Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02339/10.8BELRS
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
TRANSMISSÃO ONEROSA
IMÓVEIS
ERRO
PRESUNÇÃO
Sumário:I – Quando haja lugar à transmissão de dois imóveis (um rústico e um urbano), é nessa condição que se determina e procede à realização da respectiva avaliação patrimonial tributária, ainda que, ulteriormente, tenha lugar a sua anexação num único imóvel.
II – Não há lugar à aplicação do artigo 100.º do CPPT nos casos em que nenhuma dúvida subsiste sobre a existência e quantificação dos factos tributários.
Nº Convencional:JSTA000P25867
Nº do Documento:SA22020050602339/10
Recorrente:A............................., SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A…………, S.A., com os demais sinais nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls. 116 a 125 do processo físico, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de IRC nº 2010 8310002892 relativa ao exercício de 2005, no montante total de € 37.667,49.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
In casu, enferma a douta sentença duma errónea interpretação da lei a aplicar ao caso vertente.
O tribunal a quo baseou a sua decisão nessa interpretação, mas com o devido respeito e, que é muito, não lhe assiste razão, pela argumentação de direito já aduzida pela ora recorrente.
A sentença recorrida sofre, no entender da ora recorrente, de uma errónea interpretação do direito devendo, como tal, ser revogada com todas as consequências legais.
A questão que justifica a intervenção do STA prende-se com a solução de direito adotada pelo Tribunal recorrido, para se decidir pela total improcedência da ação de impugnação e, veio consequentemente a absolver do pedido a Administração Tributária.
Porquanto,
Entende a ora recorrente que a douta sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, ao interpretar e aplicar erroneamente as disposições legais em vigor atinentes à relação material controvertida.
Ao aplicar esse entendimento o Tribunal a quo, que não pode ser mantido e, concomitantemente ser revogado, viola as disposições ínsitas nas disposições legais em vigor, uma vez que o valor que deve ser considerado para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos estabelecidos pelo art. 58.º-A do Código do IRC é o de € 500.000,00 por ser esse o valor global do contrato de compra e venda.
Nesta esteira, teremos que ter presente que os dois bens imóveis objeto do contrato de compra e venda em causa foram anexados, dando origem a um novo artigo matricial, o art.º 6629 urbano e que a este prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 337.460,00, tendo a sociedade adquirente, em 7 de Maio de 2010, liquidado o IMT e que o valor que serviu de base à liquidação foi o de € 500.000,00.
Ou seja, a ora recorrente, alienou os dois prédios por € 500.000,00, no entanto os mesmos foram anexados, formando um único prédio urbano, que foi posteriormente avaliado em € 337.460,00, portanto, resulta daí que o valor a ter em conta para a liquidação do IMT, foi o de € 500.000,00, por ser superior.
Assim sendo, a liquidação adicional de IRC, ora impugnada, teria que ser reportada à venda na sua totalidade, como o valor do contrato é superior ao da avaliação, melhor dizendo ao valor patrimonial tributário, não há lugar à antedita liquidação de IRC.
10º
Para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos estatuídos no art.º 58.º-A do Código do IRC, deve-se comparar o valor global da compra e venda dos dois imóveis € 500.000,00 com o valor patrimonial tributário atribuído ao prédio que resultou da anexação daqueles dois prédios que foram objeto da escritura pública de compra e venda.
11º
A douta sentença, com o devido respeito, e que é muito, no entender da recorrente, merece censura uma vez que estribou sempre a sua decisão, fazendo alusão a um lote de terreno inscrito na matriz sob o art.º provisório (sublinhado nosso), quando o objeto da alienação foi um prédio urbano que resultou da anexação de dois prédios, um dos quais era esse lote de terreno.
12º
Aliás, na escritura pública de compra e venda de 13 de janeiro de 2006, esse facto – a anexação, já é patente no Alvará emitido em 24 de março de 2004, pela Câmara Municipal de Ourém, portanto, em data anterior à escritura, conforme doc. 2 junto aos autos.
13º
Nos termos do n.º 1 do artigo 64.° do CIRC - Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas, art. 58.º-A ao tempo, "Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto" (sublinhado nosso).
14º
A decisão revidenda, com o devido respeito, não teve em linha de conta este preceito, indo assim contra norma expressa.
15º
Do exposto se conclui que a liquidação de IRC, aqui colocada em crise viola o disposto no art.º 58.º-A do Código do IRC.
16º
Ora a fundamentação de direito em que o Tribunal “a quo” se baseia para propalar a sentença recorrida, não é possível à luz das regras interpretativas próprias do Estado de Direito.
17º
A sentença recorrida assim ao decidir, fez tábua rasa desses comandos legais, e o douto Tribunal “a quo”, nos presentes autos obnubilou a sua função.
18º
Acresce a tudo isto, que a existirem fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário o tribunal deve anular o acto ora impugnado, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT (cfr. Acórdão do TCAN, de 2005.02.24, no Procº. n.º 145/04).

I.2 – Não foram produzidas contra-alegações.

I.3 – Parecer do Ministério Público
A…………, S.A., inconformada com a sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação apresentada quanto à liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2006, vem interpor recurso para o S.T.A..
Segundo resulta das conclusões apresentadas, as quais como é sabido servem para delimitar o objeto do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- erro na aplicação efetuada do art. 58.º-A do C.I.R.C.;
- se, havendo fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário, é de anular a liquidação, nos termos do n.º 1 do art. 100.º do C.P.P.T. e ainda do Acórdão do TCAN de 2005.02.24, no Proc.º 00145/04.
A recorrente argumenta não ser de aplicar o referido art. 58.º-A do C.I.R.C..
E invoca que, tendo sido alienados dois prédios por € 500.000, os mesmos foram anexados, formando um único prédio urbano, o qual foi posteriormente avaliado em € 337.460,00, pelo que não é de invalidar o valor de € 500.000, considerado na referida escritura.
Nesse sentido, invoca que um dos prédios/lote de terreno tinha sido identificado com artigo provisório, bem como que estava já emitido Alvará pela Câmara Municipal de Ourém.
E acaba a defender ser o referido valor de € 500.000 o que importava ter em conta por superior ao da liquidação de I.M.T. que veio a ser efetuada quanto ao prédio resultante.
Vejamos.
À data dos factos – alienação de 2 imóveis por escritura em 13-1-2006 com reflexo na matéria coletável desse ano, encontrava-se em vigor o art. 58.º-A do C.I.R.C., na redação dada pelo Dec.-Lei 287/2003, de 12/11, pelo que é com base na sua aplicação que importa decidir se há erro de direito na correção da matéria coletável que foi efetuada e que serve de base à liquidação.
E diga-se que não ocorre o dito erro.
Com efeito, tendo vindo a proceder-se a avaliação de um dos imóveis alienados a 1/3/2006, ainda sob o artigo provisório 5957, veio a resultar quanto ao mesmo o V.P.T. de 372.850,00.
Tal o valor que se mantinha seguramente aplicável a 6/4/2009, data da liquidação.
A recorrente invocada anexação com o outro imóvel a que foi dado o valor de 250.000 €.
No entanto, a mesma não resulta comprovada e os efeitos decorrentes de operações urbanísticas não levam a afastar, só por si, a aplicação do referido art. 58.º-A do C.I.R.C..
Acresce que a invocada liquidação de IMT só veio a ocorrer a 7/5/2010, conforme resulta do facto provado sob o n.º 10.
E a mesma não só ocorreu em data posterior à própria liquidação, como assenta em factos, como os referidos imóveis não terem sido alienados no prazo de 3 anos, posteriores àqueles em que assentam a referida tributação em sede de IRC.
Conforme resulta da fundamentação da sentença recorrida, não subsistem dúvidas que à data destes factos era intenção do legislador que os rendimentos empresariais fossem considerados, em sede de I.R.C., e no que respeita a imóveis, por valores patrimoniais atualizados.
De tudo o referido decorre não subsistirem dúvidas quanto à legalidade da liquidação.
Aliás, o invocado acórdão do T.C.A.N. não se refere a situação semelhante à presente para apreciação.
Concluindo:
É de julgar o recurso como não provido.

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 116 e seguintes do processo físico:
1. Em 24/03/2004 foi emitido o alvará de obras de construção n.º 180/2004 pelo Município de Ourém em nome da Impugnante que aprovou as obras que incidem sobre o prédio sito em ………, da freguesia de ………, inscrito na matriz urbana, sob o artigo 2384 da freguesia de ………, e sobre o prédio inscrito na matriz rústica, sob o artigo 6629, da mesma freguesia de ……… – cf. alvará a fls. 30 dos autos;
2. Por escritura pública outorgada em 13/01/2006, a Impugnante declarou que alienou à sociedade «B…………, S.A.» um prédio rústico, sito em ………, freguesia de ………, concelho de Ourém, inscrito na matriz sob o artigo 6629, pelo preço de duzentos e cinquenta mil euros, e um prédio urbano, lote de terreno para construção urbana, sito em ………, freguesia de ………, concelho de Ourém, inscrito na matriz sob o artigo provisório 5957, pendente de avaliação matricial, pelo preço de duzentos e cinquenta mil euros, destinados a revenda, tendo a aquisição ficado isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis - cf. certidão de escritura pública de compra e venda a fls. 27 a 29 dos autos;
3. Em 01/03/2006, foi efectuada a primeira avaliação do prédio urbano, terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo provisório 5957, tendo sido atribuído o valor patrimonial tributário de 372.850,00 – cf. facto não controvertido, comprovativo e dados de avaliação a fls. 67 a 68 e 104 e 105 do processo administrativo apenso;
4. A Impugnante não requereu a segunda avaliação patrimonial do prédio identificado no ponto anterior – cf. facto não controvertido;
5. Em 30/05/2007, a Impugnante entregou, com referência ao exercício de 2006, a declaração de rendimentos de IRC modelo 22 e a declaração IES, tendo declarado no respectivo quadro 03, campo A0125, «Proveitos e ganhos – Vendas Produtos» o valor de €500.000,00 – cf. declarações a fls. 38 a 46 dos autos;
6. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200902076, de 06/04/2009, a Impugnante foi submetida a uma acção de inspecção tributária, em sede de IRC, ao exercício de 2006 – cf. relatório de inspecção a fls. 69 a 86 do processo administrativo apenso;
7. Por ofício de 07/07/2009, com o n.º 0556232, os serviços de inspecção tributária remeteram para a sede da Impugnante uma comunicação com o seguinte teor: «(…) 2. Dos vários cruzamentos efectuados (…) constatou-se que existem diferenças positivas entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis por vós alienados e o valor constante dos respectivos contratos e ainda que tal diferença não consta da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC. 3. (…) fica V. Exa. notificada para no prazo de 15 dias (…) proceder a entrega da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC de substituição do ano de 2006, efectuando a correcção do valor correspondente a essas diferenças positivas (…)» - cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 107 do processo administrativo apenso;
8. No âmbito da acção de inspecção tributária referida no ponto 6., os serviços de inspecção apuraram que: «1.1. Por escritura de compra e venda (…) em 2006/01/13, o sujeito passivo alienou a B………… (…) o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia 142106 – ………, sob o artigo P5957, pelo preço de €250.000,00 (…). 1.2. Em resultado da avaliação efectuada nos termos do artigo 37º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, a sociedade A………… (…) foi notificada (…) do valor patrimonial tributário do imóvel de €372.850,00 e (…) para caso não concordasse (…) requerer segunda avaliação (…). Direito que o sujeito passivo não exerceu. 2. Correcções meramente aritméticas (…) podemos verificar que após a avaliação, existe uma diferença positiva entre o valor constante do contrato e o valor patrimonial tributário do imóvel objecto de transmissão (…): Artigo matricial: P5957; Preço de Venda declarado na escritura: 250.000,00; Valor Patrimonial Tributário: 372.850,00; Diferença de Valor: 122.850,00. 2.2. (…) por força do artigo 58º do CIRC a diferença positiva de valores no montante de €122.850,00 concorre para a determinação do lucro tributável da sociedade no exercício de 2006. (…)» - cf. relatório de inspecção, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 69 a 86, do processo administrativo apenso;
9. Pelo ofício n.º 6011733 da Direcção-Geral dos Impostos foi comunicado à sociedade «B…………, S.A.» que, por despacho de 01/09/2009, foi atribuído ao terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo provisório 6629, o valor patrimonial tributário de 337.460,00 – cf. ofício e despacho a fls. 32 dos autos;
10. Em 07/05/2010, a sociedade «B…………, S.A.» pagou a liquidação de IMT no valor de €34.099,18, constando da mesma o seguinte: «Em 07 de Maio de 2010 (…) declarou que pretende pagar o IMT que for devido com referência à compra que pelo preço total de €500.000,00 fez a A………… (…) dos seguintes prédios: Prédio urbano, lote de terreno, (…) inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, sob o artigo provisório nº 5957 com o valor atribuído de €250.000; prédio rústico, (…) inscrito na matriz predial rústica (…), sob o artigo nº 6629, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de €382,86 e o atribuído de 250.000.00. (…) O contribuinte anexou os referidos prédios, dando origem a um novo artigo n.º 6629 (lote de terreno), avaliado nos termos do CIMI com o VPT= 337.460,00€. (…) Valor global do acto ou contrato: €500.000,00.» - cf. liquidação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 34 e 35 dos autos;
11. Em 20/05/2010 e na sequência do procedimento de inspecção tributária referido nos pontos 6. e 8., foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º 2010 8310002892, relativa ao exercício de 2006, no valor de €37.667,49 – cf. liquidação a fls. 22 dos autos;
12. Por requerimento de 10/11/2010, a Impugnante apresentou no serviço de finanças de Lisboa 4 a garantia bancária n.º ………, emitida pelo Banif, S.A., no montante de €49.249,96 para suspender o processo de execução fiscal n.º 3301201001057570 instaurado para a cobrança coerciva do valor da liquidação referida no ponto anterior – cf. requerimento a fls. 56 dos autos.

II.2 – De Direito
I. São duas as questões a decidir:

- a existência de um erro de julgamento de direito, quanto aos pressupostos da aplicação do artigo 58.º-A do Código do IRC;

- a existência de fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário.

II. Acerca da primeira das questões a decidir, importa recordar a linha de raciocínio da Recorrente.

Segundo esta, teria havido lugar a um erro sobre o objecto da avaliação conducente à determinação do Valor Patrimonial Tributário e subsequente produção de efeitos em sede de IRC.

Na verdade, tendo a avaliação – e subsequente aplicação do disposto no artigo 58.º-A do Código do IRC - incidido sobre o artigo urbano 5957, entendia a recorrente que a avaliação relevante deveria, ao invés, ser aquela que incidiu sobre o artigo urbano 6629, o qual resultaria da anexação daquele primeiro ao artigo rústico 6629. Em suma, à avaliação separada promovida pela AT – e, manifestamente, não contestada pela recorrente – no valor de € 372.850,00, deveria contrapor-se a avaliação global ulterior, já posterior à anexação dos prédios, fixada em € 337.460,00.

E seria este valor que deveria ser contraposto ao valor da transacção, o qual também deveria ser considerado globalmente - pelo valor de € 500.000 – e não em separado (correspondendo € 250.000 ao prédio urbano 5957 e outros € 250.000 ao prédio rústico 6629 – cfr., assim expressamente, nota de liquidação de SISA, bem como certidão da escritura lavrada em 13 de Janeiro de 2006).

Ora, desde logo, cumpre sublinhar a generosidade da Exmª. Juíza do Tribunal a quo, ao ter decidido apreciar a questão de fundo colocada pela Impugnante ora Recorrente – que contesta a correcção da aplicação do artigo 58.º-A do Código do IRC, apesar de não ter cumprido com a exigência imposta pelo artigo 129.º do Código do IRC (actual artigo 139.º do mesmo Código), respeitante à obrigatória apresentação do prévio procedimento a que alude o número 3 do artigo 129.º (actual artigo 139.º), conforme estabelece o n.º 7 deste mesmo normativo.

III. Seja como for, muito correctamente andou o Tribunal a quo quando esclareceu que não há erro algum quanto aos pressupostos materiais sobre que incidiu o artigo 58.º-A do Código do IRC; fê-lo, designadamente, ao explicar que não pode haver confusão possível entre os bens imóveis transmitidos em Janeiro de 2006 e o imóvel que resultou da fusão daqueles, para efeitos da consideração do Valor Patrimonial Tributário e sua aplicação em IRC.

E assim é porque, desde logo, só o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5957 se encontrava sujeito a avaliação, aquando da primeira transmissão ulterior à entrada em vigor da Reforma da tributação do Património. A simples transmissão de um prédio rústico (como é o caso do artigo rústico 6629) não implicava, em caso algum, aquela exigência de avaliação, contrariamente ao que sucedia com os artigos urbanos, por força do disposto no número 1 do artigo 15.º do diploma que aprovou a Reforma Fiscal do Património, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro. E isto apesar de a transmissão ter por objecto um prédio rústico e um prédio urbano.

Ora, sendo de € 250.000 o valor expressamente declarado na transmissão (e de € 372.850,00 o valor patrimonial definitivo fixado) para o imóvel 5957, nada há a apontar à atuação da AT, quando procedeu à correcção do lucro tributável da Recorrente. É o que se pode ver bem sublinhado na decisão recorrida, quando esclarece, rebatendo a argumentação vertida na petição da impugnação judicial, que: “O valor patrimonial tributário de 337.460,00 foi atribuído a um novo prédio urbano, e não ao prédio urbano, lote de terreno para construção urbana, sito em ………, freguesia de ………, concelho de Ourém, inscrito na matriz sob o artigo provisório 5957 alienado em 13/01/2006 pela Impugnante. Conforme supra exposto, no caso dos presentes autos, importa comparar o valor de venda declarado no acto de compra e venda do prédio urbano, lote de terreno para construção urbana, sito em ………, freguesia de ………, concelho de Ourém, inscrito na matriz sob o artigo provisório 5957, com o respectivo valor patrimonial tributário que viria a ser fixado em 01/03/2006, antes do termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício a que respeita a transmissão aqui em causa. Assim, e aplicando o disposto no artigo 58º-A do Código do IRC, verifica-se que o valor patrimonial tributário fixado ao prédio urbano lote de terreno para construção urbana, sito em ………, freguesia de ………, concelho de Ourém, inscrito na matriz sob o artigo provisório 5957, é superior ao preço de venda declarado na escritura pública de compra e venda, devendo ser aquele que deve ser relevado para efeitos de determinação do lucro tributável.

Não houve, por conseguinte, qualquer erro de direito na subsunção da factualidade vertida nos autos ao disposto no artigo 58.º-A (actual artigo 64.º) do Código do IRC.

IV. Nem se vê, tão-pouco, como possa ser criticável a sentença recorrida quanto à aplicação do artigo 100.º do CPPT.

Decidiu a mesma bem, quando entendeu, lapidarmente, que: “Ora, no caso dos presentes autos e conforme supra exposto, não resultou da prova produzida dúvida sobre a existência e sobre a quantificação do facto tributário, pelo que improcede o pedido de anulação da liquidação de IRC formulado pela Impugnante.

Tendo correctamente destrinçado os factos – apesar de os mesmos não serem fáceis – e interpretado e aplicado correctamente a lei fiscal, não sobra lugar para a aplicação de uma disposição de Direito Probatório (que estabelece uma solução favorável ao contribuinte), e que parte da premissa exatamente oposta (a da existência de dúvidas acerca da existência e quantificação do facto tributário), não se tendo esta, manifestamente, verificado.

V. Não se vislumbram, por conseguinte, quaisquer vícios imputáveis à sentença recorrida.

III. CONCLUSÕES

I – Quando haja lugar à transmissão de dois imóveis (um rústico e um urbano), é nessa condição que se determina e procede à realização da respectiva avaliação patrimonial tributária, ainda que, ulteriormente, tenha lugar a sua anexação num único imóvel.

II – Não há lugar à aplicação do artigo 100.º do CPPT nos casos em que nenhuma dúvida subsiste sobre a existência e quantificação dos factos tributários.

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 6 de Maio de 2020. - Gustavo Lopes Courinha (relator) - Aragão Seia – Francisco Rothes.