Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01115/13
Data do Acordão:02/01/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
FUNDAÇÃO
MECENATO
Sumário:O benefício fiscal previsto na al. d) do nº 1 do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto Lei 74/99 de 16 de Março, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei 160/99, relativo à dotação inicial a fundações de iniciativa exclusivamente privada, não carece de reconhecimento, sendo, por conseguinte, automático.
Nº Convencional:JSTA00070003
Nº do Documento:SA22017020101115
Data de Entrada:06/20/2013
Recorrente:FUND A........
Recorrido 1:MFIN E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL
DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CONST05 ART2 ART18 N2 ART20
CIRC01 ART10
EBFISC01 ART11 ART62 N1 B
CPPTRIB99 ART97-A
CPA91 ART133 N2 B
CPC13 ART537 N7
CCIV66 ART13
RCP08 ART6 N7 ART11
CCJ96 ART13 N1 ART18 N2
DL 74/99 DE 1999/03/16 ART1
ESTATUTO DO MECENATO ART1
L 24/12 DE 2012/07/09
L 7/12 DE 2012/02/13 ART2
L 107-B/03 DE 2003/12/31
L 109-B/01 DE 2001/12/27
L 3-B/00 DE 2000/04/04
L 30-C/00 DE 2000/12/29
L 30-G/00 DE 2000/12/29
L 176-A/99 DE 1999/12/30
L 160/99 DE 1999/09/14
DL 52/11 DE 2011/04/13
Jurisprudência Nacional:AC TC 604/13 DE 2013/09/24; AC STAPLENO PROC01435/12 DE 2014/10/15; AC STA PROC0923/16 DE 2016/11/23; AC STA PROC0261/14 DE 2015/01/07; AC STA PROC0369/14 DE 2014/11/05; AC STA PROC01351/14 DE 2014/05/07; AC STA PROC01319/13 DE 2014/07/09 ; AC STA PROC0471/13 DE 2013/10/21; AC STA PROC0148/13 DE 2014/01/15; AC STA PROC0819/12 DE 2012/10/31; AC STA PROC0768/11 DE 2012/04/26
Referência a Doutrina:RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO DA COMISSÃO DE ECONOMIA FINANÇAS E PLANO PARA A ALTERAÇÃO DO ESTATUTO DO MECENATO - DIÁRIO DA AR DE 1999/07/03 2SERIE-B N35 PÁG292
SALVADOR DA COSTA - REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS ANOTADO E COMENTADO 4ED 2012 PÁG85
IDEM 5ED 2013 ANOTAÇÃO AO ART7
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fundação A……., melhor identificada nos autos, recorrer para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que julgou improcedente o pedido de anulação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) de 14-01-2009, o qual lhe indeferiu o pedido de reconhecimento de benefício fiscal, relativo aos donativos atribuídos a título de dotação inicial.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. O pomo da discórdia nos Autos — de natureza fiscal — tem a sua origem logo aquando da constituição da Fundação A……. e prende-se com a existência e natureza do benefício fiscal a atribuir ao mecenas.
B. No que respeita à Fundação A……., a decisão a quo começa por dar como provados os FACTOS relativos à sua constituição e ao início de atividade, à obtenção do reconhecimento administrativo pelo Secretário de Estado da Administração Interna (SEM) nos termos gerais (n.º 1 do artigo 185.º do Código Civil) e os fins gerais e especiais que prossegue.
C. A decisão a quo fixa também que para assegurar os seus fins, a empresa A……., SA atribuiu à Fundação A……., como dotação inicial, os prédios urbanos designados por Museu da Electricidade e respectivos anexos, entre outros bens e valores, como ficou a constar dos Estatutos e foi apreciado e aprovado pelo SEAI.
D. Ainda a propósito da Fundação A……., a decisão a quo considera como parte da fundamentação de facto o conteúdo da cláusula 19,ª dos Estatutos da Fundação, segundo a qual, a «extinção da Fundação e destino dos respectivos bens, dependem de autorização prévia da autoridade competente para o reconhecimento, dada sob proposta do conselho de administração» (cit.).
E. A decisão a quo deu também como provado que o Ministério da Cultura remeteu ao Ministro das Finanças uma proposta de despacho conjunto no sentido de reconhecer que os donativos concedidos àquela fundação a título de dotação inicial podiam usufruir dos benefícios fiscais previstos na lei para o mecenato.
F. Da mesma forma, deu-se por comprovado que a Direção de Serviços do IRC, após ter recebido a citada proposta de despacho, elaborou uma informação no sentido do indeferimento, por entender que se impunha in casu que os Estatutos da Fundação A……. previssem expressamente que em caso de extinção os seus bens revertessem para o Estado ou, em alternativa, fossem cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do IRC.
G. Entendeu o TCA Sul negar provimento à AAE sufragando o entendimento de que:
• O beneficio fiscal em causa dependia de reconhecimento por despacho conjunto do Ministro das Finanças e da tutela, o qual
• não devia ser concedido por os Estatutos da Fundação A……. não consagrarem a reversão, em caso de extinção, dos bens da fundação a favor do Estado ou das entidades referidas no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato; e,
• o despacho do SEAF não se encontra viciado de incompetência apesar de não ter sido proferido em conjunto com a Ministra da Cultura (que concordava no sentido de atribuir o beneficio à Fundação A……).
H. A interpretação do Tribunal a quo foi, contudo, diversa da que resulta da letra dos normativos aplicáveis ao caso sub judice — n.º 3 do artigo 1.º do diploma que aprovou o Estatuto do Mecenato (Decreto-Lei n.º 74/99 alterado pela Lei n.º 160/99), e artigo n.ºs 1 e 2 do Estatuto do Mecenato — sustentando uma posição segundo a qual se deve retirar ser sempre exigível reconhecimento às fundações de iniciativa exclusivamente privada, nos temos do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
I. Atenta a complexidade atribuída à letra dos diferentes preceitos e respetiva conjugação, o argumento central do Tribunal a quo para justificar a ratio legis do preceito (n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato) acaba mesmo por ser construída pela negativa, invocando o Tribunal que não seria aceitável uma situação em que se permitisse não existir reconhecimento para as dotações nas fundações de iniciativa exclusivamente privada e impor tal reconhecimento para os casos das fundações em que o Estado participa, mas em menos de 50%.
J. Segundo o TCA Sul na decisão recorrida, o n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é aplicável às fundações de natureza predominantemente social ou cultural relativamente às dotações iniciais. Em consequência, para o benefício fiscal poder operar seria necessário (i) que os estatutos da fundação em causa previssem que, em caso de extinção, os bens revertessem para o Estado ou às entidades abrangidas pelo atual artigo 10.º do Código do IRC; e que (ii) fosse emitido um ato de reconhecimento pela Administração.
K. Tal interpretação, além de contrária à letra da lei, aos elementos históricos que envolveram a produção da norma e à intenção das personalidades com responsabilidades na conceção da solução normativa, retira qualquer efeito útil à alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, tornando-a desnecessária.
L. Resulta do referido n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato que as entidades aí referidas têm direito a um benefício fiscal diretamente decorrente da Lei, encontrando-se a Administração vinculada a agir em conformidade com esse direito. É, sem margem para dúvidas, um poder vinculado que está em causa nesta disposição, o qual obriga as entidades públicas a adotar ações e operações materiais em conformidade, sem margem de liberdade ou discricionariedade que ofereçam a possibilidade de agir em contrário.
M. No caso vertente não há qualquer margem para hesitações — a utilização do vocábulo «são» (cit.) patente no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato aponta claramente para que os donativos/dotações iniciais, nos casos referidos nas alíneas do n.º 1 daquele artigo 1.º, tenham de ser considerados custos ou perdas de exercício. Além disso, o conteúdo do direito que decorre deste poder vinculado é, também ele, expresso.
N. Acresce que o nº 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato começa logo por ressalvar expressamente os efeitos do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de março, o qual excluiu da necessidade de reconhecimento os casos previstos no artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, nos quais se incluíram, precisamente, as dotações iniciais para fundações exclusivamente privadas e que prosseguem fins predominantemente sociais e culturais.
O. A par da precisão desta ressalva da lei, veja-se a relação de especialidade entre a norma da alínea d) do artigo 1.º Estatuto do Mecenato e a norma do n.º 2 do mesmo artigo do Estatuto, relação essa que sempre implicaria a aplicação daquela norma em prejuízo desta. É da própria lei que advêm elementos dessa especialidade, que é dupla — (i) a referência directa a dotação inicial para eximir à necessidade de reconhecimento por cotejo a uma norma que se refere a donativo, (ii) a exigência de que os donativos — excluída a dotação inicial — concedidos a fundações privadas estão sujeitos a reconhecimento.
P. Ao contrário do que entende o TCA Sul na decisão a quo, a atribuição do benefício fiscal sem qualquer ato de reconhecimento não provoca no n.º 2 do artigo 1.º qualquer «antinomia na própria norma que a torna imprestável do ponto de vista jurídico» (cit.).
Q. Existindo um caminho e uma interpretação dos diferentes preceitos mais próximos da letra da lei, das circunstâncias em que as normas foram produzidas, da intenção do legislador e que, ainda por cima, permitem salvaguardar o efeito útil de ambas as disposições normativas — cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º, e n.º 2 do artigo 1.º —, deve privilegiar-se essa posição, impondo-se, assim, a revogação da decisão recorrida.
R. É muito claro que na alteração produzida pela Lei n.º 160/99, de 14 de setembro, ao artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, passou a incluir-se no n.º 1 do artigo 1.º as fundações de iniciativa privada e natureza predominantemente social ou cultural através da inserção da nova alínea d), por forma a que estes casos passassem a dar origem ao benefício fiscal sem necessidade de reconhecimento, tendo sido incluída uma ressalva final no sentido de tal apenas se reportar «à dotação inicial» (cit).
S. Também as circunstâncias históricas que rodearam a elaboração da norma e a intenção dos produtores da norma legislativa em causa aponta no sentido de não existir qualquer necessidade de ato administrativo de reconhecimento do beneficio — efectivamente, o Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão de Economia, Finanças e Plano — citado pelo Prof. Dr. José Casalta Nabais em PARECER anexo — criado para a alteração do Estatuto do Mecenato, reflete bem a intenção dos deputados em relação ao procedimento de reconhecimento dos benefícios, sendo evidente nos documentos produzidos por esse grupo de trabalho que se apresentavam propostas e redações no pressuposto da delimitação das situações em que não seria necessário ato administrativo para reconhecer o beneficio fiscal.
T. Foi das citadas duas propostas que resultou o atual texto da alínea d), do n.º 1, do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, que inclui nos casos de benefícios fiscais sem necessidade de reconhecimento administrativo as fundações privadas quanto à sua dotação inicial, desde que se trate de fundações com fins de natureza predominantemente social ou cultural.
U. Também ao contrário do que afirma a decisão recorrida, faz todo o sentido que uma fundação exclusivamente privada tenha um regime fiscal mais favorável do que outras que envolvam os particulares e o Estado em simultâneo. Quando um privado tem tal iniciativa em conjunto com o Estado, o seu risco é menor e, naturalmente, não está a fazer nascer um projeto com interesse social apenas com os seus meios e o seu financiamento. Está a fazê-lo apenas parcialmente, porque acompanhado pelo Estado, pelo que o presente recurso merece total provimento, impondo-se, também por este motivo, a revogação da decisão recorrida.
V. Mesmo que o regime jurídico a seguir fosse o do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, também o benefício fiscal seria devido e não poderia ter sido negado.
W. Aliás, reconhecendo também a algo complexa articulação legal entre várias das normas do Estatuto do Mecenato em vigor à data dos FACTOS e do próprio diploma que o aprova (tal como o próprio TCA Sul refere), a Fundação A……. decidiu solicitar ao Prof. Dr. José Casalta Nabais a elaboração de PARECER de DIREITO, tendo o ilustre Autor concluído exatamente no sentido do carácter automático do benefício fiscal em apreço.
X. De acordo com o citado PARECER: «[d]onde resulta que a consideração como custos ou perdas do exercício, de um lado, dos donativos às entidades ou fundações públicas e, de outro lado, a dotação inicial às fundações privadas que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, constitui um beneficio fiscal automático, não dependente, por conseguinte, de qualquer acto de reconhecimento» — cf. PARECER do Prof. Dr. José Casalta Nabais, p. 14 (cit.).
Y. Mal andou o TCA Sul ao entender que o SEAF podia ter negado ou inviabilizar o direito de as dotações iniciais conferidas às fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural serem consideradas custos ou perdas de exercício — cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
Z. De facto, ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, a situação da Fundação A……. preenche todos os pressupostos legais para que se integre na previsão legal de que depende o direito a considerar custos ou perda de exercício as respetivas dotações iniciais:
• Por um lado, a Fundação A……. é uma fundação de iniciativa exclusivamente privada e prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural;
• Por outro lado, está em causa o particular tipo de donativo de que depende o direito ao benefício fiscal previsto no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato — a dotação inicial atribuída à Fundação A……..
AA. O disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato prevê um poder vinculado que não oferece à Administração qualquer margem de liberdade ou poder discricionário para negar ou indeferir o direito de se considerar custo ou perda de exercício a dotação inicial atribuída a uma fundação de iniciativa privada e de natureza predominantemente social ou cultural, como é a Fundação A……..
BB. Não há nenhuma circunstância juridicamente válida para entender que este direito está dependente de um ato de reconhecimento ou que depende do preenchimento de outros pressupostos além dos enumerados do nº 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
CC. É absolutamente claro que a lei não faz depender o benefício fiscal em causa de qualquer ato administrativo/reconhecimento administrativo, pelas seguintes razões (i) a letra da lei aponta nesse sentido; e (ii) as circunstâncias históricas que rodearam a elaboração da norma e a intenção dos produtores da norma legislativa vão no sentido de não existir qualquer necessidade de ato administrativo de reconhecimento do benefício.
DD. O TCA Sul entendeu também que os Estatutos da Fundação A…….. não previam que, em caso de extinção, os bens revertessem para o Estado ou fossem atribuídos às entidades referidas no atual artigo 10.º do Código do IRC e que, portanto, as condições do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato não se encontravam cumpridas.
EE. Mas o TCA Sul não tem razão, impondo-se a revogação da decisão recorrida:
• À luz da cláusula 19.ª da anterior versão dos Estatutos da Fundação A……., o Estado controlava o destino dos bens por meio da autorização ministerial que aquela cláusula exigia, estando totalmente salvaguardado o objetivo do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato;
•A atual redação dos Estatutos da Fundação A……. (artigo 23.º) deixou de regular o destino dos bens em caso de extinção, devendo, portanto, seguir-se o regime supletivo previsto na Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, o qual manda entregar os seus bens a entidades que se enquadram nas previstas no artigo 10.º do Código do IRC. Ou seja, dissipando essa controvérsia entre a fundação e o SEAF fica agora clara a exigência de os bens serem entregues, em caso de extinção, a uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
FF. Finalmente, o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do benefício fiscal foi praticado pelo SEAF, não havendo qualquer aprovação pelo membro do Governo responsável pela área da Cultura, verificando-se, assim, uma invasão das atribuições da área da Cultura por parte do primeiro. Portanto, o ato praticado é nulo, por força da alínea b) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, impondo-se a revogação da decisão recorrida também por este motivo.
GG. As posições defendidas pela Recorrente sustentam-se em valores e normas constitucionais, impondo-se o provimento do presente recurso, com todas as consequências legais.
HH. Por um lado, faz todo o sentido que o Estado trate mais favoravelmente, do ponto de vista do regime dos benefícios fiscais, aquelas fundações cujo património inicial é exclusivamente aportado por privados do que as fundações em cujo património inicial o Estado, ou outra entidade pública, tenha participado, com a inerente oneração do erário público. Tal justifica-se por razões de natureza constitucional:
• Por estar em causa o princípio da subsidiariedade, previsto no artigo 6.º da Constituição,
Por ser relevante para este efeito o valor da iniciativa económica privada, prevista no artigo 61.º da Constituição.
II. Por outro lado, a interpretação e aplicação das normas em causa fixada na decisão recorrida viola o princípio da primazia da materialidade subjacente ínsito no dever de boa fé, inerente à ideia de Estado de direito, consagrada no artigo 2.º da Constituição, bem como o princípio da proibição do excesso, decorrente da mesma disposição da Constituição, inconstitucionalidade que se alega para todos os efeitos legais, impondo-se, também por essa razão, a revogação daquela decisão.
JJ. A preocupação interpretativa não deve ser apenas a de obter o mesmo efeito para as fundações em cujo património inicial participem entidades públicas em menos de 50% e as fundações de iniciativa privada, mas averiguar os valores e princípios constitucionais em confronto. Tal averiguação não pode deixar de conduzir ao resultado interpretativo de acordo com o qual o benefício fiscal relativo às dotações iniciais das fundações de iniciativa exclusivamente privada não carece de reconhecimento.
KK. As normas dos artigos 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 74/99 e do artigo 1.º, nºs 1 e 2, do Estatuto do Mecenato, na redação da Lei n.º 160/99, interpretadas no sentido de o beneficio fiscal relativo às dotações iniciais das fundações de iniciativa exclusivamente privada carecer de reconhecimento são inconstitucionais, por violação dos princípios constitucionais da boa fé, da tutela da iniciativa privada e da igualdade, inconstitucionalidades que desde já se alegam para todos os efeitos legais.
LL. Finalmente, a Fundação A……. insurge-se contra a condenação em custas determinada pela decisão do Tribunal a quo, posto que se encontra abrangida pela alínea]) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, o que determina a sua isenção de custas, dado tratar-se de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos e a presente acção respeitar às atribuições e interesses da fundação conferidos pelos respectivos estatutos ou pela lei, pelo que também a este respeito requere a revogação da decisão recorrida.»

2 – A recorrida, Fazenda Pública apresentou as contra alegações com as seguintes conclusões:
«a) Os benefícios fiscais concedidos pelo Estatuto do Mecenato aos donativos iniciais concedidos a fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural dependem de reconhecimento, conforme interpretação feita a pelo confronto da redacção inicial e redacção posterior, a aderir-se à interpretação da recorrente destituir-se-iam as normas de sentido, já que todos os benefícios seriam automáticos.
b) A falta, nos estatutos da ora recorrente, da previsão expressa quanto ao destino dos bens a favor do Estado ou outras entidades em caso de extinção da fundação, impede o reconhecimento desses benefícios. A interpretação da cláusula foi feita com recurso quer ao artigo 2187.º do CC, quer de harmonia com os artigos 236.º e seguintes do CC, a recorrente não contraria esta interpretação, apenas refere que a actual cláusula é mais clara.
c) O benefício em causa dependia de reconhecimento, através de despacho conjunto do Ministro das Finanças e do Ministro da Cultura, mas, somente no caso de convergência de posições. Ora, sendo o acto de reconhecimento de benefícios, um acto administrativo em matéria tributária, não existiu invasão da esfera de competências da entidade da Tutela. Não existindo convergência de posições, nunca poderia ser proferido despacho conjunto.
d) Os princípios constitucionais invocados, por demasiado genéricos, não apresentam um nexo de causalidade, entre a interpretação dos normativos legais efectuada pelo tribunal a que e a violação daqueles preceitos.»

3 - O Exmº Procurador Geral Adjunto neste tribunal não emitiu parecer.

4- Por despacho de fls. 498 e verso foi ordenada a baixa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul a fim de ser fixado o valor da causa (arts. 315º, nº 3 e 685º nº 5 do velho Código de Processo Civil).
Na sequência de tal despacho a Exma. Relatora fixou o valor da Acção em € 22.351 847,00 (fls. 501).

5- Notificada de tal despacho a recorrente veio, ao abrigo do disposto no artº 617º, nº 3 do Código de Processo Civil, requerer o alargamento do âmbito do recurso oportunamente interposto, apresentando, para tanto, as seguintes alegações:
«1. A Exma. Srª Juiz Desembargadora Relatora fixou o valor da acção em € 22.351.847,00 por entender que seria esse o benefício fiscal em causa.
2. Todavia, no caso dos Autos, como aliás é reconhecido pelas entidades demandadas, a Recorrente não teve qualquer benefício fiscal de € 22 milhões, embora tenha, porventura, contribuído para o lapso aquando da propositura da presente acção ao indicar como valor da causa esses € 22.351.847,00
3. Actualmente, segundo os artigos 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais, a base tributável para efeitos da taxa de justiça corresponde ao valor da causa determinado nos termos das leis processuais respectivas, remetendo-se, em regra e na falta de disposição especial, para os valores constantes da Tabela I-A.
4. Esta Tabela não contém um tecto máximo e determina que, para valores superiores a € 275.000, «acresce, a final, por cada € 25.000 ou fracção, 3 UC» (cit.).
5. A aplicação in casu, sem mais, da regra plasmada na alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e das mencionadas normas do Regulamento das Custas Processuais, poderia resultar na atribuição à presente acção para efeitos de taxa de justiça superior a € 20.000.000,00 e, nessa medida, implicar o pagamento a final de um valor de taxa de justiça gritantemente desproporcionado e excessivo, justamente por, como salientado, a Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais não conter qualquer tecto máximo.
6. Razão pela qual requereu oportunamente e posteriormente ao início do presente processo, que à acção fosse fixada um valor não superior a € 275.000.
7. Perante o que vai precedentemente exposto, considera a Recorrente que estarão reunidas as condições para que seja fixado - precisamente para efeito de custas - um valor da causa inferior ao valor relevante para os restantes fins e que não se prenda ao valor do alegado benefício sub judice, que, aliás, nem na esfera do mecenas teve esse impacto.
8. Mas, certo, certo, é que a Fundação A……. não recebeu qualquer benefício fiscal (posto que, qualquer benefício seria do mecenas e não da Fundação) e não pode, nem deve, por conseguinte, ser esse o critério para determinar o valor da acção.
9. Sublinhe-se que o Tribunal Constitucional tem entendido que a inexistência de um tecto máximo para o valor da taxa de justiça e a ausência de permissão para que o Tribunal limite o valor da mesma implicam a violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, ambos constitucionalmente consagrados – cfr., designadamente, o acórdão nº 604/2013, de 24 de Setembro de 2013.
10. No mesmo sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente nos acórdãos proferidos nos processos nº 0768/11, em 26 de Abril de 2012, e nº 0819/12, em 31 de Outubro de 2012.
11. Aplicando a jurisprudência que acabámos de referir ao caso vertente dos Autos, teremos de concluir que as normas que resultam do artigo 97º-A do CPPT e dos artigos 6.º e 11.º, conjugados com a Tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, e na interpretação segundo a qual não é permitido ao juiz fixar um valor da causa para efeitos de custas atendendo à complexidade do processo e ao carácter manifestamente desproporcional do montante que será exigido sem aquela fixação, padecem de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, e do Princípio da Proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, nº 2, segunda parte, da Constituição, inconstitucionalidade que aqui expressamente se argui para todos os efeitos legais.

12. Dito isto, requer-se, ao abrigo do artigo 296.º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do Código do Procedimento e do Processo Tributário e dos artigos 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais, a fixação, com vista ao cálculo da taxa de justiça e custas da presente acção, em primeira e segunda instâncias, de um valor não superior a € 275.000,00, por ser este o montante máximo previsto na aludida Tabela 1-A, de modo a evitar o carácter manifestamente desproporcionado daquela taxa e custas.
13. Sem prescindir, ainda que assim não se entenda - o que se admite por dever de patrocínio, sem conceder -, a Recorrente considera que deverá ser dispensada do pagamento do remanescente, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
14. Porquanto, sendo estabelecido para este processo um valor de vários milhões de Euros, só a dispensa do remanescente impedirá a ocorrência de situação de manifesta desproporcionalidade, em que é posto em causa o direito de acesso aos tribunais pelos contribuintes.
15. Na verdade, o pagamento do remanescente em situações como a presente faria do acesso à justiça verdadeiramente proibitivo.
16. Finalmente, neste ensejo, note-se que o comportamento das partes foi de notória lisura, e que a questão subjacente ao processo dos Autos não apresenta uma complexidade que possa justificar o pagamento do avultadíssimo remanescente que poderia vir a ser cobrado, não tendo sequer sido realizada audiência de inquirição de testemunhas, tudo circunstâncias que justificam a dispensa do remanescente ora solicitada.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, requer-se o alargamento do âmbito recurso interposto, o qual se encontra a correr termos na 2.ª Secção do STA, sob o n.º 01115/13, por forma a que sejam apreciados os pedidos de redução do valor da causa fixado pelo Tribunal a quo, para efeitos de custas em primeira e segunda instâncias, para valor não superior a € 275.000,00, ou, alternativamente, de dispensa da Recorrente do pagamento do remanescente, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.»


6- Notificada de tais alegações em sede de alargamento do âmbito do recurso, a Fazenda Pública nada disse

7 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

8 – O acórdão recorrido apurou a seguinte matéria de facto:
1) A Autora é uma fundação de direito privado sem fins lucrativos, instituída por escritura pública, em 13 de Dezembro de 2004, e cujo único instituidor a “A……., S.A.”
2) A autora iniciou a sua actividade em 1 de Maio de 2005;
3) Através da Portaria n.º 1068/2005, de 24 de Outubro a Fundação A……. obteve reconhecimento administrativo, por parte do Subsecretário de Estado da Administração Interna;
4) A autora tem por fins gerais a promoção e o desenvolvimento e o apoio a iniciativas de natureza social, científica, tecnológica, educativa, ambiental, desportiva e de defesa do património e por fins especiais promover o estudo, a conservação e a divulgação do património cultural, científico e tecnológico relacionado com a energia eléctrica, existente em Portugal.
5) Consta da escritura pública referida em 1), que para assegurar os fins descritos a “A……., S.A.”, atribuiu à Fundação, como dotação inicial, os prédios urbanos designados por Museu da Electricidade e respectivos anexos, situados em Lisboa, e melhor identificados na citada escritura, cujo valor patrimonial tributário perfaz a quantia de € 22.351.847,00 (vinte e dois milhões, trezentos e cinquenta e um mil, oitocentos e quarenta e sete euros).
6) Com a escritura referida em 1) foi elaborado um documento complementar, relativo aos Estatutos da autora, fotocopiados a fls. 36 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, tendo o representante da A……. declarado que dispensava a sua leitura “por conhecer o respectivo conteúdo perfeitamente”
7) A cláusula 9.ª de tais estatutos prevê que o Conselho de Administração da autora é nomeado trienalmente pelo Conselho de Administração da A……. .
8) A cláusula 19.ª tem esta redacção: “A modificação dos estatutos, assim como a transformação ou extinção da Fundação e destino dos respectivos bens, dependem de autorização prévia da autoridade competente para o reconhecimento, dada sob proposta do conselho de administração, deliberada com o voto favorável de um mínimo de dois terços dos respectivos membros em reunião expressamente convocada para o efeito”.
9) A Autora solicitou o reconhecimento expresso do benefício fiscal respeitante à dotação inicial antes referida.
10) Pelo Ministério da Cultura foi remetido, ao Ministro de Estado e das Finanças, uma proposta de despacho conjunto, assinado digitalmente pela Ministra da Cultura em 28-11-2007, e com espaço em branco para a assinatura do Ministro de Estado e das Finanças, do seguinte teor:
DESPACHO CONJUNTO
Nos termos da alínea d) do número 1 e do número 9 do artigo 56º-D do Capítulo X do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, reconhece-se que os donativos concedidos em 2004 para o Património Inicial da Fundação A……., NIPC ………, que prossegue fins de natureza predominantemente cultural, podem usufruir dos benefícios fiscais ali previstos, desde que o respectivo mecenas não tenha, no final do ano ou do período de tributação em que o donativo é atribuído, qualquer dívida de imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e de contribuições relativas à Segurança Social, ou, tendo-a, sendo exigível, a mesma tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição e prestada garantia idónea, quando devida, e sem prejuízo do disposto no artigo 86º do Código do IRC, se ao caso aplicável.
Lisboa, de de 2007
11) Essa proposta de despacho conjunto deu entrada no gabinete do Ministro das Finanças 30-11-2007 e posteriormente foi enviado à DSIRC em 07-12-2007.
12) Após a recepção da proposta de despacho conjunto a DSIRC elaborou a informação n.º 1768/2008, de 21 de Maio de 2008, constante de fls. não numeradas do PI, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, referindo além do mais que a lei aplicável era o Estatuto do Mecenato em vigor à data em que os donativos foram concedidos e que não prevendo os estatutos da Autora que no caso da sua extinção os respectivos bens “revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do IRC” o pedido devia ser indeferido.
13) Essa informação, bem como o projecto de decisão, foi notificada à autora para efeitos de audiência prévia, que se pronunciou nos termos constantes do documento de fls. 61 e ss. dos autos, e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
14) Pelo ofício n.º 2014, de 04-02-2009, a autora foi notificada do despacho de indeferimento do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 14-01-2009.
15) O referido ofício tem este teor:
“Assunto: MECENATO CULTURAL (DOTAÇÃO INICIAL DA FUNDAÇÃO) - PEDIDO DE RECONHECIMENTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS - NOTIFICAÇÃO DE PROJECTO DE DECISÃO
Exm.ºs. Srs.
Relativamente ao requerimento e assunto referenciado em epígrafe, comunica-se que por despacho de 2009-01-14, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi indeferido o Vosso pedido de reconhecimento dos benefícios fiscais aos donativos atribuídos, em 2004, para a dotação inicial da Fundação A……., com fundamento, em síntese, no seguinte:
Na alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato (EM), enquadram-se todas as fundações aí enumeradas, independentemente do valor da participação em causa, estando, contudo, sujeitos a reconhecimento, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, os donativos concedidos às fundações cuja participação do Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais seja inferior a 50%.
Quanto à alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do EM, consideram-se aí enquadráveis apenas as fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e que, simultaneamente, cumpram o pressuposto do n.º 2 do mesmo artigo, ou seja, os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou para as entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do IRC (CIRC).
Com efeito, uma vez que o n.º 2 do artigo 1º do EM estabelece que os donativos concedidos a fundações cujos bens revertam para o Estado ou para as entidades do artigo 10.º do CIRC estão sujeitos a reconhecimento, foi objectivo do legislador apenas contemplar na alínea d) do n.º 1 do artigo 1º do Estatuto essas fundações, excluindo da mesma alínea as fundações de iniciativa exclusivamente privada cujos bens revertam para quaisquer outras entidades que não o Estado ou as entidades do artigo 10º do CIRC.
Atente-se que, se na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do EM se enquadrassem todas as fundações de iniciativa exclusivamente privada, independentemente de qual fosse o destino dos seus bens no caso de extinção, face ao n.º 2 do mesmo artigo, aquelas cujos bens revertessem para o Estado ou para as entidades do artigo 10,º do CIRC estariam sujeitas a reconhecimento, enquanto as fundações que não cumprissem tal pressuposto estariam isentas desse reconhecimento. Ora, esta situação estaria a privilegiar fundações de iniciativa exclusivamente privada cujos bens revertessem para entidades privadas de utilidade particular, em relação a fundações cujos bens revertessem para o Estado ou para as entidades abrangidas pelo artigo 10.º do CIRC, as quais surgem para prosseguir interesses colectivos que poderiam estar cometidos à Administração Pública.
Este entendimento não fere o espírito da lei, além de que não se retira da redacção do artigo 1.º do EM outra interpretação útil e coerente da Lei.
Acresce que este entendimento é reforçado com a alínea d) do n.º 1 do artigo 62.º do Capítulo x (que corresponde à alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do EM), aditado ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aquando da revogação do EM, e em vigor desde 01-01-2007, de acordo com a qual são considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos às “Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial, nas condições previstas no n.º 9.” Ora, nos termos do n.º 9 do mesmo artigo “Estão sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, os donativos concedidos para a dotação inicial de fundações de iniciativa exclusivamente privada desde que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do IRC.”.
Por fim, informa-se ainda que a introdução da alínea d) no n.º 1 do artigo 1.º do EM visou estender o regime desse artigo aos donativos concedidos para a dotação inicial das fundações aí previstas, uma vez que estes não se enquadram em nenhum dos restantes artigos do Estatuto, porquanto nos restantes artigos enquadram-se apenas os donativos aí previstos concedidos para o desenvolvimento de acções/actividades das entidades já existentes, o que não é o caso dos donativos concedidos para as dotações iniciais já que esses se destinam, primeiramente, à criação de uma entidade ainda inexistente.
Face ao exposto, a Fundação A……não cumpre o pressuposto necessário ao seu enquadramento na alínea d) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 1.º do EM, pelo que os seus mecenas não podem usufruir do benefício fiscal aí previsto, quanto à dotação inicial.
Esta decisão poderá ser atacada nos termos do artigo 66.º e seguintes do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), através da interposição de acção administrativa especial
- condenação à prática de acto devido, no prazo de três meses a contar da presente notificação.
Com os melhores cumprimentos, A Directora de Serviços
…………….”

9. Do objecto do recurso:
Da análise do acórdão recorrido e dos fundamentos invocados pelo recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que as questões a decidir no presente recurso são as de saber:
a) Se incorre em erro de julgamento o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul exarado a fls. 273/310 que julgou que o reconhecimento dos benefícios fiscais concedidos pelo Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, na redacção da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, aos instituidores de fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial, não é automático, dependendo de ser requerido e só pode ser concedido se as normas estatutárias da fundação, no caso da sua extinção, expressamente preverem a reversão dos seus bens a favor do Estado ou das entidades referidas no art.º 10º do CIRC (actual art.º 9º);
b) Se igualmente incorre em erro de julgamento o acórdão recorrido ao considerar que o acto de indeferimento do pedido de reconhecimento do benefício fiscal praticado pelo SEAF não é um acto nulo por ter sido praticado isoladamente, não havendo qualquer aprovação pelo membro do governo responsável pela área da Cultura e não viola o disposto na alínea b), do nº2, do artº 133º do CPA,
c) Se as normas dos artigos 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 74/99 e do artigo 1.º, nºs 1 e 2, do Estatuto do Mecenato, na redacção da Lei n.º 160/99, interpretadas no sentido de o beneficio fiscal relativo às dotações iniciais das fundações de iniciativa exclusivamente privada carecer de reconhecimento padecem de inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da boa fé, da tutela da iniciativa privada e da igualdade;
d) Em sede de alargamento do âmbito do recurso suscitam-se também as questões da fixação do valor da causa e do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça.
9.1 Do alegado erro de julgamento quanto à questão reconhecimento do direito ao benefício fiscal

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul exarado a fls. 273/310 julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pela Fundação A…….. contra os Ministérios das Finanças e da Administração Pública (actualmente Ministério das Finanças), e o Ministério da Cultura pedindo a anulação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) de 14-01-2009, que lhe indeferiu o pedido de reconhecimento do benefício fiscal relativo aos donativos atribuídos a título de dotação inicial pelo mecenas fundador, no entendimento de que o reconhecimento dos benefícios fiscais concedidos pelo Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, na redacção da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, aos instituidores de fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial, não é automático, dependendo de ser requerido e só pode ser concedido se as normas estatutárias da fundação, no caso da sua extinção, expressamente preverem a reversão dos seus bens a favor do Estado ou das entidades referidas no art.º 10º do CIRC (actual art.º 9º );

Não conformada com o assim decidido a recorrente, Fundação A…….., contrapõe a seguinte argumentação:
- É muito claro que na alteração produzida pela Lei n.º 160/99, de 14 de setembro, ao artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, passou a incluir-se no n.º 1 do artigo 1.º as fundações de iniciativa privada e natureza predominantemente social ou cultural através da inserção da nova alínea d), por forma a que estes casos passassem a dar origem ao beneficio fiscal sem necessidade de reconhecimento, tendo sido incluída uma ressalva final no sentido de tal apenas se reportar «à dotação inicial»
- o TCA Sul não tem razão quando conclui que as condições do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato não se encontravam cumpridas:
- À luz da cláusula 19.ª da anterior versão dos Estatutos da Fundação A……., o Estado controlava o destino dos bens por meio da autorização ministerial que aquela cláusula exigia, estando totalmente salvaguardado o objectivo do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato;
- A actual redacção dos Estatutos da Fundação A……. (artigo 23.º) deixou de regular o destino dos bens em caso de extinção, devendo, portanto, seguir-se o regime supletivo previsto na Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, o qual manda entregar os seus bens a entidades que se enquadram nas previstas no artigo 10.º do Código do IRC. Ou seja, dissipando essa controvérsia entre a fundação e o SEAF fica agora clara a exigência de os bens serem entregues, em caso de extinção, a uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.

Apreciando e decidindo
9.1.1 Da natureza do benefício fiscal em causa, e da questão de saber se depende de reconhecimento prévio.

O regime legal aplicável.
Não obstante o acto sindicado ter sido praticado em momento em que o Estatuto do Mecenato (DL 74/99 de 16 de Março) tinha deixado de vigorar, por ter sido substituído pelo quadro jurídico fornecido pelo Capítulo X, «Benefícios fiscais relativos ao mecenato» do EBF, não há dúvida que atendendo à data em que a autora foi constituída e ocorreu a dotação inicial que a seu favor a A……. instituiu, a lei aplicável ao caso vertente era o referido Estatuto do Mecenato, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 160/99, de 14 de Setembro, 176- A/99, de 30 de Dezembro, 3-B/2000, de 4 de Abril, 30-C/2000, de 29 de Dezembro, 30-G/2000, de 29 de Dezembro e 109-B/2001, de 27 de Dezembro e rectificado nos termos da Declaração de Rectificação n.º 7/2001, publicada na 1-A, n.º 60, de 12 de Março de 2001, pela Lei n.º 107- B/2003, de 31 de Dezembro e pela Lei n.º 26/2004, de 8 de Julho.
É, pois, no âmbito deste quadro legislativo, que serão apreciadas as questões a decidir.
Era a seguinte a versão original do Decreto-Lei nº 74/99:
Artigo 1º
(Aprovação do Estatuto do Mecenato)
(….) 2 - Para efeitos do disposto no presente diploma, apenas têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartida que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, científica ou tecnológica, desportiva e educacional.
3 - Os benefícios fiscais previstos no presente diploma, com excepção dos referidos no artigo 1ª do Estatuto, dependem de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.

Estatuto do Mecenato
Capítulo 1
Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas
Artigo 1º
Donativos ao Estado e outras entidades
1- São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos às seguintes entidades:
a) Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos ainda que personalizados;
b) Associações de municípios e de freguesias;
c) Fundações em que o Estado, as Regiões Autónomas ou autarquias locais participem no património inicial.
2 - Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo l º do presente diploma, estão sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, os donativos concedidos a fundações em que a participação do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais seja inferior a 50% do seu património inicial.

A Lei nº 160/99, veio alterar a redacção deste artº 1º do Decreto-Lei nº 74/99, que passou a ser a seguinte:

Artigo 1º
Aprovação do Estatuto do Mecenato
(…) 3 - Os benefícios fiscais previstos no presente diploma, com excepção dos referidos no artigo 1º do Estatuto e dos respeitantes aos donativos concedidos às pessoas colectivas dotadas de estatuto de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC nos termos do artigo 9.º do respectivo Código, dependem de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela
4 - A excepção efectuada no número anterior não prejudica o reconhecimento do benefício, nas situações previstas no n.º 2 do artigo 2.º e nos nºs 2 e 3 do artigo 3.º do Estatuto.
Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei nº 74/99, com a redacção dada pela Lei nº 160/99:
1. São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos às seguintes entidades:
a) Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados;
b) Associações de municípios e de freguesias;
c) Fundações em que o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais participem no património inicial.
d) Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial.

2. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1º do presente diploma, estão sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, os donativos concedidos a fundações em que a participação do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais seja inferior a 50% do seu património inicial e, bem assim, às fundações de iniciativa exclusivamente privada desde que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9º do Código do IRC. 3 ….4 ….


A primeira questão a resolver é a de saber se o benefício fiscal concedido pelo artigo 1.º, alínea d), n.º 1 do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, na redacção da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, aos instituidores de fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, e que consiste na dedução como custo fiscal do donativo efectuado para a dotação inicial da fundação, é automático e não exige o seu reconhecimento prévio.
Entendeu o Acórdão recorrido que o reconhecimento dos benefícios fiscais concedidos pelo Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, na redacção da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, aos instituidores de fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial, não é automático, dependendo de ser requerido e só pode ser concedido se as normas estatutárias da fundação, no caso da sua extinção, expressamente preverem a reversão dos seus bens a favor do Estado ou das entidades referidas no art.º 10º do CIRC (actual art.º 9º);
Salvo do devido respeito não nos parece que seja essa a melhor interpretação do regime jurídico consagrado no Estatuto do Mecenato, na sequência das alterações introduzidas pela Lei 160/99, sobretudo se ponderada a sua finalidade, o seu sentido e força normativa.
De facto, para se fixar o sentido e alcance da norma jurídica, intervêm, para além, desde logo, do elemento gramatical (o texto ou letra da lei), elementos vários que a doutrina vem considerando de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
Assim há que ponderar a razão de ser da lei (ratio legis),ou seja o fim visado pelo legislador ao editar a norma.
E, por outro lado, há que considerar o elemento histórico, uma vez que a história evolutiva do regime jurídico do mecenato e os respectivos trabalhos preparatórios são susceptíveis de lançar luz sobre a interpretação dos preceitos em causa.
Ora no caso há desde logo que sublinhar que no artº 1º, al. d) do Estatuto do Mecenato a lei utiliza a expressão "dotação inicial" e já nas alíneas a) b) e c) ou no seu nº 2 utiliza o vocábulo donativos.
Esta distinção não é, como é óbvio, casual, e demanda, como bem nota a recorrente, uma interpretação jurídica que dê expressão ao seu efeito útil.
De facto com a alteração produzida pela Lei n.º 160/99, de 14 de setembro, ao artigo 1º do Estatuto do Mecenato, foi aditada uma nova al. d) com vista incluir-se no normativo as fundações de iniciativa privada e natureza predominantemente social ou cultural, por forma a que estes casos passassem a dar origem ao beneficio fiscal sem necessidade de reconhecimento, tendo sido incluída uma ressalva final no sentido de tal apenas se reportar «à dotação inicial».
O sentido útil desta alteração legal é manifesto: as entidades elencadas nas alíneas a), b) e c) - Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, Associações de municípios e de freguesias e Fundações em que o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais participem no património inicial, têm direito ao beneficio fiscal (de consideração como custos em IRC, na sua totalidade), sem necessidade de reconhecimento, relativamente a todos os donativos efectuados, independentemente de serem dotações iniciais ou outro tipo de donativos.
Já os donativos efectuados às entidades referidas na alínea d) - Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, como é o caso da recorrente -, dão lugar a idêntico, benefício fiscal, sem necessidade de reconhecimento administrativo, mas apenas nos casos em que o donativo corresponda à dotação inicial.(Sobre questão de alguma forma relacionada com a dos presentes autos, mas com contornos factuais distintos, se pronunciou a jurisprudência desta secção, nomeadamente nos Acórdãos de 21.10.2013, recurso 471/13, e de 15.01.2014, recurso 148/13.
Ali se decidiu que, sendo a fundação beneficiária dos donativos uma fundação de iniciativa exclusivamente privada, que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea d) do Estatuto do Mecenato, na redacção vigente ao tempo (e supra transcrita), os donativos efectuados pelos fundadores destinados à dotação inicial da fundação poderiam ser considerados na sua totalidade custos ou perdas do exercício dos fundadores.
E ali se exarou que «os pressupostos substantivos deste benefício são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural».
Nesses arestos estava em causa a possibilidade de a ali Recorrente usufruir do benefício fiscal que consiste na possibilidade de, para efeitos de determinação do seu lucro tributável dos exercícios de 2003 e 2004, deduzir como custo fiscal a parte do donativo efectuado nesses anos para a dotação inicial da Fundação A…….., atento a que não pedira o respectivo reconhecimento. Sendo que quanto à (restante) parte dos donativos efectuados pelas mesmas entidades e destinados ao mesmo fim realizados nos anos seguintes já se lhes havia reconhecido o direito a tal benefício fiscal, operando de forma automática, atento ao reconhecimento de utilidade pública e atribuição de isenção de IRC de que a Fundação veio a beneficiar.
Por isso nos referidos Acórdãos se concluiu que «Vindo o direito a tal benefício a ser adquirido de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos - este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi do disposto no então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do EBF, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da Fundação)».- cf. respectivos sumários in www.dgsi.pt.)

Daí que se entenda que a interpretação acolhida na decisão recorrida, no sentido de que se colhe do disposto no nº 2 do artº 1º do Estatuto do Mecenato a conclusão de será sempre exigível reconhecimento dos donativos concedidos às fundações de iniciativa exclusivamente privada, retiraria qualquer efeito útil é referida alínea d) e à sua inserção no nº 1 do artº 1º, operada pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, pois seria bastante a previsão do nº 2 do mesmo normativo.

Mas o acórdão recorrido considerou, não só que o benefício em causa dependia de reconhecimento, como também que os Estatutos da Fundação A…… não previam que, em caso de extinção, os bens revertessem para o Estado ou fossem atribuídos às entidades referidas no artº 9º (actual artigo 10.º) do Código do IRC e que, portanto, nessa medida as condições do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato não se encontravam cumpridas.

Esta interpretação do preceito reconduz-nos a uma questão controvertida e suscitada pela recorrente nas suas conclusões que é a de saber se se aplica ao caso o n.º 2 do artigo 1º do Estatuto do Mecenato, na redacção da Lei 160/99, de acordo com o qual estão sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto do Ministro das Finanças e da tutela os donativos concedidos a fundações em que a participação do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais seja inferior a 50% do seu património inicial e, bem assim, às fundações de iniciativa exclusivamente privada desde que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam concedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9º do Código do IRC.

Entendeu o acórdão recorrido que o reconhecimento dos benefícios fiscais concedidos pelo Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, na redacção da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, aos instituidores de fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial só pode ser concedido se as normas estatutárias da fundação, no caso da sua extinção, expressamente previrem a reversão dos seus bens a favor do Estado ou das entidades referidas no art.º 10º do CIRC (actual art.º 9º).
E que não cumprem tal requisito os estatutos de uma fundação que apenas prevêem que em caso de extinção o destino dos respectivos bens, “depende de autorização prévia da autoridade competente para o reconhecimento, dada sob proposta do conselho de administração, deliberada com o voto favorável de um mínimo de dois terços dos respectivos membros em reunião expressamente convocada para o efeito”.

Também aqui se nos afigura que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul não fez do preceito em causa a melhor interpretação
No que releva para a questão decidenda resulta do referido nº 2 do artº 1 do Estatuto do Mecenato o seguinte: «Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1º do presente diploma (Sublinhado nosso), estão sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, os donativos concedidos a fundações em que a participação do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais seja inferior a 50% do seu património inicial e, bem assim, às fundações de iniciativa exclusivamente privada desde que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9º do Código do IRC.»
Ora não há qualquer incompatibilidade entre as diferentes soluções normativas acolhidas no nº 2 do artº 1º do Estatuto do Mecenato e o disposto no artº 1º nº1, alínea d) do mesmo normativo.
De facto, como já se referiu, decorre desde logo do art. 1.º n.º 3 DL n.º 74/99 de 16 Março (diploma de aprovação do Estatuto do Mecenato) que os benefícios fiscais previstos no art. 1.º n.º 1 do Estatuto do Mecenato - entre os quais se incluem os relativos às dotações iniciais concedidas às Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural – não dependem de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.

Ademais, a exigência de reconhecimento prevista no art. 1.º n.º 2 Estatuto do Mecenato não conflitua com esta excepcional dispensa de reconhecimento prevista no art. 1.º n.º 3 do diploma de aprovação do Estatuto do Mecenato, conforme resulta expressa intenção do legislador
É que logo no inciso inicial da norma em questão se salvaguarda «Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1.º do presente diploma» [diploma de aprovação do Estatuto do Mecenato].
A compatibilidade das distintas soluções normativas resulta do facto de os donativos previstos no art. 1.º al. d), não dependentes de reconhecimento, respeitarem à dotação inicial e os donativos previstos no art. 1.º n.º 2 (dependentes de reconhecimento) serem concedidos em fase posterior à constituição da dotação inicial.
A diferenciação de regime está aliás bem patente nos próprios trabalhos preparatórios em sede da alteração parlamentar do Estatuto do Mecenato, poucos meses depois da sua aprovação, introduzindo uma alínea d) no n.º 1 do artigo 1º dedicada apenas às dotações iniciais de fundações de iniciativa exclusivamente privada.

Como ficou exarado no Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão de Economia, Finanças e Plano, criado para a alteração do Estatuto do Mecenato, no que concerne às fundações de iniciativa privada (ponto 3 do dito relatório) a proposta de alteração visou precisamente «alargar o regime estabelecido no artigo 1º do Estatuto às Fundações de iniciativa exclusivamente privada, no que respeita aos donativos para o capital inicial da Fundação» - cf. Diário da Assembleia da República de 03.07.1999, IIª Série-B, VII legislatura, sessão legislativa, 04, nº 35, pag. 292 (http://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2b/07/04/035/1999-07-03/292).
É certo que este entendimento do legislador, quanto ao reconhecimento dos donativos concedidos para a dotação inicial das fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, veio posteriormente a ser alterado aquando da revogação do Estatuto do Mecenato pelo EBF.
No âmbito do EBF outra foi a opção do legislador.
Com efeito, de acordo com o artº 62, nº 1, al. d) daquele diploma legal são considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, «os donativos concedidos às fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social, relativamente à sua dotação inicial, nas condições previstas no n.º 9».
Resultando deste nº 9 que «Estão sujeitos a reconhecimento, a efetuar por despacho do membro do Governo responsável pelas áreas das finanças e da tutela, os donativos concedidos para a dotação inicial de fundações de iniciativa exclusivamente privada, desde que prossigam fins de natureza predominantemente social, e os respetivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do IRC».
Note-se contudo que, sendo a actual redacção do EBF diferente da que vigorava em 1999, no âmbito do Estatuto do Mecenato, o legislador não atribuiu à lei nova qualquer natureza interpretativa já que esta não se integrou no Estatuto do Mecenato como impõe o artº 13º do Código Civil.
Em síntese é lícito concluir do elemento histórico de interpretação das normas em causa que, na redacção que lhe foi atribuída pela da Lei 160/99, o n.º 2 do artigo 1º do Estatuto do Mecenato, prevê, como regra geral, que estão sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto do Ministro das Finanças e da tutela os donativos concedidos às fundações de iniciativa exclusivamente privada desde que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam concedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9º do Código do IRC.
Porém o mesmo normativo, ressalva no inciso inicial da norma o disposto no n.º 3 do artigo 1.º do diploma de aprovação do Estatuto do Mecenato, ou seja excepciona de tal regra geral da sujeição a um acto de reconhecimento, os benefícios referidos no artigo 1º do mesmo Estatuto, em que se inclui o relativo às dotações iniciais das Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural.

No caso em apreço a situação da recorrente, Fundação A……., preenche todos os pressupostos legais para que se integre na previsão legal de que depende o direito a considerar custos ou perda de exercício as respectivas dotações iniciais: por um lado, a Fundação A……. é uma fundação de iniciativa exclusivamente privada e prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural; e, por outro lado, está em causa o particular tipo de donativo de que depende o direito ao benefício fiscal previsto no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato — a dotação inicial atribuída à Fundação.

Em suma é de concluir que decorre da letra e do espírito da lei, no mesmo sentido apontando o elemento histórico de interpretação, que o benefício fiscal previsto na al. d) do nº 1 do Estatuto do Mecenato, relativo à dotação inicial a fundações de iniciativa exclusivamente privada, se aplica à recorrente, não carecendo de reconhecimento, sendo, por conseguinte, automático.

O Acórdão recorrido ao concluir que o reconhecimento dos benefícios fiscais concedidos pelo Estatuto do Mecenato, na redacção da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, aos instituidores de fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial só pode ser concedido se as normas estatutárias da fundação, no caso da sua extinção, expressamente preverem a reversão dos seus bens a favor do Estado ou das entidades referidas no art.º 10ºdo CIRC, padece do erro de julgamento que lhe é imputado, e não pode ser confirmado.
Procedem, pois, nesta parte, as alegações de recurso, pelo que haverá que revogar, nessa medida, a decisão sindicada, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas em sede de recurso e acima elencadas nas alíneas b) e c) do ponto 6.

10. Da fixação do valor da causa e do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça (requerimento de alargamento do âmbito do recurso)

Por despacho de fls. 501 a Exma. Relatora fixou o valor da Acção em € 22.351 847,00.
Notificada de tal despacho a recorrente veio, ao abrigo do disposto no artº 617º, nº 3 do Código de Processo Civil, requerer o alargamento do âmbito do recurso oportunamente interposto alegando em síntese:
- No caso a Recorrente não teve qualquer benefício fiscal de € 22 milhões, embora tenha, porventura, contribuído para o lapso aquando da propositura da presente acção ao indicar como valor da causa esses € 22.351.847,00
- A aplicação in casu, sem mais, da regra plasmada na alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e das regras dos artigos 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais, poderia resultar na atribuição à presente acção para efeitos de taxa de justiça superior a € 20.000.000,00 e, nessa medida, implicar o pagamento a final de um valor de taxa de justiça gritantemente desproporcionado e excessivo, justamente por, a Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais não conter qualquer tecto máximo;
- a Fundação A……. não recebeu qualquer benefício fiscal (posto que, qualquer benefício seria do mecenas e não da Fundação);
- o Tribunal Constitucional tem entendido que a inexistência de um tecto máximo para o valor da taxa de justiça e a ausência de permissão para que o Tribunal limite o valor da mesma implicam a violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, ambos constitucionalmente consagrados – cfr., designadamente, o acórdão nº 604/2013, de 24 de Setembro de 2013;
- No mesmo sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente nos acórdãos proferidos nos processos nº 0768/11, em 26 de Abril de 2012, e nº 0819/12, em 31 de Outubro de 2012;
- Aplicando a jurisprudência referida ao caso dos Autos, terá de se concluir que as normas que resultam do artigo 97º-A do CPPT e dos artigos 6.º e 11.º, conjugados com a Tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo' Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, e na interpretação segundo a qual não é permitido ao juiz fixar um valor da causa para efeitos de custas atendendo à complexidade do processo e ao carácter manifestamente desproporcional do montante que será exigido sem aquela fixação, padecem de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, e do Princípio da Proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, nº 2, segunda parte, da Constituição;

- Sem prescindir, considera que deverá ser dispensada do pagamento do remanescente, nos termos do nº 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
- Porquanto, sendo estabelecido para este processo um valor de vários milhões de Euros, só a dispensa do remanescente impedirá a ocorrência de situação de manifesta desproporcionalidade, em que é posto em causa o direito de acesso aos tribunais pelos contribuintes;
- Sublinha que o comportamento das partes foi de notória lisura, e que a questão subjacente ao processo dos Autos não apresenta uma complexidade que possa justificar o pagamento do avultadíssimo remanescente que poderia vir a ser cobrado, não tendo sequer sido realizada audiência de inquirição de testemunhas, tudo circunstâncias que justificam a dispensa do remanescente ora solicitada.

Conclui pedindo a fixação de um valor da causa, para efeitos de custas em primeira e segunda instância, não superior a € 275.000,00, ou, subsidiariamente, a dispensa da Recorrente do pagamento do remanescente, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

10.1 Da fixação do valor da causa:
A recorrente solicita a fixação de um valor da causa, para efeitos de custas em primeira e segunda instância, não superior a € 275.000,00.
Mas tal pretensão não pode obter provimento.
No caso subjudice o objecto da acção administrativa especial intentada era a anulação do despacho do SEAF que indeferiu o pedido de reconhecimento do benefício fiscal relativo aos donativos concedidos à Autora para a dotação inicial da Fundação.
Como resulta do probatório o valor dos bens transferidos para a esfera da Fundação, constituintes da respectiva dotação inicial, ascende a € 22.351.847,00, sendo esse o valor atribuído à causa pela autora, aliás sem contestação das demais partes.
E como a própria reconhece nos artsº 5º e 6ª da petição inicial, a Autora sem prejuízo de entender que o benefício fiscal em causa era de aplicação automática, solicitou o reconhecimento expresso da referida dotação inicial, tendo interesse directo na anulação do acto em crise.

Não oferece assim dúvidas que o acto sindicado era o despacho do SEAF que indeferiu o pedido de reconhecimento do benefício fiscal relativo aos donativos concedidos à Autora para a dotação inicial da Fundação, no montante de € 22.351.847,00, motivo pelo qual o valor a atender para efeitos de custas, nos termos do disposto no segmento final da alínea d) do nº1 do artigo 97º-A do CPPT, é o do valor da isenção ou benefício e nunca os requeridos 275.000€.
Sem que daí resulte, diga-se ainda, qualquer violação dos apontados princípios constitucionais do direito ao acesso aos tribunais e da proporcionalidade.
É certo que no acórdão 604/2013, de 24.09.2013, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da CRP, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante de taxa de justiça devida em recurso de apelação, cujo valor excede 49.879,79, é definido em função do valor sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão.
Neste mesmo sentido se decidira também nos acórdãos desta Secção citados pela Recorrente.
Porém, com o aditamento (operado pelo art. 2º da Lei nº 7/2012, de 13/2) deste nº 7 ao art. 6º do RCP, passa precisamente a poder (e a dever) atender-se ao limite máximo de 275.000,00 Euros e a poder dispensar-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, não se vendo, portanto, que ocorra, nesta vertente, violação dos apontados princípios constitucionais (cf. neste sentido Acórdão desta secção de 09.07.2014, recurso 1319/13).

10.2 Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

De harmonia com o disposto no nº 7 do art. 6º do RCP nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Trata-se de uma dispensa excepcional que, podendo ser oficiosamente concedida (à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no n.º 7 do art.º 7.º), depende sempre de avaliação pelo juiz, pelo que haverá de ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão (Conforme admite Salvador da Costa, RCP anotado, 5.ª ed., 2013, em anotação ao preceito).

No âmbito do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem-se entendido que cabe a este STA apreciá-lo tão só no que respeita ao recurso (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) que a ele foi dirigido (Neste sentido, Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 15.10.2014, recurso 1435/12, in www.dgsi.pt.).
Por outro lado, e quanto à complexidade da causa haverá que ter em conta os parâmetros estabelecidos pelo disposto no nº 7 do art. 537º do Código de Processo Civil.
De acordo com este normativo, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: (a) contenham articulados ou alegações prolixas; (b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.85).
Em síntese poderemos dizer que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
Acresce sublinhar, como ficou dito no Acórdão desta secção de 05.11.2014, proferido no recurso 369/14, que «as custas processuais, abrangendo a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, são fundamentalmente determinadas pela taxa de justiça que, por definição, é o montante devido pelo impulso processual, fixado em função do valor da causa nos termos das tabelas anexas ao RCP, mas também da complexidade da causa – cfr. art. 6º nºs. 1 e 5 do RCP. E isto significa que as custas não resultam directamente do valor da causa, mas antes da taxa de justiça que, atendendo a esse valor e à complexidade da causa, se venha a revelar ajustada segundo um critério de proporcionalidade. Daí que a moderação na cobrança de custas imposta pelos princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais – e a que se referem vários arestos do Tribunal Constitucional – seja atingida por via da determinação da taxa de justiça, e não através do valor da causa.»
Daí que, nas acções de valor superior a EUR 275.000,00, o tribunal possa, mesmo oficiosamente, fixar em concreto a taxa de justiça devida, pela via da dispensa (total ou parcial) do remanescente da taxa que, em princípio, seria devida pela aplicação da tabela anexa ao Regulamento das Custas, em conformidade com o disposto no art. 6º, nº 7 (Admitindo a dispensa parcial do remanescente da taxa de justiça vide, entre outros, os seguintes Acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário: Acórdão de 23.11.2016, recurso 923/16, de 07.05.2014, recurso 1351/14, de 07.01.2015, recurso 261/14 e de 05.11.2014, recurso 369/14, todos in www.dgsi.pt.) .

No caso vertente, afigura-se-nos que não se mostram preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 7 do art. 6º do RCP para uma dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, pese embora a aplicação dos princípios da proporcionalidade e do acesso aos tribunais aconselhe uma dispensa parcial.
De facto constata-se dos autos que a tramitação processual foi, no essencial, uma tramitação regular própria dos recursos jurisdicionais e que não ocorreram quaisquer factos ou circunstâncias determinantes de uma simplificação da tramitação processual que justificassem a dispensa total de pagamento solicitada.
Por outro lado também não se pode afirmar que a análise jurídica que se impôs face à argumentação tecida pela recorrente tenha tido uma complexidade significativamente inferior à generalidade dos recursos que são interpostos para este Tribunal.
Porém, considerando o facto de estarmos perante uma causa a que foi atribuído o valor de € 22.351.847,00, no caso o valor a pagar a título de remanescente da taxa de justiça - cerca de 136.000 €- afigura-se-nos muitíssimo elevado em face do serviço público prestado.
Assim, tendo em conta que o presente recurso não configura uma actividade processual tão simples que justifique a dispensa integral do remanescente da taxa de justiça e que, por outro lado, não se verifica uma situação de especial complexidade tal como definida no artº 530º do Código de Processo Civil, e ponderando ainda que a conduta processual das partes não merece censura, haveremos de concluir que se justifica uma dispensa parcial do pagamento do remanescente como modo de obviar à violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade.

Em face do exposto, e de forma a fazer corresponder a tributação em sede de custas judiciais ao serviço público efectivamente prestado, julgamos que se impõe dispensar as partes do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275.000, dispensa que diz exclusivamente respeito à taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso.

11. Decisão

Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em
1) Conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, julgar procedente a presente acção administrativa especial e, em consequência anular o sindicado despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 14.01.2009 (despacho nº 61/2009-XVII);
2) Dispensar as partes do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275.000

Custas pela Fazenda Pública, em sede de recurso, uma vez que contra-alegou.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2017. - Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.


Segue Acórdão Rectificativo de 19 de Abril de 2017



Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

Rectificação de erro material nos termos do artº 614º, nº 1 do Código de Processo Civil

Por Acórdão deste Tribunal de 1 de Fevereiro de 2017, exarado a fls. 517/551 foi proferida a seguinte decisão:
«1) Conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, julgar procedente a presente acção administrativa especial e, em consequência anular o sindicado despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 14.01.2009 (despacho nº 61/2009-XVII);
2) Dispensar as partes do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275.000
Custas pela Fazenda Pública, em sede de recurso, uma vez que contra-alegou

Por requerimento de fls. 564 dos autos, veio a recorrente requerer a rectificação de lapsos materiais no âmbito da condenação em custas, de modo a que:
a) Onde se lê «Custas pela Fazenda Pública», se passe a ler «Custas pelas entidades demandadas» ou «Custas pelas entidades recorridas», por serem entidades demandadas/recorridas nesta acção administrativa especial o Ministério das Finanças e da Administração Pública (actualmente Ministério das Finanças) e o Ministério da Cultura (mais tarde a presidência do Conselho de Ministros, por o Ministério da Cultura ter sido extinto) que não foram representados pela Fazenda Pública.

b) Seja eliminada a referência a "em sede de recurso, uma vez que contra-alegou", dado que a condenação em custas abrange necessariamente ambas as instâncias.

Notificadas as entidades recorridas do teor do referido requerimento – cf. fls. 599 e 600 - nada vieram dizer.

Tem razão a recorrente uma vez que as entidades recorridas são o Ministério das Finanças e o Ministério da Cultura (mais tarde a presidência do Conselho de Ministros, por o Ministério da Cultura ter sido extinto) que não foram representados pela Fazenda Pública e, como decorre do segmento decisório do Acórdão, a condenação em custas abrange necessariamente ambas as instâncias.
Cumpre, pois, corrigir o referido lapso.

Nestes termos, em conformidade com o n.° 1 do artigo 614.° do Código de Processo Civil, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em rectificar, nos termos que se seguem, os seguintes erros materiais:
A fls. 524 onde se escreveu “
A recorrida, Fazenda Pública, apresentou contra alegações com as seguintes conclusões» deve ler-se «O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou contra alegações, a que aderiu o Secretário de Estado da Cultura (fls. 426), com as seguintes conclusões»;
A fls. 551, onde se escreveu “custas pela Fazenda Pública, em sede de recurso, uma vez que contra-alegou”, deve ler-se,Custas pelas entidades recorridas”.


Lisboa, 19 de Abril de 2017. - Pedro Delgado (relator) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.