neste caso, da formulação de um juízo de censura com elevada significação e densificação ético-social;
2-A teleologia da norma em causa constitui-se na definição paramétrica da específica exigência da fundamentação, garantia do exercício dos direitos de defesa do arguido, clareza, objectividade e sindicabilidade geral da decisão referente aos elementos nela contidos necessários ao preenchimento do tipo de ilícito, do tipo de culpa, e aos critérios considerados para a determinação da medida concreta da sanção;
3-Com a Lei 25/2006 foi criado um regime específico abrangente sancionatório a aplicar às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias, onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, sendo que o art. 5.º, nº 2 em causa, tutela o pagamento da taxa de portagem, sendo indiferente o modo como o não pagamento se concretizou, que também não releva quanto à coima aplicável ou à respectiva medida;
4-Assim, afigura-se-nos suficientemente descritivo os factos considerados em cada decisão administrativa, na sua relevância típica objectiva e subjectiva, no detalhe do comportamento censurado, como especificamente as circunstâncias de modo tempo e lugar, em data, em hora, em identificação da via, do veículo utilizado, do local específico de entrada e de saída na utilização que efectuou, bem assim no valor da taxa omitida por tal utilização, e em que se traduziu a sua falta de pagamento, acrescendo, na imputação a tal título, de negligência, hoje entendido na linguagem corrente como omissão do dever cuidado que deveria ter sido adoptado, ou seja, do necessário pagamento em tempo que devia ter sido feito, e não o foi pelo visado;
5-Deste modo, também não ocorreu na situação em apreço qualquer falta de requisito em qualquer uma das decisões administrativas de aplicação de coima, na indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação, nos termos da al. c) do nº 1 do artº 79.º, do RGIT, pois dali se infere todos os elementos tidos para o efeito na fixação da coima concreta, em apenas mais 1 Euro e 50 Cêntimos que o mínimo legal, de 25 €, ou seja, considerando, ausência de qualquer acto de ocultação, falta de benefício económico com a prática da conduta, frequente a prática de actos equivalentes, a negligência da sua conduta simples, inexistência de causa que excluísse a omissão de pagamento, terem já decorrido mais de 6 meses sobre a data da prática da infracção;
6-E, finalmente, existindo apenas duas decisões condenatórias, em dois PCO, um com o nº 04852019060000020143, e outro com o nº 04852019060000016448, em que duas omissões de pagamento se reportam à mesma data, foram elas unificadas e consideradas como uma única contra-ordenação, mostra-se por isso respeitado escrupulosamente as alterações nos pressupostos e limites legais que decorrem do preceituado no nº 4 e 5 do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, na redacção conferida pelo art. 7º da Lei n.º 50/2015, ou seja, em termos de unificação legal das infracções permitida, respeitantes ao mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infra-estrutura rodoviária, entendendo-se como tal as verificadas em estrada cuja exploração está concessionada à mesma entidade;
7-Numa conquista civilizacional aplaudida do direito ao contraditório e das mais amplas garantias de defesa, tal não pode servir para ofuscar uma cultura que também se impõe de exigência e de rigor, de assunção das consequências dos factos praticados, de cidadania e de justiça na distribuição por todos dos custos correspondentes à utilização das auto-estradas, censurando-se pretensões injustificadas de eximição ao seu pagamento com prejuízo para os demais concidadãos cumpridores;
8-Assim sendo, em suma, é nosso modesto entendimento que deverá ser revogada a douta sentença proferida, declarando-se legalmente válidas as condenações administrativas nas coimas aplicadas, com custas a cargo do arguido.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.208 a 213 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.183 do processo físico):
1-Dão-se aqui por reproduzidas as decisões da aplicação de coima impugnadas de 19/5/2019, e que constam de fls. 38 e ss, 64 e ss, 89 e ss, 112 e ss, 141 e ss e 166 e ss que se reportam a factos que ocorreram em 2016, e por vezes no mesmo dia, com o seguinte destaque para a que consta de fls. 64 ss (com aspectos que, na essência e de relevante para a decisão, são comuns a todas elas):
“(…)
Descrição sumária dos factos
(imagem)

(…)
Medida da coima
(imagem)
(…).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), "ex vi" dos artºs.79, nº.1, als.b) e c), e 27, todos do R.G.I.T., mais anulando as decisões de aplicação de coima recorridas (cfr.nº.1 do probatório) e todos os termos subsequentes constantes dos respectivos processos.
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Desde logo, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, "ex vi" do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do R.G.C.O.).
Deve, antes de mais, resolver-se a questão prévia que se consubstancia na possibilidade de dedução do presente recurso ao abrigo da norma constante do artº.73, nº.2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (R.G.C.O.), aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10, conforme pede o apelante.
Recorde-se que este Tribunal não se encontra vinculado à decisão proferida pelo Juiz "a quo" que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, atento o preceituado no artº.414, nº.3, do C.P.P. (aplicável "ex vi" dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, nº.1, do R.G.C.O. - cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/11/2008, rec.833/08; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/09/2019, rec.1188/18.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/01/2020, rec. 287/16.7BEMDL; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/10/2020, rec.765/16.8BELRS).
A lei admite que, em casos legalmente justificados, se deduza o recurso ao abrigo do artº.73, nº.2, do R.G.C.O. (aplicável "ex vi" do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Examinemos se, no caso concreto, se verifica o requisito de admissibilidade da apelação.
Os dois fundamentos possíveis deste recurso são, nos termos da norma, a promoção da uniformidade da jurisprudência e/ou a melhoria da aplicação do direito. Portanto, o recurso previsto no artº.73, nº.2, do R.G.C.O., somente pode ter por fundamento questões de direito.
A "melhoria da aplicação do direito" está em causa quando se trate de uma questão jurídica que preencha os seguintes três requisitos:
1-Ser relevante para a decisão da causa;
2-Ser uma questão necessitada de esclarecimento e;
3-Ser passível de abstracção, isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares.
Por outras palavras, a citada expressão "melhoria da aplicação do direito" deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que existem erros claros na decisão judicial, situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito.
Já a "promoção da uniformidade da jurisprudência" está em causa quando a sentença recorrida consagra uma solução jurídica que introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência. O simples erro de direito não é bastante, sendo necessário que o erro tenha inerente um perigo de repetição. Este perigo de repetição verifica-se, designadamente, quando se aplicam sanções muito diferenciadas a situações de facto similares ou quando se violam princípios elementares do direito processual (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/09/2019, rec.1188/18.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/01/2020, rec.287/16.7BEMDL; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/10/2020, rec.765/16.8BELRS; Paulo Sérgio Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pág.303 e seg.; Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.538).
Revertendo ao caso dos autos, defende o recorrente que a decisão objecto da apelação decidiu em sentido contrário à jurisprudência consolidada deste Tribunal no que se refere ao preenchimento (pelo intérprete/aplicador da lei) do requisito da decisão de aplicação de coima que se consubstancia na "descrição sumária dos factos" e se encontra consagrado pelo legislador no artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., tal como no que se refere à injunção "indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima", consagrado na al.c), do mesmo normativo. Nesse sentido, chama à colação diversos acórdãos emitidos por este Tribunal e Secção (cfr.rec.1004/17.0BEPRT, de 17/10/2018; rec.260/17.8BEAVR, de 10/04/2019; rec.475/17.9BEVIS, de 06/05/2020; rec. 643/16.0BELLE, de 06/05/2020; rec.1070/18.0BEALM, de 06/05/2020; rec. 2878/17.0BEPRT, de 06/05/2020).
Do exame do enquadramento jurídico da decisão recorrida (cfr.fls.183-verso a 187 verso do processo físico) conclui-se que o Tribunal "a quo" julga as decisões de aplicação de coima impugnadas como violadoras das citadas normas constantes do artº.79, nº.1, als.b) e c), do R.G.I.T., dado das mesmas não constarem os elementos necessários para preencher os ditos requisitos "descrição sumária dos factos" e "indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima".
A tomada de posição da decisão recorrida põe em causa a jurisprudência uniforme deste Tribunal incidente sobre o preenchimento dos citados requisitos da decisão de aplicação de coima, jurisprudência essa expressa nos acórdãos identificados supra, a qual releva as garantias do direito de defesa adequada do arguido em processo contra-ordenacional, tal como a possibilidade de que a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima seja efectuada de forma sintética e padronizada.
Com estes pressupostos, deve o presente salvatério ser admitido ao abrigo do examinado artº.73, nº.2, do R.G.C.O., dado que nos encontramos perante situação em que o Tribunal "a quo" decidiu contra jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, nomeadamente, do Supremo Tribunal Administrativo.
Sem mais delongas, conclui-se que se encontram reunidos os pressupostos da admissão do presente recurso, tendo guarida no examinado artº.73, nº.2, do R.G.C.O., desde logo, na vertente da "promoção da uniformidade da jurisprudência".
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Passemos ao exame do mérito do recurso apresentado.
O recorrente dissente do julgado alegando, em sinopse e como supra se alude, que ao contrário do vertido na decisão objecto da apelação, a descrição dos factos considerados em cada decisão administrativa de aplicação de coima satisfaz os requisitos legais. Que o mesmo se verifica quanto aos elementos que contribuíram para a fixação das concretas coimas aplicadas. Que existindo apenas duas decisões condenatórias, as constantes dos processos de contra-ordenação com os nºs.04852019060000020143 e 04852019060000016448, nos quais as duas omissões de pagamento se reportam à mesma data, foram elas unificadas e consideradas como uma única contra-ordenação, assim se mostrando respeitado as alterações nos pressupostos e limites legais que decorrem do preceituado no artº.7, nºs.4 e 5, da Lei 25/2006, de 30/06, na redacção conferida pelo artº.7, da Lei 51/2015, de 8/06. Que deverá ser revogada a sentença recorrida e julgar-se legalmente válidas as condenações administrativas nas coimas aplicadas (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso) com base em tal argumentação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
A Lei 25/2006, de 30/06, aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, sendo a violação do regime previsto neste diploma legal que se encontra em causa nos presentes autos, mais dando origem à estruturação das diversas decisões de aplicação de coima identificadas no único número do probatório supra exarado.
Ora, antes de mais, se deve constatar que do probatório estruturado pelo Tribunal "a quo", somente com um único número, não se identifica qualquer processo de contra-ordenação que seja objecto dos presentes autos, igualmente se não sabendo qual, ou quais, os processos contra-ordenacionais em que houve aplicação de coimas únicas a diversos factos nos termos do artº.7, nºs.4 e 5, da Lei 25/2006, de 30/06, na redacção conferida pelo artº.7, da Lei 51/2015, de 8/06, normas que consagram a existência de uma única contra-ordenação, quando reunidas as condições constantes da respectiva previsão (infracções que sejam praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infra-estrutura rodoviária, mais considerando o legislador que nos encontramos perante a "mesma infra-estrutura rodoviária" sempre que a infracção ocorre em estrada cuja exploração está concessionada, ou subconcessionada, a idêntica entidade).
No entanto, da fundamentação jurídica da decisão recorrida consta a menção da alegada falta de unificação de condutas delituosas, em violação dos citados artº.7, nºs.4 e 5, da Lei 25/2006, de 30/06, na redacção conferida pelo artº.7, da Lei 51/2015, de 8/06, factualidade que é objecto de impugnação no recurso deduzido (cfr.conclusão 6 da apelação).
Mais, tal factualidade reveste importância no exame do mérito do presente recurso, dado poder integrar os requisitos da decisão de aplicação de coima supra identificados e ora em exame.
Com estes pressupostos, deve concluir-se que a decisão recorrida padece de insuficiência em sede de matéria de facto provada (sendo incapaz de suportar a decisão em abstracto, seja a mesma decisão condenatória ou absolutória), vício de conhecimento oficioso que se encontra consagrado no artº.410, nº.2, al.a), do C.P.Penal, norma aplicável ao presente processo contra-ordenacional "ex vi" dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do R.G.C.O., mais sendo passível de apreciação pelo Tribunal "ad quem", mesmo quando este apenas tenha competência em matéria de direito, como é o caso deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr.artº.26, al.b), do E.T.A.F.).
Os vícios previstos no citado artº.410, nº.2, do C.P.Penal, consubstanciam pechas de lógica jurídica, ao nível da matéria de facto - implicam erro de facto - que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida, determinando o reenvio do processo para novo julgamento (cfr.artº.426, nº.1, do C.P.Penal). Trata-se de vícios da decisão, não do julgamento, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artº.374, nº.2, do C.P.Penal (cfr.António da Silva Henriques Gaspar e Outros, Código de Processo Penal Comentado, 2ª. Edição Revista, Almedina, 2016, pág.1272 e seg., em comentário ao artº.410; Acórdão do Pleno das Secções Criminais do S.T.J. nº.7/95, proc.46580, de 19 de Outubro de 1995, publicado no DR, I série-A, de 28/12/1995; ac.S.T.J.-3ª.Secção, de 11/06/2014, rec.14/07.0TRLSB.S1; ac.S.T.J.-3ª.Secção, de 14/03/2013, rec. 1759/07.0TALRA.C1.S1).
Perante a solução encontrada, tendo-se determinado o reenvio do processo, nos termos dos artºs.410, nº.2, al.a), e 426, nº.1, ambos do C.P.Penal, fica prejudicada a apreciação do mérito do recurso interposto, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em:
1-Julgar verificados os pressupostos da admissão do presente recurso, tendo guarida no artº.73, nº.2, do R.G.C.O.;
2-Julgar verificado o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto de que padece a sentença recorrida, mais determinando o reenvio do processo ao T.A.F. de Mirandela, nos termos do artº.426, nº.1, do C.P.Penal, para que a apontada pecha seja suprida.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Joaquim Condesso (Relator) - Paulo Antunes - Pedro Vergueiro.