Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0482/10
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:SOCIEDADE NÃO RESIDENTE
DIRECTIVA MÃES-FILHAS
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
LIBERDADE DE ESTABELECIMENTO
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL
Sumário:I - De acordo com o Despacho do TJUE de 18.06.2012: “Os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE opõem se à legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a uma sociedade residente noutro Estado Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 10%, mas inferior a 20%, obter a isenção do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita assim esses dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, quando os dividendos são distribuídos às sociedades acionistas residentes em Portugal e que detêm o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada”. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.
II - De acordo com o mesmo despacho: “Os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE opõem se à legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que permite que uma sociedade residente noutro Estado Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 20% obtenha o reembolso do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal unicamente se tiver detido essa participação de modo ininterrupto durante dois anos, tornando assim mais morosa a eliminação da dupla tributação económica relativamente às sociedades acionistas residentes em Portugal que detêm o mesmo tipo de participação”. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento.
III - Sendo invocada convenção destinada a evitar dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais ou à liberdade de estabelecimento.
IV - Tendo sido invocada a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países baixos e não permitindo esta, só por si, apurar ou não daquela neutralização, impõe-se a baixa ao tribunal recorrido, para recolha do direito holandês aplicável e suscitado pela recorrente, bem como de factos que possam conduzir a uma resposta àquela questão.
Nº Convencional:JSTA00067962
Nº do Documento:SA2201211280482
Data de Entrada:06/07/2010
Recorrente:A....
Recorrido 1:MFIN E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:PROVIDO
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A……, melhor identificada nos autos, veio recorrer do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que julgou parcialmente improcedente a acção administrativa especial por si deduzida contra o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que indeferiu o pedido de reembolso do IRC retido durante o ano de 2006 apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) O Douto Tribunal a quo fixou de forma incompleta a factualidade relevante para a boa decisão da causa, sendo que deveria ter, em face da prova documental produzida, fixado a seguinte matéria de facto como provada:
i.) A Recorrente é uma sociedade comercial de Direito neerlandês, sob a forma jurídica de besloten vennootschap;
ii.) Nos anos de 2006 e 2007, a Recorrente foi residente para efeitos fiscais nos Países Baixos e aí se encontrando sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto neerlandês sobre o rendimento de sociedades vennootschapsbelasting;
iii.) A Recorrente deteve desde 27 de Janeiro de 2006 e pelo menos durante um ano, ininterruptamente, uma participação na sociedade comercial anónima B……. não inferior a 10% do respectivo capital social;
iv.) A 27 de Julho de 2006, a Recorrente auferiu dividendos da sua participação na B……., no montante total de EUR 29.584.892,52, os quais foram objecto de retenção na fonte a título de IRC no montante de EUR 2.958.489,25;
v.) A 29 de Setembro de 2006, a Recorrente auferiu de novo dividendos da sua participação na B……., no montante total de EUR 275.251.467,75, os quais foram objecto de retenção na fonte a título de IRC no montante de EUR 27.525.146,78;
vi.) A 20 de Novembro de 2006, a Recorrente apresentou perante o Ministério das Finanças e da Administração Pública requerimento de restituição das quantias retidas na fonte acima referidas — no montante total de EUR 30.483.636,03-, invocando a existência de um tratamento discriminatório entre entidades residentes e não residentes, inadmissível à luz do Direito Comunitário;
vii.) O referido requerimento foi indeferido por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 23 de Fevereiro de 2007;
viii.) A Recorrente reagiu desse indeferimento, notificado a 12 de Abril de 2007, através da presente acção administrativa especial, deduzida perante o Douto Tribunal a quo a 6 de Julho de 2007;
ix.) A apresentação da presente acção administrativa especial implicou para a Recorrente custos adicionais, nomeadamente com os honorários devidos aos seus mandatários pelo respectivo patrocínio, os quais em Julho de 2007 ascendiam já a EUR 17.500,00;
x.) A 15 de Janeiro de 2009 a Recorrente foi reembolsada da retenção na fonte efectuada aquando da distribuição de dividendos de 29 de Setembro de 2006, no montante de EUR 27.525.146,78, na sequência de requerimento apresentado ao abrigo do artigo 89.° do CIRC após completo um período de detenção ininterrupta de dois anos de uma participação na B……. não inferior a 20% do respectivo capital social;

B) Além disso, o acórdão do Douto Tribunal a quo enferma de erro de julgamento, ao não enquadrar adequadamente a questão decidenda à luz do Direito Comunitário nem abordar correctamente a problemática da eliminação da dupla tributação económica e a discriminação concreta invocada pela Recorrente por referência a entidades residentes colocadas em posição análoga;

C) Em concreto, é inequívoco que o Estado português detém soberania tributária, adveniente da sua soberania territorial, para tributar em sede de IRC os rendimentos nele obtidos, ainda que por entidades não residentes - bastando, para o efeito, atentar nos regimes ínsitos nos artigos 4.°, n.ºs 2 e 3, alínea c), subalínea 3), do CIRC e 10.° da CEDT Portugal/Holanda que consubstanciam uma expressão da referida soberania, reflectindo-a sem margem para dúvidas -, podendo por isso livremente optar por exercer ou não o seu poder tributário sobre os dividendos distribuídos de forma a eliminar ou atenuar o fenómeno da dupla tributação económica dos lucros distribuídos;

D) Dessa forma, ao contrário do considerado pelo Douto Tribunal a quo, a questão da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos a entidade não residente pode efectivamente ser resolvida pelo Estado português no que diz respeito à tributação que o mesmo faz incidir sobre essa distribuição;

E) A este respeito, ao contrário do considerado pelo Douto Tribunal a quo e na linha da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, mostra-se perfeitamente irrelevante descortinar qual o tratamento fiscal conferido pela lei fiscal holandesa aos rendimentos em causa, não tendo a ora Recorrente estribado o direito por si invocado em direito estrangeiro, insurgindo-se antes, muito clara e directamente, contra a legislação nacional portuguesa, baseando-se para o efeito apenas no artigo 56.° do TCE;

F) O tratamento discriminatório provocado pelos artigos 14.°, n.º 3, 89.°, 46.°, n.º 1, e 96.°, nºs 2 e 3, do CIRC, com a consequente restrição ao exercício da livre circulação de capitais do artigo 56.° do TCE não é justificável à luz do artigo 58.° do TCE, ao contrário do considerado pelo Douto Tribunal a quo, uma vez que:
i.) A situação pela qual uma sociedade portuguesa distribui dividendos à sua accionista portuguesa é objectiva e inequivocamente comparável à situação na qual essa accionista é, como no presente caso, uma sociedade residente para efeitos fiscais nos Países Baixos, não sendo essa comparabilidade afastada pelos distintos regimes de liquidação e pagamento de IRC aplicáveis a residentes e não residentes; e

ii.) Não existe qualquer razão imperiosa de interesse geral, como seja a necessidade de evitar a fraude e evasão fiscais ou qualquer outra justificação enquadrável na excepção ínsita no artigo 58.° do TCE, que justifique o referido tratamento discriminatório;

G) Por último, ao contrário do considerado pelo Douto Tribunal a quo, o tratamento discriminatório em referência também não é passível de ser defendido a coberto do regime excepcional previsto no artigo 5º, n.º 4, da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, desde logo porque o mesmo não se encontrava já em vigor aquando das retenções efectuadas, mas sobretudo porque o presente litígio não se reconduz à aferição do cumprimento pelo Estado português da obrigação de transposição da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, antes à admissibilidade, face ao disposto no artigo 56.° do TCE, do regime dos artigos 14.°, n.º 3, 89.°, 46.°, n.º 1, e 96.°, n.°s 2 e 3, do CIRC;

H) Por outro lado, o pagamento efectuado à Recorrente a 15 de Janeiro de 2009, no montante de EUR 27.525.146,79, não devendo ser ignorado por esse Douto Tribunal ad quem, não pode ser interpretado como determinando a inutilidade parcial superveniente da lide uma vez que não traduz a integral satisfação das pretensões da Recorrente associadas ao reembolso da retenção resultante da distribuição de dividendos ocorrida a 29 de Setembro de 2006;

I) Em face do exposto, impõe-se a revogação do acórdão proferido pelo Douto Tribunal a quo, devendo esse Douto Tribunal ad quem, em conformidade com o artigo 149.° do CPTA, decidir o objecto da causa, reiterando a Recorrente para o efeito nesta sede todo o teor da sua petição inicial, devendo em conformidade ser anulado o acto de recusa do Ministério das Finanças e da Administração Pública de restituição das quantias retidas na fonte à Recorrente relativamente aos dividendos distribuídos durante o ano de 2006, no montante total de EUR 30.483.636,03, por consubstanciar uma violação clara do artigo 56.° do TCE e do artigo 8.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa;

J) Com efeito, o artigo 56.°, n.º 1, do TCE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-membros, vigorando, de acordo com o artigo 8º, n.º 4, da CRP, com prevalência sobre o Direito interno, sendo certo que o pagamento de dividendos entre sociedades de diferentes Estados-membros da União Europeia configura uma realidade intra-comunitária que como tal se encontra abrangida pelo TCE, pelo que os mecanismos de eliminação da dupla tributação económica que se apliquem a tais operações estão também eles sob o âmbito de aplicação do TCE;

K) À luz do CIRC, os dividendos distribuídos por entidade com sede em território português encontram-se sujeitos a tributação em território nacional quer a entidade beneficiária dos mesmos disponha ou não de sede ou direcção efectiva em Portugal, constatando-se todavia que, no que concerne à possibilidade de eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, pelas entidades beneficiárias dos rendimentos em causa, o regime aplicável às entidades residentes - previsto nos artigos 46º e 90º do CIRC - é claramente mais vantajoso do que aquele facultado às entidades não residentes - previsto nos artigos 14.° e 89.° do CIRC;

L) No caso da Recorrente, entidade não residente em Portugal, os artigos 14.° e 89.° do CIRC não lhe permitem eliminar a dupla tributação económica decorrente da retenção no montante de EUR 2.958.489,25, efectuada aquando da distribuição de dividendos que a 27 de Julho de 2006 foi levada a cabo pela B…….;

M) Relativamente à eliminação da dupla tributação económica decorrente da retenção no montante de EUR 27.525.146,78, efectuada aquando da distribuição de dividendos levada a cabo, a 29 de Setembro de 2006, pela B……., o artigo 89º do CIRC possibilita essa eliminação se a Recorrente mantiver uma participação mínima de 20% por um período ininterrupto de dois anos e só após esse momento, sendo certo que só a partir do termo do 3.° mês seguinte ao da apresentação do pedido de reembolso a efectuar de acordo com o artigo 89.° do CIRC são devidos juros indemnizatórios;

N) Uma sociedade accionista da B……., residente em Portugal para efeitos de tributação em sede de IRC, colocada quanto ao mais em posição análoga à da Recorrente, lograria a eliminação plena da dupla tributação económica inerente às retenções efectuadas até ao fim do 3.° mês imediato ao da apresentação da declaração de rendimentos correspondente ao exercício de 2006, por força do disposto nos artigos 46.°, n.º 1, e 96.°, nºs 2 e 3, do CIRC;

O) Constata-se pois que, de acordo com os artigos 14.°, n.º 3, 89.°, 46.°, n.º 1, e 96.°, nºs 2 e 3, do CIRC, uma hipotética accionista da B……. colocada em posição análoga à da Recorrente mas residente em Portugal veria eliminada por completo a dupla tributação económica inerente às duas distribuições de dividendos em causa até 30 de Abril de 2007, enquanto a Recorrente se vê impossibilitada por completo de eliminar a dupla tributação económica decorrente da primeira distribuição de dividendos do ano de 2006 e, relativamente à segunda, se viu forçada a aguardar até final de 2008 para que tal pudesse suceder - sendo-lhe para tal ademais exigida a manutenção até lá de uma participação superior a 20% - nem sequer sendo compensada por essa indisponibilidade mediante o pagamento de juros indemnizatórios;

P) Pelo que o tratamento fiscal concedido pelos artigos 14.°, n.º 3, e 89.° do CIRC aos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a sociedades residentes noutros Estados-membros, por contraposição àquele determinado pelos artigos 46.°, n.º 1, e 96.°, n.ºs 2 e 3, do CIRC aos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a sociedades residentes em Portugal consubstancia assim uma restrição inadmissível às liberdades fundamentais previstas no TCE, na medida em que traduz um tratamento desigual dos nacionais de outros Estados-membros, mais desvantajoso para estes;

Q) A par da anulação do acto de recusa do Ministério das Finanças e da Administração Pública que está na origem dos presentes autos, deverá a referida entidade ser desde logo condenada à prática do acto administrativo legalmente devido, de deferimento do pedido de reembolso apresentado pela Recorrente e concomitante pagamento à mesma do montante de EUR 30.483.636,03, deduzido da parte do montante de EUR 27.525.146,79 reembolsado a 15 de Janeiro de 2009 que em observância do disposto no artigo 785.° do CC deva ser imputada a essa restituição, acrescido de juros indemnizatórios a computar desde 28 de Fevereiro de 2007 sobre os montantes sucessivamente em dívida;

R) A obrigação de reintegração plena da ordem jurídica violada, que resultará da anulação do acto de indeferimento em referência por parte desse Douto Tribunal ad quem, implicará ainda a indemnização da Recorrente pelos encargos suportados com o necessário patrocínio judicial da acção administrativa especial acima referenciada, incluindo com a interposição e subsequente tramitação do presente recurso jurisdicional, impondo-se a condenação do Ministério das Finanças e da Administração Pública em conformidade;

S) A jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias relativamente à interpretação dos artigos 63.° e 65.° do TFUE (ex-artigos 56.° e 58.° do TCE) - designadamente Acórdãos Verkooijen (Processo C-35/98), Lankhorst (Processo C-324/00), Bosal Holdings (Processo C-168/01), Saint Gobain (Processo C-307/97), Nico las Decker (Processo C-120/95), Manninen (Processo C-319/02), ACT 4 (Processo C-37%104), Fli (Processo C-446/04), Denkavit II (Processo C-170/05), Amurta (Processo C-379/05) e Comissão/Itália (Processo C-540/07) — reveste inteira aplicação no caso sub judice, determinando a conclusão de que os artigos 63.° e 65.° do TFUE (ex-artigos 56.° e 58.° do TCE) se opõem ao regime ínsito nos artigos 14.°, n.º 3, 89.°, 46.°, n.º 1, e 96.°, n.os 2 e 3, do CIRC;

T) Não obstante, caso esse Douto Tribunal tenha dúvidas quanto à desconformidade do regime ínsito nos artigos 14.°, n.º 3, 89.°, 46.°, n.º 1, e 96.°, nºs 2 e 3, do CIRC com os artigos 63.° e 65.° do TFUE (ex-artigos 56.° e 58.° do TCE), estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário primário que assume decisiva relevância para a questão sub judice, deverá suspender a presente instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.° do TFUE (ex-artigo 234.° do TCE) a seguinte questão prejudicial:
“Os artigos 63.° e 65º do TFUE (ex-artigos 56º e 58º do TCE) opõem-se à legislação de um Estado-membro, como a dos artigos 46.º, nº 1, 96.º, nº 2 e 3, 14.º, n.º 3, e 89.º do CIRC, que, no âmbito da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, muito embora respeitando a Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, não permite às sociedades accionistas residentes noutro Estado-membro obter o reembolso do imposto retido na fonte nas mesmas circunstâncias que as sociedades accionistas residentes em Portugal, exigindo para o efeito um período mínimo de detenção maior e uma participação social mínima mais relevante, tornando mais morosa ou inviabilizando a eliminação da dupla tributação económica?”

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem a revogação do acórdão recorrido, substituindo-o por acórdão que julgue totalmente procedentes, por provadas, as pretensões formuladas pela Recorrente no âmbito da sua petição inicial, bem como no âmbito do seu requerimento de 28 de Janeiro de 2009.

Havendo dúvidas quanto à interpretação a dar aos artigos 63.° e 65.° do TFUE (ex-artigos 56.° e 58° do TCE), requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que proceda ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia da questão acima formulada, em conformidade com o disposto no artigo 267º do TFUE (ex- artigo 234º do TCE).

Mais requer a esse Douto Tribunal ad quem que, na medida da procedência do presente recurso jurisdicional, condene o Ministério das Finanças e da administração Publica no pagamento de custas de parte, devendo a procuradoria ser arbitrada por esse douto tribunal nos termos do artigo 41º, nº1, do Código das Custas judiciais.

II. O recorrido – Ministério das Finanças e da Administração Publica – contra alegou para defender a manutenção do julgado, por não se verificarem os vícios alegados.

III. O MºPº não emitiu parecer nos termos dos artigos 9º, nº 2 e 146º, nº 1 do CPTA.

IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

V. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes factos:

a) Por requerimento entrado em 27.11.2006 no Sec. De Apoio Gabinete do Director Geral e dirigido ao Exmo Ministro de Estado e das Finanças a ora autora veio peticionar que os dividendos pagos pela B……., que venham a ocorrer a partir de 27.1.2007, seja reconhecido o direito à dispensa de retenção na fonte de IRC e que lhe seja reconhecido o direito a ser reembolsada das retenções na fonte já efectuadas nos dividendos recebidos em 27.7.2006, do dividendo de € 29.584.892,52 na retenção de € 2.958.489,25 e em 29.9.2006, do dividendo de € 275.251.467,75 na retenção de € 27.525.146,78, por lhe parecer que tal retenção deveria ter sido dispensada, ainda que com carácter excepcional, no Acordo Especial entre …., ….. e o Governo Português, em conjugação com as também excepcionais características de Acordo, nomeadamente a verificação prévia e objectiva da duração da participação no capital da B……, por período superior a 1 ano ou mesmo 2 anos — cfr. requerimento de três páginas do processo instrutor, as quais não se mostram numeradas;

b) No âmbito deste procedimento, a AT juntou ao mesmo os prints relativos à ora autora onde é informado que a mesma tem a morada ou sede na Holanda, que é um contribuinte não residente e que não tem representante, - cfr. o mesmo processo instrutor;

c) Aquele requerimento da ora autora foi informado pelo Chefe de Divisão em substituição, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, onde foi proposto que o mesmo fosse indeferido na sua totalidade, quer quanto aos dividendos a atribuir em 2007, quer quanto à restituição das retenções relativas aos dividendos já atribuídos em 2006, com os seguintes fundamentos:
1- Que as normas dos art.ºs 14.° e 46.° do CIRC tratam duas realidades distintas: assim enquanto aquela primeira se reporta a uma entidade não residente e a quem são distribuídos os dividendos por entidade residente, sendo neste caso esta entidade beneficiária apenas tributada em Portugal por esses rendimentos aqui obtidos, já no segundo caso se trata de uma dedução à matéria colectável em que a entidade que ficou dispensada da retenção na fonte é aqui residente e como tal, está sujeita à tributação em Portugal, onde todos os seus rendimentos irão ser tributados, incluindo os relativos aos dividendos, sendo que esta norma apenas visa evitar a dupla tributação económica;
2 - Que não têm de ser iguais os pressupostos da atribuição da isenção de tributação em função de uma situação de não residência da de dispensa de retenção na fonte numa situação de residência fiscal e, consequentemente, sujeição a tributação pela totalidade dos rendimentos - cfr. mesmo processo;

d) Em tal informação, pelo Exmo Director-Geral foi aposto o seu parecer de concordância nos seguintes termos:
“Com a minha concordância à consideração de SESEAF, ressalvando que com a entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 25 de Dez. (OE-2007), a participação nesse capital social passou para 15%, mantendo-se as restantes condições, a que o Exmo SEAE apôs o seu despacho de Concordo, em 23.2.2007 - cfr. mesmo processo

e) O despacho supra foi notificado à ora autora pelo ofício 8020, datado de 09.04.2007 - cfr. mesmo processo;

f) A petição inicial da presente acção administrativa especial deu entrada neste TCAS em 06.07.2007- cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos presentes autos;

g) Por declarações dos C……, D……, SA, E……., SA, F……., SA, e G……., durante o ano de 2006, a ora autora movimentou as acções que detinha, representativas do capital social da B……., nos termos descritos nos respectivos quadros nelas enumerados e que aqui se dão por reproduzidos - cfr. docs. de fls. 70 a 78 dos autos;

h) A ora autora adquiriu em 07.12.2005, 23.663.875 acções representativas de 14,268% do capital social da B……., e em 28.12.2005 adquiriu a participação detida pela H……., correspondente a 72.905 acções, ficando assim a ser titular do total de 14,312% do capital social da mesma, percentagem que passou a partir de 29.3.2006 a ser de 13,312%, em 06.09.2006 igualmente de 13,312%, em 18.09.2006 de 31,612%, em 29.09.2006 igualmente de 31,612%, em 23.10.2006 igualmente de 31,612%, em 30.10.2006 de 33,34%, 01.11.2006 igualmente de 33,34%, em 5.12.2006 igualmente de 33,34% e em 05.01.2007 igualmente de 33,34% - cfr. doc. de fls. 80 a 82 dos autos;

i) A ora autora veio a requerer em 29.09.2008, ao abrigo do disposto no art.º 89.° do CIRC, por deter ininterruptamente, durante dois anos, uma participação na B……., não inferior a 20% do respectivo capital social, o reembolso da retenção na fonte de € 27.525.146,78, relativo aos dividendos atribuídos em 29.9.2006, entre outros, o que lhe foi deferido, tendo aquele sido pago em 05.01.2009 — cfr. docs. de fls. 280 a 317 dos autos.

VI. Conforme resulta das conclusões das alegações, a decisão a proferir no recurso envolvia a interpretação de normas de direito comunitário, tendo mesmo a recorrente solicitado reenvio prejudicial para o TJUE (v. fls. 484/485), com a colocação da seguinte questão:
“Os artigos 63.° e 65º do TFUE (ex-artigos 56º e 58º do TCE) opõem-se à legislação de um Estado-membro, como a dos artigos 46.º, nº 1, 96.º, nº 2 e 3, 14.º, n.º 3, e 89.º do CIRC, que, no âmbito da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, muito embora respeitando a Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, não permite às sociedades accionistas residentes noutro Estado-membro obter o reembolso do imposto retido na fonte nas mesmas circunstâncias que as sociedades accionistas residentes em Portugal, exigindo para o efeito um período mínimo de detenção maior e uma participação social mínima mais relevante, tornando mais morosa ou inviabilizando a eliminação da dupla tributação económica?”

VII. Por Despacho de 18 de Junho de 2012, proferido no Processo nº C-38/11, o TJUE veio a responder àquela questão nos seguintes termos:

1) Os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE opõem se à legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a uma sociedade residente noutro Estado Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 10%, mas inferior a 20%, obter a isenção do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita assim esses dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, quando os dividendos são distribuídos às sociedades acionistas residentes em Portugal e que detêm o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.

2) Os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE opõem se à legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que permite que uma sociedade residente noutro Estado Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 20% obtenha o reembolso do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal unicamente se tiver detido essa participação de modo ininterrupto durante dois anos, tornando assim mais morosa a eliminação da dupla tributação económica relativamente às sociedades acionistas residentes em Portugal que detêm o mesmo tipo de participação. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento.

VIII. Havendo que decidir ainda se a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos permite ou não neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais ou à liberdade de estabelecimento a que se refere o citado Despacho, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre esta questão.

Respondeu o recorrido invocando, em resumo, a seguinte argumentação:

A referida Convenção vigora na ordem jurídica portuguesa, por força do artº 8º, nº 2 da CRP.
De acordo com ao artºs 10º e 24º da mesma Convenção, os Países Baixos ao tributarem os residentes, podem incluir na base sobre a qual os impostos incidem, os elementos do rendimento ou capital que, de acordo com o disposto na Convenção, podem ser tributados em Portugal.
Os Países Baixos concedem uma dedução do imposto até ao equivalente pago em Portugal.
Ora, assim sendo, a entidade residente na Holanda - caso da recorrente – pode aí deduzir o montante do imposto pago em Portugal, assim se neutralizando os efeitos da restrição à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento.

Diferente entendimento manifestou a recorrente, louvando-se na seguinte argumentação:

Os dividendos obtidos de participações como a detida pela recorrente na B’……., beneficiam nos Países Baixos de um regime de exclusão da base tributável nos termos do qual não sofrem tributação nesse país, não existindo, por outro lado, crédito do imposto suportado no Estado da fonte, a menos que esse Estado seja formalmente considerado pela legislação fiscal neerlandesa como país em vias de desenvolvimento, o que não é o caso de Portugal.
Deste modo, atento o regime de isenção de tributação de dividendos que vigora no direito interno neerlandês, regime aplicável aos dividendos auferidos pela ora recorrente em 27 de Julho e 29 de Setembro de 2006, decorrentes da sua participação na B’……. o imposto português retido na fonte não pôde ser creditado contra o imposto neerlandês devido pela recorrente.
Pelo que ficou dito, a aplicação da CEDT Portugal/Países não permitiu neutralizar o tratamento discriminatório a que se refere o Despacho supra do TJUE.

Vejamos então qual destes entendimentos é de seguir.

IX. Para se poder dar cumprimento ao Despacho do TJUE importa apurar, se, efectivamente, a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais ou à liberdade de estabelecimento. O que, por outras palavras, quer dizer se o valor do imposto retido em Portugal poderia vir a ser recuperado nos Países Baixos.

Ora, a ser correcto o afirmado pela recorrente, desde logo se vê que a Convenção não permitia a recuperação daquele valor. Na verdade, estando o valor retido em Portugal isento nos Países Baixos, não constitui aí base tributável de imposto sobre o rendimento/capitais, pelo que não haveria lugar a crédito de imposto.
E, assim não haveria possibilidade de recuperar o imposto retido em Portugal.

Porém, para se poder chegar a esta conclusão há que apurar factos, nomeadamente, saber se tais dividendos foram ou não declarados nos Países Baixos. Por outro lado, há que trazer aos autos as normas legais que a recorrente refere como vigentes nos Países Baixos (e que este STA poderia adquirir oficiosamente se fosse a única matéria relevante para os autos).

Deste modo, impõe-se a revogação da decisão recorrida, com a baixa dos autos tendo em vista a aquisição das normas legais aplicáveis e ampliação da matéria de facto pertinente, a fim de se confirmar ou não o alegado pela recorrente.

É certo que de acordo com o artº 348º do Código Civil àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, sem prejuízo de o tribunal, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento. Assim, parece que este STA poderia ultrapassar esta questão, sem necessidade da baixa dos autos. Porém, não é isenta de dúvidas a questão de saber se o direito estrangeiro pode ser tratado como questão de facto, ou mera questão de direito, ou ainda saber se para a parte que o invoca resulta um verdadeiro e próprio ónus da prova (Sobre esta questão v. Geraldo da Cruz Almeida – O ónus da prova em direito internacional privado, ROA, 53º (1993), págs.264 e segs.).

Propendemos para que esta questão seja tratada como questão de facto, e, deste modo, conhecendo este STA apenas de direito, terão os autos de baixar ao tribunal recorrido para conhecimento da mesma.


X. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para os efeitos acima indicados.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 28 de novembro de 2012. - Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.