Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:04/05
Data do Acordão:04/05/2005
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ANTÓNIO MADUREIRA
Descritores:ACTO ADMINISTRATIVO.
DELEGAÇÃO DE PODERES.
RECURSO HIERÁRQUICO FACULTATIVO.
RECURSO CONTENCIOSO.
CHEFE DO ESTADO MAIOR DA ARMADA.
Sumário:I. Os actos praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes válidas têm a mesma natureza dos actos que teriam sido praticados pelo delegante ou subdelegante.
II. Assim, se o acto do delegante ou subdelegante fosse recorrível contenciosamente, também o seria o acto concreto praticado pelo delegado ou subdelegado.
III. Praticado um acto por um subalterno, ao abrigo de uma subdelegação de poderes válida, o recurso interposto para o delegante não é necessário, mas sim meramente facultativo, pelo que o delegante não tem o dever legal de o decidir com a consequência de, não o fazendo, o recorrente poder presumir indeferida a sua pretensão, para efeitos do exercício do direito de impugnação contenciosa.
Nº Convencional:JSTA00061950
Nº do Documento:SA12005040504
Data de Entrada:01/06/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:CEMA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA DE 2004/07/08.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:LPTA85 ART30 ART31 ART24.
CPA91 ART109 N1 B ART68 N1 C.
RSTA57 ART57 PAR4.
DL 229/96 DE 1996/11/29 ART6 B.
DL 49/93 DE 1993/02/06.
L 111/91 DE 1991/08/29.
EMFAR99 ART106.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC48143 DE 2004/05/13.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO 10ED VOL1 PAG226.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
A..., com os demais sinais nos autos, interpôs, no Tribunal Central Administrativo (TCA), recurso contencioso de alegado indeferimento tácito do Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) do recurso hierárquico, que para ele interpôs, do despacho do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças de 15/10/2002, praticado por subdelegação de competências do Vice-Almirante Superintendente do Serviço de Pessoal (SSP), publicado na OP 2/208/2002 9NOV 06, que o não admitiu ao concurso para o Curso de Formação de Sargentos (CFS) – CFS 2003/2004.
Por acórdão de 8/7/2004, foi o recurso rejeitado, por manifesta ilegalidade na sua interposição, imputada a falta de objecto, decorrente de falta do dever legal de decidir do recorrido.
Com ele se não conformando, interpôs recurso para este STA, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A) - O douto Acórdão recorrido rejeitou o recurso do recorrente por considerar que este não tinha objecto por não se ter formado indeferimento tácito.
B) - Com o devido respeito, que é muito, entende o recorrente que os Venerandos Juízes Desembargadores não julgaram bem, porquanto não existe nenhum acto que desse a saber que o Chefe da Repartição de Sargentos e Praças, que também era presidente do júri do concurso do Curso de Formação de Sargentos, estivesse a praticar actos susceptíveis de recurso contencioso imediato por não ter sido cumprido o disposto no artigo 38° do CPA.
C) - Embora constasse da 0P2 208/06/11/02 – Anexo M – que o Chefe da Repartição de Sargentos e Praças agia por subdelegação de competências, aí não constavam as matérias subdelegadas pelo que se desconhecia que a não admissão do recorrente ao Curso de Formação de Sargentos estaria nelas abrangido, nem se sabia quem era a entidade que tinha delegado poderes em quem subdelegou.
D) - Por outro lado, todos os actos que sejam lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados devem ser fundamentados e a eles notificados de forma pessoal, oficial e formal, nos termos do estatuído nos artigos 66° e 68° do CPA, pelo que a publicação numa “OP” não é nenhum meio idóneo de notificar por dela não constar sequer o autor do acto, muito menos o acto de delegação ou subdelegação de competências.
E) - Desconhecendo os fundamentos que levaram à não admissão ao Curso de Formação de Sargentos e dos despachos de delegação e subdelegação de competências, não poderia o recorrente saber que o Chefe da Repartição de Sargentos e Praças estaria a praticar actos definitivos, nem pôr em crise esses despachos.
F) - A isto acresce o facto inimaginável de ao Chefe da Repartição de Sargentos e Praças terem-lhe sido alegadamente delegadas competências em matérias que a ele, mas enquanto presidente do júri do concurso, lhe pertenciam, por força dos n.ºs 20 e 21 da OA1 29/19/7/00, desconhecendo-se se foi aquele ou este que apreciou a candidatura do recorrente.
G) - Se a apreciação e selecção da candidatura do recorrente ao Curso de Formação de Sargentos foi feita pelo júri, como o deveria ser, é óbvio que as decisões estariam sujeitas a recurso hierárquico, não se colocando a questão de ser o presidente desse órgão a decidir os recursos por incompatibilidade de funções, pelo que o recurso tem objecto.
H) - Não se compreende, por isso, da razão de ser de haver competências paralelas como presidente do júri e como Chefe da Repartição de Sargentos e Praças para praticar actos da competência daquele, pelo que a delegação ou subdelegação de competências em matéria do concurso ao Curso de Formação de Sargentos é manifestamente inconcebível, agravado pelo facto de não se especificarem os poderes alegadamente delegados e subdelegados e os actos que o delegado e o subdelegado podem praticar, violando-se o n° 1 do artigo 37° do CPA.
I) - O recorrente só podia interpor recurso de um acto definitivo, nos termos do disposto no n°1 do artigo 25° da LPTA e desconhecia que o Chefe da Repartição de Sargentos e Praças estivesse a praticar actos desse calibre que abrangia matérias do júri do concurso, pelo que, ao rejeitar o recurso por alegada falta de objecto o douto Acórdão recorrido não atendeu à referida norma, os artigos 37°, n°1, 38°, 66° e 68º do CPA e os n.ºs 20 e 21 da OA1 29/19/7/00 – Anexo E – do Estado-Maior da Armada, devendo ser revogado.
O recorrido/recorrido contencioso, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.ª) - O despacho do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças, de 15 de Outubro de 2002, que decidiu da não admissão do Recorrente ao Concurso de Acesso ao CFS 2003/2004, foi proferido por subdelegação do Superintendente dos Serviços do Pessoal.
2.ª) - Pelo que, nos termos da alínea a) do art.° 51 do ETAF, tal acto era desde logo susceptível de recurso contencioso, a interpor para o Tribunal Administrativo do Círculo.
3.ª) - Assim, sendo o recurso hierárquico entretanto interposto para o Chefe do Estado – Maior da Armada facultativo e não necessário, não se constituiu para esta Entidade o dever legal de decidir.
4.ª) - Pelo que não se constituiu a presunção legal de indeferimento tácito, ficando sem objecto o recurso contencioso apreciado pelo mui douto Acórdão ora recorrido.
1. 2. O Exm.° Magistrado do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 154-155, que se passa a transcrever:
"Em nosso entender o recurso jurisdicional não merece provimento.
O acto do Senhor Chefe da Repartição de Sargentos e Praças de não admissão ao concurso para o curso de formação de sargentos, de 2002.10.15 – do qual foi interposto recurso hierárquico - conforme mostram os autos a fls. 64, fez menção da qualidade em que o autor do acto actuou: por subdelegação do V/ Almirante S.S.P. (subdelegação do Vice-Almirante Superintendente do Serviço de Pessoal).
Assim, contrariamente ao defendido pelo recorrente, foi dado cumprimento ao art.° 38° do CPA.
E no recurso hierárquico interposto, o próprio interessado referiu essa qualidade, como se extrai do documento junto com a resposta sob o n° 13.
Ora, sendo do pleno conhecimento do interessado a autoria do acto – correctamente indicada no recurso hierárquico – e que o despacho em causa havia sido praticado no uso de poderes subdelegados, esse circunstancialismo bastava para que o mesmo interessado dele tivesse que interpor directamente recurso contencioso, para fins anulatórios.
A circunstância de na publicação do despacho não constarem as matérias subdelegadas não tem qualquer relevância jurídica por falta de base legal. Aliás, nos casos de delegação ou subdelegação inexistentes, estão sempre salvaguardados os interesses dos administrados, por via do disposto no art.° 56° da LPTA.
Acresce que a censura dirigida à notificação do acto nenhuma relevância tem no que concerne à questão que aqui se discute, pois, conforme constitui orientação uniforme deste STA, a recorribilidade dos actos administrativos resulta da sua natureza e não de factores extrínsecos, como o da notificação desse acto.
Improcedem, por esta via, as conclusões da alegação.
Nestes termos, emitimos parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional."
1. 3. Foram colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos, pelo que cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2. 1. OS FACTOS:
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. O recorrente tomou conhecimento, através da 0P2/208/2002 NOV 06, anexo M, de que não foi admitido ao concurso para o Curso de Formação de Sargentos – CFS 2003/2004, por o certificado de equivalência de habilitação com o 10.º ano de escolaridade não estar de acordo com o estipulado no ponto 2 do Aviso publicado na OP 2/110/2002 JUNO2/Anexo O – cfr. doc. n° 2 junto com a petição de recurso;
2. Da Ordem da Direcção do Serviço de Pessoal referido em 1. consta que o recorrente foi “ não aceite” pelo Despacho do Chefe da RSP da DPS, por subdelegação do Vice - Almirante Superintendente do Serviço de Pessoal - cfr. o mesmo documento;
3. Do despacho referido em 2., que foi praticado em 15 de Outubro de 2002, por subdelegação do Vice – Almirante Superintendente do Serviço de Pessoal, o recorrente interpôs recurso hierárquico para o Chefe do Estado Maior da Armada, pedindo a revogação do referido despacho;
4. O Chefe do Estado-Maior da Armada não se pronunciou sobre tal pedido;
5. O recorrente, no seu recurso hierárquico, identifica o acto recorrido como sendo o “ despacho do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças, por subdelegação do Vice Almirante Superintendente do Serviço de Pessoal, publicado na 0P2/208/2002 NOV 06”;
6. O despacho de subdelegação do Vice – Almirante Superintendente do Serviço de Pessoal referido em 2. foi publicado no DR II Série n° 241, de 17 de Outubro de 2001, dando-se aqui por reproduzido o seu teor - cfr. fls. 97 dos autos.
Acrescenta-se o seguinte:
7. O despacho do almirante Chefe do Estado – Maior da Armada referido no número anterior – n.º 19 034/2001, de 7/8, foi publicado no DR, II Série, de 12/9/2001.
2. 2. O DIREITO:
1. O que se discute no presente recurso jurisdicional é apenas a recorribilidade contenciosa do acto impugnado.
O acórdão recorrido afastou-a por considerar, em síntese, que o despacho hierarquicamente recorrido foi praticado no exercício de poderes subdelegados, que permitiam a definição de situações jurídicas concretas, com imediata produção de efeitos lesivos na esfera do recorrente, pelo que dele não havia recurso hierárquico necessário (mas sim recurso contencioso), o que afastava o dever legal de decidir do recorrido e impediu a formação do impugnado indeferimento tácito, carecendo, por isso, de objecto o recurso contencioso, o que o torna manifestamente ilegal.
Para o recorrente, as coisas não se passam assim, pelo facto de não decorrer da referência à subdelegação de poderes, constante do despacho contenciosamente impugnado, que o delegante tivesse poderes para praticar actos definitivos, imediatamente impugnáveis contenciosamente.
O Exmº Magistrado do Ministério Público alinha pela posição do acórdão recorrido, em virtude do inequívoco conhecimento, pelo recorrente, de que o acto em causa foi praticado por subdelegação de poderes, bastar para que dele tivesse que interpor recurso contencioso e não hierárquico.
Vejamos.
2. A delegação de competências consiste no "acto pelo qual um órgão normalmente competente para a prática de certos actos jurídicos autoriza um outro órgão ou agente, indicados por lei, a praticá-lo também " (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, tomo I, pág. 226).
De acordo com pacífica jurisprudência deste STA, os actos praticados ao abrigo de uma delegação ou subdelegação têm a mesma natureza que teriam se praticados pelo delegante ou subdelegante (cfr., neste sentido, por todos, o acórdão deste STA de 13/5/2004, recurso n.º 48 143).
O recorrente alega que não foi cumprido o artigo 38.º do CPA, dado que da ordem em que foi publicitada a sua não aceitação ao curso não constavam quais as matérias subdelegadas nem quem as tinha delegado, o que o impossibilitou de ficar a saber o procedimento que devia seguir.
O acto hierarquicamente impugnado e alegadamente indeferido tacitamente foi praticado pelo despacho do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças da Marinha de 15/10/2002, conforme se verifica da OP2 208/ 06 Nov. 02, referenciada no n.º 1 da matéria de facto dada como provada, da qual consta que esse acto foi praticado por subdelegação de poderes do superintendente do Serviço de Pessoal (vd. fls 64 e 76 a 78 dos autos), facto que o recorrente não põe em causa.
Foi, assim, cumprido o disposto no referido preceito do CPA, que apenas exige que o órgão delegado ou subdelegado mencione essa menção e não que mencione os despachos de delegação ou subdelegação, bem como o local da respectiva publicação, tal com exigia o artigo 30.º da LPTA, que foi expressamente revogado pelo artigo 6.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 229/96, de 29/11.
Perante uma situação em que a falta de menção dos despachos e da sua publicação crie dúvidas aos particulares sobre os meios a adoptar, o que devem fazer é lançar mão do meio previsto no artigo 31.º da LPTA.
Por outro lado, a revogação do referido artigo 30.º da LPTA ficou-se a dever à regulamentação da matéria por ele regulada no artigo 68.º do CPA, em cujo n.º 1, alínea c), se estatui que da notificação deve constar o órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito, no caso do acto não ser susceptível de recurso contencioso, estatuição que vem sendo entendida por certa doutrina como legitimando o particular a inferir que, se nada for dito, se está perante um acto desde logo impugnável contenciosamente (cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, pág. 221).
Donde resulta que, in casu, tendo em conta o princípio da boa fé, que deve presidir a toda a actuação da Administração, é de considerar estar-se, em princípio, perante acto imediatamente impugnável contenciosamente, sendo certo que, se tal não acontecesse, sempre o recorrente estaria acautelado pelo disposto no artigo 56.º do CPA, que lhe permitiria a abertura do meio administrativo necessário à abertura da via contenciosa.
2. O recorrente defende ainda a recorribilidade do acto, em virtude de se não saber se o recorrido actuou na qualidade de Chefe da Repartição de Sargentos e Praças ou na de Presidente do Júri do concurso de admissão ao Curso de Formação de Sargentos, caso em que a delegação seria inválida, em virtude de, havendo recurso (administrativo) das deliberações do júri, o mesmo não poder ser decidido por um dos seus membros, dada a manifesta incompatibilidade de funções.
Mas também não lhe assiste razão.
Na verdade, é claro que o recorrido actuou na qualidade de Chefe da Repartição de Sargentos e Praças. Basta atentar no próprio despacho (hierarquicamente) recorrido, que constitui fls 69 a 80 dos autos, em que após a menção de "Despachos de Requerimentos" se refere que se trata de "Despacho do Chefe da RSP da DSP, por subdelegação do VALM SSP, de 22OUT15", o que afasta, claramente, a actuação na qualidade de presidente do júri.
Assim sendo, é irrelevante para a questão de que nos estamos a ocupar – ter o acto em causa sido praticado ou não a coberto de delegação de poderes – saber se a decisão tomada cabia ou não nas funções do júri, sendo certo que o procedimento adoptado parece assentar numa interpretação do Regulamento do Concurso, constante de fls 59 a 63 dos autos, segundo o qual, o júri só intervinha na selecção e apreciação dos candidatos (n.º 21 do seu Regulamento, e nem em todas, pois que a apreciação do mérito militar competia ao Chefe da Repartição de Sargentos e Praças - n.º 8), o que só ocorria nas fases do concurso estabelecidas no n.º 5 do respectivo Regulamento, não intervindo na fase de admissão dos candidatos, que precedia a sua intervenção (cfr. nºs 1 a 4).
3. Defende também o recorrente que o acto que o não o admitiu tinha que ser notificado e não o foi, pelo que desconhecendo os fundamentos que levaram à sua não admissão ao Curso de Formação de Sargentos e dos despachos de delegação e subdelegação de competências, não poderia saber que o Chefe da Repartição de Sargentos e Praças estaria a praticar actos definitivos, nem pôr em crise esses despachos.
Mas, como bem salienta o Exm.º Magistrado do Ministério Público, a "notificação do acto nenhuma relevância tem no que concerne à questão que aqui se discute, pois, conforme constitui orientação uniforme deste STA, a recorribilidade dos actos administrativos resulta da sua natureza e não de factores extrínsecos, como o da notificação desse acto."
4. Afastadas as ilegalidades invocadas pelo recorrente, apreciadas nos números anteriores, há que apreciar a natureza do despacho do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças hierarquicamente recorrido, o que passa pelo apuramento do acto impugnado se encontrar a coberto da subdelegação invocada, desta estar a coberto da delegação também invocada, de ser legal a delegação do Chefe do Estado Maior da Armada e dos actos deste serem contenciosamente impugnados.
A subdelegação do vice-almirante superintendente dos Serviços de Pessoal abrange, entre outros poderes, os de nomeação de sargentos e praças para os cursos de... promoção (alínea a) do n.º 2 do despacho de fls 95-96 dos autos) e de nomeação de militares para cursos de formação que habilitem ao ingresso no quadro permanente nas categorias de sargentos e praças (alínea c) do mesmo n.º 2). O que abarca, indiscutivelmente, os poderes exercidos.
Por sua vez, o despacho de delegação do Chefe do Estado-Maior da Armada, identificado no n.º 7 da matéria de facto, abrange, entre outros poderes, os de nomeação de militares para cursos de... promoção (n.º 2, alínea f), n.º 1)) e de nomeação de militares para cursos de formação que habilitem ao ingresso no quadro permanente (n.º 2, alínea f), n.º 5)). Enquanto que o n.º 3 deste mesmo despacho permite, na sua alínea E), que o SSP subdelegue nos respectivos Chefes de Repartição os poderes relativos a essas mesmas matérias (n.º 3, alíneas a) e c)).
O que significa que a subdelegação respeita os poderes que lhe foram delegados.
Aqui chegados, há que apurar se o Chefe do Estado-Maior da Armada podia delegar os poderes que delegou, sendo certo que, conforme foi referido, a delegação só é válida se for permitida por lei.
A Lei Orgânica da Marinha, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49/93, de 26/2, estabelece, no n.º 3 do seu artigo 6.º, que o Chefe do Estado Maior da Armada (que é o comandante da Marinha - n.º 1 do mesmo preceito) "poderá delegar, nas entidades que lhe estão directamente subordinadas, a competência para actos relativos às áreas que lhe são funcionalmente atribuídas, bem como autorizar a subdelegação da mesma."
De acordo com o estabelecido nas disposições conjugadas dos artigos 5.º, n.º 1, alínea c), 10.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1 da mesma Lei Orgânica, a Superintendência dos Serviços de Pessoal é um órgão central de administração e direcção ao qual incumbe assegurar as actividades da Marinha no domínio dos recursos humanos, nela se incluindo o superintendente (artigo 11.º, n.º 4).
Nestes termos é inquestionável que o Chefe do Estado – Maior da Armada estava autorizado, por lei, a efectuar a delegação que efectuou, pelo que são válidas tanto a delegação como a subdelegação efectuadas.
Impõe-se, agora, em cumprimento da metodologia adiantada, apurar se os actos praticados pelo Chefe do Estado – Maior da Armada, que é a fonte fundamentante dos poderes que estiveram na base do acto praticado, são ou não actos contenciosamente impugnados.
E desde já adiantamos que a resposta é afirmativa.
Na verdade, de acordo com o estabelecido no artigo 6. ° da Lei Orgânica da Marinha, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 49/93, de 26/2, o Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) é o comandante da Marinha (n. ° 1), é o principal colaborador do Ministro da Defesa Nacional e do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas em todos os assuntos respeitantes à Marinha, tem as competências fixadas na Lei (...) – (n.° 2), e poderá delegar nas entidades que lhe estão directamente subordinadas a competência para a prática de actos relativos a áreas que lhe são funcionalmente atribuídas, bem como autorizar a subdelegação da mesma (n.° 3).
Por outro lado, a Lei de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada pela Lei n. ° 111/91, de 29/8, depois de estabelecer no n. ° 1 do seu artigo 8.° que os Chefes de Estado-Maior comandam os respectivos ramos e são os chefes militares de mais elevada autoridade na sua hierarquia, dispõe, na alínea a) do n.° 4 do mesmo preceito, que compete ao Chefe do Estado-Maior de cada ramo, dirigir, coordenar e administrar o respectivo ramo.
Os aludidos poderes de direcção, coordenação e administração do CEMA, colocam-no no vértice dos respectivos serviços, o que significa que é sua a última palavra da Administração em todas as questões cuja competência decisória não esteja atribuída em exclusividade a qualquer serviço ou departamento da Marinha.
O artigo 11.º da Lei Orgânica da Marinha dispõe que à Superintendência dos Serviços de Pessoal (SSP) incumbe assegurar as actividades dos recurso humanos, competência essa que há-de, contudo ser exercida sob a direcção e coordenação do CEMA, o que significa que dos actos do superintendente cabe recurso hierárquico para este, salvo casos de existência de delegação ou subdelegação (cfr., neste sentido, o artigo 106.º do EMFA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25/6).
Em face de todo o exposto, é de concluir que o poder originário para decidir, de forma definitiva, da admissão do recorrente ao curso em causa pertencia ao CEMA, pelo que, tendo-o ele delegado no SSP e este, por sua vez, subdelegado no Chefe de Repartição de Sargentos e Praças, o acto deste que decidiu não admitir o recorrente a esse curso é um acto que definiu, em última instância, a situação jurídica do recorrente relativamente a essa matéria.
5. Em face de todo o exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida não pode deixar de ser confirmada.
Na verdade, tendo o despacho do Chefe de Repartição de Sargentos e Praças de 15/10/2002 sido praticado ao abrigo de subdelegação de competência válida, dele não havia que interpor recurso hierárquico necessário para o CEMA, mas sim recurso contencioso directo (dado que se o acto tivesse sido praticado directamente por ele, era desde logo recorrível), pelo que o recurso interposto é de considerar meramente facultativo, o que implica que o CEMA não tivesse o dever legal de decidir esse recurso hierárquico, com a consequência, de não o fazendo, o recorrente poder presumir indeferida a sua pretensão, para efeitos do exercício do direito de impugnação contenciosa.
E não tendo esse dever, não se formou o impugnado indeferimento tácito (cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPA), pelo que o recurso contencioso carece de objecto, sendo, por isso, manifestamente ilegal, o que acarreta a sua rejeição, como foi decidido (artigos 24.º, alínea b) da LPTA e 57.º, § 4.º do RSTA).
Improcedem, assim, todas as conclusões das alegações do recorrente.
3. DECISÃO
Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 200 euros e a procuradoria em metade.
Lisboa, 5 de Abril de 2005. - António Madureira (relator) – Fernanda Xavier – João Belchior