Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0239/16
Data do Acordão:02/21/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IVA
REEMBOLSO
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:De harmonia com o disposto no n.º 13 do artigo 22.º do CIVA (redacção dada pelo artigo 28.º da Lei n.º 323-B/2002, de 30/12), a impugnação judicial constitui o meio processual adequado à reacção na via contenciosa contra um acto de indeferimento de pedido de reembolso de IVA.
Nº Convencional:JSTA00070551
Nº do Documento:SAP201802210239
Recorrente:A........S.A. SUCURSAL EM PORTUGAL
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT ART95 N1.
CPPT ART97 N1 D N2 P.
CIVA ART22 N13 ART87-A ART93.
CC ART7 N3.
DL 433/99 DE 1999/12/30 ART28
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01958/13 DE 2015/05/14.; AC STA PROC01950/13 DE 2014/07/02.; AC STA PROC01263/13 DE 2014/05/28.; AC STA PROC0306/09 DE 2009/07/08.; AC STA PROC01171/04 DE 2005/02/16.; AC STA PROC0305/03 DE 2005/05/20.; AC STA PROC0960/04 DE 2005/02/16.
Referência a Doutrina:DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 4ED - ENCONTRO DE ESCRITA PÁG713.
JORGE LOPES DE SOUSA - IN CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ÁREAS EDITORA 6ED VOLII PÁG54.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A……….. S.A., Sucursal em Portugal, inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 3 de Novembro de 2009, recurso nº 02609/08 que confirmou a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 21 Dezembro de 2007 e que negou provimento à impugnação judicial por ela interposta, por entender verificar-se erro na forma de processo e não se mostrarem reunidos os pressuposto de convolação, vem interpor recurso para o Pleno do Contencioso deste Tribunal por considerar que o referido acórdão está em oposição com o acórdão da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, de 06 de Novembro de 2008, proferido no âmbito do processo nº 0115/08.

2 - Por despacho do relator de 23 de Dezembro de 2015, a fls. 201 dos autos, foi admitido o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artº 284º, nº1 do CPPT.

3 - A recorrente veio apresentar no seu requerimento de recurso a fls. 208 e seguintes, alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados com o seguinte quadro conclusivo:
«A. O Acórdão recorrido confirmou a sentença emanada pelo Tribunal de 1.ª instância, no sentido de haver erro na forma de processo, porquanto entendeu que não se justifica a apreciação do pedido inicial da ora Recorrente, considerando que a impugnação judicial não se afigura o meio processual adequado à apreciação da legalidade do despacho da Administração Tributária que ditou o indeferimento de um pedido de reembolso de IVA.
B. Sustentando que o meio processual correcto era a acção administrativa especial.
C. E que a impugnação judicial é o meio adequado para aferir da legalidade de um acto de liquidação, o que não ocorre nos autos.
D. A Recorrente insurge-se contra tal entendimento porquanto considera que lhe assistia o direito de deduzir impugnação judicial contra o despacho que ditou o indeferimento do pedido de reembolso de IVA, que apresentou atempadamente e legitimamente, nos termos do disposto no então artigo 22.°, n.º 13 e artigo 87-A, ambos do Código do IVA, inexistindo erro na forma de processo.
E. In casu verificam-se todos os requisitos exigidos por lei para o recurso de oposição de acórdãos, porquanto estão em causa soluções jurídicas diferentes sobre a mesma questão de direito.
F. Efectivamente, no âmbito do Acórdão fundamento emanado pelo Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0115/08, e decidido por unanimidade, discutiu-se a questão (a única — thema decidendum) de saber qual o meio processual adequado à impugnação de um acto de indeferimento de pedido de reembolso de IVA, se a acção administrativa especial ou o processo de impugnação judicial.
G. O douto Acórdão Fundamento decidiu no sentido, inequívoco e por unanimidade, de que a impugnação judicial é o meio adequado de reacção contenciosa judicial contra um acto de indeferimento de um pedido de reembolso de IVA, em manifesta oposição com o Acórdão recorrido.
H. Aliás, não resultava do então disposto nos artigos 22.º, n.ºs 11 e 13.º, do Código do IVA, conjugado com os então artigos 87°-A e 83.°-B, ambos igualmente do Código do IVA, que o único fundamento admissível da impugnação judicial a deduzir seja “o imposto liquidado pelos serviços centrais” e não outros fundamentos, como é, nos autos de recurso, um despacho de indeferimento de um pedido de reembolso de IVA.
I. Ora, nos termos do disposto no então artigo 87.°-A do Código do IVA, previa-se a possibilidade de apresentação de recurso hierárquico, de reclamação ou impugnação.
J. - O facto de se mencionar no n.º 1 do supra mencionado artigo (com a redacção em vigor à data do facto tributário) que nos casos em que o imposto em dívida a que se refere o artigo 83.°-B tenha sido liquidado pelos serviços centrais da então Direcção Geral das Contribuições e Impostos, bem como da dedução a que se refere o mesmo artigo, será o contribuinte notificado por carta registada com aviso de recepção (Redacção dada pelo artigo 32° da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro), não significa que nos casos em que não haja lugar a liquidação de imposto, o contribuinte fique impedido de recorrer hierarquicamente, de reclamar ou de impugnar judicialmente qualquer decisão da Administração Tributária que considere ilegal.
L. Ao abrigo do disposto no artigo 9.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) por força do postulado no artigo 20°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), é garantido o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo que todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei.
M. Nessa medida deveria ter o Tribunal a quo e o de 1.ª instância conhecido do objecto da acção.
N. A questão de fundo não foi apreciada, porquanto, se tivesse sido, não teriam sido consideradas válidas as notificações levadas a cabo pela Administração Tributária.
O. A 12.03.2001, a recorrente apresentou nos Serviços do IVA um pedido de reembolso de IVA referente ao período de 01.01 pelo montante de então Euro 399038,32.
P. Tendo sido sujeito aos trâmites normais de análise da então 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, tendo esta notificado a Recorrente para prestar alguns esclarecimentos,
Q. O que esta fez a 2 de Agosto de 2001, apresentando as informações solicitadas e documentos requeridos.
R. Surpreendentemente, a 30 de Novembro de 2001, a Recorrente foi notificada do Relatório de Inspecção e do qual constava a decisão da Administração Tributária sobre o seu pedido de reembolso de IVA: “O indeferimento total do pedido de reembolso no valor de Esc. 80 000 000$00.”.
S. O único fundamento invocado foi o facto de a ora Recorrente não ter respondido a duas notificações.
T. A Recorrente nunca pôde prestar as informações requeridas, nem tão pouco teve oportunidade de exercer o direito de audição prévia, porquanto nunca tomou conhecimento das mencionadas notificações.
U. A Recorrente não foi notificada, nem a Administração Tributária fez prova de que foi efectuada a segunda notificação, nem que estavam reunidos os pressupostos da sua dispensa.
V. A questão de fundo na acção de impugnação judicial configura uma situação de falta de notificação de actos tributários.
X. Ora a falta de notificação inquina a decisão da Administração Tributária, tornando essa decisão ineficaz nos termos do disposto no artigo 77°, n.º 6 da LGT.
Z. A Administração Tributária indeferiu o pedido de reembolso de IVA com o único fundamento de que não foram prestadas todas as informações sabendo perfeitamente que a ora Recorrente não recebeu as notificações, nem tão pouco, teve a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia sobre o projecto de decisão.
AA. A ora Recorrente entende que o fundamento invocado não pode em caso algum servir para a privar de um direito que lhe assiste, que é o direito ao reembolso do IVA.
AB. Desde que estejam cumpridos os requisitos de que depende a dedução de imposto, tal como então definidos no artigo 19.º do Código do IVA, não pode haver motivo atendível para que não haja, se for caso disso, reembolso.
AC. A questão do direito ao reembolso só se coloca se tiver havido reconhecimento de um direito à dedução do IVA.
AD. Como no caso dos autos, nunca foi questionado o direito à dedução, e face ao exposto e sobretudo as disposições comunitárias vigentes, entende a ora Recorrente que os pressupostos de exclusão de um e de outro deverão ser os mesmos, sob pena de violação da Directiva IVA e do princípio da igualdade previsto nos artigos 13.º e 103.º da Constituição da Republica Portuguesa.
AF. A Recorrente entende que a conduta da Administração Tributária viola os princípios fundamentais da igualdade, da justiça, da boa fé, e sobretudo da proporcionalidade, constitucionalmente consagrados, pelo que a decisão de indeferir o pedido de reembolso de IVA deve ser anulada.»

4 – Não foram apresentadas contra alegações.

5 – A fls. 235 e seguintes dos autos, o Exmº Magistrado do Ministério Público proferiu douto parecer que, na parte relevante, se transcreve:
«(…..) A questão que se colocou em ambos os acórdãos consiste em saber qual o meio processual adequado de impugnação contenciosa de decisão de indeferimento de pedido de reembolso de IVA.
No caso do acórdão recorrido o pedido de reembolso foi indeferido por despacho datado de 17/12/2001, notificado ao sujeito passivo por ofício datado de 18/12/2001, tendo em 13/03/2002 sido apresentada impugnação judicial.
O TCA Sul, apoiando-se na doutrina do acórdão do STA de 22 /04/2009, proc. nº 01083/08, considerou que a impugnação judicial é o meio processual adequado se estiver em causa um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, pois caso contrário o meio adequado é a ação administrativa especial. E como no caso concreto se verifica a segunda hipótese e não era possível a convolação, por intempestividade da ação, confirmou a decisão da 1ª instância de rejeição da impugnação judicial por erro na forma de processo.
No caso do acórdão fundamento o pedido de reembolso foi indeferido por despacho notificado em 11/03/2005, o qual foi objecto de impugnação judicial em 09/06/2005.
Entendeu-se no aresto do STA que «a impugnação judicial deduzida do acto de indeferimento do pedido de reembolso do IVA não envolve no caso a apreciação da legalidade da liquidação (ainda que de forma mediata) pelo que, em princípio, o meio processual adequado à sua impugnação na via contenciosa deveria ser a acção administrativa especial, como se considerou no despacho recorrido. No entanto, no caso específico de indeferimento do pedido de reembolso do IVA, o legislador, no uso da sua liberdade de conformação legislativa, entendeu por bem consagrar a impugnação judicial como o meio apropriado à impugnação dos correspondentes actos».
Estamos, assim, perante duas decisões sobre a mesma questão jurídica, proferidas no âmbito da mesma regulamentação jurídica e à qual foi dada solução divergente, mostrando-se, pois, reunidos os pressupostos do recurso de oposição de acórdãos.
4. Como se refere em ambos os acórdãos, a jurisprudência do STA tem adotado de forma genérica o entendimento no sentido de que, nos termos do art. 97º, n.º 1, al.s d) e p) e nº2 do CPPT, o processo de impugnação judicial aplica-se à impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, e o recurso contencioso (leia-se actualmente acção administrativa especial) à impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação (neste sentido tb. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado, vol. II, nota 18 ao art. 97º, pág.53).
Sucede que no caso concreto do indeferimento de pedido de reembolso de IVA, o CIVA prevê no nº 13 do artigo 22º norma específica em que consagra como meio impugnatório contencioso a impugnação judicial. E como se refere no acórdão fundamento, estamos perante norma especial cuja aplicação se sobrepõe à norma geral do artigo 97º do CPPT. E justifica-se o referido regime especial uma vez que o pedido de reembolso de IVA tem implícito a prática de um acto de liquidação, no qual são definidos os direitos e deveres do contribuinte e do qual resulta uma obrigação de pagamento, mas em “sentido contrário”, ou seja, a favor do contribuinte. Por outro lado, como refere Jorge Lopes de Sousa na obra e local supra citados, nem sempre nos casos de impugnação de actos que não comportam a apreciação da legalidade do acto de liquidação o meio processual adequado é a ação administrativa especial. E desde logo tal ocorre sempre que a lei preveja outro meio processual específico, como é o caso do nº 13 do artigo 22º do CIVA.
Entendemos, assim, que no caso da impugnação do acto de indeferimento de pedido de reembolso de IVA, o meio processual adequado é a impugnação judicial e não a ação administrativa especial, devendo ser seguida neste caso a doutrina do acórdão fundamento.
E assim sendo impõe-se a revogação do acórdão recorrido que decidiu em sentido contrário e a remessa dos autos à 1ª instância a fim de os autos prosseguirem os seus termos para apreciação da ação (se a tal nada mais obstar, atento o incompreensível decurso do tempo para apreciação desta questão). Aliás sempre se imporia a sua revogação por, ao contrário do ali decidido, a convolação do processo ser admissível, uma vez que o acórdão incorreu no mesmo erro da decisão da 1ª instância, ao apreciar os elementos de facto constantes dos autos (já que o acto de indeferimento está datado de 17/12/2001 (cfr. doc.s de fls. 148 e 159) e não de 30/11/2001, como se fez constar, por confusão com outro acto anterior (notificação do relatório de inspeção), e assim sendo sempre a ação apresentada em 13/03/2002 seria tempestiva).
Em face do exposto, afigura-se-nos que o recurso deve ser julgado procedente e, revogando-se o acórdão recorrido, determinar-se a remessa dos autos ao tribunal tributário de Lisboa para efeitos de apreciação da ação.»

6- Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar em conferência do Pleno da Secção.

7 – No acórdão sob recurso encontram-se fixados os seguintes factos:
a. A impugnante apresentou em 12.03.2001 um pedido de reembolso de IVA, relativo ao período 01/01;
b. Por despacho de 2001.11.26 foi indeferido o pedido de reembolso;
e. A impugnante foi notificada deste despacho e do relatório de conclusões por ofício datado de 30.11.2001, nele se referindo que «Da presente comunicação bem como dos seus fundamentos não cabe qualquer reclamação ou impugnação».

8 – No acórdão fundamento foram fixados os seguintes factos:
a) A impugnante solicitou para, o período de 2003/08.M um reembolso de IVA no valor de 8.802,95 €.
b) Na sequência deste pedido foi alvo de uma inspecção tributária pelos serviços de inspecção tributária, que concluiu pelo indeferimento do pedido de reembolso (cf. doc. de fls. 10 a 15 do Processo Administrativo, doravante apenas PA, que aqui se dão por reproduzidos).
c) O indeferimento foi comunicado à impugnante, por carta registada com aviso de recepção, através do ofício n.º 026184 de 07/03/05 e recebido a 11/03/05 (cf. doc. de fls. 56 e 57 do PA).-
d) Por requerimento com entrada em 09/06/2005 a impugnante apresenta em tribunal impugnação judicial (cf. doc. fls. 2 dos autos).

9. Da admissibilidade do recurso de oposição de acórdãos.
Por despacho a fls. 201/205 a Exmª Relatora considerou que poderá ocorrer contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

Não obstante tal despacho, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 641º, n.º 5, do Código de Processo Civil, podendo, se for caso disso, ser julgado findo o recurso ( cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Pleno desta secção de 07.05.2003, recurso 1149/02, de 18.01.2012, recurso 1030/10, e de 12.12.2012, recurso 932/12.
Por isso, e perante o circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os pressupostos do recurso por oposição de julgados.

Como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de Janeiro de 2004 é aplicável o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que são os seguintes os requisitos de admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que concerne à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados constitui também jurisprudência pacífica do pleno desta secção que se devem adoptar os critérios já assentes no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, ou seja:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; – que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
– a oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados – ver acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 18.02.1998, recurso 28637, de 12.03.2003, recurso 35205, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 06.06.2009, recurso 617/08, e de 13.11.2013, recurso 594/12.

No caso vertente a recorrente suscita a oposição de julgados relativamente a uma única questão tratada no acórdão recorrido, mais concretamente a questão de saber qual o meio processual adequado à impugnação de um acto de indeferimento de pedido de reembolso de IVA, se a acção administrativa especial ou o processo de impugnação judicial.
O acórdão recorrido do TCA Sul, de 03/11/2009, exarado a fls. 165 e seguintes, confirmou a sentença de 1ª instância e julgou improcedente o recurso, por entender verificar-se erro na forma de processo e não se mostrarem reunidos os pressupostos de convolação do processo.
Não conformada alega a recorrente neste recurso interposto ao abrigo do disposto nos artigos 280°, n°2, e 284°, ambos do CPPT, que a decisão recorrida está em oposição com o acórdão fundamento do Supremo Tribunal Administrativo de 06/11/2008, proferido no âmbito do processo n° 0115/08, no que respeita à questão de saber qual o meio processual adequado à impugnação de um acto de indeferimento de pedido de reembolso de IVA.
A recorrente sustenta o acerto e aplicação da doutrina do acórdão fundamento e pugna pela revogação do acórdão recorrido com o conhecimento do objecto da impugnação.


Vejamos, pois.
Como sustenta a recorrente, existe identidade de situações fácticas.
No acórdão fundamento estava em causa um pedido de reembolso de IVA que foi indeferido por despacho notificado em 11/03/2005, o qual foi objecto de impugnação judicial em 09/06/2005.
E no acórdão recorrido estava em causa também um pedido de reembolso foi indeferido por despacho datado de 17/12/2001, notificado ao sujeito passivo por ofício datado de 18/12/2001, tendo em 13/03/2002 sido apresentada impugnação judicial.
Em ambos os casos se colocava a mesma questão de direito que consistia em saber qual o meio processual adequado de impugnação contenciosa daquelas decisões de indeferimento de pedido de reembolso de IVA.
Sendo que existem decisões expressas opostas.
Na verdade, no acórdão recorrido entendeu-se que a impugnação judicial é o meio processual adequado se estiver em causa um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, pois caso contrário o meio adequado é a acção administrativa especial.
Como, no caso concreto, o acto impugnado não comportava a apreciação da legalidade de um acto de liquidação e se considerou que não era possível a convolação, por intempestividade da ação, o acórdão recorrido confirmou a decisão da 1ª instância de rejeição da impugnação judicial por erro na forma de processo.

Já no acórdão fundamento, perante situação com contornos fácticos muito semelhantes, em que havia sido indeferido um pedido de reembolso de IVA e havia sido deduzida impugnação judicial, se entendeu que a impugnação judicial deduzida do acto de indeferimento do pedido de reembolso do IVA não envolve no caso a apreciação da legalidade da liquidação (ainda que de forma mediata) pelo que, em princípio, o meio processual adequado à sua impugnação na via contenciosa deveria ser a acção administrativa especial, como se havia considerado no despacho recorrido.
Porém sublinhou-se no referido aresto que, no caso específico de indeferimento do pedido de reembolso do IVA, o legislador, no uso da sua liberdade de conformação legislativa, entendeu por bem consagrar a impugnação judicial como o meio apropriado à impugnação dos correspondentes actos.
E por isso se decidiu conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que era de convolação em acção administrativa especial, mais se determinando o prosseguimento da impugnação judicial.

Verifica-se assim, quanto a esta questão, a invocada oposição de soluções jurídicas.


10. E verifica-se também o segundo requisito do recurso por oposição de acórdãos, pois atenta a questão suscitada de saber qual o meio processual adequado de impugnação contenciosa de decisão de indeferimento de pedido de reembolso de IVA, não se pode, com segurança, afirmar que o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Estão, assim reunidos todos os requisitos do recurso com fundamento em oposição de acórdãos.

11. Do meio processual adequado para impugnação contenciosa da decisão de indeferimento de pedido de reembolso de IVA.

Decorre do artº 95º, nº 1 da Lei Geral Tributária “o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos segundo as formas de processo prescritas na lei”.
Por sua vez resulta do artº 97º, nº 1, al. d) e nº 2 do CPPT que são impugnáveis “os actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”, e recorríveis os “os actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”.
E na al. p) do nº 2 do mesmo artº 97º do CPPT elencam-se, como actos que são impugnáveis através de acção administrativa especial, o recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação.
Com base nesta formulação legal a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vêem entendendo que a utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial, depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial (vide neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta secção de 14.05.2015, recurso 1958/13, de 02.07.2014, recurso 1950/13, de 28.05.2014, recurso 1263/13, de 29.02.2012, recurso 441/11, de 08.07.2009, recurso 306/09, de 02.02.2005 recurso 1171/04, de 16.02.2005, recurso 960/04 e de 20.05.2003, recurso 305/03, todos in www.dgsi.pt, e ainda a Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag. 713, Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pag. 54.
Esta regra geral de delimitação do campo de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, que se extrai das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97º do CPPT comporta porém, para além das excepções que resultam deste mesmo artigo ao referir a «impugnação» como meio para impugnar contenciosamente alguns actos que não abrangem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, outras excepções que decorrem de normas especiais posteriores à entrada em vigor do CPPT e que vêm indicar que o processo de impugnação judicial é o meio adequado para impugnar determinados actos.
Uma das situações em que isso sucede é a do n.º 13 do art. 22º do CIVA em que se estabelece, com referência ao n.º 11 do mesmo artigo, que das decisões de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA – como a que está em causa nos presentes autos - cabe recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 87º-A (redacção então em vigor, actual 93º) ( Neste sentido Jorge Lopes de Sousa, ob. citada, Volume II, pag . 57.) .
O pedido de reembolso de IVA, formulado nos termos do disposto no art. 22º do CIVA, tem assim uma tramitação própria tendente à prolação de um acto final que procederá à definição do concreto quantum a ser reembolsado, estando previsto um modo de impugnação próprio (Vide, também neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.09.2014, recurso 871/14.) , definido nos termos do artº 87º-A (Redacção então em vigor, actual 93º.) do CIVA, quanto aos prazos e às competências.
Trata-se, como bem se salienta no acórdão fundamento, de opção legislativa que não pode ser ignorada, como o foi no caso em apreço, tanto mais que a redacção do aludido dispositivo legal ( decorrente do artº 28º da Lei nº 32-B/2002 de 30 de Dezembro) é posterior à entrada em vigor do CPPT (cfr. artigo 4.º do DL n.º 433/99, de 26 de Outubro), o que reforça a inequivocidade dessa opção, definindo-se como norma especial que não pode deixar de revogar nesse caso a norma geral constante do artigo 97.º do CPPT (cfr. art. 7.º n.º 3 do CC).

Daí que se conclua que, no caso em apreço, em que está em causa impugnação do acto de indeferimento de pedido de reembolso de IVA, o meio processual adequado será a impugnação judicial e não a acção administrativa especial.
O Acórdão recorrido que assim não entendeu não pode, pois, ser confirmado, impondo-se a sua revogação e a remessa dos autos à 1ª instância a fim de os autos prosseguirem os seus termos para apreciação da impugnação, se a tal nada mais obstar.


12. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o Acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos à primeira instância a fim de prosseguir a impugnação judicial, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Fazenda Pública, salvo quanto à taxa de justiça neste recurso, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2018. – Pedro Manuel Dias Delgado (relator) – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.

Segue acórdão de 22 de Março de 2018:

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Vem a Fazenda Pública, requerer a reforma do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferido nos presentes autos em 21.02.2018 (fls. 241 a 253), invocando o disposto no nº 1 do art. 616º e nº 1 do art. 666º, ambos do Código de Processo Civil.

Alega, em síntese, que no acórdão supra identificado, foi decidido revogar o Acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos à primeira instância a fim de prosseguir a impugnação judicial, tendo a Fazenda Pública sido condenada em custas.

Sendo que o presente processo é uma impugnação judicial, cuja petição inicial deu entrada na Secretaria Central do Tribunal Tributário de Lisboa em 28 de março de 2002.

Assim alega que ao mesmo se aplica o Código das Custas Processuais (CCJ), aprovado pelo DL 224-A/96 de 26/11 [prévio à entrada em vigor do RCP], na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 324/03 de 27/12, dado que estas só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.

Desta forma conclui que deve atender-se ao previsto na al. a) do nº 1 do artº 2.º do CCJ, que contém uma isenção subjectiva, quanto a custas, relativamente ao Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados.

2. Com dispensa de vistos dos Ex.mos Conselheiros Adjuntos, dada a simplicidade da questão a apreciar, cumpre decidir.

3. Tem razão a Fazenda Pública.

Nos termos do Acórdão de fls. 241 a 253, proferido pelo Pleno desta Secção de Contencioso Tributário, foi concedido provimento ao recurso deduzido pela A…………, SA, tendo a Fazenda Pública sido condenada em custas.

Sucede porém que os presentes autos de impugnação judicial deram entrada em 28.03.2002, ou seja na vigência do CCJ aprovado pelo decreto-lei 224-A/96 de 26.11, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo decreto-lei 324/03, de 27.12, as quais só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.

Em face do exposto constata-se um erro de julgamento na condenação em custas, erro que se verifica por não se ter atentado na data da apresentação da petição inicial em 1ª instância.

Ora, visto o disposto no art. 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (DL 29/98, de 11 de Fevereiro), regime de custas anterior à vigência do Dec.Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária.

Sendo que a responsabilidade por custas de entidades públicas, criada pelo decreto-lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, apenas existe nos processos instaurados após a sua entrada em vigor, como resulta do seu artº 14º, nº 1.

Essa entrada em vigor ocorreu em 1 de Janeiro de 2004 de acordo com o nº 1 do artº 16º daquele diploma legal.

Nestes termos, considerando a data da instauração da presente impugnação judicial e os referidos diplomas legais, forçoso é concluir que a Fazenda Pública está isenta de custas pelo que há que reformar, nesta parte, o acórdão de fls. 241/253.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em proceder à reforma do acórdão proferido nos presentes autos no segmento em que condenou a Fazenda Pública em custas, passando a nele constar “Sem custas, por Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1/01/2004 ”.

Sem custas.

Lisboa, 22 de Março de 2018. - Pedro Manuel Dias Delgado (relator) – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Dulce Manuel da Conceição Neto - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.