Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:08/18.0BCLSB
Data do Acordão:12/20/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA
TRIBUNAL ARBITRAL
RESPONSABILIDADE
CLUBES DESPORTIVOS
RELATÓRIO
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
TAXA
ARBITRAGEM
Sumário:I – Não viola o nº 2 do art. 154º do CPC, nem incorre em falta de fundamentação, o acórdão que remete para um parecer do Ministério Público que não é parte no processo.
II – A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP que tenham sido por eles percepcionados, estabelecida pelo art. 13º, alínea f) do Regulamento Disciplinar da LPFP, conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não é inconstitucional.
III – O acórdão que revogou a decisão do TAD, partindo do pressuposto que em face do princípio da presunção de inocência do arguido, não se poderia atender a quaisquer presunções como a resultante do relatório de ocorrências do jogo, incorre em erro de direito, devendo, por isso, ser revogado.
IV – Não viola os arts. 13º, 20º, nºs 1 e 2 e 268º, nº 4, todos da CRP, a não concessão à Federação Portuguesa de Futebol da isenção da taxa de arbitragem.
Nº Convencional:JSTA000P24023
Nº do Documento:SA12018122008/18
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A......-FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

O A………. - FUTEBOL, SAD, interpôs no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 18 de Dezembro de 2018, que julgou improcedente a impugnação ali dirigida contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (FPF) e a contra-interessada LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL, do acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 03-05-2017 que, em sede recurso hierárquico manteve a sanção disciplinar de multa no montante de €1.148,00, por alegadamente ter praticado o ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 127, n°1 do RDLPFP ex vi artigos 6°, n°1 alínea g) e 9°, n°1, alínea m) ponto vi) do Anexo VI desse Regulamento de Competições e artigo 56°, n°3 desse Regulamento; bem como a multa no montante de €765,00, por alegadamente ter praticado o ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 187, n°1, al. a) do RDLPFP e ainda a multa no montante de €2.525,00, por alegadamente ter praticado o ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 187, n°1, al. b) do mesmo Regulamento.

Por Acórdão datado de 27.07.2018 foi concedido provimento parcial ao recurso, revogando-se o acórdão do TAD e anulando o acto impugnado, mantendo-se o decidido quanto à isenção da taxa de arbitragem.

Notificada deste acórdão e com ele não se conformando, veio agora a Federação Portuguesa de Futebol recorrer do mesmo para a Secção Administrativa deste Tribunal Supremo, apresentando nas suas alegações um quadro conclusivo com o seguinte teor:
“1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 26 de julho de 2018, que revogou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto.
Esta instância, por seu turno, havia decidido confirmar a decisão de aplicação à ora Recorrida de multas no valor de 1.148,00€, por força do artigo 127.º, n.º 1 (inobservância de outros deveres), ex vi artigos 6.º-1 g) e 9.º-1, m), ponto vi), do Anexo VI do Regulamento de Competições e artigo 56.º-3 do RD da LPFP; 765,00€, por força do artigo 187.º-1, a), do RD da LPFP (comportamento incorreto do público) e 2.525,00€, por força do artigo 187.º-1. b), do RD da LPFP (comportamento incorreto do público.
2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;
3. O Acórdão proferido, salvo o devido respeito, carece de fundamentação pois limita-se a remeter a sua fundamentação para outro Acórdão que por sua vez remete para um parecer do Ministério Público – que se considera inadmissível – e, por sua vez, tal parecer do Ministério Público remete para os argumentos apresentados pela ora Recorrida, o que equivale a falta de fundamentação;
4. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito;
5. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes;
6. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com o rebentamento de engenhos pirotécnicos (v. g. petardos) por ocasião de jogos de futebol.
Ora, como é sabido, para além de serem objetos proibidos, por lei, a entrarem em recintos desportivos, tais engenhos têm a potencialidade de ferirem gravemente os seus utilizadores e os que os rodeiam;
7. São deveres dos clubes assegurar que tais objetos não entram nos estádios de futebol e que os seus adeptos não tenham comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da lei e da Constituição;
8. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;
9. Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo que em dez processos arbitrais a questão foi decidida em forma diametralmente diversa daquela que motivou o recurso para o TCA. Com efeito, não se ignora que a questão é complexa do ponto de vista jurídico e implica um profundo conhecimento das especificidades da realidade e do direito desportivo, o que, salvo o devido respeito, parece ter falhado ao Tribunal a quo;
10. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto 47 processos relativos a sanções aplicadas à ora Recorrida por comportamento incorreto dos seus adeptos;
11. Tais números não só demonstram de forma incontestável que a Recorrida nada tem feito ao nível da intervenção junto dos seus adeptos para que não tenham comportamentos incorretos nos estádios, como demonstram que a Recorrida tem traçado um “plano de ataque” que não verá um fim num futuro próximo;
12. Este mesmo Tribunal já aceitou conhecer da revista de questão idêntica, no âmbito do recurso n.º 297/18, interposto da decisão do TCA Sul tirada no processo n.º 144/17.0BCLSB;
13. É por demais evidente que o coletivo de juízes que proferiu o Acórdão não analisou devidamente o processo. Aliás, o Tribunal limitou-se copiar integralmente decisão anteriormente proferida pelo TCA Sul – o que é usual – mas sem curar de que a parte que copia nem sequer traz nada de relevante para o julgamento da questão. Mais grave do que fazer o chamado copy paste é que essa decisão tirada no processo n.º 144/17.0BCLSB – de que se recorreu de revista para este STA, conforme se deu nota - havia remetido toda a sua fundamentação para o parecer que o Magistrado do Ministério Público havia elaborado nos autos;
14. No parecer apresentado pelo MP nos autos, não é minimamente indicado ou sugestionado qual o fundamento constante do CPTA (ou até da CRP, admita-se) que estará subjacente à emissão do mesmo, qual o interesse que o MP se encontra a proteger, quais os valores que estará a amparar com a sua vinda aos autos ou quais os direitos fundamentais que pretende com ela salvaguardar;
15. E essa era uma indicação (por incidental que fosse) indispensável à emissão do parecer a que fazemos referência ─ só assim se poderia entender como legítima a intervenção processual do MP;
16. Sendo ilegítima a intervenção do Ministério Público, é também ilegítima a apropriação dos seus fundamentos por parte dos juízes do TCA Sul;
17. Ora, no final deste jogo de remissões, acaba por não ser apreensível qual a fundamentação do Acórdão recorrido para decidir como decide;
18. O artigo 154.º do CPC, aplicável por via do artigo 1.º do CPTA, sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, diz-nos que “1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.” e o n.º 2 que “2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”:
19. Não se trata de despacho interlocutório, pelo que a fundamentação do Acórdão não podia limitar-se a uma remissão para um parecer do MP (ainda para mais, inadmissível) que por sua vez remete e adere aos argumentos apresentados pela ora Recorrida A……….. – Futebol SAD.
Tal é expressamente vedado pelo n.º 2 do artigo 154.º do CPC;
20. O próprio sentido do n.º 5 do artigo 94.º do CPTA é este, assim como o do n.º 5 do 663.º do CPC; a remissão apenas pode operar para uma decisão procedente, de que se junte cópia, e nunca para um parecer do MP, muito menos para a peça processual de defesa apresentada por uma das partes. Também neste sentido, veja-se o Acórdão do TCA Sul, de 25.06.2015;
21. A Recorrente fica sem saber, afinal, quais os fundamentos determinantes para que o Tribunal a quo tivesse decidido pela improcedência do recurso apresentado;
22. Face ao exposto, o Acórdão de que se recorre é, desde logo, nulo por falta de fundamentação pelo que é imperioso que sobre esta matéria recaia, efetivamente, uma decisão;
23. O recurso apresentado pela A………… – Futebol SAD junto do TCA Sul teve por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 18 de dezembro de 2017. No entanto, conforme veremos, nenhuma crítica há a fazer à decisão recorrida, ao contrário do que entendeu o TCA Sul;
24. Em suma, de acordo com o Relatório de Ocorrências – que, recorde-se, não foi colocado em causa pela A………… – Futebol SAD nos presentes autos nem sequer foi requerida prova para contrariar o seu conteúdo -, na bancada Sul do Estádio ……….., durante jogo contra B……….., os adeptos do A………… rebentaram petardos, deflagraram um flash light, entoaram cânticos ofensivos, concretamente, aquando da reposição de bola por parte do guarda-redes d’B……….., gritaram em uníssono “Filho da puta” e gritaram em uníssono “C……., C……., C………, filhos da puta, C……….”;
25. A Recorrida não colocou em momento algum em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, que tenham sido adeptos do A………… os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas;
26. Tal como consta dos Relatórios de Jogo cujo teor se encontra a fls. … do processo arbitral, os Delegados da Liga são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do A…………, sem deixar qualquer margem para dúvidas;
27. Com base nesta factualidade, o Conselho de Disciplina instaurou os competentes processos sumários à Recorrida. Nos termos do artigo 258.º, n.º 1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou dos delegados da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito;
28. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP);
29. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube;
30. Assim, quando os Delegados da LPFP colocam no seu relatório que foram adeptos de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos delegados no local. Até porque, caso os Delegados coloquem os seus relatórios factos que não correspondam à verdade, podem ser alvo de processo disciplinar;
31. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD’s que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrida. O RD da LPFP é aprovado em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrida, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais. Em concreto, a Recorrida não se manifestou contra a aprovação das normas pelas quais foi punida em sede de Assembleia Geral tendo, pelo contrário, aprovado as mesmas decidindo conformar-se com elas;
32. Entende a Recorrida que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que a Recorrida violou deveres de formação e vigilância, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo;
33. Entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo (por várias vezes, aliás) que “a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admituntur».”;
34. Assim, o Relatório de Jogo, atento o seu conteúdo, é perfeitamente suficiente e adequado para sustentar a punição da Recorrente no caso concreto. Ademais, há que ter em conta que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tal documento;
35. De acordo com o artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da “f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa”;
36. Isto não significa que o Relatório de Jogo contenha uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres;
37. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil;
38. A Recorrida não tinha que fazer prova absoluta da não verificação dos pressupostos legalmente exigidos, bastando-lhe efetuar a contraprova, fundada num mero juízo de probabilidades. É que, mesmo em sede sancionatória, o “arguido” não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido;
39. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido do Relatório de Ocorrências pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não da Recorrida.
Isto mesmo entendeu, e bem, o Tribunal Arbitral do Desporto;
40. A documentação junta aos autos foi analisada criticamente, tanto pelo Conselho de Disciplina como pelo Tribunal Arbitral, à luz da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, designadamente no que se refere à conclusão de que os objetos descritos no relatório dos Delegados da LPFP, petardos e flash light só entraram e permaneceram no estádio porque a Recorrida, no caso com responsabilidade acrescida por ser entidade organizadora do jogo, não tomou quaisquer medidas que viessem a impedir as ocorrências descritas e praticadas pelos adeptos da bancada sul, afetos ao A…………;
41. Por seu turno, o TCA Sul nada analisa nem nada fundamenta;
42. Também a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede;
43. No que diz respeito ao cumprimento ou incumprimento dos seus deveres, a Recorrida nada refere, ademais porque entende que as normas regulamentares em causa estabelecem uma responsabilidade objetiva, que reputa como inconstitucional;
44. Ademais, a Recorrida está aqui a aplicar um nível de prova altíssimo – para além da dúvida razoável – que nem sequer é a usada pela UEFA nestes casos, conforme reiteradamente decidido pelo CAS que entende como suficiente “a confortable satisfaction” por parte do julgador (neste sentido, por exemplo, veja-se a decisão do CAS no processo 2013/A/3047 FC Zenit St. Petersburg v. Russian Football Union);
45. Assim, é importante referir que do conteúdo do Relatório de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o A………… incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos entrado com objetos proibidos (violação do dever de vigilância) nem perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do A…………, o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados identificarem os espectadores, para além da bancada, que essa sim, está reservada para adeptos do GOA naquele estádio);
46. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos da Recorrida e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório dos delegados, o qual tem presunção de veracidade. Posteriormente, a Recorrida pode fazer prova que contrarie estas evidências, porém, no caso concreto, tal não aconteceu;
47. Conforme é desde logo estipulado no artigo 172.º, n.º 1 do RD da LPFP: “1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.”;
48. Mas tais deveres - de assegurar a ordem e disciplina - não estão apenas previstos em normas regulamentares criadas pela Federação ou pela LPFP; estão desde logo previstos na Constituição e na Lei;
49. A prevenção e combate à violência associada ao desporto, a denominada violência exógena – para além da inerente à prática desportiva presente em algumas modalidades –, é algo que, em particular, a partir da década oitenta do século passado, tem convocado a atenção dos Estados e das organizações desportivas;
50. No plano da legislação desportiva nacional, valem hoje em dia as normas constantes da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho (na sua atual redação consolidada em anexo à Lei n.º 52/2013, de 25 de julho, que procedeu à sua segunda alteração), que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;
51. Como já há muito foi realçado, nesta dupla função – prevenção e combate - encontram-se presentes diversos operadores. A ação desses diversos operadores revela-se essencial para a prossecução das finalidades da lei e, ademais, assenta num previsto e determinante princípio da colaboração, com raízes constitucionais;
52. Aliás, a responsabilidade dos clubes pelas ações dos seus adeptos ou simpatizantes está prevista desde logo no artigo 46.º do regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, pelo que nem sequer é uma inovação ou uma invenção dos regulamentos disciplinares federativos ou da liga;
53. Em suma, a prevenção e combate à violência associada ao desporto é um dever de todos esses operadores, independentemente da sua natureza jurídica e da localização que tenham nas competições desportivas;
54. É um dever fundamental do Estado mas também desses outros operadores, previsto desde logo no artigo 79.º, n.º 2 da Constituição;
55. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 730/95, diz claramente que “o processo disciplinar que se manda instaurar (…) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube) ”;
56. Ainda que se entenda – o que não se concede – que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrida, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido – a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres – foi retirado de outros factos conhecidos;
57. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere a Recorrida e do que parece entender o TCA Sul;
58. No caso concreto, é absolutamente líquido que segundo as normas circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável foram adeptos do A………… a perpetrar as condutas descritas e que a Recorrida era a entidade responsável pela revista de adeptos, impondo a necessária segurança no estádio; donde resulta, sem margem para dúvidas, que a Recorrida incumpriu com os seus deveres e deve ser responsabilizada;
59. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto já se pronunciou por onze vezes, em sete Colégios Arbitrais distintos, em sentido diverso ao entendimento sufragado pelo TCA Sul, e de forma totalmente consentânea com o sufragado no Acórdão proferido pelo TAD em análise nos autos. Fazemos menção aos processos n.º 19/2017, 21/2017, 26/2017, 35/2017, 60/2017, 61/2017, 2/2018, 10/2018, 11/2018, 14/2018, e ainda parcialmente, o 69/2017, para além do que se encontra em discussão nos autos;
60. A tese sufragada pelo Colégio Arbitral é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência.
61. A interpretação perfilhada no acórdão recorrido levará a uma crescente desresponsabilização por este tipo de atos e não se diga que os clubes não podem ser responsabilizados por factos praticados pelos seus adeptos, pois tal responsabilização deriva de uma evolução recente e salutar no fenómeno desportivo e que visa a diminuição da violência no desporto e intima os clubes a tomarem medidas para assegurar que tais factos não se verifiquem.
62. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º, 172.º, 186.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, al. a) e b) e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP.
63. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Juízes do TCA Sul;
64. A negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13.º e 20.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória;
65. Ao rejeitar o pedido de isenção da taxa de arbitragem apresentada pela ora Recorrente, o Tribunal aplicou, assim, uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo;
66. Isto significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,
Deverá o presente recurso de revista ser admitido, sendo determinando procedente o recurso apresentado, e, consequentemente, revogado o acórdão proferido pelo TCA Sul, com as necessárias consequências, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”

A………… – FUTEBOL SAD, Recorrida nos autos, notificada do recurso de revista interposto pela Federação Portuguesa de Futebol do acórdão proferido em 26.07.2018, vem, ao abrigo do disposto no art. 144.º-3 e 147.º-2 do CPTA, apresentar as suas contra alegações que comportam as seguintes conclusões:
“i. Ainda que a Recorrente não a evidencie com clareza e objectividade, a questão normativa que entende mal apreciada e decidida pelo Tribunal a quo parece ser a relativa ao critério de apreciação da prova em processo disciplinar.
ii. Tendo por referência o disposto no art. 150.º-2 e -4 do CPTA, a questão de direito que releva será o critério pelo qual haverão o Conselho de Disciplina, o Tribunal Arbitral do Desporto, os Tribunais Administrativos, bem como as demais entidades com poderes sancionatórios e decisórios, de seguir aquando da apreciação da prova respeitante aos comportamentos incorrectos da autoria de espectadores no decorrer de um evento desportivo como o jogo de futebol de onze, concretamente no âmbito de aplicação do RDLPFP.
iii. Pese embora o Tribunal tenha feito uso da hipótese de fundamentação por remissão, que além de legalmente admissível vem sendo amplamente reconhecida na jurisprudência (cf. ac. STJ de 19.9.2002), o acórdão recorrido não falha o seu dever de fundamentação, não padecendo de qualquer vício.
iv. Além do mais, sempre se revela justificada a intervenção do Ministério Público, ao abrigo do disposto no art. 146.º-1 do CPTA (neste sentido o acórdão do STA de 29-01-2015, Proc. 01354/12, www.dgsi.pt), porquanto uma eventual confirmação da decisão arbitral, condenando a demandante / recorrida A………… – Futebol, SAD no presente processo repercutir-se-á negativamente sobre a sua esfera patrimonial e não deixará de reflectir-se sobre o seu bom nome e reputação, tudo o que assume relevância no plano dos direitos fundamentais.
v. Parte da alegação do recurso exprime a discordância da recorrente sobre os termos em que a instância inferior (TCAS) procedeu à apreciação da matéria em discussão e à valoração dos meios de prova constantes dos autos; alegação essa que é insusceptível de ser conhecida e apreciada pelo STA em sede de recurso de revista (art. 150.º, n.º 2 e 4, do CPTA), pelo que nessa parte, em tudo o que no recurso consista na “interpelação” para que a matéria de facto seja alterada com base numa reapreciação das provas carreadas para os autos, deverá o recurso ser não conhecido, por inadmissibilidade legal do juízo requerido pela recorrente.
vi. Sobrará, assim, a parte da alegação em que a Recorrente “chama a terreiro” o problema normativo da valoração da prova, designadamente, o critério legal da apreciação da prova em processo disciplinar desportivo, matéria esta susceptível de ser conhecida em sede de revista.
vii. Revista que, todavia, deverá improceder, porque fundada numa total desconsideração dos princípios estruturantes do processo disciplinar, que não poderão deixar de abranger o exercício do poder sancionatório previsto no RDLPFP, alguns deles inclusive portadores de estatuto constitucional.
viii. O arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, até porque, aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar (cf. jurisprudência uniforme e pacífica, e reiteradamente afirmada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19/01/95, rec. n.º 031486, de 14/03/96, rec. n.º 028264, de 16/10/97, rec. n.º 031496 e de 27/11/97, rec. n.º 039040), vigora ainda o princípio da presunção de inocência.
ix. O princípio da presunção de inocência do arguido, também presente no âmbito do processo disciplinar, tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido – in casu a recorrida – o ónus de reunir as provas da sua inocência (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do TCA Norte de 02.10.2010, processo n.º 01551/05.8BEPRT, e ainda o acórdão do TCA Norte de 05.10.2012, processo n.º 01958/08.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
x. Revela-se, aliás, unânime que o arguido em processo disciplinar tem direito a um “processo justo”, o que passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado princípio da presunção da inocência, acolhido no art. 32.º-2 da CRP (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27/11/97, in Rec. n.º 039040; 16.OUT.97, in Rec. nº 031496, de 14/03/96, in Rec. n.º 028264; de 19.JAN.95, in Rec. n.º 031486; de 10.DEZ.98, in Rec. n.º 037808; de 01.MAR.07, in Rec. n.º 01199/06; de 28.ABR.05, in Rec. n.º 333/05; de 17.MAI.01, in Rec. n.º 40528, disponíveis em www.dgsi.pt).
xi. É precisamente o princípio de inocência que exige a formulação de um juízo de certeza sobre o cometimento das infracções para condenar o clube, aqui recorrida, não bastando meras ilações, ou uma simples referência geográfica, como, porém, aconteceu
xii. Portanto, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido/recorrida, que deve ter a seu favor a presunção de inocência (cf. Ac. TCAS de 02-06-2010, Proc. 5260/01).
xiii. Ainda que os documentos gozem de uma presunção de veracidade e sejam elaborados pelos Delegados presentes ao jogo, não se podem aqui diminuir as exigências de prova e de sua apreciação, bastando-se com simples afirmações vertidas em relatórios.
xiv. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º, f), do RD, pode contrariar o quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador.
xv. Para efeitos disciplinares, como in casu, é relevante afirmar que a prova dos factos integradores da infracção é determinada face aos elementos existentes no processo e pela convicção do julgador, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (cf. art. 127.º do CPP e art. 94.º-4 do CPTA).
xvi. Uma vez que o RDLPFP nada dispõe em contrário, competirá ao julgador - na fixação dos factos e pressupostos da aplicação da pena disciplinar - formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação do material probatório, segundo aquela que é a sua livre convicção.
xvii. Ainda que as provas coligidas possam, em teoria, ser aptas a determinar a instauração do procedimento disciplinar contra o arguido, por se revelarem suficientes, na óptica da acusação, para o considerar suspeito dos factos em causa, para punir disciplinarmente algum agente sempre será preciso ir mais além, recolhendo e produzindo provas concretas que permitam criar a convicção no julgador de que se mostram preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo tipo legal.
xviii. A imputação de todos e cada um dos elementos do tipo “incriminador” deve estribar-se em meios de prova que os sustentem, com a natureza de prova directa ou, pelo menos, de prova indirecta.
xix. Considerando os pressupostos legais exigidos para a imputação e condenação pela prática das infracções p. e p. pelos arts. 127.º e 187.º do RDLPFP, era necessário que o Conselho de Disciplina da FPF tivesse carreado aos autos prova suficiente de que i) os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da A………… – Futebol SAD, como ainda que ii) tais condutas resultaram de um comportamento culposo da A………… – Futebol SAD.
xx. Tal produção de prova jamais podia competir ou ser exigido à arguida, não se podendo neste âmbito admitir – como pretende a Recorrente – uma inversão do ónus da prova.
xxi. Face às normas e princípios que conformam o processo sancionatório, admitir a tese da Recorrida equivaleria a uma aberta e clamorosa violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência¸ o que deverá inevitavelmente conduzir ao repúdio de tal tese.
xxii. Além do mais, não se pode aqui abrir a porta a uma “prova por presunção” sobre a autoria dos factos e sobre a violação de deveres constitutiva da ilicitude típica.
xxiii. A prova em sede disciplinar, designadamente aquela assente em presunções judiciais, tem de ter robustez suficiente, tem de ir para além do início da prova, para permitir, com um grau sustentado de probabilidade, imputar ao agente a prática de determinada conduta, tendo sempre presente um dos princípios estruturantes do processo sancionatório que é o da presunção da inocência, designadamente: “todo o acusado tenha o direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso particular” (GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, I, Verbo, 2008, p. 82).
xxiv. Também não se pode aqui admitir a aplicação do critério da primeira aparência, de acordo com o qual: à recorrente, titular do poder punitivo disciplinar, caberia fazer a prova da primeira aparência da verificação do facto; e à recorrida, uma vez comprovada essa primeira aparência, compete refutá-la, destruindo essa indiciação.
xxv. Tal critério mais não é que uma clamorosa violação ao princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a recorrida é titular.
xxvi. E do mesmo passo implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.
xxvii. Note-se que, tal posição não tem qualquer base legal ou regulamentar: nesta matéria, os regulamentos aplicáveis não estabelecem qualquer presunção da verificação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar, nem se atribuiu ao arguido qualquer ónus de infirmação do que quer que seja.
xxviii. Trata-se, aliás, de critério decisório incompatível com o princípio da presunção de inocência, por duas ordens de razões: por implicar a imposição de um ónus de prova ao arguido; e por baixar o grau de convicção da verificação do facto para um nível insuportável: não a certeza correspondente à convicção para além de toda a dúvida razoável, mas a suspeita baseada somente na primeira aparência.
xxix. O critério decisório pelo qual pugna a Recorrente – o da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido – contraria frontal e irremissivelmente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado vezes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ, Relações e TCA’s) (veja-se,a titulo de exemplo, (Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881; Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, Ac. do STA de 18-02-1997, Proc. 033791, Ac. do STA de 28-06-2011, Proc. 0900/10, Ac. do STA de 18-04-2002, Proc. 033881, tirado em Pleno, disponíveis em www.dgsi.pt)
xxx. A “prova de primeira aparência” é indissociável da presunção de culpa e da distribuição do ónus da prova, pelo que se faz sentido no quadro dos litígios cíveis ou de natureza análoga já é um corpo completamente estranho no direito e processo sancionatórios, desde logo porque contraria os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência.
xxxi. E nem se diga que se impõe à Administração a impossível prova de um facto negativo, pois a “contrapartida” da tese da prova da primeira aparência adoptada pelo Tribunal a quo é a imposição ao arguido em processo disciplinar desportivo de uma prova impossível de um comportamento impossível: a demonstração de que o arguido fez tudo para evitar o resultado proibido.
xxxii. Atendendo aos pressupostos exigidos pelos tipos legais previstos nos arts. 127.º e 187.º do RD sempre se exigirá para a condenação do clube, in casu a Recorrida, que se mostrassem suficientemente provados – através da produção de prova que incumbe ao titular do processo disciplinar e a qual será sujeita a uma livre apreciação - os factos consubstanciadores da prática das infracções disciplinares; não se verificando tal prova, e considerando o quadro normativo aplicável ao caso, fica necessariamente prejudicada a alegação da Recorrente.

xxxiii. Em suma, a pretensão da Recorrente está claramente condenada ao fracasso, pelo que não padece o acórdão recorrido de qualquer erro de julgamento, tendo subsumido correctamente os factos ao direito aplicável.
xxxiv. O Tribunal Central Administrativo Sul já se pronunciou sobre esta matéria, decidindo em desfavor da posição assumida pelo Tribunal Arbitral do Desporto no acórdão recorrido e em desfavor da alegação ora aventada pela recorrente, designadamente no acórdão de 16.01.2018 (processo n.º 144/17.0BCLSB) e no acórdão de 6.08.2018 (processo n.º 33/18.0BCLSB)
xxxv. Se, por mera hipótese de raciocínio, proceder a tese da Recorrente, reputa-se como inconstitucional – por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.º, n.os 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) – a interpretação dos artigos 222.º-2 e 250.º-1 do RDLPFP de 2016 segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.
xxxvi. O douto acórdão do Tribunal a quo não merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se “in totum”.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem julgar improcedente o recurso de revista, confirmando-se integralmente o douto acórdão recorrido.”

Na formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo do STA a Revista foi admitida.

Notificado o Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal Administrativo, não se pronunciou.


2. Os Factos
Os factos que a decisão recorrida elenca como provados, são os seguintes:
a) No dia …… de …….. de 2017, no Estádio ……….., na cidade ………, realizou-se o jogo “A………… - Futebol, SAD/B……….. - Futebol, SAD”, a contar para a ….ª jornada da “Liga ……..”;
b) Na bancada sul do Estádio ……….., onde se encontravam adeptos da Demandante, esta não evitou que adeptos seus tivessem entrado e permanecido com engenhos pirotécnicos, concretamente com 6 (seis) petardos e 1 (um) flash light;
c) Sequencialmente ocorreram os seguintes factos, não se tendo verificado quaisquer meios preventivos por parte da Demandante para evitar a sua ocorrência:
a. Aos 6 (seis), 37 (trinta e sete) e 70 (setenta) minutos de jogo, os adeptos afetos ao clube visitado, situados na bancada sul, rebentaram, respectivamente, 1 (um), 2 (dois) e 3 (três) petardos;
b. Aos 37 (trinta e sete) minutos de jogo, os adeptos afectos ao clube visitado, situados na bancada sul, deflagraram 1 (um) flash light;
c. Aos 69 (sessenta e nove) minutos de jogo, os adeptos afectos ao Clube visitado, situados na bancada sul, aquando da reposição de bola por parte do guarda-redes d' B…………, gritaram em uníssono "Filho da puta";
d. Aos 86 (oitenta e seis) minutos de jogo, os adeptos afectos ao Clube visitado, situados na bancada sul, gritaram em uníssono “C…….., C…….., C………, filhos da puta, C……..”.
d) Na presente época desportiva, até à data dos factos, a Demandante foi sancionada pelo cometimento de 69 (sessenta e nove) infracções disciplinares.

3. O Direito
A aqui Recorrida impugnou junto do TAD o acórdão do Conselho de Disciplina da FPF de 03.03.2017 – no âmbito do processo disciplinar nº 38 -16/17, nos termos do qual foi negado provimento ao recurso hierárquico impróprio por aquela interposto e mantida a decisão disciplinar recorrida que a condenara na multa de € 1.148,00 pela prática da infracção prevista e punida pelo art.º 127º, nº 1, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante RD), inobservância de outros deveres, ex vi do art. 6º, nº 1, alínea g) e 9º, nº 1, alínea m), ponto vi), do Anexo VI desse RD e art. 56º, nº 3 do mesmo regulamento, reincidência, bem como na multa de € 765,00, por comportamento incorrecto do público, infracção prevista e punida pelo art. 187º, nº 1, alínea a), do mesmo RD, e ainda na multa de € 2.525,00, pela prática da infracção prevista e punida pelo art. 187º, nº 1, alínea b) do mesmo RD (comportamento incorrecto do público).

O TAD, por acórdão de 18.12.2017, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida e julgou improcedente o pedido de isenção de pagamento das taxas de arbitragem que havia sido formulado pela FPF.
Para o efeito, esse acórdão considerou que, “(…)o Regulamento de Competições da LPFP, concretamente os seus artigos 34º e 36º, obriga os clubes participantes na competições profissionais a assegurar condições de segurança na utilização dos estádios que impõem, entre outros deveres, venda de bilhetes separado para adeptos de cada participante e a “separação física dos adeptos” bem como a assegurar “a segurança do recinto desportivo e anéis de segurança (vd. artigo 35 nº 1 alínea a))”.
Passou, de seguida, a analisar se se verificavam os pressupostos para a efectivação da responsabilidade previstos nos artigos 127º, nº 1 e 187º, nº 1, al. a) e 2, tendo em atenção que o art. 17º do RD dispõe que: “a infracção disciplinar corresponde ao facto voluntário que, por acção ou omissão e ainda que meramente culposo”, represente uma violação dos deveres gerais e especiais previstos nos regulamentos desportivos e legislação aplicável, fixando o nº 2 que “a responsabilidade disciplinar objectiva é imputável nos casos expressamente previstos”.
Considerou que: “Ora, na percepção do Colégio Arbitral as infracções abrangidas pelos artigos 127º e 187º do RDLFP, atento o disposto nos já citados artigos 34º a 36º do Regulamento de Competições da LPF bem como no artigo 6º, cuja epígrafe é “deveres do promotor de espectáculo desportivo”, alínea g) e 9º nº 1 alíneas m), especialmente o ponto vi, ambos do Anexo VI do Regulamento de Competições, não são casos de responsabilidade objectiva, e qualquer aplicação de uma sanção que corresponda a esses tipos de ilícito disciplinar tem de advir da demonstração de que o arguido deixou de cumprir os deveres emergentes destas disposições.
Por outras palavras, tem de existir uma ponderação da prova relativa aos factos verificados (e, in casu, inscritos no Relatório dos Delegados), concretamente de que os mesmos resultaram de actos que o agente praticou, ou omitiu, para se concluir que existiu incumprimento ou o cumprimento imperfeito de deveres por parte do agente, e daí que se tenha aplicado sanção disciplinar.
(…)
De facto, estando a Demandante sujeita aos deveres já descritos e elencados, estando provadas as ocorrências também descritas as quais aconteceram na bancada sul, para a qual a Demandante está obrigada a vender só bilhetes para os seus adeptos, o que se retira é que a Demandante não impediu o acesso e a permanência no recinto desportivo de adeptos seus que agiram de forma incorrecta e com objectos proibidos, sendo certo que a esta caberia obstar, evitar, impedir, vedar a entrada de adeptos com esses objectos ou implementar medidas que instassem e favorecessem a actuação ética, com fair play e correcta dos seus adeptos, pois é lógico e razoável presumir, de forma ilidível, que o A……, falhou em algum momento no dever “in vigilando” que tem sobre as suas claques e adeptos, nomeadamente que houve alguma falha no dever de revista dos adeptos, no dever de revista do estádio, no dever de controlar os adeptos dentro do estádio, no dever de demover os adeptos de praticarem tais factos.
A ser assim a Demandante é um agente do facto e por isso deve ser punida, a título de imputação subjectiva.
De seguida, o acórdão do TAD afastou a alegação de inconstitucionalidade de algumas normas, a propósito da responsabilidade disciplinar dos clubes, conforme pronúncia já emitida pelo Tribunal Constitucional (cfr. acórdão do TC nº 730/95, proc. 328/91 ali citado), que se considerou plenamente aplicável ao caso em análise.
Refere o acórdão que: “É nosso entendimento que a demonstração da realização pelos clubes de actos concretos junto dos seus adeptos destinados à prevenção da violência, sejam eles em momento anterior ao evento, sejam, especialmente, imediatamente antes ou durante a sua realização, poderá/poderia obstar à sua responsabilização disciplinar demonstrada que estivesse que cumpriram razoavelmente com as suas obrigações em cada caso concreto”.
Contrapõe, assim, o acórdão do TAD à alegada inconstitucionalidade do art. 187º, nº 1 do RD o afirmado no acórdão do TAD, no processo nº 1/2017 (não publicado, nos termos do art. 50º, nº 3 da LTAD), nos seguintes termos:
As normas em causa inserem-se inevitavelmente no âmbito das medidas destinadas a prevenção e combate ao fenómeno da violência no desporto, traduzindo a realização da competência normativa atribuída às federações desportivas, na qualidade de entidades privadas de utilidade pública, quanto a esta matéria. O Desporto e, concretamente, a modalidade do futebol, enquanto fenómeno social, cultural e económico, guiado por um conjunto de princípios que o regem e que têm de ser salvaguardados, implica que a actividade desportiva seja “desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes” (cfr. art. 3º, nº 1 da Lei nº 5/2007, de 16 de janeiro – Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – LBAFD. (…)”.
(…)
Temos, portanto, que por via da interpretação das duas referidas normas [o art. 17º, nº 1 do RD e o art. 71º do Código Penal referentes ao princípio da culpa] determinar se as mesmas se encontram, como entende a Demandante, despidas do princípio da culpa, permitindo o seu sancionamento mesmo que não tenha aquela actuado com culpa, seja sob a forma de dolo, seja por via de negligência (…) por via da interpretação extensiva, teremos que concluir que é elemento do tipo subjectivo da norma em causa a conduta culposa do clube consubstanciada na violação (culposa) de um ou mais dos deveres que no âmbito da prevenção e repressão da violência do desporto lhe são impostos por via da disposição legal ou regulamentar (cfr. art.º 8º da Lei 32/2009; art.º 6.º do Anexo VI do RCLPFP). Deste modo, nos casos em que o clube actue com culpa – e só nesses casos – incumprindo, por acção ou omissão, aqueles seus deveres, conduta essa que permite ou facilita a prática pelos seus sócios ou simpatizantes de actos proibidos ou incorrectos, é que o mesmo poderá ser sancionado pela violação do disposto nos arts. 186º, n.º 1 ou 187º, nº 1 al. b) do RD.
Assim sendo, (…) as normas em causa têm por pressuposto o respeito pelo princípio constitucional da culpa, não podendo a infração nelas previstas ser desprendida de uma conduta culposa por parte do clube, (…), o princípio geral e fundamental de que o direito sancionatório – nele se incluindo o disciplinar – é estruturado com base na culpa do agente, atendendo, aliás, à defesa da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente consagrada (cfr. arts. 1º, 13º, nº 1 e 25º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa). (…).
Finalmente, as pessoas colectivas só podem ser objecto de responsabilidade disciplinar nos mesmos termos em que são penalmente responsabilizadas, ou seja, quando os factos são cometidos em seu nome e no interesse do colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança ou por quem aja sob a autoridade daquelas pessoas, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhe incumbem – a personalidade da responsabilidade disciplinar (cfr. artigo 12.º do Código Penal).
Resumir-se-á aqui e assim que existe um especial dever dos clubes de actuarem preventivamente para que os actos de violência ou de comportamento incorrecto dos adeptos não ocorram.”.
Assim, bastando-se o art. 17º do RD com a mera culpa considerou o acórdão que se estava no âmbito da responsabilidade subjectiva, traduzida na evidente violação de um dever de cuidado, próprio da negligência ou da mera culpa, cabendo à aqui Recorrida demonstrar a inexistência da negligência que o rebentamento de petardos consubstancia, através “da prova, designadamente, de um razoável esforço no cumprimento dos deveres de formação dos adeptos ou da montagem de um sistema de segurança”.
Desconsiderou igualmente a violação do princípio in dubio pro reo, que assenta no pressuposto da inexistência de prova relevante que possa apontar que foi cometido o ilícito, sendo que, sem dúvida, os factos ocorreram, sem que a Recorrida tenha feito a demonstração (nem sequer alegou) de que “fez tudo para evitar o resultado”, pelo que entendeu que “estão verificados os pressupostos para a aplicação da penalização prevista nos artigos 127º e 187º do RD, sustentada na prova da primeira aparência”.
Apreciando a alegada violação do princípio ne bis in idem (princípio previsto no art. 12º do RD), entendeu o acórdão o seguinte: “A Demandada foi punida por ter negligentemente permitido a entrada dos seus adeptos com os tais artefactos pirotécnicos, e é aqui que se esgota a norma em causa [art. 127º do RD, ilícito de perigo], ou seja é/foi punida nesta parte porque não cumpriu o dever que sobre si recaia de não permitir esse acesso e de vigilância dos seus adeptos para que tal não aconteça, independentemente de existir um resultado derivado de tal omissão de dever.
Situação diversa é aquela, que está na origem da sua punição pelo comportamento incorrecto dos adeptos, desde logo pelo simples facto de que a incorrecção comportamental dos seus adeptos é/foi a ferida social e desportiva, sendo certo que o próprio artigo 187º do RD utiliza o termo “designadamente” para exemplificar alguns actos em que essa incorrecção comportamental se pode traduzir, verificando-se assim ações e resultado em função da omissão de deveres por parte da Demandante.
Por outras palavras, elemento típico a preencher será a adopção por parte dos adeptos de um comportamento social e desportivamente incorrecto, sendo depois adiantados alguns exemplos”.
Assim, o acórdão negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida e no que concerne à pretendida isenção de taxas, entendeu que o regime de custas no TAD estava regulado pela Lei n.º 74/2003, de 6/9, na redacção dada pela Lei n.º 33/2014, de 16/6 e na Portaria n.º 301/2015, de 22/9, onde não se encontrava prevista qualquer isenção, não se justificando, por isso, a aplicação subsidiária do RCP.

Interposto recurso para o TCAS, foi, neste Tribunal, proferido acórdão que referiu o seguinte:
“Voltando ao caso concreto, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi emitido Parecer nos termos dos artºs 146º, nº 1 e 147º, ambos do CPTA – pelo que não se compreendem as objecções suscitadas pela recorrida quanto à legitimidade do MºPº para intervir nestes autos-, que se transcreve na parte julgada útil ao objecto do recurso.
(…) 1.Vem o presente recurso interposto pelo Recorrente, A……….. (A……..) da decisão proferida em sede de Colégio Arbitral no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) a qual decidiu no sentido de confirmar as multas aplicadas pela Federação Portuguesa de Futebol ao A………, no âmbito de Autos de Processo Disciplinar instaurados por aquela Federação ao citado Clube, tudo nos termos melhor constantes dos Autos;
II. Apreciação.
2. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 1, do CPTA, e dos artigos 5.º, 608.º, n.º , 63.º, nºs. 4 e 5 e 639.º, todos do novo Código de Processo Civil (CPC), ex vi o disposto nos artigos 1º e 140º do CPTA;
3. No caso, em face do teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar, essencialmente, as questões atinentes a erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado no âmbito da decisão recorrida;
Ora,
4. Da análise aos presentes Autos, nomeadamente à Douta decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pelo Recorrente e bem assim à subsequente resposta do Recorrido, entende o Ministério Público que a decisão de que se recorre não procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e bem assim à sua subsunção ao Direito;
Nessa linha,
5. Entende-se acompanhar, em sentido genérico, a fundamentação da resposta apresentada pelo Recorrente, A………, e bem assim a fundamentação expressa no âmbito do voto de vencido constante da citada decisão do TAD, cujo argumentário se subscreve, sem prejuízo das considerações que seguem;
6.Assim, importa salientar que os factos sujeitos à apreciação do presente recurso são, na sua essência, similares aos factos submetidos a Recurso Jurisdicional neste TCA e no âmbito do Processo nº144/17, referidos a fls.74 da motivação de recurso apresentada pelo A……….;
7.Autos esses onde o signatário emitiu paracer cujos fundamentos são, também no essencial, aplicáveis ao caso presentem, razão pela qual entende transcrever parcialmente, na parte aplicável, tal documento, nos seguintes termos:
“No fundo, aquilo que está verdadeiramente em causa … tem a ver com a alegada falta de rigor jurídico apontada … à fundamentação das decisões proferidas ainda em sede dos órgãos de Justiça desportiva integrado na FPF;
Falta de rigor esse que incide, essencialmente, sobre a necessária descrição dos factos no sentido do preenchimento do tipo de ilícito cuja prática se imputa ao A………;
É o caso, a título meramente indicativo, da ausência de rigor sobre a clara identificação dos adeptos do A…….. no seguinte trecho:
“… a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor do lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam-se de dois factos autónomos, em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado…”.
Por referência ao Ac. do TRP ali citado sob a nota n.º 18, a fls. 32 da decisão do Colégio Arbitral;
Tal afirmação tem, necessariamente, consequências em sede de definição e apresentação da prova, como seja a necessidade de recurso à prova indirecta, o que, de todo, se mostra incompatível com a faculdade de recolha atempada dos necessários elementos probatórios pelo instrutor do processo;
Tanto mais que as punições em apreço, como bem se alcança dos Autos (Cfr. fls. 37), foram assumidas com base no mero relatório do jogo, o qual, como bem referido na decisão sob recurso, se mostra, de algum modo, em evidente similitude jurídica com os Autos de Notícia – Cfr. fls. 38;
O que, em bom rigor, obrigaria, no limite, à aplicação de presunções judiciais, tudo por via de insuficiente corpo de prova;
Aliás, sobre esta matéria, salienta-se o segmento decisório constante de fls. 40 dos Autos e onde se pode ler:
“Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes. E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não. Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus”;
Tendo em consideração a fundamentação constante do douto Parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público que, com a devida vénia, fazemos nossa, procedem as questões trazidas a recurso”.
Quanto à questão denominada de “isenção de custas da FPF”, o acórdão limitou-se a transcrever o Ac. do TCAS de 04.10.2017, proferido no processo n.º 94/17.0BCLSB, onde se entendera que essa entidade não beneficiava de isenção das taxas de arbitragem, por a mesma não estar prevista nem na Lei do TAD, nem na Portaria n.º 301/2015, de 22/9, não sendo por isso aplicáveis ao caso as normas excepcionais do RCP.

Na presente revista, a Recorrente, para além de imputar ao acórdão a nulidade de falta de fundamentação ao limitar-se a remeter para o parecer do Ministério Público, que considera inadmissível, como adere aos argumentos da ora recorrida, infringindo, assim, o disposto no n.º 2 do art.º 154º do CPC, alega que o relatório do jogo em questão, elaborado pelo Delegado da LPFP, era suficiente e adequado para sustentar a punição da Recorrida, ao afirmar que as condutas punidas haviam sido perpetradas em bancadas afectas a adeptos do A………, pelo que, gozando ele da presunção de veracidade se inverte o ónus da prova (art. 344º, do C. Civil). E adicionalmente ao que constava desse relatório, não incumbia ao CD provar que a recorrida violara o dever de vigilância e formação dos seus adeptos, por essa violação se extrair do seu conteúdo, cabendo a esta demonstrar que cumprira tais deveres, o que nem sequer alegou. Quanto à isenção das taxas de arbitragem, considera que o acórdão violou os arts. 13º, 20º, nºs. 1 e 2 e 268º, nº 4, todos da CRP, por introduzir uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e por agravar a sua situação em relação à que existia antes da introdução de uma instância arbitral obrigatória.

Sobre questões em tudo idênticas se pronunciou já este Supremo Tribunal no acórdão de 18.10.2018, proc. 0144/17.0BCLSB (anterior proc. 0297/18 deste STA), com o qual concordamos e que, por isso, aqui seguiremos na parte aplicável, sendo que nesse processo a decisão do TAD fora contrária à seguida nos presentes autos, sendo confirmada pelo acórdão, ali recorrido, do TCAS.
Escreveu-se no acórdão de 18.10.2018 o seguinte:
«Vejamos se lhe assiste razão, começando por apreciar a invocada nulidade.
Nos recursos jurisdicionais, o art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, admite que o MP, quando não seja parte no processo, tenha nele intervenção para se pronunciar sobre o mérito do recurso, ou seja, sobre a legalidade da decisão recorrida.
Como notam Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha (in “Comentário ao CPTA”, 2017- 4.ª edição, págs. 637), vigora neste domínio um critério de oportunidade que ao MP cabe fazer actuar e que é insusceptível de controlo jurisdicional, pelo que só àqueles magistrados incumbe analisar a relevância dos interesses em jogo.
Verificada a referida intervenção, não ocorre a violação do n.º 2 do art.º 154.º do CPC quando a decisão remete para um parecer do MP que não é parte no processo.
E não se pode afirmar que, no caso em apreço, esse parecer se limitou a aderir à posição da recorrida, dado que, como resulta do seu teor, atrás parcialmente transcrito, embora nele se manifeste concordância com argumentação por aquela apresentada, não se louvou apenas nos fundamentos por ela invocados.
Improcede, assim, a arguida nulidade da falta de fundamentação do acórdão recorrido.
Quanto à questão de fundo, importa começar por referir que, no recurso de revista, este Supremo só conhece de direito (cf. art.º 12.º, n.º 4, do ETAF), pelo que o juízo formulado pelo TCA quanto à matéria de facto apenas pode ser censurado na medida em que se traduza numa questão de direito.
As presunções judiciais, como ilações que o julgador tira de um facto conhecido para, através de um raciocínio lógico-dedutivo, afirmar um facto desconhecido (cf. art.º 349.º, do C. Civil), fundam-se nas regras da vida e da experiência comum, implicando essencialmente um juízo de facto, pelo que o Supremo só pode sindicar o seu não uso ou o juízo presuntivo efectuado pelas instâncias se esta actividade se traduzir num erro de direito, por ofensa de uma qualquer norma legal ou se padecer de ilogicidade (cf. Ac. do STJ de 25/11/2014 – Proc. n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1).
No domínio do direito disciplinar, a que se aplicam subsidiariamente os princípios do direito penal, é lícito o uso das presunções judiciais que, no entanto, como juízo de facto, só pode ser censurado por este Tribunal nos estritos limites que ficaram referidos.
No caso em apreço, para anular as sanções que haviam sido aplicadas pelo CD, o TAD, com a concordância do TCA-Sul, entendeu que a circunstância de os comportamentos incorrectos terem ocorrido em bancadas ocupadas por adeptos do A……….., não permitia considerar provado, por presunção judicial, que os seus autores eram sócios ou simpatizantes deste clube, atento à necessidade de emissão de um juízo de certeza nesta área do direito e ao facto dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP não se poder inferir um início de prova ou a inversão do ónus da prova que impendia sobre o acusador. Dado o princípio da presunção de inocência do arguido, era ao titular da acção disciplinar que cabia sempre o ónus de provar os factos constitutivos do ilícito disciplinar, não podendo haver lugar a um esforço probatório aliviado por via de recurso a presunções.
A esta apreciação probatória, a recorrente aponta um erro de direito, resultante de não se ter tomado em consideração a presunção de veracidade legalmente estabelecida para os mencionados relatórios.
E, com efeito, enquanto as decisões do CD se fundaram na referida presunção, tanto o TAD como o acórdão recorrido desconsideraram-na.
Porém, é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percepcionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa” [art.º 13.º, al. f), do RD].
Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percepcionado.
E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário.
Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da fé em juízo dos autos de notícia (cf., entre muitos, o Ac. de 6/5/87 in BMJ 367.º-224; o Ac. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ac. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o Ac. de 9/2/89 in DR, II Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa – que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza – não acarreta qualquer presunção de culpabilidade susceptível de violar o princípio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art.º 32.º, nºs. 2 e 10, da CRP). Com efeito, o valor probatório dos relatórios dos jogos, além de só respeitarem, como vimos, aos factos que nele são descritos como percepcionados pelos delegados e não aos demais elementos da infracção, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos, não é definitiva mas só “prima facie” ou de “ínterim”, podendo ser questionado pelo arguido e se, em face dessa contestação, houver uma “incerteza razoável” quanto à verdade dos factos deles constantes, impõe-se, para salvaguarda do princípio “in dúbio pro reo”, a sua absolvição.
Assim, o acórdão recorrido, ao manter a decisão do TAD que efectuou a apreciação probatória partindo do pressuposto que, dado o princípio da presunção de inocência do arguido, o ónus da prova recaia sempre sobre quem acusava, não se podendo atender a quaisquer presunções como a que resultava do citado art.º 13.º, al. f), para os relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP, incorreu no erro de direito que lhe é imputado, devendo, por isso, ser revogado.
(…)
Finalmente, no que concerne à isenção das taxas de arbitragem e à violação dos artºs. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, que a recorrente, nas conclusões 30 a 33 da sua alegação, imputa ao acórdão recorrido, entendemos que não tem razão.
Efectivamente, resultando dos artºs. 76.º, n.º 2 e 77.º, n.º 3, da Lei do TAD (Lei n.º 74/2013, de 6/9, com as alterações resultantes da Lei n.º 33/2014, de 16/6) que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e que esta “é integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contra-interessados” e não se encontrando prevista neste diploma, nem na Portaria n.º 3017/2015, de 22/9, nenhuma isenção de pagamento dessas taxas, não se pode verificar qualquer desigualdade entre os intervenientes processuais no que a esse pagamento respeita.
E também é insusceptível de infringir os citados preceitos constitucionais a circunstância de, eventualmente, a legislação que introduziu a arbitragem obrigatória se traduzir num agravamento da responsabilidade tributária da recorrente, quando nem sequer é alegado que o novo regime seja de tal modo gravoso que dificulte de forma considerável o acesso aos tribunais.
Assim, nesta parte, a revista não merece provimento».
No caso em apreço, e, em consonância com o expendido no acórdão que acabamos de transcrever é de julgar improcedente a arguida nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação (art. 615º, nº 1, al. b) do CPC), julgar procedente o recurso quanto à questão de fundo a que respeitam as conclusões 23 a 62, e julgá-lo improcedente quanto ao pedido de isenção de pagamento das taxas de arbitragem.

Pelo exposto, acordam em:
a) Negar provimento ao recurso, na parte em que o acórdão recorrido julgou improcedente o recurso interposto do pedido de isenção de pagamento das taxas de arbitragem;
b) Conceder provimento ao recurso na parte restante, revogando o acórdão recorrido, mantendo-se o acórdão do TAD de 18.12.2017.
c) Condenar a Recorrida nas custas, nas instâncias e neste STA.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2018. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.