Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0512/17
Data do Acordão:03/14/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO
CORRECÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
Sumário:I - Há omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
II - As características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico).
III - Se o critério legal que foi adoptado pela AT para apurar o lucro tributável está enunciado em termos claros e inteligíveis e foi inequivocamente compreendido pelo sujeito passivo, não ocorre falta de fundamentação.
Nº Convencional:JSTA00070599
Nº do Documento:SA2201803140512
Data de Entrada:05/05/2017
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:LGT ART77.
CPA ART152 ART124 ART125.
CIRC ART117 ART52 ART122.
CPPTRIB99 ART125.
CPC ART615 ART608.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01114/05 DE 2006/02/02.; AC STA PROC01674/13 DE 2014/03/26.; AC STA PROC01051/09 DE 2010/11/17.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida no TAF do Porto em 28/11/2016, julgou improcedente a impugnação que deduziu contra as liquidações de IRC dos anos 2007 e 2008, no montante global de 15.000 Euros.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. Na verdade, a Recorrente não se pode conformar com a douta sentença impugnada.
2. Em primeiro lugar, deve dizer-se que a sentença não apreciou um dos fundamentos da impugnação deduzida pela Recorrente.
3. Designadamente, o seu direito de participação na decisão do procedimento tributário que lhe foi coarctado pela Autoridade Tributária.
4. Não permitindo à aqui Recorrente produzir prova testemunhal sobre a matéria sub judice.
5. Sem, contudo, fundamentar a razão de não conceder à Recorrente o exercício de tal faculdade probatória.
6. Facto que, naturalmente, teve influência no desenrolar do procedimento tributário e na decisão proferida.
7. Assim sendo, ao não se pronunciar sobre o facto da produção da prova testemunhal apresentada ter sido rejeitada sem qualquer fundamentação pela Autoridade Tributária, a douta sentença recorrida enferma do vício de nulidade, porquanto não se pronunciou sobre a totalidade dos fundamentos invocados pela Recorrente, e deduzidos na impugnação apresentada.
8. E, caso este vício tivesse sido ajuizado, a decisão poderia ter sido distinta da proferida.
9. Concluindo-se, pela procedência da impugnação.
10. Por outro lado, o acto de liquidação em causa, carece da devida e necessária fundamentação.
11. Mas, mesmo que se entenda, o que só se concede por motivos do foro especulativo e académico, que essa fundamentação, consta do relatório da inspecção realizada, e que tal é suficiente, como se sufraga na douta sentença, temos de assinalar que este relatório não foi, pelos motivos aduzidos, validamente notificado à Recorrente.
12. O que gera a nulidade da referida notificação.
13. Por último, diga-se que a douta sentença, violou os artigos 77º da LGT, 124º do CPA, 125º, nº 1, e 39º, nº 5, do CPPT, 124º e 133º, do CPA, 38º e 48, do RCPIT e 13º e 104º, nº 2, e 268º nº 3, da CRP.
Termina pedindo o provimento do recurso.

1.3. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de recurso hierárquico, interposto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidações de IRC (exercícios de 2007 e 2008) no montante global de E 15.000,00

FUNDAMENTAÇÃO

1.Omissão de pronúncia
A. A omissão de pronúncia, enquanto causa de nulidade da sentença, inquina a sua estrutura formal imperativa; é consequência da violação do dever funcional de o juiz se pronunciar sobre todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as questões de conhecimento oficioso (art. 608º nº 2 CPC/art. 2º al. e) CPPT; art. 125º nº 1 CPPT).
Cada questão jurídica exigindo pronúncia judicial decompõe-se num binómio causa de pedir-pedido, exprimindo a causa de pedir o fundamento fáctico-jurídico invocado pelo interessado para a satisfação da sua pretensão e o pedido o conteúdo da tutela jurisdicional reclamada.
Com as questões jurídicas, configuradas em cada binómio causa de pedir-pedido, não devem confundir-se os argumentos aduzidos pelas partes, no âmbito de cada questão enunciada, para lograr o convencimento do tribunal no sentido da obtenção de solução favorável à sua pretensão.
B. Da aplicação destas considerações ao caso concreto resulta a conclusão da inexistência da arguida nulidade por omissão de pronúncia:
- embora em termos singularmente sucintos, a sentença recorrida não deixou de apreciar a questão da falta de audição das testemunhas no procedimento de reclamação graciosa, pronunciando-se no sentido da sua ineficácia invalidante das liquidações impugnadas, enquanto actos tributários praticados a montante daquele procedimento;
apenas podendo inquinar o acto decisório da reclamação, cuja anulação está excluída do pedido formulado pela impugnante (cf. petição inicial).
2. Falta de fundamentação da liquidação
A. No domínio da fundamentação do acto administrativo é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material:
- à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos [que] determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo;
- à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
Na síntese impressiva de autor conceituado:
«...o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, p. 231).
2. O princípio constitucional da fundamentação formal dos actos administrativos (art. 268º nº 3 CRP) foi densificado nos arts. 124º e 125º CPA e no art.77º n.ºs 1 e 2 LGT (acto administrativo tributário).
O dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função:
- endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência;
- exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa.
Segundo ensinamento pacífico da doutrina e da jurisprudência a fundamentação do acto administrativo há-de ser:
- expressa, traduzida na exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão;
- clara, permitindo que pela leitura do seu teor se apreendam com precisão os factos e as normas jurídicas conducentes à decisão;
- suficiente, permitindo um conhecimento concreto da motivação da decisão;
- congruente, por forma a que a decisão seja a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação;
As características enunciadas são exigência da fundamentação formal do acto tributário; sendo distintas da chamada fundamentação substancial, a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico;
Sob pena de perversão das funções endógena e exógena de controlo da legalidade (supra assinaladas), a fundamentação deve ser contextual e integrante do acto tributário, sendo irrelevante qualquer fundamentação a posteriori que pretenda suprir lacuna posteriormente detectada.
B. Da aplicação das considerações doutrinárias antecedentes ao caso concreto resulta:
- as liquidações impugnadas tiveram por fundamento legal as propostas de correcções ao lucro tributável constantes do relatório da acção inspectiva (factos provados als. a) b) i); art. 77º nº 1 LGT);
- os excertos do relatório da inspecção tributária acolhidos no probatório e sintetizados no discurso jurídico da sentença constituem uma exposição clara, suficiente e congruente das razões determinantes das correcções ao lucro tributável dos exercícios económicos do sujeito passivo, com cabal cumprimento da dupla função endógena e exógena da fundamentação do acto tributário (factos provados als. c)/g)).
3. Falta de notificação do relatório da inspecção tributária
A questão da falta de notificação do relatório da inspecção tributária onde se procedeu às correcções do lucro tributável dos exercícios económicos, enquanto causa invalidante das consequentes liquidações do imposto, não foi suscitada na petição de impugnação judicial nem apreciada na sentença recorrida.
Visando o recurso o reexame de questões oportunamente suscitadas e apreciadas no tribunal de 1ª instância, e não o exame de questões novas, está precludida a sua apreciação pelo tribunal superior.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS

2. Na sentença julgou-se provada a factualidade seguinte:
a) Na sequência das ordens de serviço nº OI201003417 e nº OI201003423, de 27/05/2010, a impugnante foi alvo de uma acção inspectiva de âmbito parcial, incidindo sobre o IRC dos exercícios de 2007 e 2008 (cf. fls. 10/21 do processo administrativo apenso aos autos, doravante, apenas, PA).
b) Naquela acção foram efectuadas correcções de natureza meramente aritmética, em sede de IRC para os anos de 2007 e 2008, nos valores de € 51.807,78 e de € 11.150,00 (cf. fls. 10/14 do PA).
c) Apurou-se em sede inspectiva que o sujeito passivo “(...) foi faltoso no que respeita aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, tendo entregue as declarações periódicas de rendimentos Mod. 22 fora do prazo, em 25/09/2007, e após terem sido emitidas declarações oficiosas. As declarações entregues pelo sujeito passivo, relativamente a estes exercícios, não foram liquidadas pelo facto de ter declarado prejuízos fiscais após terem sido emitidas declarações oficiosas” (cf. fls. 15 do PA).
d) Os SIT apuraram que “O sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime simplificado de tributação para o triénio 2007 a 2009 (...). Relativamente ao exercício de 2007, o sujeito passivo entregou declaração de rendimentos Mod. 22 assinalando o regime simplificado para efeitos de tributação em sede de IRC, como era devido. Nesse exercício declarou um volume de negócios e um total de proveitos no montante de € 130.000,00. No que respeita ao exercício de 2008, o sujeito passivo entregou a Mod. 22 assinalando o regime geral de tributação, em virtude de ter sido reenquadrado automaticamente nesse regime. Apurou-se, no entanto, que o reenquadramento no regime geral de tributação foi indevido, uma vez que o sujeito passivo não entregou nenhuma declaração de alterações (...) e o total de proveitos dos exercícios anteriores é inferior ao limite mínimo de € 149.639,37 (...) pelo que não se verificam os requisitos previstos no nº 10 para cessação do regime simplificado. Perante estes factos a Direcção de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC) procedeu à correcção do enquadramento para o exercício de 2008 (cf. fls. 17 do PA).
e) Relativamente aos “prejuízos Fiscais Indevidamente Deduzidos” consta do relatório que “O sujeito passivo entregou as declarações de rendimentos mod. 22 relativas aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, com prejuízos fiscais, em 25/09/2007, data posterior às correspondentes declarações oficiosas, emitidas, respectivamente, em 30/11/2003, 30/11/2004 e 30/11/2005, em conformidade com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 90º (...). Ao entregar as referidas declarações de substituição em 25/09/2007, não foi respeitado o prazo de um ano, a contar do termo do prazo legal, previsto nº 2 do artigo 122º (...) do Código do IRC para a entrega das mesmas, ou seja, não foi respeitado o prazo que permitia corrigir as declarações das quais resultou liquidação de imposto superior. Assim, as declarações de substituição entregues pelo sujeito passivo para os exercícios referidos, mas condições referidas, não são válidas, razão pela qual se converteram em documentos não liquidáveis” (cf. fls. 18 do PA).
f) Diz ainda o relatório que “Nos exercícios de 2007 e 2008, o sujeito passivo deduziu um montante de prejuízos fiscais correspondente aos valores apurados nas declarações de substituição relativas aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, as quais, conforme referido são inválidas...” (Cf. fls. 19 do PA).
g) Consta do relatório inspectivo que o contribuinte (...) foi notificado para exercer o direito de audição, nos termos do art. 60º da LGT e RCPIT através do oficio nº 38442/0504, de 09/06/2010, com o registo RM487598930PT enviado para a morada da sede e recebido em 14/06/2010. Assim, não tendo o sujeito passivo exercido o direito de audição, dentro do prazo legal nem até à presente) não obstante ter sido notificado para tal, as correcções indicadas no projecto de conclusões convertem-se em definitivo “ (cf. fls. 21 do PA).
h) Em 30/07/2010, através do oficio nº 50397/0504, que foi enviado para a Rua ………………, Porto, em nome da impugnante, com o seguinte assunto “Correcções resultantes de análise interna - art. 77º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 62º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT)” e com o seguinte teor: “Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 77º da LGT e do artigo 62º do RCPIT das correcções resultantes da acção da inspecção, cujo relatório/conclusões se anexa, o qual veio devolvido com a menção de “objecto não reclamado” (cf. fls. 22/24 do PA).
i) Com base nas correções efetuadas em sede inspectiva, foram emitidos os DC-22 que originaram a emissão das liquidações com os nºs 20108310004344 (2007), 201083110004366 (2008), nos montantes de € 11.020,43, € 1.750,58 e € 1.042,29, respectivamente, cujas datas limite de pagamento ocorreram em 01/09/2010, 20/09/2010 e 29/09/2010 (cf. fls. 41/42 do PA).
j) Inconformada com as liquidações a impugnante deduziu em 17/12/2010 reclamação graciosa, a qual, após o cumprimento da audição prévia ao abrigo do art. 60º da LGT, veio a ser indeferida por despacho de 09/05/2011 (cf. processo de reclamação graciosa apenso aos autos - fls. 43/62).
k) Inconformada com o indeferimento da reclamação, a impugnante deduziu em 14/06/2011 recurso hierárquico, o qual veio a ser indeferido por despacho de 11/10/2011 (cf. fls. 64/84 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
1) A presente impugnação foi intentada em 17/01/2012, conforme registo dos CTT com a referência RC895530793PT (cf. fls. 14 dos autos).

3.1.
a) Começando por apreciar a alegada falta de fundamentação das liquidações (a impugnante alegara não ter conhecido os fundamentos que determinaram que a AT anulasse a dedução dos prejuízos fiscais anteriormente aceites e, consequentemente, procedesse à anulação dos prejuízos fiscais no montante de € 58.901,01, acabando, contudo, por aceitar a dedução de prejuízos fiscais relativos aos anos de 2005 e 2006, no montante de € 1.050,22), a sentença concluiu que, no que tange a este vício, falece razão à impugnante.
Considera a sentença que à luz do art. 152º do CPA e do art. 77º da LGT, a fundamentação não tem de ser prolixa, bastando que, mesmo em termos sucintos, seja suficiente para permitir ao destinatário do acto a reconstituição do iter cognoscitivo percorrido pela AT para ter decidido no sentido em que decidiu, ou seja, para convencer (ou não) a impugnante e permitir-lhe o controlo do acto. Isto é, a impugnante deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, devendo dar-se-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, pois só assim pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo, e só assim fica munida dos elementos essenciais para a poder impugnar: só sabendo quais os factos concretos considerados pela AT pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da AT sobre esses factos, pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los de outra forma; só em face das normas legais invocadas, pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.
E no caso, pondera a sentença, as liquidações impugnadas foram antecedidas de acção inspectiva levada a efeito à impugnante relativamente ao IRC dos anos de 2007 e 2008, sendo que, do relatório inspectivo que antecedeu e originou tais liquidações, facilmente se conclui que a fundamentação existe e é suficiente para perceber o referido iter cognoscitivo que presidiu às liquidações: efectivamente do relatório consta que para os exercícios de 2002 a 2004, a impugnante não apresentou as declarações modelo 22 a que estava obrigada (art. 117º do actual CIRC) o que deu origem a que nos termos do disposto no art. 90º do mesmo Código fossem efectuadas liquidações oficiosas, além de que, não obstante a impugnante ter enviado em 25/09/2007 as declarações dos anos de 2002 a 2004 que estavam em falta, tal facto não impediu que as declarações oficiosas se tornassem definitivas.
E tal circunstancialismo, como igualmente resulta de forma muito clara do relatório inspectivo, obstou a que a AT pudesse considerar os elementos constantes das declarações de 2002, 2003 e 2004 apresentadas pelo contribuinte com prejuízos fiscais, daí que não tivessem sido atendidos os prejuízos fiscais declarados que totalizavam o montante de € 58.900,01.
Acrescendo que ao invés do que também alega a impugnante, e tal como resulta do relatório inspectivo, aqueles prejuízos fiscais nunca foram aceites pela AT, nem tal circunstancialismo colide com a dedução dos prejuízos fiscais declarados nos anos de 2005 e 2006, atendendo ao disposto no art. 52º, nº 1 e 122º, nº 2, ambos do CIRC, resultando a situação mencionada com clareza no relatório inspectivo.
Daí que, tendo sido notificada do relatório inspectivo, não tem como ignorar o motivo pelo qual não foram considerados aqueles prejuízos fiscais.
Mostrando-se, assim, cumpridos os requisitos impostos à AT no que concretamente diz respeito ao dever de fundamentar as liquidações e não tendo a impugnante como negar que tal fundamentação é clara e precisa. Além de relevar, ainda, o facto de a impugnante, aquando da notificação das liquidações, não ter feito uso do disposto no art. 37º do CPPT, sinal de que bem entendeu as menções do relatório inspectivo que deram azo às liquidações ora impugnadas.
b) Quanto à decisão da alteração indevida do regime de tributação em sede de IRC relativamente ao ano de 2008, dela cabia recurso contencioso (ao tempo acção administrativa especial - AAE), meio que não foi usado, pelo que dele não se conhecerá.
c) Quanto à ilegalidade da decisão de não ouvir as testemunhas em sede de reclamação graciosa, tal facto nunca inquinaria as liquidações aqui visadas, mas apenas e só o acto decisório da reclamação.
No entanto, também aqui, em sede de impugnação, tal diligência foi dispensada dado que a prova das matérias em apreço seria sempre documental.

3.2. Do assim decidido discorda a recorrente, desde logo apontando à sentença a nulidade por omissão de pronúncia, por não ter apreciado o alegado fundamento de lhe ter sido cerceado o direito de participar “substancialmente” na decisão do procedimento (não obstante tenha sido formalmente reconhecido e efectivado o direito de audição prévia), dado não lhe ter sido permitido produzir prova testemunhal sobre a factualidade que estava em causa, e sem que, contudo, se fundamentasse a razão de ser de não admitir o exercício de tal faculdade probatória.
Carece, porém, de razão legal.
Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 608º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Por outro lado, a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixa de conhecer de questão que devia ser conhecida e não quando deixa de apreciar argumentos produzidos pela parte. E questões para este efeito são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes (cfr. A. Varela, RLJ, 122º, 112) e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, 143).
Ora, no caso, como bem salienta o MP, a sentença não deixou de apreciar, embora em termos sucintos, a questão da falta de audição das testemunhas no procedimento de reclamação graciosa, pronunciando-se no sentido da sua ineficácia invalidante das liquidações impugnadas, enquanto actos tributários praticados a montante daquele procedimento, apenas podendo inquinar o acto decisório da reclamação, cuja anulação está excluída do pedido formulado pela impugnante (cfr. petição inicial).
Perante o exposto, improcede a referida arguição de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

3.3. No mais, a recorrente imputa à sentença erro de julgamento no que se refere ao vício de forma por alegada falta de fundamentação, bem como por vício decorrente da falta de notificação do relatório da inspecção tributária, enquanto causa invalidante das consequentes liquidações do imposto.
Vejamos.
É sabido que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).
E como já exarámos em outros arestos, este dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (cfr. o ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05). Daí que essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Ou seja, a fundamentação formal do acto tributário é distinta da chamada fundamentação substancial, devendo esta exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.
Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13). De referir, porém, que para a suficiência da fundamentação de direito da decisão do procedimento tributário ou do acto tributário não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real (cf. acórdão do STA, de 17/11/2010, proc. nº 1051/09 e jurisprudência nele citada).
Não devendo, ainda, esquecer-se que as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico. É que, neste domínio da fundamentação do acto, é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
Sendo que, no ensinamento de Vieira de Andrade, (O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, p. 231.) o dever formal cumpre-se «... pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Ora, no caso vertente, como bem sublinha o MP, tendo as liquidações por fundamento legal as propostas de correcções ao lucro tributável constantes do relatório da acção inspectiva (cfr. os factos provados, e o nº 1 do art. 77º da LGT) os excertos desse relatório (acolhidos e no probatório e sintetizados na fundamentação jurídica da sentença) constituem uma exposição clara, suficiente e congruente das razões determinantes das correcções ao lucro tributável dos exercícios questionados.
Com efeito, consta do relatório da inspecção tributária (i) que para os exercícios de 2002 a 2004, a impugnante não apresentou as declarações modelo 22 a que estava obrigada (art. 117º do actual CIRC) o que deu origem a que nos termos do disposto no art. 90º do mesmo Código fossem efectuadas liquidações oficiosas, e (ii) que não obstante a impugnante ter enviado em 25/09/2007 as declarações dos anos de 2002 a 2004 que estavam em falta, tal facto não impediu que as declarações oficiosas se tornassem definitivas, o que, por sua vez, obstou a que a AT pudesse considerar os elementos constantes das declarações de 2002, 2003 e 2004 apresentadas pelo contribuinte com prejuízos fiscais (e daí que não tivessem sido atendidos os prejuízos fiscais declarados que totalizavam o montante de € 58.900,01) e, por outro lado, e ao invés do alegado pela impugnante, igualmente consta do Relatório inspectivo que aqueles prejuízos fiscais nunca foram aceites pela AT, nem tal circunstancialismo colide com a dedução dos prejuízos fiscais declarados nos anos de 2005 e 2006, atendendo ao disposto no art. 52º, nº 1 e 122º, nº 2, ambos do CIRC.
Daqui resultando, portanto, que o critério legal adoptado pela AT, está enunciado em termos claros e inteligíveis e foi inequivocamente compreendido pelo sujeito passivo.
E assim sendo, a fundamentação das liquidações cumpriu a supra referenciada dupla função de controlo endógeno e exógeno da legalidade do acto tributário.
Improcede, portanto, este fundamento do recurso.

3.4. A ora alegada falta de notificação do relatório da inspecção tributária, enquanto causa invalidante das consequentes liquidações do imposto, é questão que não foi suscitada na petição inicial da presente impugnação judicial nem, consequentemente, foi apreciada na sentença recorrida.
Assim, visando o recurso o reexame de questões oportunamente suscitadas e apreciadas no tribunal de 1ª instância, e não o exame de questões novas, e não se tratando igualmente de questão em que se imponha o respectivo conhecimento oficioso, está precludida a sua apreciação pelo tribunal superior.

3.5. Em suma, improcedem, todas as Conclusões do recurso, não se vislumbrando que a sentença recorrida haja violado o disposto nos invocados arts. 13º, 104º, nº 2 e 268º, nº 3, da CRP, 77º da LGT, 39º, nº 5 e 125º, nº 1, do CPPT, 124º e 133º, do CPA, 38º e 48, do RCPIT.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Março de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.