Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0442/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:APLICAÇÃO DA LEI FISCAL NO TEMPO
PEDIDO
REEMBOLSO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Com a introdução do art. 90.º-A do CIRC, operada pelo art. 10.º do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro, o legislador veio impor que «[o] reembolso do excesso do imposto retido na fonte deve ser efectuado no prazo de um ano contado da data da apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a reembolsar juros indemnizatórios calculados a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado» (n.º 6 daquele artigo).
II - Na ausência de norma de direito transitório que regule directamente as questões de sucessão da lei no tempo, são de aplicar à situação as regras gerais, designadamente os arts. 12.º e 279.º do CC, este último que estabelece as regras de aplicação no tempo das leis sobre prazos.
III - Assim, esta lei nova é aplicável aos pedidos de reembolso pendentes, devendo o prazo de um ano nela fixado contar-se do início da sua vigência, ou seja, desde 1 de Janeiro de 2006 (cfr. art. 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro).
Nº Convencional:JSTA000P23520
Nº do Documento:SA2201807120442
Data de Entrada:04/30/2018
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 778/11.6BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em sede de impugnação judicial deduzida após indeferimento da decisão do recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, na parte em que a condenou no pagamento de juros indemnizatórios à sociedade acima identificada (adiante Impugnante ou Recorrida), contados «desde 02-01-2017 até à data em que o cheque foi emitido», tendo rematado a sua alegação de recurso com conclusões do seguinte teor:

«I- Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal a quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objecto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.

II- Assim, a questão controvertida passa por dirimir se tendo em 14-05-2004 a impugnante apresentado o Modelo 18-RFI, destinado a solicitar o reembolso das retenções de IRC efectuadas pela Sociedade B……….., SGPS, SA, no valor de € 14.250,00 referentes aos serviços de consultadoria prestados a esta última pala impugnante, durante dano de 2003, ao abrigo da Convenção Para Evitar a Dupla Tributação e, tendo a devolução de tal montante à impugnante ocorrido no ano de 2009, são devidos juros indemnizatórios.

III- A impugnante entende que seja por aplicação do art. 90.º-A do CIRC, desde 1 de Janeiro de 2006, seja por aplicação do disposto no art. 89.º-A n.º 5 do CIRC ex vi art. 90.º n.º 8 aditado pelo DL n.º 34/2005, desde 1 de Julho de 2005 ou, antes desta data por aplicação do art. 82.º n.º 3 do CIRC de 1988, ou outra disposição legal, designadamente o art. 43.º da LGT, o art. 61.º do CPPT, são devidos juros indemnizatórios.

IV- Ora, a impugnante foi notificada pelo ofício n.º 7363, datado de 5 de Abril de 2010 do indeferimento do seu pedido de pagamento de juros indemnizatórios, com fundamento em que o pedido de excesso de imposto retido na fonte foi efectivado antes da entrada em vigor do art. 90.º-A do CIRC e nessa data não existia lei que previsse tal pagamento. Tal previsão só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006.

V- Entende a decisão recorrida assistir à impugnante o direito a juros indemnizatórios pelo não recebimento atempado da quantia devida a título de reembolso de IRC, o qual lhe deveria ter sido efectuado dentro do prazo de 1 ano, a contar do respectivo pedido de reembolso, por aplicação do art. 43.º da LGT.
E que, como tal, sempre caberia à AF, não o indeferimento do requerido mas sim a apreciação do pedido dos juros indemnizatórios formulado e aplicável à luz do direito vigente mesmo que o fizesse com base noutras normas.

VI- Salvo melhor entendimento, não podemos concordar com a decisão recorrida por duas ordens de razões: primeiro porque o art. 90.º-A do CIRC apenas foi introduzido a 1 de Janeiro de 2006. Aplicar o normativo seria o mesmo que aplicar retroactivamente a lei no tempo. A disposição legal do art. 90.º-A do CIRC, actual art. 98.º apenas foi introduzido no código do IRC pelo Decreto-Lei 211/2005, de 7/12, tendo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2006.
Não existindo prazo estipulado para o reembolso também não pode existir penalização pelo incumprimento de um prazo que não existe.

VII- Na verdade, a aplicação no tempo das normas tributárias vem expressamente enunciada no, art. 12.º da LGT, consignando o princípio de que a lei fiscal rege para o futuro, não sendo aplicável a factos ou situações ocorridas no passado.
Ora, sendo a obrigação de indemnizar de natureza substantiva a sua aplicação deve ser apenas para o futuro e não a factos passados.
Como tal, apenas com a entrada em vigor do art. 90.º-A do CIRC, em 1 de Janeiro de 2006 é que se passou a prever o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios por atraso do pagamento do reembolso do imposto indevidamente retido na fonte e, consequentemente a obrigação do AT pagar os respectivos juros porquanto, até à data em que o sujeito passivo apresentou o pedido de reembolso do imposto indevidamente retido na fonte não decorria da lei o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

VIII- Por outro lado, constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita.

IX- Ora não estamos perante nenhum caso de ilegalidade, nem foi apurada a existência de erro imputável à Administração sobre os pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação, atentos aos factos dados como provados pela decisão recorrida.

X- O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer erro vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais, o que com o devido respeito não se encontra dado como provado na decisão proferida pelo tribunal a quo.
Relativamente a anulação de actos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é indicado no n.º 1 do art. 43.º da LGT, nos termos do qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

XI- Assim, à face deste n.º 1, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal.

XII- Mas, como entende a doutrina “a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mentes apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito. (... Sobre o uso desta terminologia, consagrada na doutrina e na jurisprudência, pode ver-se MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, volume 1, páginas 564-566.)” in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0622108, Datado de 29-10-2008.

XIII- Na verdade, sendo de concluir que o uso daquela expressão «erro», tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios, tal situação não se verifica no caso dos autos.

XIV- Como se conclui finalmente pelo elenco de razões supra expostas, salvo melhor entendimento, não são devidos juros indemnizatórios, salvo melhor entendimento».

1.2 A Recorrido não contra-alegou.

1.3 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de identificar a questão decidenda como sendo a do «âmbito de aplicação da norma constante do art. 90.º n.º 8 CIRC (art. 98.º n.º 8 CIRC, após a renumeração introduzida pelo DL n.º 159/2009, 13 Julho)», se pronunciou no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…]
1.O direito a juros indemnizatórios previsto no art. 90.º-A CIRC (actual art. 98.º CIRC) radica no incumprimento do prazo de um ano para a apreciação do pedido de reembolso do excesso de imposto retido na fonte.
Este facto constitutivo do direito é distinto do erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, igualmente gerador do direito a juros indemnizatórios (art. 43.º n.º 1 LGT).
O art. 90.º-A CIRC (actual art. 98.º CIRC) foi aditado pelo DL n.º 211/2005, 7 Dezembro e entrou em vigor em 1.01.2006 (art. 11.º n.º 2).
Anteriormente, a lei não estabelecia qualquer prazo para a apreciação do pedido de reembolso do excesso de imposto nem a atribuição de juros indemnizatórios pelo incumprimento do prazo.

2. A solução da questão decidenda deve ponderar as seguintes premissas argumentativas:
- o facto constitutivo do direito na esfera jurídica do beneficiário (decurso do prazo para reembolso do excesso de imposto retido na fonte) verificou-se na vigência da norma inovadora, inexistindo a alegada aplicação retroactiva (conclusão VI das alegações de recurso);
- o legislador não restringiu o âmbito de aplicação da norma aos pedidos formulados após o início da sua vigência;
- a interpretação propugnada da norma controvertida (aplicação aos pedidos formulados pendentes, com início da contagem do prazo a partir do início da vigência da norma que o estabelece) é consonante com a solução expressamente adoptada pelo legislador na aplicação aos processos pendentes de outras normas inovadoras estabelecendo prazos cujo decurso produz efeitos jurídicos: caducidade da garantia prestada para suspensão do processo de execução fiscal em caso de pendência de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição (art. 183.º-A n.º 1 CPPT; art. 11.º Lei n.º 15/2001, 5 Junho); caducidade do direito de liquidação na pendência de procedimento de inspecção tributária (art. 45.º n.º 5 LGT; art. 11.º Lei n.º 15/2001, 5 Junho)».

1.4 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se a sentença fez errado julgamento quando considerou serem devidos juros indemnizatórios à Impugnante.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) A……………………, SL, NIPC …………… (ou impugnante) tem a sua sede em ………………, ………….., …………. Barcelona;

B) No exercício de 2003 a sociedade residente em Portugal B…………….. SGPS, SA efectuou retenções na fonte sobre o valor de serviços de consultadoria que lhe foram prestados pela impugnante, no montante total de € 95.000,00;

C) Em 14 de Março de 2004 a impugnante apresentou, na Direcção de Serviços das Relações Internacionais um formulário Modelo 18 RFI, solicitando, ao abrigo do art. 7.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre Portugal e Espanha o reembolso do imposto retido pela prestação de serviços referida em B) (fls 10, do pa apenso);

D) Com base no referido formulário foi instaurado o processo n.º 2284/2004 e, por despacho de 30 de Abril de 2009, foi decidido autorizar o reembolso, no valor de € 14.250,00 (Fls. 3 a 5, do pa apenso):
(…)
CONCLUSÃO
Atendendo a que estamos perante uma situação de pagamento de lucros de uma empresa (incluindo as prestações de serviços) a uma entidade residente em Espanha, esses lucros só podem ser tributados no Estado onde a empresa tem a sua residência para efeitos fiscais a não ser que labores no outro Estado (o da fonte) através de um estabelecimento estável, conforme disposto no art 7.º da respectiva Convenção.
Dado que a entidade beneficiária do rendimento reúne as condições para aproveitar das normas convencionais referidas no número anterior, sou de parecer que o pedido merece deferimento (...).

E) Em 3 de Fevereiro de 2010 a impugnante apresentou requerimento onde solicita o pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor do excesso de imposto retido na fonte, por demora na sua restituição, com fundamento no art. 90.º-A n.º 8 do CIRC, actual art. 98.º do CIRC;

F) Em 31 de Março de 2010 foi proferido despacho de indeferimento com seguintes fundamentos (fls. 64 e 65, do pa apenso):
(…):
1. O pedido de pagamento de juros indemnizatórios apresentado por essa empresa fundamenta-se no n.º 8 do art. 90.º-A do CIRC, actualmente art. 98.º do mesmo diploma;
2. Esta disposição legal entrou em vigor a 1 de Janeiro último com a entrada em vigor da Lei do Orçamento para 2008 (Lei n.º 67-A/2007 de 31 de Dezembro).
3. (...).
4. Esta disposição legal tem a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, correspondendo ao anterior n.º 6 do mesmo preceito.
5. Acontece, porém que esta disposição legal (art. 90.º-A actual artigo 98.º) apenas foi introduzida no Código do IRC, pelo DL n.º 211/2005, tendo entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2006.
6. Anteriormente os reembolsos eram regulados pelo disposto no art. 90.º do mesmo código, só que não havia a estipulação de qualquer prazo para que os mesmos se pronunciassem.
7. Ora, tratando-se de um pedido de reembolso formulado antes da entrada em vigor do art. 90.º do CIRC, não pode ser-lhe aplicada esta norma, uma vez que à mesma não foi dada eficácia retroactiva.

G) Do despacho de indeferimento a impugnante interpôs recurso hierárquico invocando a nulidade por manifesto erro direito e falta de fundamentação de jure, reiterando o pedido de juros indemnizatórios (fls. 60 a 63, do pa apenso);

H) A impugnante foi notificada do projecto de despacho de indeferimento, proferido no recurso hierárquico, para efeitos de direito de audição, com fundamento na proposta n.º 1742/2010 (fls. 55 a 59, do pa apenso);

I) A DRSI proferiu decisão final de indeferimento do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, por despacho de 12 de Janeiro de 2011 (fls. 55 a 59, do pa apenso);

J) O despacho identificado em I) foi notificado à impugnante a 13 de Janeiro de 2011:
Assunto: RECURSO HIERÁRQUICO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Reportando-me ao recurso hierárquico interposto pelo A…………………, SL em 28 de Abril de 2010, fica V. Ex.a. por este meio notificada, na qualidade de mandatária da Recorrente que, por despacho de 15 do corrente mês da Sra. Subdirectora-Geral dos Impostos sobre o Rendimento, na sequência do requerimento apresentado por V. Ex.ª e recebido nesta direcção de serviços a 1 do corrente mês, foi determinado a reanálise do processo levando em linha da conta a resposta apresentada a 28 de Janeiro ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT, tendo sido, pelo mesmo despacho, negado provimento ao recurso hierárquico interposto a 28 de Abril de 2010 relativamente ao meu despacho de 31 de Março de 2010, com os seguintes fundamentos:
1. O pedido de reembolso não podia beneficiar do disposto no artigo 98.º do CIRC por a norma apenas se aplicar aos pedidos que deram entrada na DGCI após a sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 1, de Janeiro de 2008, porque só a partir dessa data à que passou a existir um prazo para a tomada de decisão dos pedidos de reembolso, anteriormente, os reembolsos eram regulados pelo disposto no artigo 90.º do mesmo código, sem que, no entanto, existisse qualquer prazo estipulado para que a Administração tomasse a decisão sobre tais pedidos.
2. O artigo 82.º do CIRC, actual artigo 104.º, reporta-se aos contribuintes residentes em Portugal, que, na sequência da auto-liquidação constatam que já efectuaram o pagamento de imposto por valor superior ao apurado, seja através de retenções na fonte ou de pagamentos por conta, não aos contribuintes não residentes que foram objecto de retenção na fonte pelo facto de não terem efectuado a prova de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação de um convenção para evitar a dupla tributação.
3. O disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT apenas se aplica quando está em causa um pedido de revisão oficiosa, enquanto que, no presente caso, não está em causa uma situação dessas, mas apenas e só um pedido de reembolso de imposto, pelo que não há qualquer discriminação entre entidades residentes e entidades não residentes».

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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa vem posta em causa pela Fazenda Pública apenas na parte em que condenou a AT a pagar à Impugnante juros indemnizatórios. A Fazenda Pública sustenta, em síntese, que à situação dos autos não é aplicável o disposto no art. 90.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), uma vez que este artigo, aditado ao Código pelo art. 10.º do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro – e que veio impor, no seu n.º 6, que «[o] reembolso do excesso do imposto retido na fonte deve ser efectuado no prazo de um ano contado da data da apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a reembolsar juros indemnizatórios calculados a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado» –, apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006 (cfr. art. 11.º do referido Decreto-Lei), enquanto o pedido de reembolso foi formulado em 14 de Março de 2004.
Considera a Recorrente que a sentença, ao condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, fez “aplicação retroactiva” do referido n.º 6 do art. 90.º-A do CIRC (na redacção aplicável, que é a anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), a qual considera proibida, uma vez que se trata de uma norma de natureza substantiva e, por isso, «a sua aplicação deve ser apenas para o futuro e não a factos passados».
Teceu ainda a Recorrente diversos considerandos no sentido de demonstrar que os juros indemnizatórios também não são devidos ao abrigo do art. 43.º da Lei Geral Tributária. No entanto, salvo o devido respeito, tais considerandos afiguram-se-nos despiciendos, uma vez que a condenação em juros indemnizatórios foi proferida ao abrigo do disposto no art. 90.º-A, n.º 6, do CIRC (na redacção aplicável) e é exclusivamente à luz deste preceito especial que cumpre sindicar a sentença e a eventual existência do direito àqueles juros.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, o que passa por saber se o n.º 6 do art. 90.º-A do CIRC é aplicável – e, sendo-o, em que condições – numa situação em que o pedido de reembolso foi formulado anteriormente, mas não estava ainda decidido, à data da entrada em vigor daquela norma.

2.2.2 DA CONDENAÇÃO EM JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A nosso ver, a Juíza do Tribunal a quo fez correcto julgamento ao proferir a condenação da AT em juros indemnizatórios. Vejamos:
A sentença, depois de considerandos de ordem geral sobre o direito de indemnização e os juros indemnizatórios, deixou dito: «antes da entrada em vigor do n.º 6 do art. 90.º-A do CIRC (entrado em vigor a 01-01-2006) não havia qualquer prazo que impusesse à AT a conclusão do procedimento de reembolso no prazo de um ano.
Porém, tendo o pedido de reembolso sido formulado a 14-03-2004, a 01-01-2006 (data da entrada em vigor daquela norma) ainda se encontrava pendente o qual só veio a ser satisfeito a 30-04-2009.
A impugnante tem direito a ser indemnizada, mas não desde 15 de Maio de 2005 (dia seguinte ao da apresentação do pedido), como peticiona.
Por aplicação do n.º 6 do art. 90.º-A do CIRC, a AT teria o prazo de um ano para a conclusão do procedimento, ou seja, até 01-01-2007, não o tendo feito.
Resultando assim, que a impugnante tem direito a receber juros indemnizatórios contados desde 02-01-2007 até à data em que o cheque foi emitido (ou seja, 15 de Setembro de 2009), à taxa de juro de 4%».
Ou seja, a sentença, considerando que o pedido de reembolso estava pendente à data da entrada em vigor da lei nova e que desde esta data até ao efectivo reembolso decorreu mais de um ano, entendeu serem devidos juros indemnizatórios pelo período que excedeu esse prazo e até que foi emitido o cheque para o reembolso.
A nosso ver, a sentença fez correcta interpretação da lei.
Na verdade, com a entrada em vigor do n.º 6 do art. 90.º-A, aditado ao CIRC pelo art. 10.º do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro, o legislador veio, não só fixar o prazo de um ano para a decisão sobre o pedido de reembolso do excesso, como cominar o incumprimento desse prazo com o acréscimo à quantia a reembolsar de juros indemnizatórios.
É certo que essa norma apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 11.º do referido Decreto-Lei n.º 211/2015. Mas, não tendo o legislador restringido de modo algum os casos a que é aplicável – como poderia fazê-lo, através de uma disposição transitória (As normas transitórias são um modo de resolução directa pela própria lei nova dos problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela sua entrada em vigor, mediante disposições adrede formuladas (cfr. J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 229). ) –, deve entender-se que o é a todos os pedidos de reembolso pendentes, contando-se o referido prazo de um ano desde a data da entrada em vigor da norma. É o que resulta do disposto no art. 297.º do Código Civil (CC), que, embora preveja apenas as situações de encurtamento e de alongamento do prazo, contém doutrina que se deve aplicar, por maioria de razão, aos casos em que passou a existir um prazo onde anteriormente o não havia. Na verdade, para as situações de encurtamento do prazo, a lei nova aplica-se aos prazos em curso, mas o novo prazo só se conta a partir do início da vigência desta, salvo quando, sob a lei antiga, falta menos tempo para o prazo se completar (n.º 1 do art. 279.º do CC). Assim, se a lei nova «vem estabelecer pela primeira vez um prazo, este só deve ser contado, qualquer que seja o momento inicial fixado, a partir do início da nova lei» (Cfr. J. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pág. 243. ).
Não se diga, como a Recorrente, que da aplicação deste prazo e do correspectivo direito a indemnização pelo excesso do mesmo resulta “aplicação retroactiva” da lei. Esta existiria, sim, se a condenação se referisse ao período anterior ao início da vigência da lei nova; mas não é isso que sucede: a sentença não só aplicou a lei nova apenas para o futuro (cfr. art. 12.º do CC), como contou o referido prazo de um ano (que a lei nova fixa para que seja efectuado o reembolso), não da data do pedido (como prescreve a lei nova), mas da data do início da vigência da nova lei (como impõem as regras de aplicação da lei no tempo).
A sentença não merece, pois, a censura que a Recorrente lhe assaca.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Com a introdução do art. 90.º-A do CIRC, operada pelo art. 10.º do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro, o legislador veio impor que «[o] reembolso do excesso do imposto retido na fonte deve ser efectuado no prazo de um ano contado da data da apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a reembolsar juros indemnizatórios calculados a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado» (n.º 6 daquele artigo).
II - Na ausência de norma de direito transitório que regule directamente as questões de sucessão da lei no tempo, são aplicáveis à situação as regras gerais, designadamente os arts. 12.º e 279.º do CC, este último que estabelece as regras de aplicação no tempo das leis sobre prazos.
III - Assim, esta lei nova é aplicável aos pedidos de reembolso pendentes, devendo o prazo de um ano nela fixado contar-se do início da sua vigência, ou seja, desde 1 de Janeiro de 2006 (cfr. art. 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 12 de Julho de 2018. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Dulce Neto.