Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0353/11.5BECTB 01017/17
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IVA
EXCLUSÃO
DEDUÇÃO
VEÍCULO
TURISMO
Sumário:I - O direito à dedução do IVA encontra-se dependente do preenchimento de dois requisitos: que o imposto tenha incidido sobre qualquer uma das operações descritas no artigo 20.º do CIVA - operações relativas a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo e que sejam pertinentes para o fim da actividade prosseguida); que a dedução pretendida não se mostre excluída por o imposto se encontrar contido em qualquer uma das despesas identificadas no artigo 21.º do mesmo Código.
II - No conceito de viatura de turismo imposto pelo legislador fiscal são o tipo de construção e o equipamento da viatura, e não o fim a que esta seja afectada pelo adquirente, que constituem o elemento determinante da exclusão do direito de dedução suportado na respectiva aquisição.
III - Só estão excluídos do conceito referido em II. os veículos automóveis que, face ao tipo de construção e ao equipamento que possuem (i) se destinam unicamente ao transporte de mercadorias ou a ser exclusivamente utilizados no desenvolvimento de uma actividade agrícola, comercial ou industrial ou que, (ii) sendo misto, não tenha mais do que nove lugares incluindo o condutor.
III - Tendo resultado provado que a viatura possuiu cinco lugares para passageiros há que concluir que não se destina, pela sua construção e equipamento, apenas ao transporte de mercadorias nem tem como único destino possível uma utilização de carácter agrícola, comercial ou industrial.
Nº Convencional:JSTA000P27102
Nº do Documento:SA2202102030353/11
Data de Entrada:09/27/2017
Recorrente:SOCIEDADE A.............., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1.Sociedade A…………… Lda.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a Impugnação Judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respectivos juros compensatórios, relativa ao terceiro trimestre de 2006, no montante total de 6.834,65€, interpôs recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Após ter sido admitido o recurso, a Recorrente apresentou as respectivas alegações, aí formulando as seguintes conclusões:

«• O veículo automóvel ……… adquirido pela Sociedade A………….., Lda, pelas suas características, destina-se exclusivamente ao exercício da actividade que é prosseguido pela dita sociedade “Agricultura e Produção Animal”, características que em função da utilização dada ao mesmo pela referida sociedade agrícola, não preenchem os elementos do tipo da previsão legal estatuída na parte final do artigo 21º do CIVA que exclui o direito à dedução de imposto;

• Não resultou de facto provado, que a recorrente, utilizasse ou destinasse a identificada viatura automóvel a outro fim que não fosse o prosseguido para o exercício da actividade para a qual se encontra inscrita junto do Serviço de Finanças de Campo Maior, tal como resulta dos pontos A), B) e D) da matéria de facto dada como provada;

• A dedução do imposto de IVA relativo à aquisição da viatura automóvel ………, ligeiro de mercadorias, foi correctamente efectuada pelo sujeito passivo ora recorrente;

• A própria lei faculta, que para o preenchimento dos elementos do tipo da previsão legal estatuída sob o artigo 21º do CIVA e para que seja deduzido o IVA suportado com a aquisição da referida viatura, se possam integrar em Alternativa (ou) os conceitos de “unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial…”;

• A previsão estabelecida no Art.º 21 do CIVA de “uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial…” preenche as características do veículo …….., até porque da própria lei não consta que a “utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial” quer objectivamente, quer subjectivamente, se destine exclusivamente ao transporte de mercadorias ou ao transporte de pessoas, ou a uma utilização mista, mas sim a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial;

Face ao que se mostra incorreto o procedimento da administração fiscal ao não aceitar a dedução do IVA contido nas despesas relativas à aquisição do veículo automóvel .......... propriedade da recorrente;

• A questão objecto de apreciação na sentença recorrida, já foi corroborada em sentido contrário mediante decisões proferidas por outros Tribunais de 1ª Instância, que julgaram ações idênticas intentadas por contribuintes, nas quais vieram igualmente demandar a Fazenda Pública para que o Tribunal reconhecesse o direito à dedução de imposto relativo à aquisição de viaturas com as mesmas e idênticas características da viatura automóvel em causa nestes autos, neste sentido invoca-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo N.º 01137/06 de 02.05.2007, proferido no âmbito do recurso per saltum interposto na sequência da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2 (Loures) processo N.º 101/04.6BELRS, invocando-se igualmente a decisão proferida por este Tribunal.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra, que julgue a presente impugnação procedente por provada, porquanto a dedução pela impugnante do imposto de IVA relativa à aquisição veículo automóvel …….., no valor de 5.793,88 € foi correctamente efectuada, por o veículo em causa não integrar os elementos do tipo da previsão legal estatuída na parte final do artigo 21º do CIVA que exclui o direito à dedução de imposto, procedendo-se à anulação da liquidação da quantia de 5.793,88 €, e dos respectivos juros compensatórios no montante de 1.041,77 €, num total de 6.835,65 €, tudo nos termos e com as demais consequências legais, nomeadamente o pagamento de juros indemnizatórios a favor da ora impugnante, pelas quantias que esta condicionadamente pagou (6.835,65 €) nos termos do disposto no Art.º 43 da LGT».

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, não obstante ter sido notificada da interposição do recurso e da sua admissão, optou por não contra-alegar.

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de ser apreciado o mérito do recurso e lhe ser negado provimento, por ser de concluir que o veículo em causa integra o conceito de viatura de turismo tal como previsto no artigo 21.º n. 1 al. a) do CIVA.

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou apenas parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas por as não ter identificado nas conclusões do recuso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. Considerando a forma muito pouco rigorosa como este recurso foi interposto e nele foram produzidas as respectivas alegações, importa começar por tecer algumas considerações sobre as razões que conduziram a que este Supremo Tribunal Administrativo aceitasse a sua competência para apreciação do seu objecto.

O primeiro aspecto a sublinhar é que se entendeu que o que o Recorrente verdadeiramente pretende com a alegação de existência de uma “oposição de acórdãos” é sublinhar que na sentença recorrida foi perfilhada uma interpretação do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA distinta da que alegadamente foi acolhida num outro recurso por este Supremo Tribunal. Que assim é, resulta, desde logo, de essa alegação ter sido realizada manifestamente, quer na petição inicial (artigos 34.º a 40.º) quer nas alegações de recurso (cfr. fls. § 4 de 148 a § 3 de fls. 150 dos autos), como reforço argumentativo da existência de erro de interpretação da referida norma por parte da Administração Tributária. E resulta, ainda de forma mais concludente, do facto dos alegados “distintos sentidos decisórios “ decorrerem, por um lado, de um acórdão deste Supremo Tribunal e, por outro, da sentença de 1ª instância ora recorrida, ou seja, do facto de não existirem dois acórdãos em oposição. Por fim, resulta também do próprio regime legal invocado para sustentar a admissão do recurso (artigo 281.º do CPPT) e com a subsequente tramitação processual a que foi submetido.

O segundo aspecto a sublinhar é o de que, pese embora a forma, temos que insistir, confusa como as alegações foram elaboradas, não subsistem dúvidas, face ao teor das conclusões, que a pretensão do Recorrente se reconduz exclusivamente a uma pretensão de direito, ou seja, que o objecto do presente recurso se esgota unicamente no erro de julgamento de direito em que o Tribunal a quo terá incorrido na interpretação do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA, especialmente na parte em que não considerou que o legislador admite a dedução do imposto em duas situações distintas ou alternativas, contrariamente ao que foi julgado na sentença recorrida.

O terceiro e último aspecto a salientar prende-se com o teor das conclusões com que o Recorrente remata as suas alegações, que, como dissemos já, delimitam o objecto do recurso, das quais ficou claramente excluída a questão da alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia [com fundamento em que o Tribunal a quo se não terá pronunciado sobre a existência de uma sentença de 1ª instância e um acórdão deste Supremo Tribunal, por si alegada nos artigos 14.º a 26.º da petição inicial, que demonstravam o erro de interpretação em que incorrera a Administração Tributária], que, nesta medida, não integrando o objecto do recurso não será por nós apreciada.

2.3. Posto isto, podemos agora afirmar que são duas as questões principais a julgar.

A primeira questão está relacionada com o âmbito de aplicação do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do Código de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA). Mais concretamente, com o conceito de viatura de turismo consagrado na referido artigo e a susceptibilidade de uma viatura classificada como “ligeiro de mercadorias”, com um lotação de cinco lugares e exclusivamente utilizadas no exercício de actividade empresarial, não ser, como defende a Recorrente, integrada no conceito de viatura de turismo consagrado na norma citada, com a consequente admissibilidade de dedução de IVA.

A segunda questão que teremos que enfrentar está dependente da resposta que for dada àquela primeira. Sendo-lhe dada resposta negativa, haverá que apreciar se, mesmo assim, nas circunstâncias de facto dos autos, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo. Se a resposta for afirmativa e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, cumprirá então decidir se Administração deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios pelos prejuízos causados pela sua conduta ilegal, como peticionado pela Recorrente.

Previamente, porém, haverá que decidir da admissibilidade de junção aos autos dos documentos apresentados pela Recorrente com as alegações de recurso.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco deu como provados os seguintes factos:

A) A Impugnante está inscrita no Serviço de Finanças de Campo Maior para o exercício da actividade de “Agricultura e Produção Animal”, correspondente ao CAE 001500, estando enquadrada em sede de IVA no regime normal trimestral [cf. relatório de inspecção tributária (RIT) de fls. 9 a 14 do processo administrativo (PA) apenso].

B) Em 24/02/2006, a Impugnante adquiriu o veículo automóvel da marca NISSAN, modelo PICK UP, com a matrícula ………….., pelo preço de 33.378,00€, do qual o montante de 5.792,88€ corresponde a IVA suportado [cf. doc. de fls. 16 do PA apenso].

C) Na declaração de IVA do período de 2006/03T, a Impugnante deduziu o IVA suportado com a aquisição mencionada em B) [factualidade não controvertida].

D) Do Certificado de Matrícula do veículo mencionado em B) consta a categoria de “Ligeiro”, do tipo de “Mercadorias”, com o tipo de caixa “Aberta c/s cobertura” e a referência ao número de 5 lugares sentados (incluindo condutor) [cf. doc. de fls. 21 dos autos e de fls. 15 do PA apenso].

E) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201000291, de 29/09/2010, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Portalegre efectuaram uma acção inspectiva interna à Impugnante, de âmbito parcial, com incidência ao IVA do período de 2006/03T [cf. RIT de fls. 9 a 14 do PA apenso].

F) No âmbito da referida acção inspectiva, os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que a Impugnante deduziu indevidamente IVA no período de 2006/03T, tendo efectuado uma correcção no montante de 5.792,88€ [cf. RIT de fls. 5 a 11 do PA apenso].

G) Do relatório final da inspecção tributária, constante de fls. 5 a 11 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, pode ler-se, além do mais o seguinte:

«(…)

III – Descrição dos factos e factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

III.1. – IVA

No período 0603T para apuramento do imposto devido, foi deduzido o imposto suportado na aquisição de um veículo automóvel, com a matrícula ………., de Categoria “Ligeiro”, do Tipo de “Mercadorias” e com o número de lugares sentados incluindo condutor de 5, no montante de 5.792,88€. (ver Anexo I)

Nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 21.º do CIVA “exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo.

É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor.”

Pelas características descritas no Certificado de Matrícula da Viatura verificamos que estamos perante uma viatura de utilização mista, pois a mesma tem uma caixa que permite transportar carga/mercadorias e também permite transportar cinco pessoas incluindo o condutor.

Assim, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 21º do CIVA, uma vez que estamos perante uma viatura de uso misto que não tem mais de nove lugares, o IVA suportado na aquisição da mesma não confere direito à dedução.

Importa ainda referir que o conceito de viatura utilizado no Código do IVA, nunca teve qualquer ligação com o conceito de viatura definido no Código da Estrada, na medida em que o CIVA fala em viaturas de turismo, viaturas que pelo seu tipo de construção ou equipamento não sejam destinadas unicamente ao transporte mercadorias e viaturas mistas, sendo que o Código da Estrada fala em viaturas ligeiras de passageiros e em viaturas ligeiras de mercadorias, ou seja, não é possível igualar os conceitos. (…)».

H) Sobre o relatório de inspecção tributária recaiu parecer concordante e despacho de sancionamento [cf. fls. 1 e 2 do PA apenso].

I) A Impugnante foi notificada das correcções resultantes da acção inspectiva e do relatório de inspecção tributária através do ofício datado 09/12/2010 [cf. docs. de fls. 27 a 28 do PA apenso].

J) Na sequência da inspecção tributária, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IVA com o n.º 10352336, relativa ao período de 0603T, no valor de 5.792,88€, e a liquidação dos respectivos juros compensatórios com o n.º 10352337, no valor de 1.041,77€, ambas com data limite de pagamento voluntário até 28/02/2011 [cf. docs. de fls. 14 e 15 dos autos].

K) A Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações mencionadas na alínea anterior, em 24/02/2011 [cf. docs. de 16 e 17 dos autos].

L) A presente impugnação foi remetida ao Tribunal, por site, em 26/05/2011 [cf. doc. de fls. 1 dos autos].

3.1.2. Resulta ainda do julgamento da matéria de facto que, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa, não há factos relevantes que importe fixar como não provados e que a decisão da matéria de facto foi efectuada com base na posição assumida pelas partes e nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo (PA) apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Questão prévia: da admissibilidade da junção do documento junto com as alegações de recurso jurisdicional

Com as alegações de recurso jurisdicional e tendo em vista demonstrar o desacerto da decisão recorrida, requereu a Recorrente a junção aos autos de dois (2) documentos que afirma serem cópias de um acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo e de uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures 2.

Notificada daquelas alegações e do pedido nelas incluso, a Recorrida, que não contra-alegou, também não se opôs expressamente à peticionada junção.

Considerando, porém, que a admissibilidade dos documentos não resulta automaticamente da posição de silêncio adoptada pela Recorrida, importa agora decidir da sua admissibilidade, única que nesta sede cumpre apreciar, relegando-se a pronúncia quanto ao seu impacto, se o documento for admitido, para a fase própria, isto é, para o momento do conhecimento do erro de julgamento que vem suscitado.

Nesse sentido, começamos por dizer que, como ressalta dos autos, contrariamente ao que vem consignado nas alegações do recurso, estas apenas foram apresentadas acompanhadas de um (1) documento (e não dois como consignado), que corresponde a uma cópia da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2, a 2-12-205, no processo nº 104/04.6BELRS, o que eventualmente encontrará sua justificação na circunstância de, com a petição inicial, a Recorrente ter junto, como documento n.º 9, cópia do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 2-5-2007, no recurso n.º 1137/06 (daquela sentença interposto), a que faz referência nas alegações de recurso e no requerimento que ora se aprecia.

Seja como for, podemos desde já adiantar que a requerida junção carece absolutamente de fundamento legal, razão pela qual tem que ser indeferida.

Na verdade, a junção de documentos com as alegações de recurso assume na nossa lei processual natureza verdadeiramente excepcional, conforme decorre do preceituado nos artigos 423.º, 425.º e 651.º, todos do CPC.

Estruturando aquela que nos parece ser a regulamentação nesta matéria, identificamos antes de mais, a regra que a conforma: «Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» [artigo 423.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável aos nossos autos por força do disposto no artigo 2.º, al. e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]. Aplicando esta regra ao tipo de processo em que nos movemos temos que, por força do preceituado no artigo 108.º, n.º 3 do CPPT, os documentos destinados a fazer a prova dos fundamentos da impugnação devem ser juntos com a petição inicial.

É verdade que o legislador admite excepções à referida regra que, para que melhor se compreendam, autonomizamos em dois grupos.

No primeiro grupo, incluem-se as excepções conexas com incidentes que podem ocorrer em 1ª instância, e estão previstas n.ºs 2 e 3 do artigo 423.º: (i) os documentos que se destinem a fazer prova dos factos alegados como fundamento da acção ou da defesa que não tenham sido juntos com o articulado em que foram invocados podem ainda sê-lo, até 20 dias antes da audiência final, ficando neste caso a parte, a menos que prove que não pôde fazer a apresentação no momento oportuno (com o articulado), sujeita a condenação e pagamento de multa pela sua apresentação tardia; (ii) após o decurso daquele prazo de 20 dias, é ainda admitida a junção aos autos de documentos necessários à prova dos factos alegados cuja apresentação não tenha sido comprovadamente possível realizar até àquele momento ou cuja junção só se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

O segundo grupo de excepções reporta-se directamente à junção de documentos apenas em sede de recurso jurisdicional, situação incidental regulada no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, do qual resulta, como este Supremo Tribunal já deixou várias vezes afirmado, que as partes apenas podem juntar documentos com as alegações em três tipos de situações: «(i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância». (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt.)

No caso concreto, a Recorrente, para justificar a apresentação dos documentos em recurso, invocou expressamente o artigo 425.º do CPC e alegou tão só que apenas nesta data os logrou obter. Significa, pois, que a Recorrente reconhece, pelo menos implicitamente, que a junção do documento ora apresentado não resulta da necessidade de provar factos ocorridos posteriormente à apresentação dos articulados ou que a necessidade da sua junção decorra do julgamento que veio a ser proferido pelo Tribunal a quo, mas que terão sido razões objectivas ou subjectivas, que a Recorrente não concretiza, que determinaram que apenas neste momento processual a sua apresentação tivesse sido realizada.

Ora, como está bem de ver, independentemente da relevância do documento cuja junção vem requerida para a decisão do mérito da causa, o certo é que a sua existência foi invocada na petição inicial (artigos 24.º a 34.º da petição inicial), sendo, assim, inquestionável que se impunha a sua apresentação conjuntamente com esse articulado.

Acresce que, tendo a sentença cuja junção aos autos vem requerida em recurso sido proferida vários anos antes da apresentação da presente impugnação judicial em juízo e podendo uma cópia da mesma ser facilmente obtida, como agora o foi, por pedido formulado ao Tribunal (no caso, telefonicamente, como se constata da leitura do verso da última folha do documento apresentado), há que concluir, porque não foi demonstrado, que nem subjectiva nem objectivamente existiu qualquer impedimento à sua apresentação com a petição inicial ou, no limite, em momento anterior ao encerramento do julgamento em 1ª instância (artigos 108.º do CPPT e 425.º do CPC).

Sendo assim, e em conformidade com a conclusão extraída, é de indeferir, por manifesta falta de fundamento legal, o pedido de junção de documento apresentado, a justificar a ordem de desentranhamento e a condenação da Recorrente em custas pelo incidente a que deu causa, nos termos do artigo 7.º, n.ºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), que se fixa desde já em 1 UC.

3.2.2. Vejamos, então, agora, se assiste razão à Recorrente quando afirma que o Tribunal a quo errou ao julgar a presente Impugnação Judicial improcedente por resultar do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA que não integra o conceito de viatura de turismo aquela que é utilizada exclusivamente no exercício da actividade empresaria, independentemente de, no caso, a viatura ser um ligeiro de mercadorias dotado de cinco (5) lugares para transporte de passageiros.

Começamos por sublinhar que, como é sabido, o direito à dedução do imposto suportado por qualquer sujeito passivo de IVA nas aquisições de bens e serviços destinados ao desenvolvimento da sua actividade constitui um elemento essencial do funcionamento do imposto sobre o valor acrescentado. Ou seja, essa dedução constitui, na particular mecânica deste imposto, que se pretende neutral e sem qualquer efeito cumulativo indevido que se repercuta no preço final do consumidor, uma etapa fundamental ao seu apuramento.

Na ordem jurídica nacional, a regulamentação atinente a essa dedução encontra-se especialmente prevista nos artigos 19.º a 26.º do CIVA, relevando sobremaneira para o caso particular que enfrentamos o que dispõe os artigos 19.º a 21.º do referido diploma legal.

Neste contexto, importa antes de mais salientar que não sendo questionável, por força do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, que os sujeitos passivos, para apuramento do imposto devido, deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, é também igualmente seguro afirmar-se, atenta a remissão operada naquele normativo para os artigos subsequentes, que essa dedução tem necessariamente que realizar-se nos termos previstos nos artigos 20.º e 21.º do mesmo diploma legal.

Ora, da análise dos artigos em último citados conclui-se com facilidade que o direito à dedução do IVA se encontra dependente do preenchimento de dois requisitos. Por um lado, requisito positivo, que o imposto tenha incidido sobre qualquer uma das operações descritas no artigo 20.º do CIVA (operações relativas a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo e que sejam pertinentes para o fim da actividade prosseguida); por outro, requisito negativo, que a dedução pretendida não se mostre excluída por o imposto se encontrar contido em qualquer uma das despesas identificadas no artigo 21.º do mesmo Código.

Antes de nos debruçarmos sobre o âmbito de aplicação do artigo em último citado, importa salientar dois aspectos que são relevantes na análise do caso em apreço, por, por um lado, atestarem a conformidade legal da norma de exclusão do direito à dedução do IVA vigente no ordenamento jurídico nacional com o direito da União Europeia e, por outro, por nos facultarem as razões que estão subjacentes à forma como o nosso legislador delimitou a exclusão e a legitimam.

Quanto ao primeiro aspecto, sublinha-se que, como a doutrina vem sistematicamente reafirmando, embora o direito à dedução não possa “em princípio, ser limitado, ressalvadas as excepções previstas de forma expressa pela DIVA, que exclui esse direito relativamente “às despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação” (Código do IVA e RITI – , Coordenação e Organização: Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Ed. Almedina, 2014, Comentário 1. Ao artigo 21.) , a própria DIVA consagrou algumas excepções constituindo uma delas precisamente a possibilidade de os Estados Membros manterem no seu ordenamento jurídico exclusões do direito à dedução vigentes no ordenamento jurídico nacional à data de 1 de Janeiro de 1979 ou que nele tivesse sido introduzidas em data anterior à data de adesão do respectivo país à Comunidade (cláusula de standstill consagrada no artigo 176.º da DIVA).

Foi, pois, a existência da referida cláusula que permitiu que o Estado português mantivesse na ordem jurídica nacional as restrições ao direito de dedução do IVA consagradas no artigo 21.º do CIVA [que entrou em vigor a 1-1-1986, ou seja, antes da entrada em vigor em Portugal da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio) que só ocorreu em Portugal, que, em conformidade com o Tratado de Adesão, apenas ocorreu a 1-1-1989), designadamente a exclusão do imposto relativo a despesas com viaturas de turismo consagrada na al. a) do artigo e Código citados.

No que respeita ao segundo, é sabido que subjacente à disciplina legal relativa à exclusão do direito à dedução consagrada no citado artigo 21.º está, como a jurisprudência dos Tribunais Centrais (Cfr., Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10-7-2014 (processo n.º 7558/14) e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13-10-2016 (processo n.º 89/11.7BEBRG), ambos integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt e a doutrina aí citada (Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág. 91 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, páginas 295 e seguintes), guiada pela doutrina que cita, vem adiantando, a circunstância de “muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais”.

Em suma, o legislador, ciente de que os bens ou serviços identificados na norma são susceptíveis de ser utilizados no desenvolvimento de uma actividade empresarial mas consciente da dificuldade de controlar essa relação causal, imprescindível para obstar à fraude e evasão fiscal, optou por impor expressamente a exclusão do direito à dedução do IVA relativo a determinados bens ou serviços, independentemente da utilização concreta que lhes esteja associada.

De que vimos exposto resulta claro que a discussão nos presentes autos se cinge precisamente com a interpretação da al. a) do artigo 21.º do CIVA e com o dissídio entre a Recorrente e a Recorrida quanto a, no caso concreto, estarem ou não verificados os pressupostos de que o referido normativo faz depender a exclusão do direito à dedução.

Para a Recorrente, sendo o veículo marca NISSAN PICK UP, exclusivamente utilizado no exercício da sua actividade empresarial e estando a mesma, não obstante ter uma lotação de cinco lugares, descrita no certificado de matrícula como “ligeiro de mercadorias”, deve, face à disciplina legal contida no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA, ser-lhe reconhecido o direito de dedução do IVA, convocando em abono da sua pretensão interpretativa uma sentença e um acórdão proferidos, respectivamente, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2 (Loures) e por este Supremo Tribunal Administrativo, ambos no processo n.º 1137/06.

Em suma, na tese da Recorrente a exclusão da dedução do IVA emergente da inclusão da mesma na categoria de viatura de turismo está depende de não se verificar, em alternativa, uma de duas situações: a) a viatura adquirida pelo seu tipo de construção e equipamento não ser unicamente destinada ao transporte de mercadorias; b) a viatura não ser unicamente utilizada no exercício de actividade empresarial de carácter agrícola, comercial ou industrial.

Para a Fazenda Pública, o fim a que seja afecta a viatura é indiferente para efeitos da sua exclusão do direito à dedução prevista no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA e, no caso, sempre seria absolutamente inútil aferir do destino ou fim a que a viatura concretamente se encontra afecta uma vez que, sendo uma viatura de uso misto (susceptível de ser utilizada simultaneamente para transporte de mercadorias e/ou de passageiros) sempre teria que se entender como integrando o conceito de viatura de turismo consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 21,º do CIVA, que inclui nele qualquer viatura de uso misto que não possua mais de 9 lugares, como é o caso.

A razão está do lado da Recorrente.

Explicitemos.

O artigo 21.º, n.º 1, al. a) do CIVA, sob a epígrafe de “Exclusões do direito à dedução”, dispõe o seguinte:

«1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor» (negrito de nossa autoria).

Resulta, assim, deste preceito, em conjugação com os artigos 19.º e 20.º já mencionados, que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, salvo se a dedução desse imposto, mesmo que relativo a aquisições de bens ou serviços conexos com o exercício da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, não for permitida por força da norma de exclusão contida no preceito transcrito. E que está excluído o direito de dedução de IVA relativo a aquisição de viaturas de turismo, sendo como tal consideradas as viaturas que, independentemente do fim para que sejam efectivamente utilizadas, são susceptíveis de serem utilizadas para um fim diferente dos mencionados na norma.

Dito de outro modo: no conceito de viatura de turismo imposto pelo legislador fiscal são o tipo de construção e o equipamento da viatura, e não o fim a que é afectado pelo adquirente, que constituem o elemento determinante da exclusão do direito de dedução suportado na respectiva aquisição. Só estão excluídos desse conceito os veículos automóveis que, face ao tipo de construção e ao equipamento que possuem (i) se destinem unicamente ao transporte de mercadorias ou a ser exclusivamente utilizados no desenvolvimento de uma actividade agrícola, comercial ou industrial ou que (ii) sendo misto, não tenha mas do que nove lugares incluindo o condutor.

Da densificação que realizamos do conceito de viatura de turismo ínsito no normativo legal em apreço duas conclusões se devem ainda retirar, que, pelo seu relevo, face à argumentação da Recorrente, importa destacar.

A primeira é a de que ao conceito de viatura de turismo tal como consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA, é absolutamente alheia a classificação que a determinada viatura, cujo IVA se pretende deduzir, seja dada pelo legislador estradal. O conceito de viatura de turismo consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA constitui um conceito ou “categoria autónoma” relativamente às especiais classificações previstas no Código da Estrada ou regulamentação conexa.

Como muito bem se realçou na jurisprudência dos Tribunais Centrais a que já fizemos expressa referência, o conceito de viatura de turismo não foi construído a partir dessas especiais classificações, como o demonstra, desde logo, o facto de o conceito de viatura de turismo do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA abranger simultaneamente os veículos que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não sejam destinados unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial e os veículos que, sendo mistos ou de transporte de passageiros, não tenham mais de 9 lugares, ou seja, que foi intenção do legislador fiscal abarcar pela exclusão consagrada também as viaturas de mercadorias a que seja possível dar outro destinado ou serem utilizadas para outro fim para além do transporte de mercadorias. Aliás, como igualmente aí se realçou “se fosse intenção do legislador construir o conceito de viatura de turismo a partir da tipologia de veículos constante deste último diploma legal, excluindo do mesmo os veículos classificados como veículos de mercadorias, teria, simplesmente, estipulado expressamente nesse sentido”.

A segunda é que para efeitos de se decidir pela existência ou não do direito à dedução do imposto é indiferente que o sujeito passivo desenvolva efectivamente uma actividade (agrícola, comercial ou industrial) e que a actividade que desenvolve exija que possua viaturas, incluindo de transporte de mercadorias ou de mercadorias e também de passageiros, como a que foi adquirida e cujo IVA a Recorrente deduziu. O que releva é, tão só, saber se a viatura adquirida pela Recorrente se integra no conceito objectivo de viatura de turismo tal como ficou definido pelo legislador fiscal na al. a), do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA.

Neste contexto, fácil se torna compreender porque chegámos à conclusão de que a Recorrente não tem razão quando afirma que a viatura que adquiriu, pelo tipo de construção e equipamento, não se integra no conceito de viatura de turismo definido pelo legislador e, consequentemente, que não é legítima a dedução do IVA que realizou.

É que tendo resultado provado que a viatura possui cinco lugares reservados a passageiros não se logra encontrar fundamento para afastar a afirmação da Administração Tributária de que a viatura não se destina, pela sua construção e equipamento, apenas ao transporte de mercadorias ou como único destino possível uma utilização de carácter agrícola (comercial ou industrial). Ou seja, pela sua construção e equipamento a viatura NISSAN PICK UP (4x4), dotada de cinco lugares para passageiros e com caixa aberta, tanto pode ser utilizada para o transporte de mercadorias, no e para o desenvolvimento de uma daquelas actividades como uma utilização particular, sendo, de resto, como a realidade vem demonstrando, cada vez comum a aquisição deste tipo de viaturas precisamente pela multiplicidade de utilizações que o seu tipo de construção e equipamento possibilita.

Acresce que, como os factos nos revelam, independentemente do fim ou destino que a Recorrente efectivamente lhe dê – e é nesta alegação que a Recorrente essencialmente suporta o seu inconformismo, como se vê do facto de sistematicamente invocar que ficou provada essa utilização apenas à actividade que desenvolve -, só possui cinco lugares de passageiros, pelo que, podendo ser utilizada quer para o transporte de mercadorias quer para a actividade agrícola quer para o transporte de passageiros (mista) nunca podia ser excluída do âmbito de aplicação do conceito de viatura de turismo consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA, por o legislador ter feito depender a exclusão de uma viatura nessas circunstâncias do facto de ter mais de nove lugares.

Recorda-se, mais uma vez, que as restrições ao direito de dedução do IVA no caso das viaturas automóveis resultou da necessidade de controlar aquisições formais de viaturas por empresas (supostamente para o desenvolvimento da sua actividade empresarial), mas que, na verdade, se destinavam a ser utilizadas exclusiva, primacial ou concomitantemente para fins totalmente alheios aos objectivos empresarias ou às actividades desenvolvidas pelas sociedades adquirentes, ou seja, em benefício pessoal de terceiros à pessoa da adquirente.

E que o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), chamado a pronunciar-se precisamente sobre a exclusão do direito de dedução do IVA suportado na aquisição de viaturas consagrada por alguns Estados-Membros, firmou há muito um entendimento muito permissivo na existência deste tipo de limitação ao dizer, à luz da Directiva então em vigor (Segunda Directiva 67/228), mas cujo alcance não fica comprometido pelas posteriores alterações do direito da União Europeia (que, nesta matéria, e distintamente do objectivo por si delineado, não introduziu ainda na ordem jurídica da União Europeia normas harmonizadoras), que nada obsta a que os Estados-Membros estabeleçam exclusões gerais do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago na compra de veículos automóveis utilizados pelo sujeito passivo para as necessidades das suas operações tributáveis, mesmo que estes veículos constituam um instrumento indispensável ao exercício da actividade exercida pelo sujeito passivo em causa ou que, no caso concreto, nem possam ser utilizados para fins privados pelo respectivo sujeito passivo [1. O artigo 11.º, nº 4, da Segunda Directiva 67/228 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios autorizava os Estados-Membros a introduzir ou a manter e o artigo 17, n.º 6, da Sexta Directiva 77/388 autoriza estes a manter exclusões gerais do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago na compra de veículos automóveis utilizados pelo sujeito passivo para as necessidades das suas operações tributáveis, mesmo se estes veículos constituem um instrumento indispensável ao exercício da actividade exercida pelo sujeito passivo em causa ou se estes veículos não podem, num caso concreto, ser utilizados para fins privados pelo sujeito passivo respectivo. 2. O artigo 17, nº 6, da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, que prevê que, o mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da directiva, o Conselho determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado e que, até à entrada em vigor das disposições para este efeito, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva, deve ser interpretado no sentido de que os Estados-Membros podem manter as exclusões do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, não obstante o Conselho não ter determinado, antes da expiração do prazo referido, as despesas que não dão direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. (…)”. (Acórdão RYSCOT Leasing Ltd, , proferido no processo n.º C-305/97, de 5 de Outubro de 1999.)

Jurisprudência que posteriormente veio reafirmando, como se denota das respostas dadas em diversos pedidos de reenvio prejudicial que têm vindo a ser colocados por diversos Estados membros, incluindo Portugal, na medida em que aí manteve a posição que no já citado aresto assumira (“47. o artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA visa a manutenção de manter «todas as exclusões» anteriores a 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido após essa data, na data da respetiva adesão. Ora, importa recordar que o Tribunal de Justiça afirmou explicitamente no Acórdão de 5 de outubro de 1999, Royscot e o. (C-305/97, EU:C:1999:481, n.º 20), a respeito de uma exclusão do direito à dedução do IVA que incidia na compra de veículos automóveis, que a expressão «todas as exclusões», enunciada no artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, inclui, atendendo à letra e à génese do referido artigo, igualmente as despesas que têm caráter estritamente profissional. 48. Por conseguinte, a cláusula de standstill, prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA autoriza os Estados-Membros a excluir do direito à dedução do IVA as categorias de despesas que têm caráter estritamente profissional, desde que estas sejam definidas de modo suficientemente preciso, na aceção da jurisprudência referida no n.º 40 do presente acórdão.(Acórdão do TJUE, de 2 de Maio de 2019, proferido no processo n.º C-225/18) “31. Quanto ao artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Directiva, é certo que este permite, como alega o Governo neerlandês, que um Estado-Membro mantenha um regime nacional que existia antes da entrada em vigor desta directiva. Todavia, esta disposição pressupõe que as exclusões que os Estados-Membros podem manter ao abrigo dela fossem legais nos termos da Segunda Directiva, que é anterior à Sexta Directiva (v. acórdão de 5 de Outubro de 1999, Royscot, C-305/97, Colect, p. I-6671, n.º 21).” (Acórdão do TJUE, de 14 de Julho de 2005, proferido no processo n.º 434/03.)

Aliás, se perante esta jurisprudência ainda pudessem subsistir dúvidas quanto à compatibilidade das limitações ao direito de dedução de IVA consagradas no artigo 21.º, n.º 1 do CIVA, as mesmas tinham de ter-se por definitivamente ultrapassadas face ao teor do despacho proferido ao abrigo do artigo 99.º do seu próprio Regulamento, (Nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça da União Europeia, quando uma resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida não suscite nenhuma dúvida razoável, pode decidir, a qualquer momento, mediante proposta do juizrelator, ouvido o advogadogeral, pronunciarse por meio de despacho fundamentado, mecanismo que foi utilizado no caso concreto, o que demonstra claramente que para o TJUE é hoje isenta de dúvida a interpretação da norma cuja apreciação é questionada nestes autos.) na sequência de pedido de reenvio prejudicial formulado no processo arbitral n.º 207/2019-T (que correu termos no CAAD), (Despacho de 17-09-2020, proferido no processo C-837/19, Super Bock Bebida, consultável em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=231562&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=1706482)que aqui não prescindimos de transcrever, uma vez que, não obstante ter na sua origem em pedido arbitral que tinha por objecto as despesas a que se reportam as als. c) e d) do citado preceito, inclui em si uma análise geral da norma que permite a sua integral transposição para o caso concreto:
«21 - Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado Membro, entrada em vigor na data da adesão deste à União, segundo a qual as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.

22 - A este respeito, em primeiro lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito a dedução previsto no artigo 168.º, alínea a), da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações efetuadas a montante (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°25 e jurisprudência referida).

23 - De facto, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°26 e jurisprudência referida).

24 -Daqui resulta que, na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para os fins das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°27 e jurisprudência referida).

25 - Em segundo lugar, resulta igualmente da jurisprudência que só são permitidas derrogações ao direito a dedução do IVA nos casos expressamente previstos pelas disposições das diretivas que regem esse imposto (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°28 e jurisprudência referida).

26 - Entre essas derrogações figura o artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância idêntico ao artigo 17.º, n.º6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, e cuja adoção não teve influência na jurisprudência relativa à interpretação desta última disposição (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°29 e jurisprudência referida).

27 - À semelhança do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva que o precedeu, o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA contém uma cláusula de standstill.

28 - Por força da primeira dessas disposições, os Estados Membros estavam autorizados a manter a sua legislação existente em matéria de exclusão do direito a dedução na data da entrada em vigor da Sexta Diretiva até que o Conselho aprove as disposições previstas no artigo 17.°, n.°6, primeiro parágrafo, desta. Nenhuma das propostas que foram apresentadas pela Comissão ao Conselho ao abrigo desta disposição foi adotada por este último (v., neste sentido, Acórdão de 15-04-2010, X Holding e Oracle Nederland, C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.º38 e 39).

29 - Em conformidade com a segunda das referidas disposições, os Estados Membros que tenham aderido à União depois de 1 de janeiro de 1979 podem manter todas as exclusões do direito a dedução do IVA previstas pela sua legislação nacional na data da sua adesão, até que o Conselho adote as disposições previstas no primeiro parágrafo deste artigo 176.° Até à data, o Conselho ainda não adotou tais disposições (v., neste sentido, Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°30).

30 - Em terceiro lugar, a faculdade residual dos Estados Membros em questão de manterem exclusões nacionais do direito a dedução do IVA, em aplicação do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não é, todavia, absoluta. Com efeito, o TJUE declarou que uma regulamentação nacional não constitui uma derrogação permitida pela cláusula de standstill prevista por estas disposições se tiver por efeito alargar, após a entrada em vigor da Sexta Diretiva ou após a adesão do Estado Membro em questão, o âmbito das exclusões existentes, afastando se assim do objetivo destas diretivas (v., neste sentido, Acórdãos de 22-12- 2008, Magoora, C 414/07, EU:C:2008:766, n.°37, e de 18-07-2013, AES 3C Maritza East 1, C 124/12, EU:C:2013:488, n.°45).

31 - Diversamente sucede quando, posteriormente à entrada em vigor da Sexta Diretiva ou à adesão à União, a regulamentação do Estado Membro em questão reduz o âmbito das exclusões previstas pela sua legislação nacional à data da sua adesão e se aproxima do objetivo das referidas diretivas. Nesta situação, o Tribunal de Justiça admitiu que tal regulamentação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 28, 29 e jurisprudência referida).

32 - Além disso, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar o conteúdo da legislação nacional à data da adesão do Estado Membro em causa e averiguar se essa legislação teve ou não por efeito alargar o âmbito de aplicação das exclusões existentes após essa adesão (Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°30 e jurisprudência referida).

33 - No caso vertente, importa, em primeiro lugar, precisar, por um lado, que, em conformidade com o artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, a República Portuguesa, que aderiu à União em 1 de janeiro de 1986, pôde diferir até 1 de janeiro de 1989 a plena aplicação das regras que constituem o sistema comum do IVA (Acórdão de 08-03-2012, Comissão/Portugal, C 524/10, EU:C:2012:129, n.°13).

34 - Por outro lado, embora na data da adesão da República Portuguesa à União o artigo 21.° do Código do IVA excluísse totalmente do direito a dedução o imposto pago a montante que incidia sobre as despesas respeitantes a alojamento, alimentação e bebidas, bem como sobre as despesas em transportes e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal, incluindo portagens, uma alteração ao referido artigo efetuada no ano de 2005 teve por efeito, sob certas condições, admitir o direito a dedução do IVA para este tipo de despesas, até ao limite de 50 %. Afigura se, assim, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, na sequência desta alteração, despesas que estavam totalmente excluídas desse direito passaram a conferir, sob certas condições, um direito a dedução parcial deste imposto (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 32 e 33).

35 - Há, portanto, que constatar, em segundo lugar, que, por um lado, resulta da leitura conjugada do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, que as exclusões do direito a dedução previstas no artigo 21.° do Código do IVA na data da adesão da República Portuguesa à União estavam abrangidas pela cláusula de standstill prevista no artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva. Além disso, resulta da jurisprudência recordada nos n.ºs 30 e 31 do presente despacho que, após a alteração do artigo 2.° do Código do IVA efetuada no decurso do ano de 2005, que reduziu o âmbito das despesas excluídas deste direito, essas exclusões continuaram abrangidas por essa cláusula.

36 - Por outro lado, as exclusões previstas no referido artigo 21.° do Código do IVA, conforme assim alterado, continuam abrangidas pela cláusula de standstill referida no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

37 - Com efeito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.°26 do presente despacho, sendo o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância, idêntico ao artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, a jurisprudência relativa à interpretação da segunda disposição é pertinente para a interpretação da primeira disposição. Daqui resulta que esta deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional em matéria de exclusão do direito a dedução do IVA que não era contrária à referida disposição da Sexta Diretiva (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 28, 29 e 39).

38 - Além disso, qualquer outra interpretação seria contrária ao artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, por força do qual, conforme foi recordado no n.°33 do presente despacho, este último Estado Membro pôde diferir a plena aplicação das regras que constituem o sistema comum do IVA até 1 de janeiro de 1989. Ora, tanto um ato de adesão como os protocolos e os anexos desse ato de adesão constituem disposições de direito primário que, a menos que o ato de adesão disponha em sentido diferente, só podem ser suspensas, alteradas ou revogadas segundo os procedimentos previstos para a revisão dos Tratados originários (v., neste sentido, Acórdão de 11-09-2003, Áustria/Conselho, C 445/00, EU:C:2003:445, n.°62).

39 - Em terceiro lugar, importa apreciar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal prevê de maneira suficientemente precisa a natureza ou o objeto dos bens ou dos serviços para os quais o direito a dedução do IVA é excluído, a fim de garantir que a faculdade concedida aos Estados Membros não seja utilizada para prever exclusões gerais desse regime (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°40 e jurisprudência referida).

40 - A este propósito, no que respeita, por um lado, às despesas relativas a alojamento, alimentação e bebidas, cumpre salientar que, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.ºs 50 e 51), o Tribunal de Justiça considerou, tratando se da lei neerlandesa sobre o IVA, que as categorias de despesas relativas ao fornecimento de refeições e de bebidas assim como à disponibilização de alojamento ao pessoal de um sujeito passivo estavam definidas por esta lei de modo suficientemente preciso, pelo que a exclusão do direito a dedução prevista pela referida lei estava abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula de standstill. Além disso, no Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos (C 225/18, EU:C:2019:349, n.°42), o Tribunal de Justiça considerou que a categoria de despesas relativas aos «serviços de alojamento e de restauração», conforme definida pela legislação polaca, na medida em que se referia à natureza dos referidos serviços, estava definida de forma suficientemente precisa tendo em conta as exigências impostas pela jurisprudência (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 35 e 36).

41 - Do mesmo modo, no que respeita, por outro lado, às despesas relativas ao aluguer de viaturas, ao combustível e à portagem, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.ºs 46 e 47), que a categoria de despesas relativas à aquisição dos bens ou serviços utilizados pelo empresário com o objetivo de fornecer ao seu pessoal «um meio de transporte individual», na medida em que visava uma categoria particular de operações com características específicas, era, também ela, conforme com as referidas exigências.

42 - Nestas condições, há que considerar que categorias de despesas como as previstas no artigo 21.°, n.°1, alíneas c) e d), do Código do IVA, respeitantes, designadamente, aos transportes e às viagens de negócios, ao alojamento, à alimentação e às bebidas, estão definidas de maneira suficientemente precisa tendo em conta as exigências impostas pela jurisprudência e recordadas no n.°39 do presente despacho (v., por analogia, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°37).

43 - A circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que essas despesas possam ser efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo não afeta o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA. Com efeito, atendendo à letra e à génese desta cláusula, esta autoriza os Estados Membros a excluir do direito a dedução do IVA categorias de despesas que têm um caráter estritamente profissional, quando estas últimas estejam definidas de forma suficientemente precisa, na aceção da jurisprudência referida no n.°39 do presente despacho (v., neste sentido, Despacho de 26 -02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°38 e jurisprudência referida).

44 - Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado Membro entrada em vigor na data da adesão deste à União segundo a qual as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.”

Considerando que o legislador fiscal nacional não excluiu a dedução de IVA contido nas despesas relativas a toda e qualquer viatura adquirida pelo sujeito passivo mas que apenas excluiu essa dedução quando incluído nas despesas relativas à aquisição de viaturas que pelo seu tipo de construção e equipamento sejam susceptíveis de ter uma utilização que extravase os fins próprios da actividade empresarial e que essa limitação, como vimos já, o direito da União Europeia consente desde que a norma limitadora recorte com precisão as concretas situações a que essa exclusão se reporte, o que, como está bem de ver, a norma nacional respeita, não há qualquer fundamento, para que se julgue que artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA - interpretado no sentido de que fica excluída o direito à dedução independentemente da alegação e prova que o sujeito passivo faça de que, não obstante as razões subjacentes à consagração daquele comando, utiliza exclusivamente a viatura automóvel adquirida no exercício da sua actividade empresarial - padece de inconstitucionalidade ou é desconforme o Direito da União.

Em suma, o que se deve extrair da evolução das Directivas, à luz da jurisprudência do TJUE citada, especialmente da “omissão” na concretização de alguns comandos a que há muito se comprometeu, é que o legislador comunitário, apesar de consciente das exigências inerentes ao desenvolvimento da actividade empresarial e que a neutralidade constitui um elemento estrutural do IVA, continua a aceitar a existência de regimes jurídicos nacionais distintos em matéria de exclusão do direito à dedução, revelando ser mais sensível à necessidade dos Estados Membros consagrarem regimes jurídicos que lhes permitam, de forma mais eficaz, controlar e combater a evasão e a fraude fiscal, domínio em que, como bem sabemos, quer a União Europeia quer os Estados-Membros, dentro da permeabilidade que a harmonização das Directivas ainda vai permitindo, investem cada vez mais do ponto de vista jurídico.

Improcederá, assim, nesta parte, o recurso jurisdicional.

3.2.3. Da legalidade da liquidação de juros compensatórios

Como ficou definido no ponto 2.3. deste aresto, sendo declarada a legalidade da liquidação de IVA impugnada, impor-se-ia ainda que enfrentássemos a questão de saber se, no caso concreto, face ao que ficou apurado, eram devidos juros compensatórios pela Recorrente ou, o mesmo é dizer, se a liquidação relativa a juros compensatórios, também impugnada, padece do vício de lei que a Recorrente lhe aponta.

A Recorrente foi muito sintética nas suas alegações de recurso, sendo no entanto evidente, pela conclusão que formulou, que no seu entender os juros compensatórios não são devidos por pressuporem a existência de culpa, que no caso se não verifica por tudo se resumir a distintas interpretações de uma norma legal.

O Tribunal a quo, ao decidir pela forma como o fez, deixa implícito que a condenação em juros compensatórios que proferiu decorre directamente da legalidade da liquidação de imposto.

Sem prejuízo de julgarmos que a liquidação em juros compensatórios é de manter, importa sublinhar que este Supremo Tribunal Administrativo há muito vem alertando que “A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência)». (Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16-12-2010, proferido no processo n.º 587/10, bem como os demais para que neste somos remetidos, integralmente disponível em www.dgsi.pt)

Significa o que vimos dizendo, continuando a citar os arestos em referência, que a legalidade da liquidação relativa aos juros compensatórios não está directa e exclusivamente depende da legalidade da liquidação de imposto a que respeita mas, sobremaneira, da existência de culpa enquanto omissão reprovável de um dever de diligência, a aferir segundo o critério de bónus pater família. (Neste sentido, vide, Jorge Lopes de Sousa, “Juros nas relações tributárias”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 145.)

Tendo por referência a jurisprudência citada e a disciplina consagrada nos artigos 35.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e 89.° do CIVA, podemos dizer sinteticamente que constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e que esse atraso seja decorrente de uma conduta culposa do sujeito passivo, isto é, que se possa afirmar que foi por culpa sua que o atraso se verificou.

Ora, que na data em que a liquidação relativa a juros compensatórios foi emitida havia uma dívida de IVA não existe qualquer dúvida, atento os factos apurados, em especial os factos vertidos nas als. B), C) e D) do probatório. E que se registava um atraso nessa liquidação ou, se preferirmos, que no momento da liquidação de juros compensatórios há muito o imposto de IVA devia ter sido pago, também não é controverso, como, aliás, já por nós ficou decidido no ponto 3.2.

A questão é, como a Recorrente sublinha, o pressuposto da culpa, saber se esse pressuposto também se mostra preenchido ou, pelo contrário, se o facto de a Recorrente afirmar que não houve culpa da sua parte e que tudo se resumiu a interpretações distintas do regime consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA é suficiente para que este Tribunal afaste da ordem jurídica a liquidação relativa a juros compensatórios, revogando nesta parte a sentença recorrida.

Evidentemente que não é suficiente e evidentemente que a culpa por esse atraso é exclusivamente imputável à Recorrente.

Como a maioria da doutrina e jurisprudência defendem e nós subscrevemos, “quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito deve-se fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária”. Ilação que só devemos afastar, julgando excluída a culpa, “quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais”.

Ora, como vimos já, em abono do afastamento da culpa a Recorrente apenas invoca que tudo se resume a distintas interpretações e que a interpretação por si perfilhada já foi acolhida em duas decisões, uma proferida por um Tribunal de 1ª instância e outra por este Supremo Tribunal.

Presume-se que o que a Recorrente pretende dizer, ainda que não tenha sido muito clara na argumentação, não é apenas que existe divergência de interpretações - pois, se assim fosse, nunca haveria lugar a condenação em juros compensatórios em juízo já que os litígios tem sempre subjacentes distintas interpretações de normas jurídicas – mas, sim, que a norma que desrespeitou é de difícil interpretação, ou seja, que é objectivamente difícil a um destinatário normal compreender o sentido em que deve ser interpretado o comando legal que lhe é especialmente dirigido. E que assim é demonstram-no a existência de decisões judiciais que se debruçaram sobre a sua interpretação, em casos em tudo semelhantes, sendo por isso indubitável que apenas a forma como se encontra redigida conduziu ao não cumprimento da obrigação fiscal.

Iniciando a apreciação da sua alegação por este último argumento, diga-se desde já que não corresponde à realidade que este Supremo Tribunal Administrativo alguma vez tenha aferido da correcta interpretação do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA em situação como a dos presentes autos. É verdade que o acórdão cuja cópia a Recorrente juntou aos autos com a sua petição inicial foi proferido em recurso de uma sentença de 1ª instância que decidiu, face aos factos aí provados, que a dedução do IVA era legítima. Porém, como uma simples leitura do acórdão em referência nos permite concluir, a questão colocada nesse recurso não teve por objecto essa questão mas, sim, uma outra que no mesmo processo se colocava, a saber, a interpretação da al. b) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA.

Acresce que, naturalmente, uma sentença, por si, não pode constituir fundamento para se excluir a culpa do infractor das obrigações fiscais, ainda que se admita que uma opção de dedução de imposto por um sujeito passivo que tivesse sido destinatário directo da sentença que anteriormente, em situação similar, lhe dera razão pudesse ser suficiente, per se, para a excluir. O que não foi o caso nem alguma vez a Recorrente o afirmou.

Quanto à segunda vertente do seu argumento, pelo menos nos termos em que o interpretámos - a norma desrespeitada é de difícil interpretação e apenas a forma como se encontra redigida conduziu ao não cumprimento da obrigação fiscal – também não merece o nosso acolhimento, por três ordens de razões

A primeira é a de que a leitura da norma não é objectivamente de difícil interpretação, sendo a forma como se encontra redigida suficientemente clara para que um destinatário normal perceba o comando por ela prescrita.

Note-se que a norma consagrada no artigo 21.º, n.º 1, al. a) do CIVA constitui uma norma especial anti-abuso e é sabido que estas, atentas as características de previsibilidade objectiva e transparência do comportamento tributado, facultam, por natureza, ao sujeito passivo um critério seguro de predeterminação do seu comportamento. Ou seja, facultam-lhe de forma clara o quadro perante o qual pode facilmente tomar a opção de contribuir ou não para a criação do facto tributário.

Foi exactamente, salvo o devido respeito, o que sucedeu no caso concreto, já que a Recorrente nunca teve dúvidas de que a viatura que adquirira tanto podia ser utilizada na sua actividade empresarial (agrícola) como para transportar passageiros, o que reconheceu fazer, e que o número de lugares de passageiros (cinco) era inferior aos que a lei fiscal exigia para não ser considerada viatura de turismo (nove). Ora, estas asserções eram quanto bastava para que tivesse concluído que não tinha direito a deduzir o IVA suportado com a sua aquisição porque o mesmo estava excluído nos termos do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA.

A segunda circunstância que obsta ao acolhimento dessa alegação é a qualidade do sujeito passivo em questão. Embora a Recorrente seja um “destinatário normal”, detém uma especial qualidade enquanto pessoa colectiva, já que sobre si recaem especiais deveres de diligência na realização das operações comerciais que enquanto tal realiza e, sobremaneira, sobre si recai a especial obrigação de conhecer as disposições normativas que em matéria fiscal, no caso IVA, está obrigada, uma vez que desenvolve uma actividade (empresarial) que sistematicamente as convoca.

A última circunstância que em nosso entender obsta ao afastamento da culpa no caso concreto prende-se com o tipo de norma cuja interpretação fomos convocados a apreciar. Constituindo a norma contida no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA claramente uma norma anti-abuso específica, introduzida no ordenamento jurídico nacional com o propósito de obstar a comportamentos fraudulentos em matéria de aquisição de viaturas por parte de pessoas colectivas ou entes equiparados, excluindo, nas circunstâncias por ela definidas, a dedução de custos, é para nós seguro que deve ser mais elevado o grau de exigência no seu cumprimento e mais rigorosa a aferição da responsabilidade ou culpa do sujeito passivo que a não respeite, sob pena de ficar posta em causa a própria finalidade da existência da norma. Não tendo este Supremo Tribunal reconhecido aos argumentos invocados pela Recorrente para sustentar a sua conduta ilícita qualquer credibilidade não existem razões que justifiquem a sua desresponsabilização.

Em suma: estando no caso comprovada a ilegalidade da conduta (não pagamento do imposto no momento e valores devidos), não tendo o Recorrente alegado nem provado que o não pagamento se ficou a dever a erro desculpável nem sendo de entender-se, atenta a redacção da norma e o especial fim que lhe está associado, a natureza jurídica do sujeito passivo e os especiais cuidados que sobre si recaem na forma como realiza as suas operações económicas, que é desculpável o comportamento que assumiu, há que concluir pela verificação de todos os pressupostos previstos nos artigos 35.º da LGT e 89.º do CIVA.

E, em conformidade, mantém-se na ordem jurídica, com os fundamentos expostos, a liquidação de juros compensatórios impugnada e a sentença recorrida que de igual modo decidiu.

3.2.4. As custas serão suportadas integralmente pela Recorrente, única vencida no presente recurso jurisdicional (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).

4. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo:

- Ordenar o desentranhamento dos autos do documento junto pela Recorrente com as alegações do recurso jurisdicional interposto;

- Negar provimento ao recurso jurisdicional.

A Recorrente suportará as custas do incidente a que deu causa, que se fixam em 1 UC, bem como as devidas pela interposição do recurso, por ter ficado integralmente vencida.

Registe e notifique.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Anabela Ferreira Alves e Russo (Relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.