Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0350/18
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
INVIABILIDADE
Sumário:I - Se for manifesto que na petição inicial não foi alegada fundamento algum dos admitidos no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, verifica-se motivo para a rejeição liminar da petição inicial de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT
II - Não integra o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, a alegação que apenas contende com a legalidade da coima que está na origem da dívida exequenda e relativamente à qual já ocorreu caso decidido.
Nº Convencional:JSTA000P23588
Nº do Documento:SA2201809190350
Data de Entrada:04/05/2018
Recorrente:A......,LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho de indeferimento liminar proferido no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 2640/17.0BEPRT.


1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo do indeferimento liminar proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no processo de oposição à execução fiscal instaurado contra ela para cobrança de taxas de portagem, coimas e custos administrativos, liquidados em virtude da prática de contra-ordenações.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, com conclusões do seguinte teor:

«I- O presente recurso vem interposto da decisão/sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de rejeição liminar da oposição à execução apresentada.

II- A Executada e Recorrente não pode conformar-se com tal decisão, a qual viola disposições imperativas do CPPT e o direito de defesa dos contribuintes.

III- O processo de execução fiscal padece de vícios vários, alegados na oposição à execução, designadamente, de preterição de formalidades essenciais, designadamente incumprimento do artigo 10.º da Lei 25/2006, o que determina a nulidade do processado ulterior.

IV- Também é alegado tratar-se de uma contra-ordenação na forma continuada, por aplicação da alínea b) do artigo 30.º do RGIT porquanto se verifica a realização plúrima do mesmo tipo de infracção, homogeneidade na forma de execução, leso do mesmo bem jurídico e persistência de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Ainda,

V- Refere o artigo 7.º, n.º 4, da Lei 25/2006, na sua versão actual, que as infracções que sejam praticadas pelo mesmo agente no mesmo dia através da utilização do mesmo veículo e que incorram na mesma infracção rodoviária, constituem apenas uma contra-ordenação.

VI- Violou a AT assim também esta disposição legal.

VII- Também a decisão de aplicação da coima, que é título executivo, não obedece aos requisitos do artigo 79.º do RGIT, designadamente as alíneas a), b) e c) e ainda alínea a) do artigo 18.º do RGIT.

VIII- Violando-se consequentemente o direito constitucional de defesa consagrado no número 10 do artigo 32.º da CRP.

IX- E o artigo 379.º do Código Penal – sendo, por isso, nula a decisão de aplicação de coima, que é título executivo nos autos de execução de que se recorre.

X- Também o dever de fundamentação foi violado pela Autoridade Tributária (artigo 268.º, n.º 3, da CRP).

XI- Os factos alegados são fundamento de oposição à execução fiscal pois determinam a ilegalidade da decisão.

XII- E têm enquadramento na alínea i) do número 1 do artigo 204.º do CPPT.

XIII- A rejeição liminar da petição apenas deve ocorrer quando a pretensão for demais evidente e sem margem de dúvidas, o que não se verifica na situação em apreço.

XIV [( Permitimo-nos aqui corrigir a numeração da conclusão, que no original consta como XV. )]- Deve ser revogada a decisão que rejeitou liminarmente a oposição sem que tenha sido emitida pronúncia sobre todos os fundamentos alegados (Acórdão do STA de 07.10.98).

Nestes termos deve ser declarado provado e procedente o presente recurso e, por via disso, ser revogada a decisão de rejeição liminar da oposição à execução fiscal […]».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
Após fazer o ponto da situação processual, teceu diversos considerandos em torno dos fundamentos da oposição à execução fiscal, para concluir que os factos alegados na petição inicial são insusceptíveis de integrar qualquer desses fundamentos, designadamente o da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Isto, em síntese, porque a alegação aduzida na petição inicial se refere, toda ela, a ilegalidades ocorridas nos processos de contra-ordenação que deram origem às dívidas exequendas, ilegalidades essas que deveriam ter sido invocadas em sede de recurso judicial das decisões administrativas proferidas nesses processos, ao abrigo do disposto nos arts. 80.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e do art. 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO); ora, porque tais decisões não foram objecto de recurso judicial, as respectivas decisões ficaram ao abrigo do caso resolvido ou caso decidido, não podendo reabrir-se a possibilidade de discussão judicial das mesmas em sede de oposição à execução fiscal.
Assim, concluiu ser manifesta a improcedência da petição inicial, motivo por que considerou que bem andou o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao indeferi-la liminarmente.

1.5 Cumpre decidir, com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, por se tratar de matéria sobre a qual existe numerosa e uniforme jurisprudência deste Supremo Tribunal.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decidiu correctamente ao rejeitar in limine a petição inicial de oposição à execução fiscal por a Oponente não ter alegado fundamento subsumível a alguma das alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão recorrida não fixou factualidade alguma, o que bem se compreende porque se trata de uma rejeição liminar, ou seja, uma decisão que não entrou no mérito da causa, motivo por que também não entrou na apreciação e discussão da matéria de facto, designadamente com a produção de prova sobre os fundamentos que poderiam relevar para a decisão de fundo.

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, cumpre ter presente o seguinte circunstancialismo processual:

a) Foram instauradas contra a ora Recorrente diversas execuções fiscais, que prosseguem apensadas sob o n.º 1910201701237900, para cobrança de dívida proveniente de taxas de portagem, coimas e custos, no total de € 3.772,50;

b) A Executada foi citada para os termos da execução fiscal e deduziu oposição à execução fiscal junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto;

c) O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto rejeitou liminarmente a petição inicial.


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR – A REJEIÇÃO LIMINAR DA PETIÇÃO INICIAL

Como resulta do que ficou já dito, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto rejeitou liminarmente a petição inicial. Para tanto, depois de salientar que não ocorre erro na forma do processo – uma vez que um dos pedidos formulados, de «arquivamento da execução fiscal», que correctamente interpretou como de extinção da execução, é ajustado à forma processual escolhida –, entendeu que os fundamentos invocados na petição inicial não constituem fundamento de oposição à execução fiscal, mas de recurso de contra-ordenação. Assim, e porque considerou manifesta a inviabilidade da oposição, decidiu pela rejeição liminar.
A Oponente discorda desse entendimento e recorre do despacho de rejeição liminar para este Supremo Tribunal Administrativo. Em síntese, voltou a enunciar os fundamentos invocados na petição inicial nas conclusões II a X, para rematar, nas conclusões XI e XII, que «os factos alegados são fundamento de oposição à execução fiscal pois determinam a ilegalidade da decisão» e «têm enquadramento na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT», motivo por que a petição inicial não deveria ter sido rejeitada liminarmente (conclusões XIII e XIV).
Assim, cumpre-nos agora, em sede de recurso, verificar se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decidiu correctamente ao rejeitar in limine a petição inicial de oposição à execução fiscal por considerar que a Oponente não alegou fundamento subsumível a alguma das alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

2.2.2 DO INDEFERIMENTO LIMINAR

Como é sabido o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório ( Princípio do contraditório, hoje entendido, não na sua dimensão negativa, de direito de defesa, oposição ou resistência à actuação alheia, mas na sua dimensão positiva, de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo, é um dos mais elementares princípios que enformam todo o direito adjectivo e também o processo tributário. Para maior desenvolvimento quanto ao princípio do contraditório, designadamente com aprofundados considerandos de natureza doutrinal e citação de jurisprudência, vide o seguinte acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 3 de Março de 2010, proferido no processo n.º 63/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f4bfa574b6a7515802576e10040e44b.) (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» ( Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.).
Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado ( Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 6 de Março de 2014, proferido no processo n.º 509/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7b9529c61f9bfd4f80257c9a0032711e;
- de 15 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 921/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/008ec4c2e50e2e5f80257fd500522a16;
- de 9 de Agosto de 2017, proferido no processo n.º 927/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9f99540e3f3d0d2e8025817f0032803e.).
Será que no caso sub judice estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial?
Como dissemos, esta foi decretada com fundamento na manifesta insusceptibilidade de os fundamentos integrarem os legalmente admissíveis, que constam do rol do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. É a correcção desse julgamento que ora cumpre sindicar, ou seja, os fundamentos invocados na petição inicial são admissíveis como fundamentos de oposição à execução fiscal? Ou, pelo contrário, não foi alegado algum dos fundamento admitidos no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, o que configura motivo de rejeição liminar da petição inicial, nos termos do disposto no art. 209.º, n.º 1, alínea b), do CPPT?
Todos os fundamentos invocados na petição inicial se referem ao processo de contra-ordenação e a ilegalidades que terão ocorrido na respectiva tramitação e decisão – a saber, a falta da notificação prevista no art. 10.º da Lei n.º 25/2006, a inexistência de infracção subjacente à condenação nas coimas, a não consideração do comportamento da ora Execução como infracção única, a não apensação dos processos contra-ordenacionais, a nulidade das decisões de aplicação da coima e a falta de fundamentação destas decisões – e que não contendem com a exigibilidade da dívida exequenda resultante da condenação aí proferida.
Como bem salientou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, esses fundamentos deveriam ter sido invocados em sede de recurso da decisão de aplicação da coima, ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT e do art. 59.º do RGCO.
Tais fundamentos não são subsumíveis à lista do n.º 1 do art. 204.º do CPPP, nem sequer ao fundamento aí previsto sob a alínea i). Vejamos:
É inequívoca a natureza taxativa dos fundamentos da oposição à execução fiscal, sem prejuízo do carácter aberto da previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, sendo que essa «taxatividade dos fundamentos de oposição não implica uma restrição aos direitos fundamentais de acesso aos tribunais, à tutela judicial efectiva e ao recurso contencioso, uma vez que a impugnação de actos lesivos é permitida sempre que a lei não assegurar um meio de os impugnar contenciosamente, como expressamente se refere na alínea h) do n.º 1» ( Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 2 ao art. 204.º, págs. 441/442. ). Referindo-se ao fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, salienta JORGE LOPES DE SOUSA: «trata-se de uma disposição com carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que existir um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade» ( Ob. cit., volume III, nota 38 a) ao art. 204.º, pág. 498.).
Não é a situação dos autos, em que não se questiona a exigibilidade da dívida exequenda, mas a legalidade do processo contra-ordenacional e da própria decisão de aplicação da coima. Assim, porque não foi invocado na petição inicial fundamento de oposição à execução fiscal, é manifesta a inviabilidade da pretensão deduzida judicialmente.
É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal ( Vide, entre outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 812/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ec7df161598345f180257682005315c6;
- de 19 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 863/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/073ce34427100b1880257d9c00508218;
- de 17 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 703/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f67ff8093199b568025812b002f234b;
- de 31 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1267/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2b4b94007e0795e180258147003563c5.).
Por tudo quanto ficou dito, o recurso não pode ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Se for manifesto que na petição inicial não foi alegada fundamento algum dos admitidos no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, verifica-se motivo para a rejeição liminar da petição inicial de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT.
II - Não integra o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, a alegação que apenas contende com a legalidade da coima que está na origem da dívida exequenda e relativamente à qual já ocorreu caso decidido.

* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 19 de Setembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva - Dulce Neto.