Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0434/11.5BELRS 0362/18
Data do Acordão:05/22/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
APLICAÇÃO RETROACTIVA
LEI FISCAL
Sumário:I - Incumbe aos Tribunais proceder ao controlo difuso e concreto da constitucionalidade das normas em todas as situações em que não houver, como neste caso não existe, declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral de um preceito.
II - Não pode proceder-se à aplicação do disposto no n.º 1, do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que determina a eficácia retroactiva da alteração do n.º 3, do artigo 81.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à data da sua entrada em vigor, sob pena de violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Nº Convencional:JSTA000P24581
Nº do Documento:SA2201905220434/11
Data de Entrada:04/11/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Tributário de Lisboa
. 25 de Junho de 2018

Julgou procedente, por provada, a impugnação, declarando a nulidade da liquidação adicional de IRC, do ano de 2008, na parte resultante da aplicação da taxa de 10%, por aplicação da alínea a), do n.º 3 do artigo 81.º do CIRC ao período de 01/01/2008 a 05/12/2012, devendo ser restituído à Impugnante a quantia paga.
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública veio interpor o presente recurso da sentença supramencionada, proferida no processo de Impugnação Judicial deduzida por A………. Ld.ª contra o indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, deduzido do indeferimento da Reclamação Graciosa, versando sobre a liquidação adicional de IRC, no que respeita à tributação autónoma, do ano de 2008, no montante de € 42.443,52 tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a Lei n.º 64/2008, de 05/12 enfermava do vício de inconstitucionalidade uma vez que retroagia os seus efeitos a factos passados, o que era proibido nos termos do art.º 103.º n.º 3 da CRP.

II – Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se a Lei n.º 64/2008, de 05/12, era ou não inconstitucional e se a Autoridade Tributária a deveria ou não aplicar, face ao princípio da legalidade a que está obrigada.

III – A Fazenda Pública considera que a Lei n.º 64/2008, de 05/12 não é inconstitucional uma vez que no Ac. do Tribunal Constitucional com o n.º 18/2011, de 12/01 se pronunciou pela sua constitucionalidade, pelo que se acompanha na íntegra a fundamentação do Ac. supra, para o qual remetemos.

IV – Assim, não tendo sido decretada a inconstitucionalidade da lei, não se vislumbra quaisquer motivos para que a Autoridade Tributária a não aplique, até porque as taxas de tributação autónoma são evidenciadas na Mod. 22, aos encargos suportados, sendo que os mesmos são declarados no final do ano, não sendo, também, por este motivo inconstitucional

V – Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de direito, em clara e manifesta violação da Lei n.º 64/2008, de 05/12, designadamente no seu art.º 5.º que altera as taxas de tributação autónoma dos art.ºs 81.º e 96.º do CIRC.


Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso suportando-se na posição assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria.

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:
1. A impugnante apresentou declaração periódica modelo 22 relativa ao exercício de 2008, tendo preenchido o campo 365, do Quadro 10, com o valor de € 36.424,96, em resultado da aplicação da taxa de 5% às despesas de representação e encargos com viaturas até 05/12/2008 e a partir desta data a taxa de 10% (cfr. fls. 15 a 19 do procedimento de reclamação graciosa apenso);

2. Em 23/11/209 a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2009 2310402623, do ano de 2008, na qual por aplicação da taxa de 10% a todas as despesas de representação e encargos com viaturas, no período de 01/01/2008 a 05/12/2008, corrigiu o valor indicado pela Impugnante, para € 71.471,66, donde resultou a liquidação adicional, no montante de e 42.443,52, com data limite de pagamento em 04/01/2010 (cfr. fls. 82 e 83 dos presentes autos e procedimento de reclamação graciosa apenso);
3. Em 04/01/2010 a Impugnante efectuou o pagamento da quantia relativa à liquidação adicional e demonstração de acerto de contas, referida no ponto anterior (cfr. fls. 82 e 83 dos presentes autos e procedimento de reclamação graciosa apenso);

4. Em 06/05/2010 a Impugnante deduziu reclamação da liquidação adicional (cfr. procedimento RG apenso);

5. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 23/08/2010 do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa, notificado à Impugnante através do ofício n.º 072370, de 25/08/2010 (cfr. fls. 42 a 45 e 46 a 47 do procedimento RG apenso);

6. Em 01/10/2010 a Impugnante deduziu recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa, o qual veio a ser indeferido por despacho de 11/10/2011 da Directora de Serviços do IRC, por subdelegação de competências (cfr. procedimento RG apenso);

7. Em 23/02/2011 a impugnante deduziu impugnação (cfr. fls. 2 e segs. dos presentes autos).

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Questão objecto de recurso:
1 – Inconstitucionalidade do n.º 1, do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que determina a eficácia retroactiva da alteração do n.º 3, do artigo 81.º do CIRC

Contrariamente ao referido pela recorrente nas suas alegações não é objecto de recurso determinar se a Autoridade Tributária deveria ou não aplicar n.º 1, do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro face ao princípio da legalidade a que está obrigada. A sentença recorrida claramente esclareceu que:
« (…) estando a Administração Tributário sujeita ao princípio da legalidade não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma, com força obrigatória geral, o que não é ainda o caso dos autos (cfr. artigo 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT); vide neste sentido Acs. do STA de 11/05/2016, processo n.º 0704/14 e de 05/04/2017, processo n.º 0399/15).» vindo a «declarando a nulidade da liquidação adicional de IRC, do ano de 2008, na parte resultante da aplicação da taxa de 10%, por aplicação da alínea a), do n.º 3 do artigo 81.º do CIRC ao período de 01/01/2008 a 05/12/2012, devendo ser restituído à Impugnante a quantia paga.».
Face à fundamentação constante da sentença e ao segmento decisório é forçoso concluir que foi declarada a anulação (não nulidade) do acto de liquidação na parte resultante da aplicação da taxa de 10%, por aplicação da alínea a), do n.º 3 do artigo 81.º do CIRC ao período de 01/01/2008 a 05/12/2012, devendo ser restituído à Impugnante a quantia paga em excesso, sem atribuir à Autoridade Tributária qualquer responsabilidade pelo excesso de liquidação.
Passando ao conhecimento da conformidade constitucional da aplicação do n.º 1, do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro entre 01/01/2008 e 05/12/2012 começaremos por realçar ser incumbência dos Tribunais proceder ao controlo difuso e concreto da constitucionalidade das normas em todas as situações em que não houver, como neste caso não existe, declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral de um preceito.
Entende a Recorrente ser conforme à Constituição da República Portuguesa o disposto no n.º 1, do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que determina a eficácia retroactiva da alteração do n.º 3, do artigo 81.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Diverso entendimento tem sido adoptado quer pelo Supremo Tribunal Administrativo, de modo uniforme, como mencionado na sentença recorrida, quer pela maioria dos acórdãos do Tribunal Constitucional que sobre a matéria se debruçaram, nomeadamente os acórdãos n.º 85/2015 e 171/2017.
Seguindo as indicadas correntes jurisprudenciais a sentença recorrida, com total acerto identificou ser «(…) manifesto que se está perante uma hipótese de aplicação retroactiva do disposto no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, ou seja, aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à data da sua entrada em vigor.
Com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal – a realização de despesas de representação ou com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, no período de 1 Janeiro de 2008 até à entrada em vigor da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro (6 de Dezembro de 2008) – ocorre indubitavelmente antes da publicação da lei nova, não sendo possível entender que se está perante um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva.
A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade autêntica.
O que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o acto que determina o pagamento desse imposto. É esse acto que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da protecção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.
Uma vez que a alteração efectuada ao artigo 83.º, n.º 3, do CIRC, através da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, veio aumentar a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas, agravando a situação dos contribuintes abrangidos, estava-lhe vedada uma eficácia retroactiva.
Contudo, como vimos, embora a referida Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, tenha entrado em vigor em 6 de Dezembro de 2008, o seu artigo 5.º, n.º 1, determinou que tal alteração produzia efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2008.
Ora, tendo já ocorrido o facto que deu origem à obrigação tributária posteriormente agravada por lei nova, as razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroactividade neste domínio estão integralmente presentes, uma vez que importa prevenir o risco abstracto de que a lei publicada com retroacção de efeitos provoque agravos financeiros desrazoáveis, pela impossibilidade em que se encontravam os contribuintes afectados, vinculados a tais factos já ocorridos, de prever e prover quanto às suas consequências tributárias, determinadas por lei futura.
Assim, não pode a lei, sob pena de violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efectuadas aquando da sua entrada em vigor, pelo que, tendo a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, determinado a retroacção de efeitos a 1 de Janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, violou a referida proibição constitucional.».

A recorrente para além de manifestar a sua discordância não avança fundamentos que permitam inflectir a posição adoptada pela sentença recorrida, conforme com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional que aqui se reafirma no sentido de ser violador do art.º 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa a aplicação retroactiva da lei fiscal aqui em concreto verificada pelo aumento da taxa de tributação das tributações autónomas entre 01/01/2008 e 05/12/2012 por força de uma lei que iniciou a sua vigência no dia imediato, 06/12/2012.
Fez, pois, a sentença recorrida uma correcta interpretação da lei, não enferma dos erros de direito que lhe vinham imputados, impondo-se a sua confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).
Lisboa, 22 de Maio de 2019. – Ana Paula Lobo (reatora) – Dulce Neto – Francisco Rothes.