Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02100/17.9BEBRG 0794/18
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23769
Nº do Documento:SA12018102202100/17
Data de Entrada:08/29/2018
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DE SÃO JOÃO, EPE E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………………, SA intentou, no TAF de Braga, contra o Centro Hospitalar de São João, E.P.E. (doravante CHSJ), acção de contencioso pré contratual onde formulou os seguintes pedidos:
1) A exclusão da proposta da contra-interessada, com a consequente adjudicação do objecto do recurso – Empreitada de Linha de Térmica Cogeração do CHSJ - à sua proposta;
Caso assim não se entenda;
2) Ser declarada ilegal a avaliação e graduação da proposta da contra-interessada e ordenado ao júri a reformulação dos actos de avaliação da proposta.”
Indicou como contra-interessada B………….., S.A.

O TAF julgou a acção improcedente.

E o TCA Norte, para onde a Autora apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora instaurou a presente acção pedindo a exclusão da proposta apresentada pela contra-interessada no concurso supra identificado com a consequente adjudicação do seu objecto à sua proposta e, não sendo tal decidido, que se declare ilegal a avaliação e graduação dessa proposta e se ordene a reformulação da sua avaliação.
Alegou a ilegalidade do acto de adjudicação por a proposta vencedora, infringindo o disposto no CCP e no PC, conter Catálogos Técnicos redigidos em língua estrangeira, o que deveria ter determinado a sua imediata exclusão, e que, se assim se não entendesse, se pontuasse essa proposta no parâmetro “Características técnicas dos materiais” com 0 (zero) pontos.

O TAF julgou a acção improcedente pela seguinte ordem de razões:
Ora, examinado quer a proposta da Autora quer a proposta da Contra-Interessada constata-se que ambas apresentaram “Catálogos Técnicos”; sendo que a ausência/falta de tais catálogos não determinaria a exclusão de nenhuma das propostas em causa, na medida em que tais “Catálogos Técnicos” não eram documentos obrigatórios que deveriam acompanhar as propostas apresentadas no âmbito do procedimento pré-contratual in casu.
….
Com efeito, os “Catálogos Técnicos” não constavam dos documentos da proposta (nem consubstanciam atributos desta), não sendo sequer condição de admissão das mesmas. Acresce, que nenhum concorrente foi descriminado no procedimento concursal, em virtude de ter apresentado “Catálogos Técnicos” redigidos em língua estrangeira; tendo sido feito o enquadramento legal de tais catálogos ao abrigo do n.º 3, do art. 58.° do CCP, por remissão da alínea b), do n.º 1, e do n.º 3, do art. 57.°, do mesmo diploma legal.
… no caso em apreço, a Autora alegou a ilegalidade da avaliação (erro sobre os pressupostos de facto), demonstrando discordar da análise de mérito das propostas efectuada pelo Júri do procedimento. Ora, a tarefa avaliativa insere-se no âmbito da margem de livre apreciação da Administração (discricionariedade administrativa enformada pela enunciação de juízos técnicos) e, como tal, insindicável judicialmente, excepto, se devidamente comprovada a existência de erro grosseiro em tal tarefa avaliativa.
Assim sendo, e não tendo este Tribunal descortinado a ocorrência de erro ostensivo nem manifesto na avaliação que o Júri do procedimento fez das propostas; forçosamente se conclui que o acto de adjudicação é válido e legal.

A Autora apelou para o TCA SUL mas este negou provimento ao recurso com um discurso fundamentador de que se destaca o seguinte:
“…
Ora, no procedimento pré-contratual em análise, o Programa do Procedimento definiu como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa …. tendo em consideração os factores preço (com uma ponderação de 60%), a valia técnica da proposta (com uma ponderação de 35%) e o programa de trabalhos (com uma ponderação de 5%).
E no respectivo artigo 10.º identificou os elementos/documentos que obrigatoriamente deveriam acompanhar/integrar as propostas, sob pena de exclusão … : (i) declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, emitida conforme modelo constante do Anexo I ao presente Programa de Procedimento e (ii) preço proposto; (iii) lista de preços unitários, com o ordenamento dos mapas resumo dos trabalhos a realizar; (iv) memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra (v) prazo de execução da empreitada. Estes e só estes.
Do que se deduz que, desse modo, em sintonia com o CCP e o caderno de encargos, pretendeu-se vincular os concorrentes, entre outros aspectos, à apresentação dos documentos que contenham os aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, ou seja, às concretas prestações ou tarefas que os concorrentes se comprometem a efectuar em troca da celebração do inerente contrato.
Pelo que os catálogos técnicos, não obstante o PP os mencionar no artigo 6.º, como elementos de suporte na avaliação do parâmetro “Características técnicas dos materiais” do item “Avaliação Técnica da Proposta (Instalações e Equipamentos Mecânicos e Materiais) ” ….. não foram anunciados aos concorrentes como documentos de junção obrigatória, sob pena de exclusão.
Cabendo, assim, configurá-los como documentos de apresentação facultativa, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 57.º do CCP.
Até porque, no caso, a CI para além de se ter vinculado, mediante a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, às características dos Equipamentos e Materiais definidas no mesmo …. não deixou de identificar equipamentos e materiais nos demais documentos de apresentação obrigatória, por exemplo, na memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra e no Plano de Trabalhos.
Neste seguimento, não tendo o PP imposto expressamente a junção dos referidos catálogos com os demais documentos indicados no artigo 10.º, designadamente os relativos aos atributos das propostas, ficam os mesmos subtraídos à regra de redacção na língua portuguesa – artigo 58º nº 1 do CCP e artigo 9.º, n.º 1, do PP.
…..
Assim, e em síntese, nada referindo o programa do procedimento quando à obrigatoriedade de os catálogos, enquanto documentos de apresentação facultativa – n.º 3, do art. 57.º do CCP – deverem ser redigidos em língua portuguesa, não ocorre a causa de exclusão da proposta da CI invocada pela Recorrente ao abrigo do disposto no art.º 146.º, n.º 2, alínea e), in fine.
De qualquer maneira, mesmo que se considerasse que os catálogos técnicos tinham de ser redigidos em língua portuguesa por serem documentos obrigatórios nos termos do disposto na alínea b) do artigo 57.º do CCP – como sustenta a Recorrente – ou por, ainda que de natureza facultativa, serem relevantes para a avaliação das propostas, inexiste, no caso, causa de exclusão da proposta da CI.
É que, como ficou provado, a CI apresentou “Catálogos Técnicos” com a sua proposta, exclusivamente redigidos em português – v.g. respeitantes às “Bombas”, ao “Isolamento” e aos “Equipamentos” – apenas estando redigidos em língua estrangeira os concernentes aos “Tubos” e ao “Ecoterme”.
Termos em que têm de improceder os fundamentos de impugnação da sentença recorrida.”

3. Está em causa a questão de saber se, em procedimento de formação de contrato de empreitada, a apresentação de propostas com documentos redigidos em língua estrangeira determina a sua exclusão.
O Acórdão recorrido – sufragando a decisão do TAF – considerou que os documentos redigidos em língua estrangeira apresentados pela C.I. não eram obrigatórios (Facto que ficou a constar do ponto 17 da M.F.) e que, por o não serem, a sua apresentação nessa língua não podia determinar a sua exclusão nem a sua desvalorização em sede de pontuação. Ao que acrescia que aCI para além de se ter vinculado, mediante a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, às características dos Equipamentos e Materiais definidas no mesmo …. não deixou de identificar equipamentos e materiais nos demais documentos de apresentação obrigatória, por exemplo, na memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra e no Plano de Trabalhos.” Em qualquer caso, mesmo que tais catálogos tivessem de ser redigidos em língua portuguesa por serem documentos obrigatórios ou, ainda que de natureza facultativa, por serem relevantes para a avaliação das propostas, inexistia razão para a exclusão da proposta da CI por esta ter apresentado os “Catálogos Técnicos” respeitantes às “Bombas”, ao “Isolamento” e aos “Equipamentos” redigidos em português, apenas estando redigidos em língua estrangeira os concernentes aos “Tubos” e ao “Ecoterme”.
Ora, tudo indica que a lei foi correctamente aplicada in casu pelo que a admissão da Recorrente revista não é necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, a questão suscitada não tem uma tal relevância jurídica que mereça, por si só, a intervenção deste Supremo Tribunal.
DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 22 de Outubro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.