Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0981/10.6BESNT
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27132
Nº do Documento:SA2202102030981/10
Data de Entrada:11/23/2020
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………, Lda., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23 de abril de 2020, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2003, no valor de €58.102,55.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) O presente recurso de revista excepcional tem como objecto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 23-04-2020,o qual, com declaração de voto do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Benjamim Barbosa, acorda negar provimento ao recurso jurisdicional interposto e confirmar a sentença recorrida do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida a 30-09-2018, que decidiu julgar improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2003 da Recorrente, por entender que "a administração tributária cumpriu com o ónus da prova que sobre ela impendia, elencando de forma exaustiva um conjunto de indícios que põem em causa a idoneidade das facturas [D) e E) dos factos assentes], contabilizadas pela Impugnante e emitidas por B………….

B) Prossegue o acórdão recorrido: "(...) incumbia à Impugnante o ónus de demonstrar a efectiva prestação dos serviços (...); não logrou fazer prova de qualquer facto (…) contrárioʺ.

C) Sob escrutínio da presente Revista Excecional está a questão de saber qual ou quais as consequências jurídicas que recaem sobre matéria de facto produzida em audiência de julgamento e que, no entender da Recorrente, foi objecto de uma má aplicação do Direito, tanto pelo Tribunal de 1.ª Instância, como pelo Tribunal recorrido e, por deficit de fundamentação do julgamento da matéria de facto, bem como precedido de erro de apreciação da prova produzida em audiência de julgamento na 1.ª Instância, designadamente, ocorrido contra o depoimento da testemunha C………….

D) Com efeito, no acórdão recorrido não existe uma análise crítica, por parte do Tribunal recorrido, dos factos levados às conclusões da Recorrente em sede de recurso para a 2.ª Instância, ou sobre a fundamentação do julgamento da matéria de facto, levado à sentença da 1.ª Instância.

E) Efectivamente, conforme referido fls. 83 a convicção do Tribunal recorrido assentou apenas "no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor (…)".

F) Ora, é censurável, tanto por um, como por outro Tribunal, o menosprezo directo da prova produzida em audiência de julgamento, concretamente, no que ao depoimento da testemunha C………… diz respeito, como acima já se disse.

G) Ademais, quando tal depoimento, se considerado e levado a contraditório, pelo Tribunal recorrido, decerto influiria na boa decisão da causa.

H) Não se olvide que, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al a) do CPC, ex vi artigo 2.º n.º 2, al. e) do CPPT, o Tribunal Superior "deve ainda, oficiosamente: ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento.".

I) O que não aconteceu! Pois o Tribunal recorrido limitou-se a ordenar a junção da gravação do depoimento de C…………, prestado em audiência e julgamento de caso diverso, sem a ter submetido aos debates, para depois julgar como não provada a verdade das facturas emitidas por por B………… (...), afirmada com toda a clareza no depoimento em questão.

J) Ora, não pode deixar de considerar-se a necessidade de uma melhor aplicação do direito do caso, na circunstância dada do erro de julgamento patente, tanto da 1.ª Instância como da 2.ª Instância, no âmbito e alcance legais desta revista excecional.

K) A este incontornável erro de condução dos debates em audiência, subtraindo ao contraditório a gravação do depoimento de C…………, depois, erro de julgamento consequente acrescem outros motivos de entorse ao direito do caso, cometidos no acórdão recorrido.

L) Neste sentido, vai que o acórdão recorrido se limitou, tal como resulta da sua própria motivação do julgamento da matéria de facto, aos documentos juntos aos autos e ao relatório da inspeção tributária.

M) No entanto, nos autos não estão senão, e no que mais nos importa, as facturas ditas falsas e na verdade o relatório da inspeção tributária que como falsas as indicia.

N) E, relatório que indicia estas facturas como falsas, sem qualquer motivo racional aceitável por um bonnus pater famílias.

O) É que não são as circunstâncias referidas nesse relatório da inspeção tributária (instabilidade de sede e instalações, mesmo da orgânica da empresa de B…………) quais, no contexto industrial da construção civil, a poderem justificar tão temerário ponto assente.

P) Com efeito, tal como acentua o Ilustre voto de vencido, a mobilidade e plasticidade da intervenção de "subempreiteiros" ou "fornecedores da obra", no decorrer de um empreendimento imobiliário, afasta uma antiga, e já completamente fora de moda, rigidez empresarial.

Q) Pode e deve dizer-se que o raciocínio dito pericial, por antonomásia da inspeção tributária, está de todo descontextualizado e foi e é, por isso, um suposto da tarefa inaceitável, porque errado frente à vida real, tal como acontece no quotidiano da construção civil.

R) Esta crítica que a Recorrente faz ao relatório pode entretanto ser expandida, e tida em conta em adverso dos demais critérios (de experiência comum) utilizados no relatório dito: não foi o melhor dos bom-sensos a que a inspeção se submeteu e a dirigiu.

S) Logo, mais um motivo, e este muito importante, para uma revista excecional: os Tribunais, o Tribunal recorrido, não podem de direito institucional, ou seja, de bom direito, fazer copy paste de um documento administrativo, naturalmente parcial ou no interesse da burocracia de Estado e, sobretudo, apresentado em juízo dessa mesmíssima maneira, isto é, como "parecer e posição" de uma das partes.

T) Em suma, a Recorrente critica, no fundamental, dois aspectos:

(i) A desconsideração do contraditório, quanto a depoimento prestado em audiência diversa, que o Tribunal considerou ter interesse para a discussão da causa - por isso mesmo, inutilidade argumentativa desse depoimento para a boa justiça do caso, inutilidade a que aliás o Tribunal obedeceu, não referindo a influência desse mesmo depoimento na convicção dos julgadores;

(ii) A mimetização de uma opinião ou parecer de parte -relatório da inspeção da Autoridade Tributária- que decorreu do erro da condução dos debates em audiência, precisamente, por não ter sido levada ao contraditório a gravação do depoimento de C………….

U) Ora, se pelo contrário tivesse ocorrido, no julgamento de 1.ª Instância, esse debate contraditório a que acima a Recorrente se referiu, a aplicação do direito seria mais justa, e antes de mais ajustada a uma apreciação crítica do próprio relatório da inspeção tributária, que se veria confrontado com factos e supostos divergentes daqueles que mal convenceram, os autores, funcionários do fisco.

V) Trata-se, pois, de erro de julgamento originado em erro de processo da audiência que consequentemente viciou e vicia a aplicação do direito do caso, com injustiça para o contribuinte, aqui ora Recorrente.

W) Mesmo assim, insiste a Recorrente, os supostos da apreciação feita à falsidade das facturas indicadas nos ponto D) e E) da matéria provada não resistem à regra de confronto com os "dados da experiência comum": estão desfasados da prática industrial da construção civil e nos termos do que já ficou concluído.

X) E, como erro de julgamento, em todos estes tópicos, identifica-se uma desconformidade com a lei do acórdão recorrido, quando confirmou a sentença de 1.ª Instância e manteve o quantum do imposto e juros a pagar pela Recorrente.

Y) O acórdão recorrido infringiu o disposto no artigo 95.º n.º 3 do CPPT, e o constitucional princípio do contraditório, segundo os artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 4 da CRP -due process of law.

Z) Por conseguinte, confirmando-se o preenchimento dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excepcional, claramente necessário para a uma melhor aplicação do direito, deve o mesmo ser admitido nos termos do artigo 285.ª do CPPT.

AA) Na sequência, V.Exas. reformarão o acórdão recorrido, para que seja julgada procedente esta impugnação deduzida contra a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2003 da Recorrente.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser admitido o presente recurso de revista excepcional, por se verificarem os respectivos pressupostos da sua admissibilidade, e posteriormente julgado, segundo o DIREITO e a JUSTIÇA, nos termos e ao abrigo do artigo 285,2 do CPPT.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da não verificação dos pressupostos de que depende a admissão do recurso com a seguinte fundamentação específica:

A, ora, recorrente interpôs recurso da sentença do TAF de Sintra para o Tribunal recorrido (TCAS), concluindo, em síntese, que:

-Ocorre nulidade da sentença por falta de fundamentação ao omitir a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz, bem como ao não proceder à análise crítica da prova;

-Ocorre erro de julgamento da matéria de facto;

-Ocorre erro de julgamento quando o Tribunal recorrido concluiu que, no caso, a AT recolheu indícios sérios da existência de facturação falsa, emitida em 2003, pelo sujeito passivo B………….

O Tribunal recorrido (com um voto de vencido) julgou não verificada a nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação e quanto ao erro de julgamento da matéria de facto alterou a alínea A. do probatório, sendo que quanto à última referida questão suscitada entendeu que a AT demonstrou os pressupostos da sua atuação, cumprindo o seu ónus de prova, nos termos do artigo 74.º da LGT e que a impugnante/recorrente não logrou provar que os serviços descritos nas faturas mencionadas nas alíneas D. e E. do probatório correspondem à realidade.

A recorrente pretende que o STA reaprecie a “questão de saber qual ou quais as consequências jurídicas que recaem sobre a matéria de facto produzida em audiência de julgamento e que, no entender da recorrente, foi objeto de má aplicação do direito, tanto perante o tribunal de 1.ª instância como pelo tribunal recorrido, e por défice de fundamentação do julgamento da matéria de facto, bem como precedido de erro de apreciação da prova produzida em audiência de julgamento na 1.ª instância, designadamente, ocorrido contra o depoimento da testemunha C………….

A recorrente, nas alegações do presente recurso, em síntese, conclui, nomeadamente, que:

-O tribunal recorrido só considerou a prova documental:

-Não relevou a prova testemunhal, especialmente o depoimento da testemunha C…………;

-O depoimento da referida testemunha deveria ter sido levado a contraditório, mediante renovação da prova (questão não, directamente, suscitada perante o TCAS);

-O acórdão recorrido mimetizou, acriticamente, o RIT;

-Ocorre erro de julgamento na decisão da factualidade dada como não provada nas alíneas D. e E. do probatório.

A recorrente sustenta a admissão do presente recurso excepcional alegando que “É manifesta e mais que evidente a necessidade do aperfeiçoamento da aplicação do direito ao caso”.

Ora, como já se enunciou, a admissão do recurso excepcional de revista para uma melhor aplicação do direito tem como pressuposto que a questão a reapreciar tenha capacidade de expansão da controvérsia para além do caso concreto em apreciação, o que não se evidencia da factualidade apurada e de todo o exposto, ressalvado o devido respeito pela posição da recorrente.

Na verdade, a nosso ver, a questão tem natureza casuística e singular.

No que concerne à alegada violação do contraditório quanto ao depoimento da testemunha C………… trata-se de questão nova, não suscitada anteriormente, e que, por isso, não foi, apreciada pelo tribunal recorrido, e, como tal não pode ser apreciada pelo tribunal ad quem.

Por outro lado, ressalvado melhor juízo, no fundo e em substância, o que a recorrente sindica é o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais.

Na verdade, sustenta a recorrente que o tribunal deveria ter relevado o depoimento da testemunha C…………, que se limitou a relevar a prova documental e a mimetizar o RIT e que dos autos não resultam indícios consistentes, sólidos e idóneos que permitam concluir que as faturas em causa nos autos não titulam operações reais.

Ora, como é sabido, o STA não pode sindicar o erro na apreciação das provas e a factualidade apurada ou as ilações de facto tiradas pelo tribunal recorrido, atento o disposto no artigo 285.º/1/4 do CPPT, tendo, apenas, competência para a reapreciação da decisão de direito, em função de toda a factualidade apurada pelas instâncias.

Na verdade, no fundo, a recorrente coloca para resolução neste recurso, a questão de saber se o tribunal recorrido fez uma correta apreciação da prova produzida e se houve erro de julgamento da factualidade dada como não provada nas alíneas D. e E. do probatório e se a factualidade provada nos autos evidencia ou não indícios suficientes de que as faturas em causa não correspondem às operações nelas descritas.

Ora, dos factos-índice apurados, o tribunal recorrido tirou a ilação de facto de que há fortes indícios de que os serviços descritos nas faturas não titulam operações reais e que a recorrente não logrou demonstrar a efetividade das operações.

Perante a factualidade dada como provada e não provada, que o STA não pode sindicar, a decisão de direito do tribunal recorrido mostra-se, absolutamente, plausível, seguindo, aliás, jurisprudência consolidada dos tribunais superiores (Ente muitas outras decisões, acórdãos do PLENO da SCT do STA, de 01/02/2016-P. 0591/15; de 16/03/2016-P. 0400/15 e 0587/15;de 19/10/2016-P. 0511/15; de 16/11/2016-P. 0600/15 e de 27/02/2019-P. 01424/05.2BEVIS 0292/189).

É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1 da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do artigo 240.º do Código Civil.

É, assim, bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais

Não se verificam, pois, em nosso entendimento, e ressalvado o devido respeito pela posição da recorrente, os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista previstos no artigo 285.º do CPPT e atrás devidamente enunciados.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 20 a 85 e 92 da respectiva numeração autónoma).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -


5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

A recorrente interpõe o presente recurso de revista para aperfeiçoamento da aplicação do Direito, nos termos e ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pretendendo que o julgamento da matéria de facto efectuado em 1.ª instância e confirmado, por maioria, no sindicado acórdão do TCA-Sul – que não julgou verificada a alegada nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto fixada, o défice instrutório da sentença e o erro de julgamento invocado quanto ao facto dado como não provado -, se revela errado e justifica a admissão da revista para melhor aplicação do direito.

Terá eventualmente a recorrente compreendido mal os limites fixados pelo legislador ao recurso excepcional de revista, donde, por expressa disposição legal – cfr. o n.º 4 do artigo 285.º do CPPT -, está excluída a apreciação do eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (o que, manifestamente, não é o caso dos autos).

Não podendo o recurso possa ser admitido para reapreciação da matéria de facto e da valoração desta, não se vê como podem ter-se por verificados os pressupostos de que depende a admissão do recurso no caso dos autos, razão pela qual este não será admitido.

Pelo exposto se conclui pela não admissão da revista, em razão da não verificação dos respectivos pressupostos legais.

- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.