Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01198/13
Data do Acordão:09/09/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:OPOSIÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
COIMA
PAGAMENTO DA DÍVIDA EXEQUENDA
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA000P19351
Nº do Documento:SA22015090901198
Data de Entrada:07/04/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso da decisão de indeferimento liminar da petição da oposição que deduziu à execução fiscal nº 1988200701019759 e apensos, apresentada após a reversão dessa execução contra si com fundamento na sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dívidas exequendas – IRC, IVA e Coimas Fiscais – face à julgada «manifesta impossibilidade de prosseguimento da lide, dado o desaparecimento do objecto da presente lide» atento o pagamento das dívidas exequendas pelo oponente.
Rematou as alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo:
1. Na sentença recorrida fez-se interpretação inconstitucional das normas do CPPT correspondentes aos arts. 160º, nº 3, 176º, nº 1, al. a) e 269º, porquanto a mesma ofende o disposto nos arts. 20º, nºs 1 e 5, 32º, nº 10, e 268º, nº 4, todos da Constituição da República.

2. Porquanto impede o exercício dos direitos de acesso aos tribunais e de defesa ao responsável subsidiário pelo pagamento das coimas pois que não interveio no procedimento contra-ordenacional a fim de nele poder influir.

3. Outrossim, o indeferimento liminar somente poderá ser aplicado no caso de a solução jurídica postulada na petição de oposição não ter qualquer viabilidade de sucesso.

4. Na verdade, nesta postula-se a ausência de fundamentação do despacho de reversão e a responsabilização do responsável subsidiário pelo pagamento das coimas cominadas à devedora originária;

5. Pelo que, a oposição seria o único meio daquele poder ver apreciados pelo tribunal os fundamentos do despacho de reversão e, principaliter, da sua responsabilização pelo pagamento das coimas, já que o facto de ter procedido ao pagamento da quantia exequenda a tal não obsta.

6. Termos em que, na sentença recorrida fez-se interpretação inconstitucional das disposições legais contidas nos arts. 160º, nº 3, 176º, nº 1, al. a) e 269º do CPPT, por ofensa às normas constitucionais vertidas nos arts. 20º, nºs 1 e 5, 32º, nº 10 e 268º, nº 4, da Constituição da República.

7. Ademais, ofendeu-se também o disposto no art. 204º, nº 1, al. h), do CPPT, porquanto aí caberia o teor da oposição deduzida pelo Recorrente.


1.2. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que fosse negado provimento ao recurso com a seguinte argumentação:
«(…) Assim, verificado o pagamento da dívida exequenda e acrescido e decretada a extinção da execução fiscal tendente à cobrança coerciva da dívida, ocorre, natural e necessariamente, a inutilidade superveniente da lide de oposição à execução, com a consequente prejudicialidade do conhecimento das questões nesta invocadas.

Como se invoca na decisão judicial recorrida (e jurisprudência ali citada), a jurisprudência do STA tem, contudo, considerado situações em que entende não se verificar essa inutilidade superveniente da lide:

- é o caso em que a oposição serve de meio adequado para impugnar a liquidação subjacente à dívida exequenda constante do título dado à execução, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação [al. h) do nº 1 do art. 204º do CPPT];

- nos casos em que o pagamento da dívida exequenda seja efectuado pelo revertido para beneficiar de isenção de custas [nº 5 do art. 23º da LGT].

Ora, como se deixou exarado na decisão recorrida, nenhum desses fundamentos foi invocado pelo Recorrente na oposição que deduziu contra a execução fiscal. Por outro lado o pedido formulado pelo Recorrente em sede de oposição foi a extinção da execução fiscal e não a anulação da dívida exequenda, sendo certo que o tribunal nos seus poderes de cognição deve cingir-se ao pedido formulado pelas partes. Afigura-se-nos, assim, que a decisão recorrida não padece, nesta parte, de qualquer vício invalidante, designadamente os vícios que lhe são imputados pelo Recorrente.

Invoca igualmente o Recorrente a violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado nos artigos 20º, nº 1 e 5, 32º, nº 10, e 268º, nº 4, todos da CRP, alicerçando-se no entendimento do Tribunal Constitucional vertido no acórdão nº 45/2008 de 23/01/2008 (proc. 676/07).

Mas como resulta do referido aresto do TC, o disposto no artigo 32º, nº 10, da CRP, «implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cf. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do nº 10 do artigo 31º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as garantias do processo criminal” (artigo 32º-B do Projecto de Revisão Constitucional nº 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, II Série-RC, nº 20, de 12 de Setembro de 1996, pp. 541-544, e I Série, nº 95, de 17 de Julho de 1997, pp. 3412 e 3466).

Mas, como se reconheceu nesse Acórdão nº 659/2006, é óbvio que não se limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos arguidos em processos sancionatórios, mas é noutros preceitos constitucionais, que não no nº 10 do artigo 32º, que eles encontram esteio. É o caso, desde logo, do direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias em causa, direito que se funda, em geral, no artigo 20º, nº 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268º, nº 4, da CRP. E, entrados esses processos na “fase jurisdicional”, na sequência da impugnação perante os tribunais dessas decisões, gozam os mesmos das genéricas garantias constitucionais dos processos judiciais, quer directamente referidas naquele artigo 20º (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2º da CRP), sendo descabida a invocação, para esta fase, do disposto no nº 10 do artigo 32º da CRP.

Ora, a decisão recorrida não pôs em causa os referidos direitos constitucionais de acesso aos tribunais para tutela efectiva de direitos e interesses legalmente reconhecidos, uma vez que não estava em causa na acção proposta pelo Recorrente a discussão da legalidade da aplicação da coima, mas unicamente a legalidade do meio utilizado - execução fiscal - para obter a cobrança da responsabilidade extracontratual pela falta de pagamento no prazo legal, nos termos utilizados pelo próprio Recorrente. (…)».


1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Na decisão recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:
A) Contra a sociedade B………………, LDA foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal: 1988200701019759; 1988200701027972; 1988200801002929; 1988200801007874; 1988200801024485; 1988200801028383; 1988200901002384; 1988200901020951 - (cfr. certidões de dívida a fls. 5 a 16 dos autos);

B) Por despacho de 14 de Julho de 2009, da Chefe do Serviço de Finanças do Cartaxo, foi ordenada a apensação dos processos de execução fiscal nº 1988200701027972, 1988200801002929, 1988200801007874, 1988200801024485, 1988200801028383, 1988200901002384 e 1988200901020951 ao processo executivo nº 1988200701019759 - (cfr. despacho e termo de apensação a fls. 17 e 18 dos autos);

C) Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Cartaxo, datado de 7 de Outubro de 2009, foi ordenada a reversão da execução fiscal nº 1988200701019759 e apensos contra, entre outros, o Oponente A…………, constando do seu teor, designadamente, o seguinte:
«De acordo com os elementos juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, verifica-se que.
(…)
A..................., exerceu o direito de audição prévia, todavia não logrou provar a sua falta de responsabilidade.
Deste modo, determino que se prossiga com a reversão da execução contra os mesmos na qualidade de responsáveis subsidiários da executada B……………., Lda» - (cfr. despacho de reverso a fls. 38 dos autos);
D) Em 8 de Outubro de 2009, o Oponente foi citado da reversão dos processos de execução fiscal nº 1988200701019759 e apensos, respeitantes a IVA, IRC e Coimas, cuja quantia exequenda ascende a € 10.535,84 - (citação a fls. 40 a 41 dos autos; facto confessado no artigo 10º da p.i. e talão de expedição postal registado com AR a fls. 44 dos autos);

E) Em 9 de Novembro de 2009, o Oponente apresentou junto do Serviço de Finanças do Cartaxo oposição contra a reversão referida em D) - cfr. carimbo aposto na pi a fls. 50 dos autos);

F) Em 23 de Dezembro de 2009, o Oponente procedeu ao pagamento das dívidas revertidas no valor de € 5.000,00, respeitando € 2.817,00 à quantia exequenda e € 2.183,00 ao acrescido (cfr. modelo 50 com o respectivo selo comprovativo de pagamento a fls. 47 e 48 dos autos);

G) Em 23 de Dezembro de 2009, o Oponente procedeu ao pagamento das dívidas revertidas no valor de € 8.515,23, respeitando € 7.718,84 à quantia exequenda e € 796,39 a acrescidos (cfr. modelo 50 com respectivo selo comprovativo de pagamento a fls. 49 dos autos);

H) Os processos de execução fiscal nº 1988200701019759 e apensos foram extintos por pagamento em reversão – (cfr. despacho a fls. 3 dos autos; cfr. informação oficial a fls. 5 dos autos; cfr. print de tramitação processual a fls. 45 dos autos).


3. Como se viu, a decisão recorrida indeferiu liminarmente a petição de oposição à execução fiscal revertida contra o gerente da sociedade devedora originária com base na sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dívidas exequendas – IRC, IVA e Coimas aplicadas à sociedade –, face à «manifesta impossibilidade de prosseguimento da lide, dado o desaparecimento do objecto da presente lide» por força do pagamento, pelo oponente, da totalidade das dívidas exequendas após a apresentação desta oposição.

Segundo a decisão recorrida, a «jurisprudência dos tribunais superiores tem analisado a problemática do pagamento da execução fiscal no âmbito da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, distinguindo três situações, a saber:
1. Pagamento da execução fiscal dentro do prazo para dedução de oposição;
2. Pagamento da execução fiscal após o prazo para dedução de oposição;
3. Pagamento da execução fiscal no prazo de oposição ou decorrido o seu termo, desde que a questão se subsuma nas alíneas a) ou h) do artigo 204º do CPPT.
Na primeira situação, o pagamento da dívida pelo responsável subsidiário não determina a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, dado que a questão é enquadrável no artigo 9º nº 3 da LGT, visando a isenção de juros e custas.
Por sua vez, na segunda situação, o pagamento da dívida pelo responsável subsidiário após o decurso do prazo de oposição já inclui a dívida exequenda e os acrescidos e, por isso, a execução extinguir-se-á, acarretando, consequentemente, a extinção da instância na própria oposição, por impossibilidade superveniente desta lide.
Por fim, sempre que a oposição ao processo executivo apresente algum dos fundamentos que sejam enquadráveis nas alíneas a) ou h) do artigo 204º do CPPT, independentemente do momento do pagamento da dívida, tem-se entendido que nessas situações o pagamento não determina a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, visto que nesses casos a oposição reconduz-se, ainda, a uma forma processual de impugnação da legalidade e logo só o desaparecimento do acto impugnado da ordem jurídica e não o pagamento da dívida levam à extinção da execução fiscal.
(…)».

Neste contexto jurisprudencial, o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo entendeu que, in casu, o pagamento da dívida exequenda pelo oponente implicava a extinção da instância executiva e impedia o conhecimento da oposição. Como deixou referido, «O Oponente procedeu ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos após o decurso do prazo de dedução de oposição ao processo executivo, logo sem o benefício da isenção dos juros de mora e custas constantes no artigo 23º, nº 5 da LGT; Acresce que os fundamentos apresentados pelo Oponente não se reconduzem, por um lado, a pretensão impugnatória da legalidade em concreto da dívida, ou seja, a pretensão de impugnação da liquidação subjacente à dívida, que possa enquadrar-se na letra do preceito legal 204º, nº 1, alínea h), do CPPT, e por outro lado não se trata de fundamento de oposição subsumível à previsão da al. a) do nº 1 do referido preceito legal. (…). // Ora, uma vez que o responsável subsidiário procedeu ao pagamento voluntário da dívida exequenda, já após o decurso do prazo para dedução de oposição ao processo executivo, incluindo tal pagamento a dívida exequenda e o acrescido e, tendo por isso, a execução sido extinta, tal implica, consequentemente, a extinção da instância na própria oposição, por impossibilidade superveniente desta lide [cfr. artigo 160º, nº 3, 176º, nº 1, alínea a), e 269º todos do CPPT].

É contra essa decisão que se insurge o oponente, ora recorrente, advogando, em síntese, que se fez uma errada e inconstitucional aplicação das normas vertidas nos arts. 160º, nº 3, 176º, nº 1, al. a), e 269º, todos do CPPT, por ofensa do disposto nos arts. 20º, nºs 1 e 5, 32º, nº 10, e 268º, nº 4, da Constituição da República, «porquanto a interpretação delas efectuada põe em causa o acesso do oponente aos tribunais, designadamente a inexistência da infracção contra-ordenacional, como as suas garantias de audição e defesa, pois, in casu, não foi ele o visado com a mesma, mas simplesmente seu alegado responsável subsidiário, o qual nenhuma intervenção teve no procedimento que cominou a dita à devedora originária, nem aí lhe foi dada a oportunidade de se defender, sendo certo que já o Tribunal Constitucional, neste preciso conspecto, se pronunciou sobre a violação das preditas normas constitucionais, mormente no que se refere à primeira e a terceira das normas constitucionais ofendidas, estas conjugadamente lidas, tendo aí se pronunciado pela sua violação quando em procedimento sancionatório o pagamento da coima obstou ao exercício do direito de acesso aos tribunais e de defesa, porquanto a mesma havia sido paga voluntariamente — vide neste sentido, entre outros, o douto acórdão do TC nº 45/2008, datado de 23-01-2008 (…)».

Vejamos.

Efectivamente, constitui entendimento jurisprudencial consolidado nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo que embora o pagamento voluntário da dívida exequenda possa acarretar a extinção da instância de oposição por inutilidade ou impossibilidade da lide, o certo é que quando esse pagamento é efectuado pelo responsável subsidiário dentro do prazo de oposição – para assim beneficiar da isenção de custas e multa nos termos do art. 23º, nº 5, da LGT – tal não pode implicar a preclusão do seu direito de impugnar o acto de onde emergem as obrigações em cobrança, porquanto o nº 3 do art. 9º da LGT reconhece expressamente que «o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei» – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 7/09/2011, no proc. nº 0421/11, de 21/09/2011, no proc. nº 0560/11, de 23/02/2012, no proc. nº 0884/11, de 20/06/2012, no proc. nº 0537/12 e em 27/06/2012, no proc. nº 0430/12.

Por outro lado, esta Secção tem também entendido que perante a imposição da norma contida no art. 9º, nº 3, da LGT, o pagamento da dívida exequenda não pode impedir o prosseguimento da oposição deduzida pelo responsável subsidiário sempre que na petição inicial tenham sido invocados os fundamentos previstos nas alíneas a) ou h) do CPPT, isto é, a ilegalidade abstrata do acto de liquidação de onde emerge a dívida ou a sua ilegalidade concreta quando a lei não assegura outro meio de impugnação contra o acto, na medida em que a oposição constitui o meio processual adequado para apreciar essas questões – cfr. acórdãos de 7/10/2009, no proc. nº 0532/09, e de 10/03/2010, no proc. nº 01134/09 –

Para além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo também já admitiu o prosseguimento da lide de oposição quando o responsável subsidiário/revertido invoca o fundamento previsto na alínea b) do CPPT, isto é, invoca a inexistência de responsabilidade sua pelo pagamento da obrigação tributária em cobrança, porquanto o processo de oposição constitui o único e irrepetível meio processual de que ele dispõe para ver reconhecido essa sua falta de responsabilidade subsidiária – cfr. acórdão de 25/11/2009, no proc. nº 0753/09. Tese que aqui se acolhe e sufraga, tendo em atenção que a questão da (in)verificação dos pressupostos para a responsabilização subsidiária, contidos no acto de reversão (acto que é praticado exclusivamente em sede de processo executivo), não pode ser apreciada em nenhum outro meio judicial; e o pagamento da dívida não pode prejudicar o controlo jurisdicional desse acto executivo de responsabilização, até porque tal constituiria uma violação do direito fundamental de acesso aos tribunais previsto no art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

E a Lei do Orçamento de Estado para 2013 (Lei nº 66-B/2012, de 31/12), ao aditar ao artigo 176º do CPPT a norma que passou a constar do seu nº 3, evidencia bem a vontade expressa pelo legislador de acolher esta posição jurisprudencial, no sentido de que o pagamento da dívida nem sempre tem por consequência a inutilidade da lide da oposição à execução. Com efeito, segundo o aditado nº 3, «O disposto na alínea a) do nº 1 não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide», sendo que da referida alínea a) do nº 1 consta que a execução se extingue por «pagamento da quantia exequenda e do acrescido».

Por conseguinte, nem sempre ocorre a inutilidade/impossibilidade da lide de oposição na sequência do pagamento voluntário da dívida, como acontece, nomeadamente, quando se pretende discutir a legalidade da dívida ao abrigo das alíneas a), h), ou b), do nº 1 do art. 204º do CPPT, ou quando o pagamento da dívida é realizado pelo responsável subsidiário para poder aceder a determinado benefício.

Ora, relativamente às dívidas provenientes de coimas aplicadas à sociedade e que cujo pagamento foi exigido ao oponente após acto de reversão da execução contra si, é inquestionável que nunca lhe foi dada a possibilidade de se defender no processo contra-ordenacional, nem de interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima, pois só a entidade condenada (isto é, a arguida) tem legitimidade para interpor recurso dessa decisão, em conformidade com o disposto no art. 59º, nº 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi do art. 3º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Pelo que a oposição constitui o único meio processual que o revertido pode utilizar para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos, tendo, por isso, de lhe ser assegurado neste processo não só as condições de defesa idênticas às que são proporcionadas ao arguido no processo contra-ordenacional, como, também, todas as demais condições de defesa dos seus direitos e interesses legítimos, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição.

Aliás, a entender-se, como tem entendido a jurisprudência do STA após as mais recentes decisões do Tribunal Constitucional, que a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas aplicadas à sociedade originária devedora é uma responsabilidade de natureza civil, que se materializa através do acto reversão, não pode deixar de se facultar ao oponente a discussão da legalidade desse acto potencialmente lesivo, designadamente quanto à suficiência da sua fundamentação e à viabilidade legal da cobrança da obrigação civil que dele emerge através de processo de execução fiscal em face ao âmbito do art. 148º do CPPT.(Neste sentido, os Acórdãos do STA de 14/04/2010, no proc. nº 064/10, de 8/09/2010, no proc. nº 0186/10, de 19/01/2011, no proc. nº 0775/10, de 13/04/2011, no proc. nº 087/11, e de 3/12/2014, no proc. nº 0639/14.)

Ora, uma das causas de pedir desenhadas na petição inicial da presente oposição é, precisamente, a da ilegalidade do acto de reversão, seja por inadmissibilidade legal para obter a cobrança de dívidas de natureza civil à luz do disposto no art. 148º do CPPT, seja por insuficiência de fundamentação. Por conseguinte, e pelo que deixámos dito, o pagamento da dívida não pode inviabilizar ou fazer precludir o direito e o interesse legítimo que o oponente tem de ver apreciada e decidida a oposição no que toca ao seu chamamento à execução para pagar dívidas provenientes de coimas fiscais aplicadas à sociedade devedora originária, sob pena de, como bem salienta o recorrente, se impedir ao responsável subsidiário pelo pagamento desse tipo de dívidas o exercício do direito de defesa e de acesso aos tribunais.

Já no que toca às dívidas que emergem de actos de liquidação (IVA e IRC), dado que a causa de pedir gizada na petição inicial era constituída unicamente pela alegada falta de fundamentação do despacho de reversão, isto é, pelo vício formal de um acto intrínseco do processo executivo (vício que, a verificar-se, não conduz à absolvição do oponente da pretensão executiva, mas à mera absolvição de uma instância executiva que pode ser renovada com a prolacção de novo acto sanado do vício formal que o afectava) (Cfr., entre outros, o Ac. do STA de 10/10/2012, no proc. nº 0726/12.), consideramos que efectivamente a extinção do processo executivo pelo pagamento conduz à impossibilidade de discussão desse vício formal imputado ao acto de reversão – vício que deixou de poder ser sanado por virtude de o executado ter provocado a extinção do processo – e à perda de utilidade de apreciação da lide de oposição nessa parte, porquanto a eventual procedência dessa causa de pedir não conduzia, como vimos, à absolvição do oponente da pretensão executiva nem impedia a renovação do acto de reversão da execução contra si.

Em suma, a petição de oposição não podia ser, como foi, objecto de rejeição liminar.

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí seja proferido novo despacho que não seja de rejeição liminar da petição pelos fundamentos considerados.

Sem custas.

Lisboa, 9 de Setembro de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.