Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02027/17.4BEPRT |
Data do Acordão: | 06/03/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO NULIDADE INSUPRÍVEL RGIT |
Sumário: | Não é nula por violação do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT – que impõe à decisão de aplicação da coima a «indicação das normas violadas e punitivas» – ou de qualquer outra alínea daquele artigo e número, a decisão de aplicação da coima que, fazendo a indicação das normas que prevêem e sancionam a contra-ordenação, não menciona a moldura abstracta da coima. |
Nº Convencional: | JSTA000P26027 |
Nº do Documento: | SA22020060302027/17 |
Data de Entrada: | 02/19/2020 |
Recorrente: | MINISTÉRIO PÚBLICO |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de recurso judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 2027/17.4BEPRT 1 RELATÓRIO 1.1 O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que aquele Tribunal, julgando procedente o recurso judicial interposto pelo acima identificado Recorrido, anulou a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por considerar que a mesma enferma de nulidade insuprível nos termos do art. 63.º, n.ºs 1, alínea d) e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por violação do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime. 1.2 Apresentou para o efeito alegações, com o seguinte quadro conclusivo: «1.ª Nestes autos foi aplicada ao arguido/recorrente coima cujo valor não ultrapassa um quarto da alçada fixada para os Tribunais Judiciais da 1.ª Instância. 2.ª O STA tem vindo a entender ser admissível em casos justificados o recurso com base nos fundamentos previstos no art. 73.º n.º 2 do RGCO, aplicável por força do disposto no art. 3.º alínea b) do RGIT quando tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 16.01.2019, processo 0369/12.4BELRS e, de 27.02.2019 proferida no processo de contra-ordenação deste TAF do Porto com nº 2761/17.9BEPRT). 3.ª A solução jurídica encontrada pela decisão recorrida é, a nosso ver, e também no entendimento perfilhado nos acórdãos do STA de 17.10.2018 e de 20.03.2019, proferidos nos recursos 588/18 (proc. 1004/17.0BEPRT deste TAF do Porto) e 0446/18 (proc. 0226/16.6BEPRT deste TAF do Porto), desprovida de fundamento legal, pelo que é manifestamente necessário a admissão do recurso para melhoria da aplicação do direito. 4.ª Se o entendimento perfilhado na sentença recorrida tiver apoio na norma, urge que o sistema informático da AT melhore os formulários utilizados para em concreto aplicar as respectivas coimas, ou se assim não for, urge que o julgador aceite como suficientes os elementos contidos nas decisões de aplicação de coima impugnadas e se evitem dezenas de anulações de decisões de aplicação de coimas. 5.ª O presente recurso é admissível nos termos do art. 73.º n.º 2 do RGCO, por tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e a promoção da uniformização das decisões judiciais e das autoridades administrativas. 6.ª Nos presentes autos, o Tribunal “a quo” entende que a decisão da autoridade tributária que aplicou a coima aqui impugnada não preenche os requisitos legais previstos no n.º 1, alínea c), do art. 79.º do RGIT, nomeadamente no que diz respeito à falta dos elementos que contribuíram para aquela concreta fixação da coima única aplicada. 7.ª O processo de contra-ordenação não padece de nulidade insuprível, pois a decisão de aplicação de coima observa os requisitos legais previstos nos artigos 27.º e 79.º do RGIT, nomeadamente os previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º, pois dela constam os elementos que contribuíram para aquela concreta fixação da coima única aplicada. 8.ª Tais elementos são suficientes para se poder concluir que a decisão condenatória preenche os requisitos legais previstos na alínea c) do n.º 1 art. 79.º do RGIT e que por esse motivo, não padece o processo de contra-ordenação da nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do RGIT. 9.ª Em nenhum dos requisitos previstos na citada norma do art. 79.º do RGIT, se exige que seja mencionada a moldura abstracta da coima aplicada. 10.ª A decisão de aplicação da coima contém pois todos os elementos legais exigidos, mas se estas exigências não foram levadas à perfeição, é elemento sem relevância jurídica, pois o essencial é que a decisão seja compreendida pelo arguido, para o cabal exercício do direito à sua defesa, sendo que no caso concreto dos autos, tal exigência foi observada, o que se denota pela petição apresentada, o que nos permite concluir com maior facilidade que a decisão notificada foi cabalmente entendida. 11.ª Este é o entendimento sufragado pelos conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, no seu RGIT anotado (4.ª edição), na nota 1 ao art. 79.º, bem assim como, nos acórdãos do STA de 12.12.2006, proferido no P. 1045/06, e de 25.06.2015, proferido no P. 382/15. 12.ª E, mais recentemente, apreciando a matéria dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, incluídos na decisão condenatória aplicada pela AT, tendo por base um formulário pré-elaborado por sistemas informáticos, no acórdão do STA de 17/10/2018, proferido no recurso 588/18 e P. 1004/17.0BEPRT deste TAF do Porto, decidiu-se que “o requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a […] fixação” da coima [cf. art. 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT] deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima.” 13.ª Também no acórdão do STA de 20.03.2019, recurso 0446/18, proferido no P. 0226/16.6BEPRT, se decidiu que: “Não é nula a decisão de aplicação da coima que, embora de forma sintética e padronizada, cumpre os requisitos, legalmente exigíveis, designadamente a descrição sumária dos factos, a indicação das normas violadas e punitivas, a quantificação da coima e a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação”. 14.ª Nesta conformidade, será de concluir que não ocorre qualquer nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributário, prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do RGIT, por não ser mencionada a moldura contra-ordenacional aplicável e/ou, por falta de indicação dos elementos que contribuíram para a fixação em concreto da coima única fixada na decisão de aplicação de coima impugnada, e anulada pela douta sentença recorrida, em violação, segundo o Tribunal recorrido, do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT. 15.ª Foram violados os artigos 79.º n.º 1 alínea c) e 63.º n.º 1 alínea d) do RGIT. Nestes termos, deverá ser admitido o presente recurso e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida para que seja substituída por outra que conheça do mérito da impugnação judicial da coima aplicada nestes autos pela autoridade administrativa». 1.3 O recurso foi admitido e não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A decisão recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «1. A 17 de Maio de 2017 foi lavrado o auto de notícia n.º 120001366505.2017, cujo teor se considera aqui reproduzido – cf. auto de notícia constante de fls. 25 a 29 dos autos, numeração referente ao processo físico; 2. Por carta com o número de registo privativo RQ 463016246PT foi o arguido, A…………….., notificado para, querendo, exercer o seu direito de defesa – cf. fls. 30 a 32 dos autos, numeração referente ao processo físico; 3. Em 12 de Junho de 2017, o arguido exerceu o seu direito de defesa, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor – cf. requerimento constante de fls. 33 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico; 4. Em 03 de Junho de 2017 foi proferida decisão de fixação de coima, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor – cf. decisão de fixação de coima constante de fls. 67 a 69 verso dos autos, numeração referente ao processo físico, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; 5. Por carta sob o registo RG084055448PT, com aviso de recepção assinado a 07 de Fevereiro de 2017 por “A………” foi o arguido notificado da falta de pagamento das taxas de portagem que deram origem às contra-ordenações aqui impugnadas – cf. carta e registo constantes de fls. 58 a 62 dos autos, numeração referente ao processo físico; 6. O recurso de contra-ordenação deu entrada, no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2, em 26 de Julho de 2017 – cf. carimbo aposto no rosto do mesmo a fls. 5 do processo físico; Factos Não Provados Não se provaram outros factos com relevo para a boa decisão da causa». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR 2.2.1.1 O Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 aplicou ao Arguido e ora Recorrido uma coima única de € 350,00, imputando-lhe a prática de 29 infracções previstas no art. 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, e punidas pelo art. 7.º da mesma Lei. 2.2.1.2 O Arguido impugnou judicialmente essa decisão administrativa de aplicação da coima, ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT, com diversos fundamentos. 2.2.1.3 O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – que decidiu o recurso judicial por despacho, ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro – entendeu por bem, previamente à apreciação dos fundamentos invocados pelo Arguido e oficiosamente, «verificar se existem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação nos termos do artigo 63.º, n.ºs 1 e 5, do Regime Geral das Infracção Tributárias». 2.2.1.4 O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto discorda daquela decisão. 2.2.1.5 Assim, as questões a apreciar e decidir são as de saber i) se o recurso é admissível ao abrigo do disposto no art. 73.º, n.º 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT e, na afirmativa, ii) se a decisão por que a juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto anulou a decisão administrativa de aplicação da coima com fundamento na verificação da nulidade insuprível prevista no art. 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, por falta da indicação dos limites da moldura sancionatória abstractamente aplicável, que considera integrar a falta de indicação «dos elementos que contribuíram para a […] fixação» da coima, prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime. 2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.2.1 O presente recurso vem interposto ao abrigo do art. 73.º do RGCO. 2.2.2.2 O Recorrente alega que a decisão recorrida contraria o já decidido pelo Supremo Tribunal, designadamente, no acórdão de 17 de Outubro de 2018, proferido no processo com o n.º 1004/17.0BEPRT (588/18) (Disponível em 2.2.3 DA NULIDADE DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA 2.2.3.1 DA NÃO INDICAÇÃO DA MOLDURA ABSTRACTA DA COIMA A decisão recorrida considerou que «não foram cumpridos os requisitos legais na decisão de aplicação de coima previstos no artigo 79.º, n.º 1, c) do RGIT, porquanto não foram indicados os limites mínimo e máximo da coima aplicável, que são elementos essenciais para a defesa do arguido nos termos supra expostos. Com efeito, só se poderá aferir da adequação da medida da coima, se se apresentarem as balizas, mínima e máxima, da mesma, a sua moldura em abstracto. Só assim poderá assegurar-se o direito à defesa em processos contra-ordenacionais constitucionalmente previsto no artigo 32.º, n.º 10 da CRP». 2.2.4 CONCLUSÃO O recurso será, pois, provido e, em consequência, os autos regressarão ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar. Não é nula por violação do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT – que impõe à decisão de aplicação da coima a «indicação das normas violadas e punitivas» – ou de qualquer outra alínea daquele artigo e número, a decisão de aplicação da coima que, fazendo a indicação das normas que prevêem e sancionam a contra-ordenação, não menciona a moldura abstracta da coima. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar. Sem custas. * Lisboa, 3 de Junho de 2020. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Paulo José Rodrigues Antunes. |