Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0287/18.2BELRA
Data do Acordão:01/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - O erro na forma do processo – nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo – afere-se pelo pedido.
II - Sendo o pedido formulado de extinção da execução fiscal, não há dúvida quanto à propriedade do meio escolhido: a oposição à execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P24108
Nº do Documento:SA2201901230287/18
Data de Entrada:10/11/2018
Recorrente:A............ E OUTRO
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida em processo de oposição à execução fiscal

1. RELATÓRIO
1.1 A acima identificada Recorrente e o marido deduziram oposição à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas por IVA, reverteu contra aquele, por o órgão da execução fiscal o ter considerado responsável subsidiário por essas dívidas, oposição que foi julgada pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria nos seguintes termos: «quanto ao Oponente marido, julgo procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolvo a Fazenda Pública do pedido, e quanto à Oponente mulher, julgo verificada a excepção dilatória insuprível do erro na forma de processo, e em consequência, absolvo a Fazenda Pública da instância».
1.2 A Oponente mulher deduziu recurso, que foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, após o que apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A) A oponente mulher, ora recorrente, alegou a nulidade processual de falta de citação apenas para justificar a tempestividade do meio processual da oposição.

B) À data da apresentação da oposição, a oponente, embora não tivesse sido citada para a execução, tinha tomado conhecimento da mesma.

C) Pelo que, a recorrente/oponente, a partir do momento em que tomou conhecimento da execução fiscal, passou a ter interesse directo em demandar a Administração Tributária, pois invoca factos que a comprovarem-se determinam a inexigibilidade da dívida, isto é, o seu interesse em deduzir oposição nos termos em que o fez.

D) A lei estabelece um prazo peremptório para a dedução da oposição, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, atento o art. 139.º do CPC.

E) A oposição pode ser deduzida no prazo de trinta dias a contar da respectiva citação pessoal ou a contar do conhecimento pelo executado (alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT).

F) Pelo que, o prazo peremptório define o “dies ad quem” e não o “dies a quo”.

G) Ao contrário da cominação da extemporaneidade prevista para a ultrapassagem do prazo de 30 dias após citação ou o conhecimento, a lei não prevê a extinção do direito ou preclusão para o acto prematuro.

H) Ora, no caso concreto, o prazo para dedução da oposição não havia expirado, pelo contrário, não se teria, ainda, iniciado, onde não se pode dizer que foi transposto o limite no que concerne ao prazo peremptório previsto.

I) No caso dos autos a recorrente ao tomar conhecimento da execução adiantou-se na dedução da oposição, antecipando-se ao momento da citação.

J) A recorrente não usou a oposição judicial como meio de invocar uma nulidade processual em si mesma, e tendo deduzido oposição à execução antes da citação, resulta que a falta desta (ainda que constitua nulidade processual) serve para justificar a tempestividade do pedido formulado em sede de oposição judicial e não para justificar o meio processual utilizado.

L) Pelo que se impunha a apreciação do pedido, pois a causa de pedir não era a declaração da nulidade processual da falta de citação, sendo esta apenas invocada para efeito de tempestividade da oposição.

M) É entendimento da jurisprudência do STA que “Pode conhecer-se da nulidade da citação no processo de oposição à execução fiscal se tal conhecimento for necessário para apreciar da caducidade do direito de deduzir essa oposição.” – Acórdão de 05/07/2017, proferido do processo 0721/15.

N) A falta de citação não constitui causa de pedir mas fundamento da tempestividade da acção, tendo-se por sanada a nulidade processual assim que a recorrente deduziu a oposição.

O) Efectivamente, a ora recorrente, ao intervir no processo executivo através da dedução de oposição judicial, preencheu as finalidades da citação e demonstrou que a falta desta não impediu o exercício do direito de defesa, logo, a dedução de oposição demonstrou que a recorrente não tinha interesse em arguir essa omissão encontrando-se sanada a nulidade.

P) Além do mais, a decisão recorrida violou o disposto no n.º 1 do art. 203.º do CPPT e art. 139.º do CPC e violou também o princípio da economia processual, pois, embora à data da dedução da oposição fiscal a oponente não tivesse, ainda, sido citada, resulta do PAO a fls. 116, que posteriormente à entrada da p.i. de oposição, a citação da oponente mulher, nos termos dos art. 220.º e 239.º do CPPT, foi efectivamente realizada pelo OEF.

Q) Ora, resultando dos autos de oposição (fls. 116 do PAO) que a ora recorrente veio a ser citada pelo OEF, nos termos e para os efeitos do art. 239.º, n.º 1, do CPPT, conclui-se que a ora recorrente assume a posição de executada, podendo exercer todos os direitos processuais, incluindo deduzir oposição à execução, o que fez por antecipação ao momento da citação.

R) Pelo que, atendendo aos factos devidamente documentados nos autos, nomeadamente no PAO, e às normas legais aplicáveis, designadamente o disposto no n.º 1 do art. 203.º do CPPT e art. 139º do CPC, a douta sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, e ser admitida a oposição quanto à ora recorrente seguindo o processo os trâmites subsequentes».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] Inconformada com a sentença recorrida proferida pelo TAF de Leiria, pela qual foi julgada verificada quanto a si a excepção dilatória insuprível do erro na forma do processo, e em consequência, absolvida a Fazenda Pública da Instância vem interpor recurso, vem interpor recurso para o S.T.A.
Invoca-se no mesmo ter sido violado o disposto no n.º 1 do art. 203.º do C.P.P.T., o art. 139.º do C.P.C. e ainda o princípio da economia processual.
Sendo estas violações as questões que resultam para apreciação, acontece que a recorrente veio a invocar, para efeitos da última imputada violação, que em data posterior à dedução da oposição fiscal, tinha até já sido citada, nos termos dos arts. 220.º e 239.º do C.P.P.T., conforme resulta do “PAO a fls. 116”.
No entanto, crê-se ser irrelevante o apuramento desta matéria.
Com efeito, o n.º 1 do art. 203.º do C.P.P.T. apenas permite que o executado após a penhora possa desde logo apresentar oposição.
Por outro lado, pese embora as diferentes modalidades de prazos previstas no art. 139.º do C.P.C., o prazo para deduzir oposição dependia de citação, nos termos do art. 239.º do C.P.P.T., mesmo, no caso da penhora incidir sobre imóvel ou móvel sujeito a registo.
Apenas tal citação tem o alcance de colocar o cônjuge na situação de co-executado, sem possibilidade de embargar de terceiro – Jorge Sousa em C.P.P.T. Anotado e Comentado, Vol. III, pág. 29 e acórdão do S.T.A. de 14-6-2012, no proc. 0939/10.
Assim, se veio a deduzir oposição antes da mesma ter ocorrido, situa-se “antes de tempo” ou fora do “período dentro do qual pode ser entregue” – Alberto dos Reis, CPC Anotado, reimp. de 1981, pág. 182 e Antunes Varela e outros em Manual de Processo Civil, 2.ª ed. pag. 334.
E, não tendo arguido a falta ou nulidade da sua citação, incorreu com a apresentação da oposição efectuada em erro na forma do processo, conforme decidido foi».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, que ora sujeitamos a outra numeração:

«1. No Serviço de Finanças de Batalha foi instaurado contra a B…………, o processo de execução fiscal n.º 1333201201005227 para cobrança dívida de IVA do período 2011/12T, no valor de € 7.837,96 – cft. informação de fls. 3 a 5 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 2014.05.02 o Serviço de Finanças de Batalha citou o Oponente marido, por carta registada com aviso de recepção, para o processo de execução fiscal identificado no ponto que antecede, na qualidade de responsável subsidiário – cft. informação de fls. 3 a 5 e doc. de fls. 6 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.

3. Em 2018.01.26 deu entrada no Serviço de Finanças de Batalha a petição inicial da presente oposição – cft. carimbo aposto no rosto da p. i. a fls. 7 dos autos.

4. Consta da informação prestada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Batalha que, no âmbito do processo de execução fiscal identificado em 1.1., a oponente mulher ainda não foi citada na qualidade de cônjuge do Oponente e para efeitos do disposto nos artigos 220.º e 239.º do CPPT – Cft. informação de fls. 2 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A oposição foi deduzida pela ora Recorrente e seu marido. No que a este respeita, foi julgada improcedente por caducidade do direito de acção; nessa parte, a sentença transitou em julgado. Quanto à ora Recorrente, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria considerou verificado o erro na forma do processo e, por o mesmo se lhe afigurar insanável, absolveu a Fazenda Pública da instância, ao abrigo do disposto nos art. 193.º, 196.º, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b), e 578.º, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Vejamos, resumidamente, a fundamentação por que a sentença decidiu pelo erro na forma do processo relativamente à Oponente mulher, ora Recorrente:
Começou a sentença por referir que «é por esta [Oponente mulher] invocado que nunca foi citada para a execução, sendo esta [citação] obrigatória por ser casada com o Oponente, e os bens penhoráveis serem comuns, constituindo a falta de citação uma nulidade da mesma; alega, ainda, que é parte legítima na execução fiscal, por a dívida ser da responsabilidade de ambos os cônjuges».
Depois, referiu que a nulidade da citação não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em sede de execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial ao abrigo do art. 276.º e segs. do CPPT.
De seguida, tendo em conta que a Oponente ainda não foi citada para a execução, considerou que não podia a mesma «deduzir oposição à execução fiscal, uma vez que não tem a qualidade de executada, podendo apenas invocar a falta de citação junto do órgão da execução fiscal».
Mais salientou que, sabendo-se (porque o órgão da execução fiscal informou nesse sentido) que a Oponente vai ser citada, não se sabe se o vai ser ao abrigo do art. 220.º do CPPT ou do art. 239.º do mesmo Código, sendo que apenas esta última lhe conferirá a posição de co-executado.
Seja como for – concluiu a sentença – «independentemente da forma como o órgão da Execução Fiscal vier a tratar a Oponente mulher, é manifesto que a presente oposição judicial não é meio processual adequado para a apreciação da falta de citação invocada, pelo que existe erro na forma processual empregue».
Expôs ainda a Juíza do Tribunal a quo o entendimento de que é em face do pedido formulado que se determina a adequação da forma de processo utilizada e ponderou também a possibilidade da convolação para o meio processual adequado – imposta pelos arts. 98.º, n.º 4, do CPPT e pelo n.º 3 do art. 97.º da Lei Geral Tributária (LGT) –, para «concluir pela impossibilidade de convolação, porquanto o pedido formulado é de arquivamento da execução fiscal quanto a ambos os oponentes, nada se pedindo, nem tão pouco de forma subsidiária ou alternativa, a este respeito da falta de citação».
Assim, considerando verificada a excepção dilatória insuprível do erro na forma do processo, absolveu a Fazenda Pública da instância quanto o pedido formulado pela Oponente mulher.
A Oponente mulher discordou da sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal.
Considera, em síntese: que apenas invocou a falta de citação para justificar a tempestividade da oposição, motivo por que a mesma não é causa de pedir desta, mas apenas fundamento da tempestividade do direito de acção; que, já depois de deduzir oposição, foi citada ao abrigo do art. 239.º, n.º 1, do CPPT, motivo por que adquiriu a qualidade de executada, o que deverá levar-se em conta.
Tendo presente o teor da sentença recorrida e das alegações de recurso e respectivas conclusões – onde a Recorrente afirma repetidamente que não usou a oposição para invocar a nulidade por falta de citação, mas que apenas invocou essa nulidade para justificar a tempestividade da oposição –, a questão que cumpre apreciar e decidir é, antes do mais, a de saber se aí se decidiu correctamente quando se considerou verificado o erro na forma do processo. Na verdade, foi unicamente com esse fundamento – depois de ter ponderado a viabilidade da convolação para a forma processual adequado e ter concluído pela negativa – que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria absolveu a Fazenda Pública da instância na parte em que a oposição à execução fiscal respeita à Oponente mulher.

2.2.2 DO ERRO NA FORMA DO PROCESSO

A sentença recorrida enunciou correctamente a doutrina respeitante ao erro na forma do processo, considerando que esta nulidade se afere, como a Juíza do Tribunal a quo bem referiu, pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.).
No caso, o pedido formulado na petição inicial foi o de que seja «ordenado o arquivamento do processo executivo em relação aos oponentes» (cfr. a parte final da petição inicial, a fls. 12).
Na sentença, apesar de se ter identificado correctamente o pedido formulado – aí se diz expressamente que «o pedido formulado é de arquivamento da execução fiscal quanto a ambos os oponentes, nada se pedindo, nem tão pouco de forma subsidiária ou alternativa, a este respeito da falta de citação» (cfr. fls. 48) –, ao invés de ter considerado esse pedido para aferir da sua conformidade com a oposição à execução fiscal (que foi o meio processual escolhido), optou-se por fazer essa aferição em face da falta de citação invocada na petição inicial.
Ora, se é certo que a Oponente refere na petição inicial que não foi citada e que a falta de citação constitui nulidade, a verdade é que não formulou qualquer pedido relativamente a essa nulidade e, ao invés, essa alegação se contém na parte da petição inicial que sujeitou à epígrafe «Da tempestividade», tendo inclusive terminado esse segmento do articulado com a afirmação expressa de que «a nulidade por falta de citação te[m] por consequência a tempestividade da presente oposição» (art. 14.º da petição inicial).
Assim, não há dúvida de que a forma processual escolhida é a adequada ao único pedido formulado, sabido que é que a oposição à execução fiscal tem por finalidade primacial a extinção da execução fiscal.
Entendemos, pois, que a sentença, na parte em que vem recorrida, não pode manter-se na ordem jurídica, antes devendo a oposição à execução fiscal prosseguir no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, se a tal nada mais obstar, para apreciação do pedido de extinção da execução fiscal formulado pela Oponente mulher.
Neste sentido decidiu já este Supremo Tribunal, em recurso em tudo idêntico, no processo com o n.º 289/18.9BELRA, proferido em 16 de Janeiro de 2019.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O erro na forma do processo – nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo – afere-se pelo pedido.

II - Sendo o pedido formulado de extinção da execução fiscal, não há dúvida quanto à propriedade do meio escolhido: a oposição à execução fiscal.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Juízes do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a fim de aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Recorrida (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), que não paga taxa de justiça por este recurso, uma vez que não contra-alegou (cfr. arts. 529.º, n.ºs 1 e 2 e 530.º, n.º 1).


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Lisboa, 23 de Janeiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.