Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01824/13
Data do Acordão:07/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:REENVIO PREJUDICIAL
IVA
TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
Sumário:Suscitando-se sérias dúvidas, quanto à questão de saber qual a melhor a interpretação das normas comunitárias – Directiva 2006/112/CE- se o imposto do IVA deve incidir sobre a Taxa de Ocupação do Subsolo (TOS), quando repercutida em singelo no consumidor final, impõe-se o reenvio prejudicial para o TJUE, e determinar a suspensão da instância recursiva até que ali seja proferida decisão.
Nº Convencional:JSTA00068835
Nº do Documento:SA22014070201824
Data de Entrada:11/29/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A……………………., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:REENVIO PREJUDICIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR FISC - IVA
Legislação Nacional:CONST76 ART202.
CIVA08 ART16 N1 N5 A.
Legislação Comunitária:TFUE ART267.
DIR CONS CEE 2006/112/CE DE 2006/11/28 ART9 ART73 ART78
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do TAF de Viseu, datada de 31 de Agosto de 2013, que julgou procedente a impugnação judicial que tinha por objecto o acto de autoliquidação de IVA, referente a Fevereiro de 2012, na parte em que incide sobre as taxas de ocupação do subsolo pagas às autarquias locais e repercutidas nos consumidores finais de gás natural, no valor de € 14.718,30, que contra si havia intentado A………………………, SA, anulando o acto de autoliquidação do IVA referente a Fevereiro de 2012, embora por lapso na matéria de facto e na decisão se faça referência a Janeiro de 2012, na parte em que incide sobre as taxas de ocupação do subsolo pagas às autarquias locais e repercutidas nos consumidores finais de gás natural.

Alegou, tendo concluído como segue:

A) Vem o presente recurso da sentença que julgou procedente por provada a presente impugnação.
B) Está patente na decisão que: “Em face de todo o exposto, não pode ser acolhida a tese propugnada pela AT na informação vinculativa que serviu de base ao indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação do IVA.
Não está em causa a aplicação extensiva do n°2 do artigo 2° do CIVA à impugnante, mas antes a circunstância de, em virtude da exclusão das TOS do âmbito de incidência do imposto operado por esta disposição, o débito das mesmas TOS aos clientes estar igualmente excluído de tributação.
O tratamento uniforme entre todas as operações e agentes económicos constitui um imperativo legal por força do princípio da neutralidade do IVA que está na essência desse imposto.
Por outro lado, não está em discussão a aplicabilidade da al. c) do n°6 do artigo 16° do CIVA para excluir as TOS da base de incidência do imposto.
De resto, a repercussão do valor das TOS é uma operação meramente financeira que nem sequer constitui uma actividade económica na acepção do artigo 9°, n°1 da Directiva do IVA, daí que não caiba no âmbito de incidência do imposto.”.
C) Contudo, a Fazenda Pública não pode conformar-se com tal decisão.
D) A impugnante é concessionária do serviço público de distribuição de gás natural e dos seus gases de substituição na Zona Centro Interior, ao abrigo do contrato de concessão, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n°98/2008, Diário da República n°119 1ª série, de 23-06-2008;
E) Na cláusula 7ª, n°s 2 e 3 do referido contrato estabelece-se que: “Assiste à Concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, (...) incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais.”;
F) É Jurisprudência assente que é de qualificar como taxa, por ter natureza sinalagmática, o tributo liquidado por um município como contrapartida pela utilização do subsolo com tubos e condutas de gás;
G) O cumprimento das obrigações declarativa e de pagamento foi de encontro à informação vinculativa da DSIVA solicitada pela própria impugnante, que mereceu despacho de 03-08-2011;
H) Os contratos de concessão entre o Estado e os concessionários não são tributados em sede de IVA por força do n°2 do art.° 2° do CIVA, uma vez que são operações praticadas no âmbito dos poderes de autoridade do Estado;
I) A repercussão da TOS ao cliente final não é por si só uma actividade económica, contudo, sempre terá de integrar o valor tributável sujeito a IVA, por imperativo legal;
J) Quer dos art.°s 73° e 78° da Directiva 2006/112 de 28 de Novembro de 2006, quer do art.° 16°, n°s 1 e 5 alínea a) do CIVA se retira que o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com excepção do próprio imposto sobre o valor acrescentado;
K) Atente-se ao Ofício-Circulado 30127 da DSIVA, de 13-05-2011, concernente às taxas de recursos hídricos que preconiza que: “A repercussão, sobre o utilizador final, do encargo económico que a taxa representa, nos termos do artigo 5.° do Decreto-Lei n° 97/2008, de 11 de Junho, incluído na factura emitida pelas entidades exploradoras/distribuidoras dos recursos hídricos, constitui, ainda que discriminado, parte do valor tributável da operação, nos termos da alínea a) do n °5 do artigo 16° do Código do IVA. Sobre esta incide IVA à taxa reduzida (6% no Continente e 4% nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira), por inclusão na verba 1.7 da Lista I anexa ao CIVA, sem prejuízo da aplicação de taxa diferente a outros bens ou serviços que possam ser discriminados na factura, devendo ser observadas as regras de facturação previstas no Código do IVA, designadamente, no seu artigo 36.°.”;
L) Deve também chamar-se à colação o Acórdão do STA de 21-09-2011, processo n° 766/09, relativo ao Imposto sobre veículos (antigo IA), que remete para o Acórdão do TJUE de 28.07.2011, proferido no Processo n° C-106/10 cuja posição é a de que: “Um imposto como o imposto sobre veículos em causa no processo principal, cujo facto gerador está directamente ligado à entrega de um veículo abrangido pelo âmbito de aplicação deste imposto e que é pago pelo fornecedor desse veículo, integra-se no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na acepção do artigo 78.º primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e deve, em aplicação desta disposição, ser incluído no valor tributável em imposto sobre o valor acrescentado da entrega do referido veículo”;
M) É pois inquestionável que também a taxa de ocupação de subsolo repercutida aos clientes faz parte da contraprestação obtida pelos serviços prestados e o seu facto gerador está directamente ligado à prestação dos serviços (pois sem o seu pagamento ao Estado a concessionária estaria inabilitada a fornecê-los), pelo que terá de ser englobada no valor tributável e como tal ser sobre ela aplicada a taxa de IVA correspondente;
N) A sentença recorrida assenta maioritariamente a sua fundamentação no princípio da neutralidade fiscal, contudo, o presente recurso contrapõe o princípio da legalidade, visto que a TOS não consubstancia uma operação económica da concessionária para o cliente final, no entanto, esta será englobada, por força de lei (art.° 16°, n°5 alínea a) do CIVA), no valor tributável sujeito à taxa de IVA;
O) Padece, assim, a sentença recorrida de erro de julgamento, pois não se procedeu a uma análise exaustiva dos factos e da sua subsunção ao direito, sendo que teria de redundar na aplicação da norma vinda de referir;
P) Após a entrada em vigor do ETAF e CPTA, passou-se de um contencioso de mera anulação, fortemente imitador dos poderes de decisão do juiz e destinado à mera defesa da legalidade, para um contencioso de plena jurisdição, que proporciona uma tutela jurisdicional mais efectiva, aumentando-se os poderes de cognição do juiz;
Q) Deve constar da sentença: a identificação das partes e do objecto em litígio, a fixação das questões a solucionar, a fundamentação, discriminando os factos provados e a aplicação do direito, culminando com a decisão, à luz do art.° 607° do CPC;
R) Salvo o devido respeito, entendemos que a sentença recorrida peca na aplicação do direito, visto que se impunha a alusão ao art.° 16°, n°5 alínea a) do CIVA e como tal a improcedência da presente impugnação.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que, após a análise do seu mérito, se julgue improcedente, por não provada, a presente impugnação, com as legais consequências.

Contra-alegou a recorrida, tendo concluído:
1. Bem andou o Mmo. Juiz a quo ao decidir que não há lugar à incidência de IVA sobre as TOS refaturadas ou redebitadas pela Recorrida aos seus clientes ao abrigo do contrato de concessão com o Estado Português e nos termos regulamentados pela ERSE.
2. Contrariamente ao que alega a AT, não se aplica o disposto no artigo 78.º, al. a) da Diretiva do IVA e no artigo 16º n.° 5, al. a) do CIVA para incluir as TOS redebitadas aos clientes no valor tributável de IVA.
3. Com efeito, inexiste uma relação direta – “um nexo direto e necessário entre o serviço prestado e contravalor recebido”, como referiu o Advogado-Geral do TJUE nas conclusões apresentadas no processo n.° C-246/08 - entre o recebimento das TOS dos clientes e uma prestação que lhes seja dirigida pela Recorrida, havendo apenas, e no limite, um nexo incidental e indireto.
4. Se as TOS não forem pagas às autarquias locais, a consequência é apenas a constituição de uma dívida, sem qualquer efeito legal sobre o contrato de concessão com o Estado Português ou sobre a licença de comercialização de gás natural de último recurso concedida pela DGEG — Direção-Geral de Energia e Geologia, ou seja, o não pagamento prévio não constitui obstáculo legal ao exercício de qualquer atividade por parte da concessionária.
5. A cobrança e pagamento das TOS é meramente incidental ou lateral à atividade da Recorrida e não um pressuposto desta, já que é um tributo local cujo pagamento não constitui requisito prévio ou condição de legalidade para exercício das atividades concessionadas (distribuição de gás) e licenciadas (comercialização de gás).
6. Acresce que a base tributável de IVA tem subjacente uma ideia de sinalagmaticidade e só pode ser constituída por aquilo que seja a contrapartida efetivamente obtida pelo sujeito passivo do destinatário do bem ou adquirente do serviço, sendo que as TOS repercutidas aos clientes não representam a contraprestação de uma transação praticada pela Recorrida a favor daqueles (cfr. artigo 73º da Diretiva do IVA e artigo 16°, n.° 1 do CIVA).
7. As atividades da Recorrida estão sujeitas a regulação e, por conseguinte, a remuneração a receber dos clientes (comercializadoras e consumidores finais) é constituída exclusivamente por tarifas fixadas pela ERSE, sendo que as TOS não se integram nas referidas tarifas.
8. Por outro lado, o facto gerador específico das TOS, que é a utilização individualizada do subsolo pela Recorrida para instalação da rede de gás, está totalmente desligado do facto gerador de IVA (v.g. fornecimento de gás), sendo que, à luz da jurisprudência do TJUE, se os dois factos tributários são distintos e estão totalmente dissociados entre si, como é o caso, não existe o nexo direto entre o tributo e a transação cuja existência é indispensável à inclusão do primeiro na base tributável de IVA.
9. Sem prejuízo do exposto, deve sempre reconhecer-se que a incidência de IVA sobre o redébito das TOS atenta contra o princípio da neutralidade que rege o sistema comum do IVA, como bem decidiu o Mmo, Juiz a quo.
10. Se num primeiro momento - o da liquidação pelo sujeito ativo das taxas - as TOS não estão sujeitas a IVA por força do disposto no artigo 2°, n.° 2 do CIVA, o redébito do valor exato destas taxas, sem qualquer margem ou valor acrescentado, como in casu sucede, também deve beneficiar da não sujeição a imposto.
11. A AT tem sufragado a tese de que a natureza da despesa incorrida pelo sujeito passivo, bem como o enquadramento desta em sede de IVA, têm reflexos no tratamento em sede de IVA da operação subsequente de redébito da despesa, sendo que pode não haver lugar à sujeição a IVA da despesa redebitada se, se verificarem certos condicionalismos.
12. No caso concreto, estão demonstrados todos os pressupostos de exclusão da tributação em IVA dos redébitos de despesas exigidos pela AT nas várias instruções administrativas citadas nos autos: (i) a despesa sujeita a refaturação não está sujeita a IVA; (ii) nas faturas emitidas pela Recorrida aos seus clientes consta a discriminação do valor das TOS, com a indicação do município que as cobra e o respetivo montante; (iii) o montante redebitado ou refaturado corresponde apenas ao valor efetivamente pago às autarquias.
13. Do ponto de vista da essência e da natureza conceptual do IVA e, bem assim, do princípio da neutralidade e da uniformidade do IVA, é inadmissível tributar uma despesa que está fora do campo de incidência do IVA apenas pelo facto de o seu montante ser repercutido, ainda mais quando nesta operação de redébito não é acrescentada qualquer margem nem, verdadeiramente, qualquer valor (cfr. os considerandos n.° 5 e 7 da Diretiva do IVA).
14. Decorre da jurisprudência do TJUE que o princípio da neutralidade, estruturante deste imposto harmonizado, é tributário de uma lógica de igualdade, obrigando a que determinada prestação de serviços/transmissão de bens, independentemente da qualidade e/ou quantidade do(s) respetivo(s) prestador(es), i.e. da natureza ou do número de sujeitos existentes numa dada cadeia produtiva, receba tratamento idêntico/uniforme em sede de IVA (cfr. Acórdãos n.° C-216/97, de 07/09/1999, caso Gregg nº C-29/08, de 29/10/2009, caso Skatteverket vs. AB SKF; nº C-141/00, de 10/02/2002, caso Ambulanter Pffegedienst Kügler Gmbh, vs. Finanzamt für Körperschaften / in Berlin; n.° C-481/98, de 03/05/2001, caso Comissão vs. República Francesa; Conclusões da Advogada-Geral Juilane Kokott no processo n.° C-357/07, caso TNT Post UK Ltd),
15. No âmbito comunitário, cumpre ainda realçar que no recente Acórdão do TJUE n.° C-224/11, de 17/01/2013, no caso BGZ Leasing foi defendida de forma clara a doutrina de que o princípio da neutralidade do IVA impõe que o tratamento em IVA de uma determinada despesa (não sujeição ou isenção) deve ser mantido quando o montante exato dessa despesa — como acontece no caso das TOS — é refaturado a um terceiro.
16. Por fim, não é pelo facto de o Tribunal não ter utilizado na fundamentação da sua decisão uma norma que a AT entendia ser aplicável, embora nunca antes a tenha invocado, que há erro de julgamento, até porque constitui princípio geral de direito que o juiz não está vinculado às alegações das partes no tocante ao direito (iura novit curia).
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, por não provado, com a consequente manutenção, na íntegra, da sentença recorrida.
Requer-se ainda seja ordenado, nos termos do disposto no artigo 267,° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no caso de V. Exas. entenderam que é necessário à boa decisão da causa, o reenvio prejudicial para o TJUE tendo em vista o esclarecimento das questões supra identificadas.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela procedência do recurso com a consequente revogação da sentença recorrida. Levantou contudo a hipótese de se justificar, previamente à decisão do presente recurso, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, para apreciação da questão da admissibilidade da inclusão das TOS no valor tributável para efeitos de IVA, face ao disposto no artº 78º al. a) da Directiva 2006/112/CE.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1 - A Impugnante é concessionária em regime de exclusivo do serviço público essencial da rede de distribuição de gás natural e dos seus gases de substituição na Zona Centro Interior cfr. a minuta do contrato de concessão que foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 98/2008, publicada no D.R., 1.ª série, n.° 119, de 23.06.2008 e integralmente disponível para consulta em www.dgeg.pt.
2 - A cláusula 7ª do contrato de concessão entre o Estado e a Impugnante, sob a epígrafe “Direitos e obrigações da Concessionária”, enuncia no seu n.° 2: “Assiste à Concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais”.
3 - Estabelece o n.° 3 da cláusula 7ª do contrato de concessão: “Na sequência do estabelecido no n.° 2 e no que respeita às taxas de ocupação do subsolo a liquidar pelas autarquias locais que integram a área da concessão, os valores pagos pela Concessionária em cada ano civil serão repercutidos por município, sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas nos termos a definir pela ERSE”.
4 - Na sequência da regulamentação efectuada pela ERSE, conforme previsto no n.° 3 da cláusula 7ª do contrato de concessão, a Impugnante passou a repercutir aos seus clientes as TOS liquidadas e pagas às autarquias integradas na sua área de concessão.
5 - A Impugnante repercute as TOS mediante a inclusão na factura emitida aos clientes de uma rubrica adicional, autónoma, contendo o valor do tributo (que corresponde àquilo que foi efectivamente pago, como impõe o contrato de concessão) e a indicação do município a que a TOS respeita.
6 - Os valores concernentes às TOS são registados pela Impugnante em contas de terceiros apropriadas.
7 - Na sequência da informação vinculativa emanada pela DSIVA em 03.08.2011, a Impugnante procedeu à liquidação de IVA sobre o montante das TOS respeitante a Janeiro de 2012, e obteve um montante de imposto de € 14.718,30.
8 - A Impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação referida no n° anterior, a qual foi indeferida com base no entendimento constante da aludida informação vinculativa.
B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado.

Há agora que apreciar, primeiramente, do reenvio prejudicial a dirigir ao TJUE, nos termos do disposto no art. 267º do TFUE.
Dispõe esta norma que, o “… Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. (…) Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. (…) Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. (…) Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível …”.

Nos presentes autos coloca-se a questão de saber se, no momento da repercussão no consumidor final da Taxa de Ocupação do Subsolo (TOS), cobrada pelos Municípios aos fornecedores de gás canalizado, como a recorrida, deve ou não incidir IVA sobre essa mesma Taxa.

Não está em causa nos presentes autos a legalidade e o valor da Taxa cobrada, nem a possibilidade de repercussão do valor dessa mesma Taxa sobre o consumidor final.

Entendeu-se na sentença recorrida, que sufragou o entendimento da recorrida, no essencial, que, “…a repercussão do valor das TOS é uma operação meramente financeira que nem sequer constitui uma actividade económica na acepção do artigo 9.°, n° 1 da Directiva do IVA, daí que não caiba no âmbito de incidência do imposto.
Essa repercussão não constitui uma operação com substância económica ou um acto de consumo porque nem sequer gera valor acrescentado para qualquer dos operadores económicos, pelo que, à luz da legislação comunitária e da melhor doutrina, não pode ser tributada em IVA.”.

Pelo contrário, a recorrente Fazenda Pública, entende que deverá sempre incidir o imposto do IVA sobre tal Taxa, quando repercutida sobre o consumidor final, uma vez que a isso obriga o disposto nos “…art.°s 73° e 78° da Directiva 2006/112 de 28 de Novembro de 2006, quer do art.° 16°, n°s 1 e 5 alínea a) do CIVA (porque daí) se retira que o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com excepção do próprio imposto sobre o valor acrescentado”.

Identificada a dissonância de interpretações das normas em análise – no essencial o artigo 16º, n.º 5, alínea a) do CIVA reproduz o teor do artigo 78º, alínea a) da Directiva 2006/112/CE- incumbiria a este Supremo Tribunal fazer uma interpretação de tais normas, de modo a dar uma solução à questão que divide as partes.
No entanto, e como já anteriormente se apontou, não sendo clara a interpretação a fazer dos preceitos Comunitários que regulam a matéria, isto é, não se apresentando a sua interpretação e aplicação de tal modo clara e evidente que não admita margem para dúvida ou incerteza, impõe-se como obrigatória a consulta ao TJUE, para que delimite e forneça os elementos de interpretação indispensáveis à melhor aplicação do direito.

E, assim sendo, devem colocar-se duas questões àquele TJUE, que permitiriam, a final, concluir pela (i)legalidade da liquidação e pela correcta actuação da Administração Tributária.
A primeira, e sufragando a posição da AT, passa por saber se a repercussão daquela TOS no consumidor final, deve ainda ser incluída no preço do gás fornecido e, em função da resposta que venha a ser dada a esta dúvida, a segunda prende-se com a possibilidade de fazer incidir o imposto do IVA sobre tal montante repercutido.

Assim, formulam-se as seguintes questões:

I-O Direito da União, em especial o disposto no artigo 78º, al. a) da Directiva 2006/112/CE, opõe-se a que, a TOS paga pela distribuidora de Gás seja repercutida no consumidor final, em singelo e de forma autónoma, relativamente ao preço que este paga pelo gás consumido, isto é, sem ser incluída nesse preço?

Se se concluir por uma resposta negativa a esta primeira questão suscita-se ainda a seguinte questão:

II-O Direito da União, em especial o disposto nos artigos 73º a 79º da Directiva 2006/112/CE, opõe-se a que, a TOS paga pela distribuidora de Gás quando repercutida no consumidor final, em singelo e de forma autónoma, relativamente ao preço que este paga pelo gás consumido, não seja considerada valor tributável?

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:

A) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as questões prejudiciais supra enunciadas sob os n.ºs. I e II; e, em consequência,
B) Suspender esta instância de recurso, nos termos do art. 267.º do TFUE;
C) Ordenar a passagem de carta com pedido de decisão prejudicial, acompanhada do translado do processo, incluindo cópias da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente e contra-alegações da recorrida, bem como de todas as peças processuais posteriores e fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão.

Não são devidas custas.
D.N.

Lisboa, 2 de Julho de 2014. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Casimiro Gonçalves.