Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01691/19.4BEPRT
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ATESTADO MÉDICO
INCAPACIDADE
IMPUGNABILIDADE
Sumário:É de admitir a revista relativa a questão jurídica e socialmente relevante, cuja solução jurídica, obtida nas instâncias se revela duvidosa.
Nº Convencional:JSTA000P28309
Nº do Documento:SA12021100701691/19
Data de Entrada:07/09/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:ACES PORTO OCIDENTAL-AGRUPAMENTO DE CENTROS DE SAÚDE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A «autora da acção» - A………… - invocando o artigo 150º do CPTA, pede a admissão de «recurso de revista» do acórdão do TCAN, de 19.03.2021, que negando provimento à sua apelação manteve o saneador/sentença do TAF do Porto, que julgou verificada a excepção de «inimpugnabilidade do acto», com a consequente absolvição da instância da ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE [ARSN].

A ora recorrente - enquanto autora - pedira ao TAF a declaração de nulidade, ou anulação, do atestado médico de incapacidade multiuso datado de 19.03.2019 - emitido na sequência de Junta Médica constituída nessa data na Unidade de Saúde Pública do ACES -, e a condenação da «Junta Médica» respectiva a emitir novo atestado mas com «preenchimento do campo relativo à incapacidade que lhe fora atribuída em 2005» - nos termos do artigo 4º, nº7, do DL nº202/96, de 23.10, na redacção dada pelo DL nº291/2009, de 12.10.

Alegara, para tanto, que o «acto impugnado» violava o artigo 151º do CPA - por omitir uma referência que era exigida por lei, nos termos do DL nº202/96, de 23.10, na redacção dada pelo DL nº291/2009, de 12.10 -, e era nulo - nos termos do artigo 161º, nº2 alínea d), do CPA - ou anulável - nos termos do artigo 163º, nº1, do CPA - por violar os seus direitos à protecção do Estado, enquanto doente oncológica.

A 1ª instância - em sede de saneador/sentença - pronunciando-se sobre excepção dilatória, deduzida pela ARSN, absolveu esta da instância com fundamento na inimpugnabilidade do «acto», decisão que foi mantida pelo TCAN conhecendo da apelação interposta pela autora.

De novo a autora discorda, e pede revista do assim decidido pelo tribunal de apelação, argumentando que o recurso de revista deve ser admitido por estar em causa questão de relevância jurídica e social, e, assim, de importância fundamental, e por se mostrar claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

A recorrida ARSN não apresentou contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A questão central, que sobressai no presente litígio, é a de saber se o DL nº202/96, de 23.10, na redacção dada pelo DL nº291/2009, de 12.10, e nomeadamente o nº7 do seu artigo 4º, impõe à Junta Médica o preenchimento do respectivo campo previsto no formulário de atestado médico de incapacidade multiuso. A autora defende que um tal preenchimento não é discricionário, antes deve ser feito, e, porque o não foi, mostra-se omitida no atestado médico em causa uma referência exigida por lei e que prejudica os seus direitos enquanto «doente oncológica».

As instâncias não chegaram a abordar esta questão central, uma vez que entenderam que o «acto» em causa não era judicialmente impugnável, sendo certo que, para isso, se enredaram numa interpretação, algo complexa, do regime jurídico de «avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência» para efeitos de «acesso aos benefícios e às medidas previstas na lei».

A seu ver, a autora para poder reagir judicialmente ao «acto» - no fundo, à omissão operada no atestado de incapacidade multiuso - teria de ter interposto o «recurso hierárquico necessário» previsto no artigo 5º, nº1, do «regime jurídico» em referência, e, não o tendo feito, o «acto» não é susceptível de impugnação judicial. Além disso, aduz o acórdão recorrido, o preenchimento do atestado médico de incapacidade multiuso consubstancia apenas uma operação material sem potencialidade lesiva externa.

A actual recorrente reage, nas suas alegações de revista, quer a «esta interpretação do regime jurídico» em causa, quer à falta de apreciação da nulidade apontada ao «acto», que qualifica de nulidade do acórdão - artigo 615º, nº1 alínea d), do CPC.

Cremos seguro que esta nulidade não ocorre, porém, a «interpretação feita no acórdão recorrido do regime jurídico em causa» e que conduziu ao «julgamento de procedência da excepção», impedindo, portanto, a apreciação do mérito da acção, é susceptível de revisão, dado que parece - prima facie - uma solução jurídica duvidosa.

De todo o modo, e muito embora o universo de potenciais «lesados» por este tipo de conduta administrativa não seja, felizmente, demasiado grande, certo é que o melindre da situação associado à possibilidade da sua repetição futura, aconselham a que haja uma apreciação e decisão judicial paradigmática da questão. Deste modo, esta pode, e deve, ser qualificada como de relevância jurídica e social, e, como tal, admitida a sua revisão por este Supremo Tribunal.

Importa pois, quebrar no caso a regra da «excepcionalidade» do recurso de revista, e admiti-lo.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 7 de Outubro de 2021. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.