Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0425/10.3BEPRT
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DOS ENTES PÚBLICOS
ILICITUDE
Sumário:I - De harmonia com o art. 09.º do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, publicado em anexo à Lei n.º 67/2007, o preenchimento do pressuposto relativo à ilicitude da conduta do ente demandado exige a demonstração da existência de uma violação de normas ou princípios aplicáveis, ou de regras técnicas ou de deveres objetivos de cuidado.
II - Terá, assim, de improceder pretensão indemnizatória deduzida se não resultar demonstrado que a colocação de sistema mecânico e eletrónico de condicionamento do acesso a certa via rodoviária [pilarete] fosse atentatória de quaisquer normas jurídicas, regras técnicas ou dever objetivo de cuidado e de que tenha resultado a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Nº Convencional:JSTA000P25215
Nº do Documento:SA1201911270425/10
Data de Entrada:02/20/2019
Recorrente:MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA REPRESENTADO PELA SUA CM E OUTROS
Recorrido 1:E..., SA E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. a……….., devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante «TAF/P»] a presente ação administrativa comum, sob forma sumária, contra o «MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA» [doravante «MVNG»], «BRISA ACESS ELECTRÓNICA RODOVIÁRIA, SA» [denominação posteriormente alterada para «BRISA INOVAÇÃO E TECNOLOGIA, SA»] e «B…………, SA», para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [cfr. fls. 01/43, paginação «SITAF» - tal como as ulteriores referências à mesma], que os RR. «sejam condenados solidariamente a pagar ao autor a quantia de 15.577,35 € (quinze mil, quinhentos e setenta e sete euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, com todas as consequências legais, designadamente, quanto a custas».

2. Os RR., regularmente citados, vieram contestar [cfr. fls. 55/201], tendo o R. «MVNG» ainda requerido a intervenção acessória provocada da «C…………, SA» [atual «D……….., SA»] [cfr. fls. 55/61] e a R. «BRISA INOVAÇÃO E TECNOLOGIA, SA» deduzido o incidente de intervenção principal provocada da «E…………, SA» [cfr. fls. 62/177], incidentes esses que foram admitidos por despacho proferido a fls. fls. 219/220 dos autos.

3. O «TAF/P», por sentença de 14.04.2015 [cfr. fls. 539/559] julgou a ação totalmente improcedente e absolveu «os Réus e a interveniente do pedido».

4. O A., inconformado recorreu para o TCA Norte [doravante «TCA/N»], o qual, por acórdão de 16.03.2018, concedendo provimento parcial ao recurso, i) revogou a decisão recorrida; ii) julgou «a ação parcialmente procedente na parte em que se dirige contra o Município de Vila Nova de Gaia e a Seguradora C………», condenando-os a pagar ao A. «as seguintes importâncias (sendo a seguradora nos termos do contrato de seguro): 1. - 41,62 € (quarenta e um euros, sessenta e dois cêntimos), pelo dano da alínea Z) dos factos provados; 2. - 8.663,09 € (oito mil, seiscentos e sessenta e três euros e nove cêntimos), pelo dano da alínea CC) dos factos provados; 3. - 1.350,00 € (mil trezentos e cinquenta euros), pelos danos das als. BB), DD e EE); 4. - 1.000 € (mil euros) por danos morais»; iii) absolveu «estes demandados do mais que é pedido»; e iv) absolveu «os restantes demandados de tudo o que é pedido» [cfr. fls. 793/815].

5. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R. «MVNG», inconformado agora com o acórdão proferido pelo «TCA/N», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 722 e segs.], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
V. Na parametria da materialidade em que as instâncias assentaram (ut. Als. A) a VV), do probatório, passou a ser incontroverso e aquisição processual que o ajuizado facto danoso sobreveio mercê da circulação do condutor/A. por via de trânsito proibido e inconsideração da sinalética e procedimentos não acatados.
VI. Desse jeito, deu causa com culpa efetiva quer por ter cometido a contravenção causal originária de proibição de virar à esquerda (sinal c 11 b), do Regulamento de Sinalização de Trânsito - Ut. Al. J) -, quer por não ter atentado e desconsiderado a demais sinalética existente - Als. A), L), N), P), Q), R) e T).
VII. Tal sinalética foi resistentemente desconsiderada pelo condutor (ut. Als. UU) e VV), do probatório, aprestando-se a final a entrar na zona do Centro Histórico, pese o anunciado e regulado sistema de controlo e barramento de passagem.
Ao invés,
VIII. O sistema funcionava normalmente (Ut. Al. O), de acordo com a sua conceção e regulação e foi implementado e posto a funcionar o pilarete adentro do cometido poder de regulação do trânsito, pelo que a conduta do Município é insuscetível de poder ser censurada a título de ilicitude e culpa, efetiva ou presumida - artigo 9.º e 10.º, da Lei 67/2007, de 31 de dezembro.
IX. Ao invés do sentido que dimana no acórdão recorrido, o elemento e a gizada função operacional do pilarete e adentro do implementado, regulado e assinalado sistema, não essencializam de per si obstáculo/perigo na via, a carecer ser removido ou tornado inócuo.
X. E a sua existência e função, a se, não coenvolve ilicitude e culpa do Ente responsável pela circulação restrita, por danos advenientes, ainda que até causado com culpa efetiva do lesado.
XI. É imperativo de elementar hermenêutica do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidade Públicas, aplicável à presente relação material, que a imputação da responsabilidade por culpa efetiva ao lesado como nos presentes autos, faz arredar o dever de indemnizar, face à não demonstração da culpa efetiva do A. e, sempre, ainda que de presumida também se considerasse - Artigo 570.º, n.º 2, do C. Civil.
XII. Os autos inculcam ser o Lesado o culpado efetivo e exclusivo dos danos decorrentes da dinâmica do evento danoso, ocorridos em via pública de trânsito restrito e proibido, com sistema de regulação e controlo mecânico, o que tudo inconsiderou, pese tratar-se de meio legítimo, comum e regulado de alcançar essa função e gestão pública.
XIII. Ao decidir pela ilicitude e culpa efetiva da Ré pela decorrência do efeito danoso ocorrido na dinâmica normal do sistema operativo na via do Centro Histórico em atividade de gestão pública, houve erro na subsunção dos factos dirimidos e assentes ao direito querido aplicar com violação dos mesmos e instituto da responsabilidade civil, atribuindo-lhe sentido e aplicação que não encerram.
XIV. Deve ser concedida revista e revogado o Acórdão recorrido e legais efeitos …».

6. Devidamente notificado o A., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 829 e segs.], concluindo nos seguintes termos:
«...
- Do objeto da revista
7 - A essência da discordância do recorrente em relação ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo estriba-se, de novo, no entendimento de que o acidente se deu em virtude de se ter verificado, junto do condutor, o incumprimento de sinais verticais de trânsito, entre os quais assume especial relevo o sinal de proibido virar à esquerda existente na Avenida Diogo Leite, em Vila Nova de Gaia - sinal C11b do Regulamento de Sinalização de Trânsito.
8 - A inexistência de nexo de causalidade adequada entre o não cumprimento negligente dessa sinalética e a destruição do veículo pelo pilarete encontra-se debatida nos autos até à exaustão.
9 - A Câmara não tem o direito de destruir o património de uma pessoa e de colocar em causa a saúde e a integridade física dos cidadãos só porque ocorre uma contraordenação estradal.
10 - Ainda que se entendesse que uma "sanção" desse género poderia acontecer, nunca a mesma poderia ser entendida como proporcional ao ato transgressional cometido pelo agente.
11 - Se na altura do acidente tivesse estado instalado o sistema que posteriormente a Câmara instalou, os danos sofridos pelo recorrido não teriam acontecido.
12 - A colisão surgiu de forma absolutamente inesperada porque sem qualquer aviso prévio, sem dar assim qualquer hipótese de mínima reação por parte do condutor para evitar o embate ou pelo menos para evitar a violência com que se verificou.
13 - Não há nexo de causalidade adequada quando não é suposto que o desrespeito de um sinal de trânsito provoque a colisão de um pilarete contra um veículo, nem quando nenhum sinal de trânsito avisa da existência de um cilindro escamoteado no solo e da sua subida iminente, em contradição com a permissão dada pela luz amarela semafórica.
14 - Refira-se ainda que a proibição de virar à esquerda, para a Rua Cândido dos Reis, existente na Avenida Diogo Leite, não era uma proibição absoluta, até porque esta rua apenas tem um sentido de marcha que é precisamente o proveniente da Avenida Diogo Leite.
15 - O sinal C11b indicativo de proibido virar à esquerda, continha uma placa que excecionava os veículos autorizados. Mas essa exceção não correspondia à realidade, já que veículos não autorizados também podiam entrar nessa artéria para procurar a autorização junto do operador da "E………".
16 - Porém, esta é uma falsa questão porque não foi por ter virado à esquerda que o autor foi embatido pelo pilarete.
17 - O Município recorrente praticou um ato ilícito quando incumpriu as normas que lhe impõem o dever de sinalização ou remoção de perigos existentes nas vias municipais.
18 - Tais normas são as que constam, designadamente, dos arts. 2.º da Lei n.º 2110, de 19/08/1961 (Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais) e 5.º do Código da Estrada.
19 - O único e exclusivo responsável pelas consequências danosas deste nefasto sinistro é o próprio Município de Vila Nova de Gaia.
- Por mera cautela - Da ampliação do objeto do recurso
20 - Não sendo admissível o recurso de revista, o ora recorrido requereu, junto do TCAN, que fosse suprida a nulidade consistente no facto do acórdão não se ter pronunciado sobre o pedido de condenação em juros de mora.
21 - Por mera cautela de patrocínio, caso o presente recurso ordinário seja admitido, o recorrido, em sede de ampliação do objeto do recurso e por forma a colmatar a omissão da condenação no pagamento de juros de mora, vem, nos termos do art. 636.º do CPC, e apenas na hipótese do Tribunal a quo não conhecer do requerimento de nulidade acima transcrito, requerer que se conheça da nulidade em causa, condenando o recorrente no pagamento de juros de mora …».

7. Tendo sido arguida a nulidade do acórdão do «TCA/N», quer pelo A., quer pela interveniente «D………., SA» [sendo que esta pediu, concomitantemente, a aclaração do mesmo], por acórdão proferido pelo «TCA/N», em 26.10.2018 [cfr. fls. 897/901], foi decidido «suprir a nulidade por omissão de pronúncia arguida pelo Recorrente A……….. e, no presente acórdão que passará a fazer parte integrante do acórdão de 16.03.2018, decidem: (…) I. Aditar à alínea B) do seu dispositivo o seguinte número: (…) 5. Juros de mora à taxa legal, contados desde a citação quanto à indemnização por danos patrimoniais e contados desde a data do presente acórdão (16.03.2018) quanto à indemnização por danos morais, até ao efetivo e integral pagamento. (…) II. Manter o acórdão recorrido por não padecer de qualquer nulidade quanto ao que foi requerido pela D………, C………».
8. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 25.01.2019, veio a ser admitido o recurso de revista [cfr. fls. 928/932].

9. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso [cfr. fls. 944/949], parecer este que, objeto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.

10. Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


DAS QUESTÕES A DECIDIR

11. Face ao que veio a ser decidido no acórdão do «TCA/N» aludido no § 7 constitui objeto de apreciação nesta sede apenas o assacado erro de julgamento acometido pelo R. «MVNG»/recorrente ao acórdão recorrido quanto ao juízo no mesmo efetuado, visto entender haver violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 09.º e 10.º do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas [doravante RCEEP publicado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31.12] e 570.º, n.º 2, do Código Civil [CC], e, nessa medida, deveria ter sido julgada improcedente a pretensão indemnizatória contra si deduzida tal como havia concluído o «TAF/P» [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].




FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
12. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
12.1) No dia 28.12.2008, cerca das 16h00m, o A. circulava na Avenida Diogo Leite, na cidade de Vila Nova de Gaia, vindo da ponte em direção ao cais, no veículo ligeiro de passageiros de marca e modelo «Mercedes-Benz C200 CDI» de cor cinzenta com a matrícula ………, de que era proprietário.
12.2) O A. transportava F……….., sua companheira, no banco da frente, e no banco de trás, G……….., filha de ambos.
12.3) Nesse momento o trânsito naquela via era intenso e circulava lentamente.
12.4) O A. virou à esquerda para entrar na Rua Cândido dos Reis, seguindo três veículos que seguiam à sua frente e que faziam o mesmo percurso.
12.5) Ali chegado deparou-se com um veículo parado na entrada daquela Rua, bem como com um semáforo com a luz vermelha acesa, tendo, por isso, parado o seu veículo.
12.6) Entretanto quando o veículo que estava à sua frente iniciou a sua marcha, o A. seguiu-o e entrou naquela Rua com a luz amarela acesa.
12.7) Nesse preciso momento ocorreu um enorme estrondo no interior do veículo, tendo os «airbags» disparado sobre os seus ocupantes.
12.8) O que sucedeu por efeito da perfuração, na parte da frente do veículo, de um pilarete que se elevou do subsolo naquele momento.
12.9) O A. saiu do seu veículo e ouviu algumas pessoas ali presentes a comentarem «mais um».
12.10) Na Avenida Diogo Leite, no sentido em que circulava o A., existia um sinal «C 11b», do Regulamento de Sinalização de Trânsito, indicativo de proibição de virar à esquerda [no sentido da Rua Cândido dos Reis].
12.11) Na entrada da Rua Cândido dos Reis, existia à data da factualidade constante de 12.1) a 12.6), um sistema de restrição de acesso ao centro histórico, constituído por:
- um totem, onde pode ser feito o contacto com um operador;
- semáforos indicadores do estado de acesso; e
- um pilarete amovível que impede a passagem.
12.12) Este sistema permitia apenas a entrada de pessoas autorizadas, nos seguintes termos:
- utente com identificador: após a leitura do identificador o pilarete baixa automaticamente e assim que está completamente em baixo o semáforo passa à posição de amarelo, momento em que o veículo autorizado pode passar; e
- utente sem identificador: qualquer utente que solicite a passagem ao operador [através do intercomunicador existente no totem], e seja autorizada, acionando o operador manualmente o abaixamento do pilarete, tudo decorrendo de seguida como nas situações dos utentes com identificador.
12.13) O pilarete era constituído por um cilindro amovível que se encontra na entrada da rua, a meio da via e que em movimento descendente introduz-se no subsolo e ascendente sobe acima do solo.
12.14) O sistema era ainda constituído por três sensores: um de presença, para que pudesse ser solicitada/concedida a autorização para a passagem e que dista cerca de 02 metros do pilarete; outro de deteção e proteção, que quando detetava a viatura inverte o sentido ascendente e que está imediatamente antes do pilarete [cerca de 50/60cm]; e outro [que está cerca de 20/30cm após o pilarete] que após a passagem do veículo [autorizado a passar], dá o sinal para pilarete subir, acionando o sinal vermelho.
12.15) O sistema referido nas alíneas anteriores encontrava-se a funcionar normalmente no dia e hora em que ocorreu o acidente supra descrito.
12.16) Na entrada da rua existiam ainda dois semáforos, colocados um em cada um dos lados da rua, cujas luzes alternavam entre o amarelo e o vermelho, sendo que o amarelo acendia quando o pilarete estava no subsolo e o vermelho quando o pilarete estava acima do solo.
12.17) A sinalização vertical, colocada no lado esquerdo da entrada da rua, era constituída pelo sinal «G 5a» do Regulamento de Sinalização de Trânsito, indicativo de zona de trânsito proibido, e ainda por uma placa, por debaixo deste sinal, com a indicação de «exceto viaturas autorizadas», seguida de uma outra a indicação de «veículos pesados para cargas e descargas das 19 às 8h e das 10 às 10 às 17h»; seguido ainda do sinal «C 19» do Regulamento de Sinalização de Trânsito, indicativo de outras paragens obrigatórias, constando no sinal como motivo da paragem «controlo de acesso» e de outra ainda com a indicação de «paragem e estacionamento proibidos».
12.18) Antes dos sinais indicados na alínea anterior, existia ainda o sinal «G 1», do Regulamento de Sinalização de Trânsito, indicativo de «zona de estacionamento autorizado», tendo por baixo deste uma placa com os dizeres de «veículos moradores de cartão da zona 01».
12.19) Antes ainda do sinal indicado na alínea anterior existia uma placa com onde se podia ler o seguinte: «Atenção não avance com o sinal vermelho».
12.20) À entrada da rua, do lado direito, estava ainda colocado o sinal «A 14», que advertia para um lugar frequentado por crianças.
12.21) Em 23.01.2009, a placa «Atenção não avance com o sinal vermelho», foi substituída por duas placas com as seguintes inscrições: «perigo de colisão» e «não avance sem autorização».
12.22) Entre março e maio de 2009, foi alterado o sistema existente no local, passando o sensor de presença a impedir a subida do pilarete quando deteta aproximação de quaisquer veículos, sendo que o próprio cilindro ali existente é composto por um material leve que se desloca se for empurrado.
12.23) O sistema a que se reporta a alínea anterior permite a entrada de veículos não autorizados desde que estes sigam atrás de veículos autorizados, uma vez que estando o pilarete no subsolo para permitir a passagem de qualquer veículo autorizado este não volta a subir enquanto o sensor de presença detetar a presença de veículos.
12.24) O veículo do A., em consequência do sinistro, ficou imobilizado sem possibilidade de circular, tendo o A. despendido no seu transporte para a oficina a quantia de 41,62 €.
12.25) Em consequência do sinistro, as peças do veículo que tiveram que ser substituídas ou reparadas, foram as seguintes: correia, fole direção, radiador, condensador de ar condicionado, radiador intercooler, cárter, óleo, charriot frt, suporte, tubo direção, termo ventilador, mola, passador, defletor ar, blindagem, peça, mola, tubo, poli cambota, tubo compressor, junta cárter, casquilhos braços, barra estabilizadora, anticongelante, óleo «hélix d. plus», carga do A/c, abraçadeira, molas, óleo da direção 1l, tubo água, kit colagem p/brisas, pára choques da frt, pára brisas, saco airbag drt., borracha pára brisas, blindagem inf., blindagem inf. motor, airbag volante, cinto segurança frt. Esq., tablier, unidade airbag, lâmpada, cinto segurança frt. Drt., pré-tensor cinto tras. Esqdo., pré-tensor cinto tras. drt, alinhamento direção, IPO, parafuso blindagem, fêmea plástica, mola, pintura e mão-de-obra.
12.26) O veículo ficou reparado e foi entregue ao A. em 20.02.2009.
12.27) Na reparação do veículo o A. despendeu a quantia de 8.663,09 €.
12.28) O veículo era utilizado pelo A. para as suas deslocações habituais para o trabalho.
12.29) Durante o período em que esteve sem o veículo, o A. utilizou os transportes públicos e o veículo da sua companheira, conforme a disponibilidade desta.
12.30) O disparo do airbag do condutor e do passageiro, amedrontaram o A. e os restantes ocupantes do veículo.
12.31) O airbag do condutor fez com o que o A. tivesse deixado de ter visão para a frente, aumentando ainda mais a sensação de medo e de insegurança porque ninguém percebia o que tinha acontecido.
12.32) Ao embater com força na sua cara, provocou-lhe dores.
12.33) O outro airbag embateu na cabeça e no peito na companheira do A..
12.34) A filha do A. e da sua companheira, embateu com a cabeça no banco da frente, mesmo levando o cinto de segurança colocado.
12.35) O acidente agravou uma situação de depressão da companheira do A., tendo passado a ter fobias.
12.36) Naquele local, durante os primeiros meses de implementação daquele sistema de restrição, ocorreram outros acidentes.
12.37) O A. interpelou a «Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia» para o ressarcir dos danos que lhe tinham sido causados com o sinistro, tendo aquela declinado a sua responsabilidade.
12.38) O sistema identificado supra de 12.11) a 12.14), foi instalado pela 2.ª R., na sequência da adjudicação que lhe foi feita pelo 1.º R. do fornecimento do serviço de controlo automático de acesso e estacionamento de viaturas e condicionamento de trânsito ao centro histórico de Vila Nova de Gaia, na sequência do qual foi outorgado o respetivo contrato em 20.07.2007, que previa duas componentes: a componente de instalação e colocação em funcionamento daquele sistema de controlo e a componente de prestação de serviços de gestão.
12.39) A 2.ª R. subcontratou com a 3.ª R. a prestação dos serviços de gestão daquele sistema, em outubro de 2008.
12.40) A 2.ª R., por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 32/47.442, em vigor a 28.12.2008, tinha transferido para a 3.ª R. a responsabilidade civil extracontratual decorrente de serviços de fornecimento, instalação, colocação em serviço e manutenção de equipamentos e sistemas eletrónicos, para utilização em infraestruturas rodoviárias, tais como, autoestradas, estradas, viadutos, túneis, postos de abastecimento de combustíveis, parques de estacionamento, garagens e similares.
12.41) A rua Cândido dos Reis é uma via municipal.
12.42) O R. instalou o sistema existente na entrada da rua Cândido dos Reis, com a finalidade de limitar o acesso automóvel àquele arruamento e assim com vista a preservar o Centro Histórico de Vila Nova de Gaia.
12.43) O A. é professor universitário no «…….. - ……..», no Porto.
12.44) O A. não residia na zona histórica de Vila Nova de Gaia e não tinha permissão para aceder àquele local, nem o tinha solicitado.
12.45) Durante o percurso descrito em 12.4), 12.5) e 12.6) o A. não se apercebeu da sinalização existente, tendo apenas reparado nos semáforos à entrada da Rua Cândido dos Reis.

*

DE DIREITO
13. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto do presente recurso de revista.

14. Insurge-se o R., aqui recorrente, quanto ao juízo firmado pelo acórdão recorrido que, concedendo parcial provimento ao recurso, revogou em parte a sentença do «TAF/P» e o condenou no pagamento de indemnização nos termos supra descritos.

15. A discussão nesta sede centra-se na apreciação da verificação in casu dos requisitos/pressupostos da responsabilidade civil extracontratual relativos à ilicitude e à culpa atendendo ao regime previsto nos arts. 09.º e 10.º do RCEEP e 570.º, n.º 2, do CC.

16. Decorre do art. 22.º da Constituição da República Portuguesa [CRP] que «[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem», preceito do qual deriva a atribuição dum direito fundamental [direito a ser indemnizado por prejuízos causados por ações ou omissões do poder público], a que corresponde um dever público de indemnizar sempre que ocorra a lesão de tais direitos, presente que a responsabilidade civil da Administração radica seus fundamentos na vinculação daquela aos direitos fundamentais, em particular os direitos, liberdades e garantias [cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP] e aos princípios do respeito das posições jurídicas subjetivas dos particulares [cfr. art. 266.º, n.º 1, da CRP] e da legalidade, vinculações estas das quais deriva a proibição da provocação ilegal de danos da esfera jurídica dos particulares ou a sua reintegração mediante indemnização.

17. Como deriva da mera leitura do comando constitucional reproduzido supra os pressupostos constitutivos do dever público de indemnizar não se encontram nele enunciados e importam ser vistos hoje, tal como já à data da situação jurídica sob litígio, à luz do referido RCEEP ou do regime inserto nos arts. 500.º e 501.º do CC, consoante se esteja, respetivamente, em face de atos/omissões praticados ou desenvolvidos sob o domínio do direito público ou do direito privado.

18. Estando em questão ato/omissão que se prende com observância ou não por parte do R. «MVNG» das regras e normas disciplinadoras da sinalização das vias públicas situamo-nos no âmbito do direito público e, nesse quadro, extrai-se, no que releva para a situação objeto de litígio, do art. 01.º do referido RCEEP, vigente à data dos factos sob apreciação, que «[a] responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa regese pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial» [n.º 1] e que «[p]ara os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as ações e omissões adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo» [n.º 2], sendo que «[s]em prejuízo do disposto em lei especial, a presente lei regula também a responsabilidade civil dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos por danos decorrentes de ações ou omissões adotadas no exercício das funções administrativa e jurisdicional e por causa desse exercício» [n.º 3].

18. Decorre, por sua vez, ainda do art. 09.º do mesmo regime, sob a epígrafe de «ilicitude», que «[c]onsideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos» [n.º 1], sendo que «[t]ambém existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º» [n.º 2], prevendo-se no normativo seguinte, relativo à «culpa», que «[a] culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor» [n.º 1], que «[s]em prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos» [n.º 2], e que «[p]ara além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância» [n.º 3], sendo que «[q]uando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil» [n.º 4].

19. Do quadro normativo acabado de convocar deriva que, ainda que não se exija a demonstração do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, só pode considerar-se verificado o requisito de ilicitude se a matéria de facto permitir afirmar que houve violação de normas ou princípios aplicáveis ou de regras técnicas ou de deveres objetivos de cuidado.

20. O A. para demonstração da ilicitude da conduta do R. «MVNG» em causa sustentou a violação dos arts. 64.º, n.º 7, al. b), da Lei n.º 169/99, 08.º, n.º 1, e 09.º, n.º 1, ambos do DL n.º 2/98, 09.º, n.º 2, do Código da Estrada [CE], 483.º e 493.º, n.º 1, do CC, e 07.º e segs. do RCEEP.

21. Vista tal motivação e apreciando o assacado erro de julgamento acometido ao acórdão recorrido na análise que o mesmo fez do requisito/pressuposto da ilicitude temos que assiste inteira razão ao recorrente.

22. Com efeito, presente a factualidade apurada, que este Supremo não pode censurar, impõe-se concluir no sentido de que não logrou in casu demonstrar nenhuma das alegadas violações, a ponto de poder ter-se como preenchido o requisito/pressuposto da ilicitude ao abrigo do art. 09.º, n.º 1, do RCEEP.

23. É que, desde logo, a invocação dos arts. 483.º do CC, 64.º, n.º 7, al. b), da Lei n.º 169/99, 08.º, n.º 1, e 09.º, n.º 1, ambos do DL n.º 2/98 [preceitos deste DL encontravam-se, aliás, já revogados pelo DL n.º 44/2005 (cfr. seu art. 22.º) e que neste diploma têm como paralelo os arts. 06.º (sinalização das vias públicas) e 07.º (ordenamento do trânsito)] e 09.º, n.º 2, do Código da Estrada [CE], mostra-se como totalmente imprestável, por sem qualquer aptidão própria, para o preenchimento do requisito/pressuposto sob análise, mormente da previsão do referido art. 09.º, n.º 1, do RCEEP, já que, para além da mera alusão ao princípio geral inserto no preceito do CC também ele carecido da necessária concretização em falta, do demais quadro legal mais não se extrai que a mera enunciação da imposição ou da existência de um dever que recai sobre o Município R. de administração, disciplina da circulação e sinalização das vias públicas sob sua jurisdição, nada derivando em que termos, ou em que medida, a sinalização ali existente, ou que estivesse em falta, infringia qualquer regra ou norma técnica conducente à existência no caso de uma conduta ilícita.

24. De frisar que nenhuma alegação factual e prova se mostra feita nos autos que nos permita concluir que, uma vez presente a factualidade apurada [cfr. n.ºs 12.1), 12.5), 12.6), 12.10) a 12.20), 12.21) a 12.23), 12.41) e 12.42)], a concreta sinalização implantada pelo R. «MVNG» na aproximação e no local em que ocorreu o acidente, definindo as regras disciplinadoras da circulação do trânsito na via sob sua jurisdição, e, bem assim, o sistema mecânico e eletrónico ali instalado de condicionamento do acesso à via, infringissem o art. 02.º da Lei n.º 2110, ou qualquer comando normativo inserto no CE [cfr., mormente, os seus arts. 05.º e 06.º], ou no Regulamento de Sinalização do Trânsito então vigente [cfr. Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, mormente, seus arts. 01.º, 02.º, 05.º, 06.º, 07.º, 08.º, 09.º 12.º a 16.º, 19.º, 20.º, 24.º, 25.º, 27.º, 28.º, 32.º, 33.º e respetivos quadros anexos], ou noutro qualquer regulamento, ou norma técnica, na certeza de que tal não se pode inferir, minimamente, do simples facto do referido R. ter, entretanto, procedido a mudança parcial da sinalização e do funcionamento do sistema disciplinador do acesso e circulação naquela via de trânsito.

25. Temos, por outro lado, também como totalmente insubsistente ou improcedente o apelo ao regime legal decorrente do n.º 1 do art. 493.º, do CC, porquanto a verificação do requisito/pressuposto da ilicitude não deriva ou se extrai do mesmo, visto nele se disciplinar, ao invés, outro requisito/pressuposto da responsabilidade civil extracontratual relativo à culpa [no caso uma situação de presunção de culpa].

26. Assim, se para que se conclua que o requisito/pressuposto da ilicitude se encontra verificado, nos termos do art. 09.º do RCEEP, é necessário que a conduta imputada ao agente ou ente público constitua violação de normas jurídicas ou infração de regras técnicas ou de um dever objetivo de cuidado de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, temos que, no caso, ao invés do que se concluiu no acórdão recorrido, inexiste demonstrada ou identificada uma ação ou omissão, ainda que imputada ao funcionamento anormal do serviço no seu conjunto, a que se predique um daqueles fatores de anti juridicidade.

27. Nessa medida, assistindo, por conseguinte, razão ao R. «MVNG» nas críticas que dirigiu ao acórdão recorrido, impõe-se conceder provimento ao presente recurso e julgar improcedente a pretensão indemnizatória deduzida na ação como havia concluído com acerto o «TAF/P».


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, consequentemente, pela motivação antecedente, revogar a decisão judicial recorrida, fazendo subsistir, pelas razões supra invocadas, a decisão proferida pelo TAF do Porto.
Custas nas instâncias e neste Supremo a cargo do A./recorrido. D.N..



Lisboa, 27 de novembro de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos (vencido, nos termos da declaração que junto).

VOTO DE VENCIDO

É lícito instalar nas vias públicas «sistemas» como o dos autos, que barrem o acesso a veículos não autorizados.
Mas essa licitude – quanto à existência do «sistema» – não pode estender-se a todo e qualquer modo do seu exercício ou funcionamento. Aliás, e num domínio análogo, o Direito Penal já há muito teorizou sobre a legitimidade de meios defensivos da propriedade, recusando-a sempre que produzam resultados incomensuráveis com os interesses a proteger.
Ora, o problema dos autos é, realmente, uma questão de modo. Considero desproporcionado e inadmissível que a transgressão culposa de um condutor tenha, como resultado ou resposta, a activação automática de um «sistema» destrutivo da viatura.
Ao instalar um «sistema» consabidamente capaz de produzir tais efeitos, o Município de VN Gaia não observou um dever objectivo de cuidado – que é uma modalidade de culpa; e esta culpa logo revela que o modo definido para o funcionamento do «sistema» não pode ser considerado lícito.
Ora, as anteriores considerações, ditas em termos gerais, estão reflectidas no Código Civil.
Convém notar que o assunto não é enquadrável na previsão do art. 493º – danos causados por coisas (que devem ser vigiadas) ou por actividades perigosas (pela natureza dos meios utilizados – e que devem ser contidas). Com efeito, tal artigo pressupõe que a «coisa» ou os «meios» causaram os prejuízos porque não foram adoptadas medidas de vigilância ou de contenção que circunscrevessem a «coisa» ou os «meios» ao seu exercício normal (ainda preventivo de riscos).
Ao invés, o normal funcionamento do «sistema» instalado pelo município já continha o risco dele abalroar a viatura de algum transgressor. Abalroamento que ocorreria – como, «in casu», ocorreu – independentemente de qualquer actuação municipal vigilante ou providente, aliás desconforme à índole automática do «sistema».
Assim, o município tinha a clara obrigação de antecipar os riscos do «sistema» que instalou.
Esses riscos apontavam para a produção de danos que não seriam comensuráveis com os interesses a salvaguardar pelo «sistema». Portanto, o município não cuidou de prevenir esse tipo de eventos, e essa desconsideração é denotativa da sua culpa (art. 487° do Código Civil). Quanto à ilicitude, ela detecta-se na afecção do direito de propriedade do autor (art. 483°, n.° 1, do Código Civil), que viu a sua viatura seriamente danificada pela acção do mecanismo automático.
Creio, portanto, que existe responsabilidade civil do município. Mas os prejuízos sofridos pelo autor não deveriam ser integralmente reparados, visto que a inegável culpa do lesado imporia que se reduzisse o «quantum» indemnizatório (art. 570°, n.° 1, do Código Civil), num grau a determinar.
Lisboa, 27 de Novembro de 2019
Jorge Artur Madeira dos Santos