Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01101/15
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
DIREITO DE AUDIÊNCIA
Sumário:I - Na pendência do procedimento de inspeção podem ser alterados os fins e a extensão daquele, posto que tal conste de despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, o art.º 15.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro).
II - Verifica-se falta de fundamentação da decisão que determinou o alargamento da acção inspectiva quando foi alargado o âmbito da acção inspectiva, sem que disso fosse dado conhecimento ao contribuinte, pois diz-se «houve necessidade de alargar o seu âmbito» quando o art.º 42.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária apenas prevê que a notificação dos actos de inspecção possa ser efectuada ou no momento da prática dos actos de inspecção ou em momento anterior e nunca em momento posterior, como aqui ocorreu.
III - Tendo em conta, que o sujeito passivo, não foi devidamente notificado através de despacho fundamentado, da alteração dos fins, do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo pela entidade que o ordenou, todas as conclusões referentes ao relatório de inspecção, relativas a tal alargamento são ilegais e, não poderão ter validade fiscal, nem fundamentar qualquer acto de liquidação.
IV - São impugnáveis os actos lesivos praticados no procedimento inspectivo, por desconformes com a lei, ofendendo, em consequência disso, os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da necessidade, ao causar transtornos superiores aos que a realização do direito à tributação implicava, da imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade e da garantia do sujeito passivo em ser constrangido a um procedimento inspectivo confinado aos limites fixados na lei.
V - A falta de credenciação dos inspectores tributários permite a oposição aos actos de inspecção, mas esta só pode exercer-se contra concretos actos de inspecção e não contra actos de inspecção que se desconhecem.
VI - O direito de audição é um direito de exercício facultativo para os contribuintes, cujo não exercício não importa a perda de direitos nomeadamente de contenciosamente reagirem contra os actos tributários ou em matéria tributária que sejam lesivos dos seus interesses patrimoniais e não hajam sido praticados com observância estrita da lei.
Nº Convencional:JSTA00069760
Nº do Documento:SA22016061501101
Data de Entrada:09/14/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART63.
CPA91 ART135.
RCPIT98 ART2 ART4 ART5 ART9 ART14 ART15 ART37 ART40 ART42 ART46 ART47 ART50 ART60.
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra
. 06 de Maio de 2015.


Julgou a impugnação:
a) parcialmente improcedente, por parcialmente não provada, na parte relativa ao proveito omitido em 2009, no valor de 650,00€, mantendo a liquidação de IRC do mesmo ano, nesta parte;
b) parcialmente procedente, por parcialmente provada, anulando as liquidações de IRC dos anos de 2009 (na parte restante) e 2010 e respetivos juros compensatórios.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário
do Supremo Tribunal Administrativo:



O Representante da Fazenda Pública, no processo de impugnação n.º 535/14.8BECBR em que foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação em referência, na parte que diz respeito às correcções à matéria tributável em sede de IRC relativas ao exercício de 2010 – por métodos directos no montante de € 2.870,00 e métodos indirectos no montante de € 45.000,00 – da qual resultou a matéria tributável corrigida para o ano de 2010 de € 68.779,37, veio dela interpôr o presente recurso, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1 – A douta sentença julgou procedente a impugnação em referência, na parte que diz respeito às correcções à matéria tributável relativas ao exercício de 2010, estando em causa a questão da eventual ilegalidade do procedimento inspectivo, por incumprimento do despacho que determinou o alargamento do âmbito da ação inspectiva e que foi comprovadamente conhecido pela impugnante.

2 - A douta sentença recorrida entendeu que, no caso sub judice “… as correções introduzidas à matéria coletável declarada para o ano de 2010 estão inquinadas pela incompetência dos inspetores tributários ou por preterição de formalidade legal essencial, devendo ser anulada a correspondente liquidação de IRC, conforme peticionado, restando prejudicado o conhecimento dos demais vícios que lhe vêm imputados.”.

3 - Com base na interpretação efectuada pela Mmª Juíza do Tribunal a “quo” dos efeitos da aplicação do art. 47° do RCPIT o qual sob a epígrafe "Consequências da falta de credenciação" estatui que «É legítima a oposição aos atos de inspeção com fundamento na falta de credenciação dos funcionários incumbidos da sua realização».

4 - De cuja leitura extrai que a oposição aos actos de inspecção, entendido como verdadeiro direito de resistência, não deve ser considerada “a única consequência legal da falta de credenciação”, mas também que esta falta consubstancia uma “incompetência dos inspetores tributários ou, no mínimo, a preterição de formalidade legal essencial que, nos termos do Art. 99.° do CPPT, constitui vício invalidante dos atos tributários em geral e fundamento de impugnação.”

5 - Porém, salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal interpretação e aplicação do citado normativo legal.

6 – Como se constata dos autos, foi dado cumprimento ao estipulado nos artigos 14º e 15º do RCPIT, não ocorrendo, portanto qualquer vício que possa inquinar o procedimento de inspecção de âmbito geral e parcial que visou a impugnante relativamente aos anos de 2009 e 2010, respectivamente.

7 - A formalidade de prolação de despacho fundamentado a alargar o âmbito da inspecção neste procedimento e a sua notificação ao contribuinte tem em vista, além do mais, que este fique ciente do âmbito desse acto e possa cooperar com a inspecção como a lei dispõe nos termos dos seus art.ºs 9.º e 48.º e segs do RCPIT, em ordem a apurar a sua situação tributária real, nos termos do art.º 63.º da LGT.

8 – A alegada falta do despacho (que não ocorre), ainda assim, não influiria no resultado final da inspecção, nem, verdade seja dita, em qualquer momento do procedimento ou na impugnação, tal é invocado.

9 - À impugnante foi pedida toda a colaboração para o apuramento da verdade, não tendo, apesar de notificada para tal, exercido o seu direito de audição relativamente ao apurado no projecto de relatório da inspecção.


10 - No entanto na decisão de que se recorre é levantada a questão da eventual falta de credenciação dos inspectores tributários e dos seus efeitos nos actos por estes praticados.

11 - Desde logo a abordagem feita à norma do artº 47º do RCPIT parte do princípio de que o legislador teria dito menos do que pretendia. O que fica por comprovar já que não se encontra, nem é invocada, uma correspondência verbal mínima que permita esta interpretação extensiva, com o sentido de que se manteria, ad aeternum, a preterição de formalidade essencial invalidante dos actos praticados.

12 - Sendo certo que ao intérprete se exige a integração sistemática da norma interpretada, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, não é menos verdade que o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, de forma constante, a considerar que as formalidades procedimentais previstas em lei sendo, em princípio, essenciais, se degradam em meras irregularidades, nos casos em que, apesar da sua deficiência, foi atingido o fim que a lei pretendia.

13 - A impugnante prestou a sua colaboração com a fiscalização nesse âmbito alargado sem jamais haver colocado em causa a falta de tal despacho ou a sua extensão alargada. Não tendo, em qualquer fase do procedimento, colocado em causa os actos dos inspectores tributários. Nem em sede de impugnação, pois nesta só se refere à ilegalidade (reitera-se, não existente!) resultante da alegada inexistência de despacho e da sua notificação prévia, só daqui resultando a alegada falta de credenciação.

14 - Em todo o caso, o que se discute e pretende ver decidido são os efeitos de uma eventual falta de credenciação.

15 - O artº 47.º do RCPIT, já citado, estatui que a falta de credenciação de funcionários para a prática de actos de inspecção tributária tem como consequências a legitimação da oposição do visado aos actos que se pretendem praticar.

16 - Entende a Mmª Juiz que a norma deve ter uma interpretação extensiva, no sentido de que não deve ser considerada “a única consequência legal da falta de credenciação”, mas também que esta falta consubstancia uma “incompetência dos inspetores tributários ou, no mínimo, a preterição de formalidade legal essencial que, nos termos do Art. 99.° do CPPT, constitui vício invalidante dos atos tributários em geral e fundamento de impugnação.”

17 - Com todo o respeito que merece este entendimento, não o acompanhamos, pelo contrário. Entendemos que quando o legislador optou por esta redacção da norma e no prudente balanço que se lhe impõe entre os direitos e deveres que impendem sobre a actuação de Administração e Administrados, pretendeu suficiente a oposição dos visados à prática dos actos, sem o que a actuação da Administração ficaria validada, degradando-se em formalidade não essencial qualquer vício formal da credenciação.

18 – Vai neste sentido a decisão tomada em 10.07.2012, no processo 33/2012-T, do CAAD, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/, no qual foi árbitro presidente e relator o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e que se debruça especificamente sobre a regularidade do procedimento de inspecção e de que antes se cita a parte relevante.

19 - Destarte, é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença na parte recorrida não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência parcial da impugnação judicial, por não estar a liquidação ora em apreço ferida de ilegalidade, sendo que esta por ser legal, deverá manter-se na ordem jurídica.



Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA


O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

A Sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A. No dia 23.05.2012 foi emitida a ordem de serviço n.º OI201200716, nos termos da qual foi determinada a realização de procedimento de inspeção externa à impugnante, de âmbito parcial em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2009 – fls. 1 do p.a.

B. A Ordem de Serviço referida na alínea antecedente foi assinada pelo TOC da impugnante no dia 06.06.2012, como se constata a fls. 1 do p.a.

C. No dia 11.09.2012, o mesmo TOC assinou o documento de fls. 2 do p.a..

D. No documento referido na alínea antecedente dava-se a conhecer que a Ordem de Serviço n.º OI201200716, notificada em 06.06.2012 era alterada, «com os seguintes fundamentos: De acordo com a análise efectuada, constatou-se que houve necessidade de alargar o âmbito da acção para a recolha de elementos de terceiros», ali também se fazendo constar que o procedimento inspetivo incidia sobre os exercícios de 2009 e 2010 sendo de âmbito geral, quanto ao primeiro, e parcial, quanto ao segundo.

E. No âmbito da ação inspetiva acima mencionada foi elaborado o relatório final de fls. 21 a 32 do p.a., do qual se destaca o seguinte:
«(…)
4 - Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
Na análise efectuada aos períodos de 2009 e 2010 dado os factos descritos no ponto III e IV, a contabilidade não permite comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável de imposto sobre o rendimento, pelo que se propõe a sua determinação por métodos indirectos, nos termos dos art.s 57° do CIRC, com os cálculos apresentados no ponto V do presente relatório.
Propõe-se assim a correcção de €52.372,50 (7.372,50+45.000,00) e de €47.870,00 (2.870,00+45.000,00) à matéria colectável declarada, tendo em conta as correcções meramente aritméticas propostas no ponto III e as indiretas proposta no ponto IV, respetivamente em 2009 e 2010, passando assim o lucro tributável:
(…)
É ainda proposta a correcção de 10.485,04 euros às tributações autónomas de IRC no ano de 2009, conforme descrição no ponto III.2 do relatório.
II - Objectivos, âmbito e extensão da acção de inspecção
1 - Credencial e período em que decorreu a acção
Em cumprimento da ordem de serviço número 01201200716 de 23/05/2012, para o ano de 2009, efectuou-se um procedimento de inspecção ao Sujeito Passivo (S.P.) A……………, SA, doravante A……………., PII, SA, (…).
A presente acção iniciada em 06/06/2012 e com alteração de âmbito, comunicada em 11/09/2012 e concluída em 12/10/2012.
2 - Motivo, âmbito e incidência temporal
O âmbito deste procedimento de inspecção é geral, nos termos da al. b) do art. 14° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo D.L. nº 413/98 de 31/12, abrangendo o ano de 2009.
O motivo da selecção do contribuinte para análise foi a verificação de divergências entre os valores constantes da declaração modelo 11 e a declaração empresarial simplificada (IES).
No decurso da ação verificou-se a necessidade do alargamento do âmbito e tendo-se detectado inexactidões na contabilidade em 2009 extensíveis a 2010, foi tal facto notificado ao contribuinte em 11/09/2012.
III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Foram detetadas as seguintes incorrecções na declaração de rendimentos modelo 22 do ano de 2009 e 2010
Encargos contabilizados em 2009 e 2010 relativos a ajudas de custo e deslocações e não dedutíveis para efeitos fiscais
O contribuinte contabilizou o montante de 622,50 euros na conta …………, em 2009 e 140,00 euros em 2010, referente a ajudas de custo pagas a funcionários (anexo 1 cópia de extrato da conta da contabilidade e cópia de documentos exemplificativos).
Dado que este montante referente a ajudas de custo e deslocações pagas a funcionários sem mapa justificativo, não foi considerado rendimento do trabalho do trabalhador e não foi imputado a clientes, não é um encargo dedutível para efeitos fiscais, nos valores acima referidos, e assim, nos termos do art. 45°, nº 1, al f) do CIRC, este montante deveria ter sido acrescido no quadro 7 da declaração modelo 22 (declaração prevista no art. 120° do CIRC).
No entanto, estes montantes não são tributados autonomamente nos termos do nº 9 do art. 88° do CIRC, pois o S.P. não apresenta prejuízo fiscal nestes períodos de tributação.
2 - Saída de caixa de dinheiro em 2009 sem contrapartida esclarecida
A conta da contabilidade denominada "….. - fornecedores de imobilizado c/c – B………….., Lda." em 2009 diminuiu em 20.970,07 euros.
A justificação para este movimento é o documento 330, que é uma cópia de um balancete razão e em que consta a menção acerto cont."; "2002 saldo 20.970,07", ou seja, um documento interno que serviu de base à contabilização do "acerto" na conta …….." no valor de 20.970,07 euros por saída da conta da contabilidade caixa (anexo 2).
Em cruzamento de informação, a empresa "B……………., Lda." (Despacho nº 0120120723) verificou-se que esta empresa, que tem os mesmos sócios/ administradores, não tem nos seus extratos da contabilidade na conta deste devedor, A………….., PII, SA, refletido este movimento (extratos em anexo 3).
Note-se que, o contabilista de ambas as empresas é o mesmo, e como justificação do acerto constante desta empresa este apresentou cópia dos balancetes razão de 31 de Dezembro de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2009 (anexo 4);
Mas o contabilista não explica porque:
- um acerto foi efetuado numa empresa (e com os balancetes razão apresentados como justificação para o movimento, não se percebe a necessidade desse acerto);
- sem reflexo na empresa em que na contabilidade a divida existia e que a ser verdadeira este movimento deveria ter diminuído ou ser menor;
- e na realidade, o que temos é uma saída de caixa que corresponde a uma diminuição dos fluxos financeiros da empresa sem que se saiba quais são os verdadeiros receptores desse dinheiro, pois quem é identificado com o receptor do dinheiro não é confirmado na sua contabilidade.
Trata-se assim de um movimento contabilístico com enquadramento nas denominadas despesas não documentadas, porque:
- há um fluxo monetário de saída de dinheiro desta empresa como contrapartida de uma diminuição de uma dívida a uma empresa em que existe relações especiais entre as empresas;
- porém na contabilidade da empresa em que o fluxo monetário deveria ter entrado tal não aconteceu;
- demonstrando-se, assim, que esse fluxo monetário constitui uma despesa não documentada, cuja tributação encontra-se prevista no nº 1 do art. 88° do CIRC, e assim propõe-se em 2009 a tributação autónoma de 50% deste valor, ou seja, no valor de 10.485,04 euros.
Note-se que como esta despesa não documentada não correspondeu no ano de 2009 a um gasto contabilizado logo não é proposta a correcção nos termos do art. 23° do CIRC e logo não se efetua a correcção ao quadro 7 da modelo 22 desta declaração.
3 - Pagamento de honorários a advogado sem constar da contabilidade recibo, factura ou documento equivalente.
O documento 11 de 2010 da contabilidade da empresa (cópia em anexo 5) é um pagamento por transferência bancária para a conta de C…………….. no montante de 480 euros, e foi contabilizado como gasto na conta da empresa "…….. - honorários com IVA não dedutível", cujo documento suporte é uma carta do advogado a debitar honorários neste valor, afirmando estar incluído o IVA à taxa de 20%, e referindo o processo nº 1074/09.4TBCBR.
Ora, a empresa efetuou este pagamento em Janeiro de 2010 por transferência bancária sem:
- ter em sua posse o factura ou documento equivalente referente aos honorários, obrigatório nos termos do n.º 4 do art. 115° do CIRS;
- sem reter na fonte - trabalho independente - categoria B, à data do pagamento na taxa de 20% (conforme o disposto no art.101° do CIRS);
- sem incluir igualmente estes pagamento na declaração modelo 10 (obrigatório nos termos do art. 119° do CIRS);
E não está patente na contabilidade desta empresa que este exfluxo da conta bancária tendo como justificação um documento sem forma legal em que consta que alguém que se diz ser advogado cobra uma quantia a título de honorários seja um gasto nos termos do art. 23° do CIRC.
Ou seja, não se comprova na contabilidade que este exfluxo:
- consista num gasto comprovadamente indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, nos termos do art. 23° do CIRC;
- e não é um encargo devidamente documentado, pois nos termos do art. 115° nº 4 do CIRS, a empresa estaria obrigada a ter em sua posse factura ou documento equivalente, logo é um encargo não devidamente documentado nos termos do art. 45°, nº 1, al. g) do CIRC, pelo que, este montante deveria ter sido acrescido ao quadro 7 da declaração modelo 22 entregue em 2010, no ano em que foi contabilizado como gasto contabilístico no valor de 480 euros.
4 - Omissões de registo de proveitos relativos a contrato de promessa de compra e venda
O S.P. em 2009 alienou no mesmo dia e em escrituras sequenciais, os seguintes bens (e registou na conta proveitos ……, pelo valor constante da escritura):
(…)
O artigo 12689 fracção H da freguesia de ……………. encontrava-se contabilizado em inventário de terrenos e obras e o artigo 10841 -C, entrou em sua posse dado o seu recebimento por permuta na primeira escritura realizada.
O valor de venda constante na escritura do imóvel identificado pelo artigo 12689 fracção H foi de 490.000,00 euros dos quais 160.000,00 euros foram pagos por cheque e foi atribuído o valor de 330.000,00 euros ao apartamento permutado.
Na segunda escritura realizada no mesmo dia, o contribuinte vende o apartamento que tinha recebido na escritura anterior, Art. 10841-C, exactamente pelo valor atribuído na permuta de 330.000,00 euros, atrás referida, e fica com o apartamento 10841-D, também em resultado de permuta, e também da freguesia de ……………, e que é valorizado em 245.000,00 euros (valor patrimonial à data de 131.808,43 euros).
Quanto a este apartamento (art.10841 fracção D) a empresa A……………, PII, SA já tinha assegurado a sua venda através do contrato de promessa de compra e venda pelo montante de 245.000,00 euros, com o 2° outorgante da primeira escritura realizada nesta data, o Sr. D……………., (em anexo 6 cópia do contrato de promessa de compra e venda).
Neste contrato promessa de compra e venda, realizado em 13 de Março de 2009, entre a empresa A…………… PII, Lda., e o 2° outorgante D…………., pode ler-se no ponto 3.1, que:
"O preço em falta, no montante de 200,000,00 euros (duzentos mil euros) será pago até à realização da escritura) o segundo outorgante entregará mensalmente e sucessivamente a quantia de 750,00 € (setecentos e, cinquenta euros), durante 12 meses. No acto da escritura pagará a quantia ainda em falta de 200.000,00 euros (duzentos mil euros).
Ora na contabilidade da empresa não foi declarado nenhum proveito referente a estes pagamentos, de 750 euros por mês, efetuados pelo 2° outorgante à empresa, o que distribuídos por 2009 e 2010 ascendem a 9.000,00 euros.
Dada esta situação inquiriu-se o 2° outorgante para questionar se efectivamente tinha efectuado estes pagamentos mensais e a que titulo, e se tinha reavido esse dinheiro, porque em 2010 houve uma posição de cessação contratual e o negócio foi realizado com um terceiro.
Este montante foi-nos dito pelo contribuinte 2° outorgante que foi por si pago à empresa durante os doze meses, em dinheiro a titulo de compensação pelo facto da empresa ter aceite a permuta do imóvel no negócio inicial (a venda do Art. 12689-H da freguesia de ………….), permuta essa que apesar de ser um bem logo vendido envolveu, nessa venda, uma segunda permuta (a do bem art.10841 fracção D).
Inquirido em termo de declarações de 26/07/202, (anexo 7) para esclarecer esta situação, dado que estes proveitos não constam da contabilidade, o sócio gerente Sr. E………… (o sócio que consta como 1° outorgante nas escrituras, em representação da empresa) acerca destes valores afirmou que iria averiguar esta situação e esclareceria no prazo de 15 dias por escrito para a direcção de finanças de Coimbra, porém não o fez.
No entanto como a ação foi alargada ao ano de 2010 (dado esta omissão de proveitos também ter reflexos em 2010), na data em que comparecemos no local onde nos foi pedido para nos dirigirmos para vermos a contabilidade, o gabinete da técnico oficial de contas, pedimos o inventário de produtos de 2010 e de 2009 (que ainda não tinha sido apresentado e que constava nos elementos a enviar no termo de declarações) tendo o técnico oficial de contas referido que iria deixar na Direcção de Finanças alguns elementos solicitados nesse termo de declarações.
No dia 14/09/2012, foi entregue na portaria da Direcção de Finanças um envelope com os elementos que relacionamos em anexo 8. Porém não consta qualquer esclarecimento da empresa acerca desta omissão detetada de proveitos.
Assim foi omitido os rendimentos nos períodos de 2009 e 2010 no montante de 9.000,00 euros, o que infringe o art. 17, n.º 3, al. b) e art. 20° ambos do CIRC, dado que o S.P. obteve rendimentos na sua actividade que não reflectiu na sua contabilidade.
Supondo que o S.P. começou a efetuar os pagamentos em Abril de 2009, com base no contrato de promessa de compra e venda, corresponde a 9 meses em 2009 e 3 meses em 2010. E assim a omissão de proveitos em 2009 ascende a 6750 euros e a omissão de rendimentos em 2010 ascende a 2250 euros.
5 - Resumo das correcções meramente aritméticas propostas nos pontos anteriores:
(…)
E ainda a tributação autónoma descrita no ponto III.2 do presente relatório relativo a despesas não documentadas previsto no art. 88° do CIRC, no valor de 10.485,04 euros.
IV - Motivo e exposição dos factos que implicaram o recurso a métodos indirectos
1 – Empréstimos à empresa efectuados pelos administradores
Na contabilidade em 17/03/2009 consta o empréstimo de 45.000,00 euros efectuado genericamente à empresa pelos administradores e cujo documento da contabilidade é um depósito em numerário neste valor (anexo 11), o administrador Sr. E……….. foi questionado acerca de qual dos administradores tinha efetuado o empréstimo e se os administradores conseguiam provar que este dinheiro emprestado à empresa tinha tido origem nas suas contas particulares (anexo 7).
Inquirido em termo de declarações de 26/07/2012, (anexo 7) para esclarecer esta situação, o administrador Sr. E……………, afirmou que empréstimo é de ambos os administradores em partes iguais, mas quanto à prova da origem desses fundos iria esclarecer no prazo de 15 dias por escrito para a direcção de finanças de Coimbra, porém não o fez.
Conforme já referido anteriormente, no dia 14/09/2012, foi entregue na portaria da Direcção de Finanças um envelope com os elementos que relacionamos em anexo 8, e quanto aos elementos justificativos dos empréstimos "dos sócios" no valor de 45.000,00 euros foram apresentados os seguintes documentos (anexo 9):
- dois movimentos de uma aplicação da conta de F……………. (em principio será uma conta da esposa do sócio E……………) uma no valor de 7000,00 euros (datado de 2008/10/14) outra no valor de 18.000,00 euros (datado de 2008/10/14) e um levantamento em numerário em 14/10/2008, de 25.000,00 euros (7000+18000) em nome desta senhora;
- uma cópia de um extrato da conta bancária do sócio G…………. de Março de 2009, com um resgate de unidades de 9.404,76 euros. E uma cópia do extrato dessa conta em Agosto de 2009 em que já não consta esse valor.
Assim em resumo temos como justificação de empréstimos de administradores no valor de 45.000,00, depositados em dinheiro em 17/03/2009, o montante de 34.404,76 euros (25.000,00 euros mais 9.404,76 euros):
- Um levantamento em numerário de 25.000,00 euros em 14/10/2008, que se foi emprestado à empresa (entrada em dinheiro), esteve em parte incerta desde Outubro de 2008 até Março de 2009, data em que o administrador pretende aparentemente demonstrar que esse dinheiro entrou na empresa;
- Um resgate que em Março de 2009 ainda estava em nome da administradora e deixa de estar em Agosto de 2009;
Estes movimentos demonstram que os administradores eventualmente tem dinheiro para emprestar a esta empresa, e isto não foi, nem é questionado, mas já não demonstram que 2009/03/17, data do depósito na conta da empresa de 45.000,00 euros em numerário, que o dinheiro que na contabilidade foi emprestado à empresa teve inequivocamente origem em contas dos administradores.
Note-se, ainda, a coincidência desta entrada de dinheiro "vivo" na empresa depositado em 17/03/2009, com a venda de duas frações (em 16/03/2009) e a justificação da origem de dinheiro das contas dos sócios, que no mínimo deixa grandes dúvidas que a origem desse, deposito esteja em contas de administradores e ou seus familiares.
2 - Indícios de omissões de outros proveitos na contabilidade
Na descrição dos factos no ponto III.4 deste relatório, onde se verificou a existência de omissão de registo de rendimentos na contabilidade, detectou-se os factos a seguir relatados.
Na contabilidade da empresa estão reflectidos os seguintes factos relativos ao apartamento correspondente ao artigo 10841 fracção D de ………….:
- a empresa tem um contrato de promessa de compra e venda para este apartamento (que parece ter sido condição para aceitar esta permuta no negocio) realizado em 2009 pelo montante de 245.000,00 euros, em que recebeu um sinal de 45.000,00 euros;
- vende este apartamento em 2010, a outro cliente que não o S.P. constante do contrato promessa de compra e venda acima referido, por 215.000,00 euros;
- perde, nos registos contabilísticos, neste negocio pelo menos 30.000,00 euros (valor de venda de 215.000,00 euros e valor de compra de 245.000,00;
- na contabilidade em 2010 foi contabilizada a devolução deste sinal de 45.000,00 euros ao inicial comprador.
Inquirido o administrador em termos de declarações (anexo 7) o motivo da devolução do sinal, pois legalmente nos termos do código civil poderia em caso de desistência do comprador ficar com o dinheiro do adiantamento o sócio gerente respondeu que devolveu por questões de mercado, marketing e imagem.
Repare-se que estamos a descrever uma acção do mesmo empresário que contratualmente exigiu 750,00 euros mensais para que aceitasse a permuta para além do contrato promessa de compra e venda.
Por tudo isto não é crível a devolução do adiantamento de 45.000,00 euros, não só em termos de lógica empresarial, e principalmente também não é crível analisando as acções deste empresário anteriormente e em relação a todo este negócio.
No fundo o contribuinte vendeu o imóvel por €215.000 euros, quando tinha cliente para o vender por €245.000,00, ou vendendo por €215.00,00, assegurar legalmente nos termos do Código Civil (art. 442º referente ao "sinal"), o sinal recebido no valor de €45.000,00.
Logicamente numa óptica legal e comercial o S.P. não iria perder dinheiro no negócio da permuta, quando tinha assegurado todas as condições através do contrato promessa de compra e venda para não ficar prejudicado no negócio bastaria, legalmente nos termos do código civil não devolver o dinheiro recebido a título de sinal, o que fez em termos contabilísticos.
3.- Analise comparativa de preços de venda
Em pesquisa na Internet em 2012 a apartamentos na quinta de ……….. (veja-se o anexo 10) verifica-se que os preços por metro quadrado em alguns casos continuam substancialmente superiores, mesmo estando em crise agravada no sector imobiliário em relação ao ano da venda de 2009.
O que indicia que o preço declarado em 2009 pelo contribuinte possa ter sido inferior ao preço real.
4- Conclusão e resumo
E assim, dado o exposto nos pontos anteriores:
Ter-se detetado que o S.P. recebeu montantes em dinheiro mensalmente, em 2009 e 2010, que não registou na contabilidade como valores recebidos em proveitos/rendimentos (nem se deteta o seu deposito bancário na conta da empresa) (conforme descrito no ponto 11104 do presente relatório);
Dada a existência de empréstimos IV.1 efetuados pelos administradores em que não foi por estes esclarecidos ou evidenciados a origem pessoal destes empréstimos para a empresa (conforme descrito no ponto IV.1) do presente relatório);
Dado o contribuinte ter aceite uma permuta na alienação de um bem, em que assegurou o valor dessa permuta através de um contrato promessa de compra e venda (pois foi atribuído nesse contrato o mesmo valor para compra que constava como valorização do bem na escritura na permuta), não é congruente que depois na alienação desse bem perca 30.000,00 euros, (conforme descrito no ponto IV.2 do presente relatório);
Dado o mercado imobiliário em 2012 apesar de a crise no setor imobiliário se ter agravado desde 2009 e 2010, conter indícios que variadas habitações semelhantes e na área às alienadas por este contribuinte ainda têm valor de mercado superior ao declarado pelo contribuinte (que de si já é ligeiramente superior ao valor da avaliação para efeitos do código de IMT, que foi estudado para ser em média 80% do valor real de mercado (ponto IV.3).
É impossível quantificar as omissões declaradas com recurso métodos directos, a contabilidade deste contribuinte, não oferece credibilidade e não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido nos exercícios de 2009 e 2010 nomeadamente:
Omissão de proveitos;
Existência de depósitos em numerário na conta bancária da empresa, com a indicação contabilística de serem empréstimos de sócios, sem que os sócios demonstrem a origem destes fundos da sua esfera privada;
Indícios que o mercado imobiliário pratica preços superiores aos da própria avaliação do imóvel prevista no CIMI.
Impossibilitando a comprovação e a quantificação directa e exacta da matéria colectável nos termos da al. e d) do art° 88° da LGT, aprovado por D.L. 398/98 de 17/12' indo-se proceder à determinação dos rendimentos sujeitos a tributação com recurso à avaliação indirecta prevista no nº 1 do art° 81°, n° 2 do art° 83°, art° 85° e al. b) do art° 87° todos da LGT. E tendo em conta os critérios previstos no art. 90° nº 1 al. d), h) e i) da LGT.
v - Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos Indirectos
Dado que em 2009 a origem do depósito bancário no montante de 45.000,00 euros não foi inequivocamente demonstrado que era efectivamente dinheiro de administradores emprestado à empresa, considera-se que se trata efectivamente de dinheiro recebido de clientes e não contabilizado na empresa como rendimento.
Quanto ao ano de 2010, O S.P. declarou na contabilidade prejuízo na venda do imóvel, identificado no ponto IV.2 do presente relatório, no valor de 35.000,00 euros, quando poderia legalmente não devolver um sinal no montante de 45.000,00, obtendo um lucro razoável na retoma de 15.000,00 euros.
Assim propõem-se com base nestes indícios que seja corrigido com recurso a métodos indiretos o montante de 45.000,00 euros, quer em 2009 quer em 2010.
(…)».
F. A impugnante apresentou a reclamação prevista no Art. 91.º da LGT, conforme requerimento de fls. 71 a 85.

G. Reunidos os peritos, foram elaboradas as Actas n.º 023/LGT e 023-A/LGT, de fls. 95 e 93 do p.a., não tendo sido alcançado acordo.

H. Consequentemente, o Exm.º Sr. Diretor de Finanças proferiu o Despacho n.º 04/2013, de fls. 96 a 100 do p.a., mantendo os valores inicialmente propostos para efeitos de IRC dos anos de 2009 e 2010.

I. Foram emitidas em nome da impugnante as liquidações de IRC e juros compensatórios dos anos de 2009 e 2010, de fls. 136 e 138 do p.a., respetivamente.

J. Contra tais liquidações foi deduzida reclamação graciosa, conforme requerimento de fls. 106 a 128 do p.a..

K. Tal reclamação graciosa foi indeferida por despacho de fls. 215 do p.a..

L. Contra a decisão referida na alínea antecedente, foi deduzido recurso hierárquico, conforme requerimento de fls. 223 a 272.

M. O recurso hierárquico aludido na alínea antecedente foi parcialmente deferido, conforme despacho de fls. 366 do p.a., conforme informação que o antecedente, de fls. 366 vº a 379, onde se concluiu que:
«(…)
a Recorrente foi notificada, presencialmente, da alteração da extensão da acção de inspecção de modo a acobertar também o exercício de 2010, apondo a sua assinatura em como tomou conhecimento de tal alteração à Ordem de Serviço n.º OI201200716 e em como recebeu uma cópia da mesma;
não é de aceitar a dedução dos encargos suportados com ajudas de custo pagas aos trabalhadores, uma vez que tais encargos não foram facturados aos clientes e não estavam devidamente documentadas, face ao disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC”;
a diminuição no valor de €20.970,07, na conta da contabilidade (“……. –fornecedores de imobilizado c/c – A……………., Lda.)., por se tratar de despesas não devidamente documentadas tem como consequência a indedutibilidade de tais encargos, e correlativo acréscimo ao resultado líquido do período, e não a sua tributação autónoma;
o pagamento de serviços a advogado, não constituía encargo dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável, por não estar devidamente documentado, uma vez que não se encontrava apoiado em documentos externos, em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, evidenciando a causa, natureza e montante;
na contabilidade do sujeito passivo não estavam registadas as 12 entregas (em numerário) previstas no contrato de promessa que a Recorrente se quis vincular, e confirmadas, sem peias, pelo próprio adquirente, como tendo sido efectuadas;
Por impossibilidade de avaliação directa, pela insuficiência da contabilidade do sujeito passivo, a inspecção tributária viu-se impelida a recorrer, subsidiariamente, à avaliação indirecta a partir dos indícios sustentados nos elementos recolhidos na acção inspectiva; o sujeito passivo tão-pouco logrou provar o excesso que a quantificação operada pudesse comportar na avaliação da matéria tributável;
o sujeito passivo não fez prova de que a entrada de dinheiro em numerário, no valor de €45.000, registada na contabilidade, se trataria de um empréstimo dos sócios à sociedade; donde que se afiguram pertinentes as correcções à matéria coletável, máxime quanto à omissão de proveitos, por via dos métodos indirectos;
o sujeito passivo não logrou provar que a saída de fundos em 2009 no valor de €45.000 fosse a título de restituição de um sinal de pagamento ao promitente adquirente; donde que, em face dos pertinentes indícios de divergência entre a realidade tributária e o declarado pelo sujeito passivo, não afastados mediante produção de prova a cargo do onerado, mais não restou à inspecção tributária a não ser lançar mão dos métodos indirectos na avaliação da matéria colectável;
a avaliação indirecta não se estribou nem fundou, sem mais, nos anúncios de vendas publicitados no ano da acção inspetiva; o que sucedeu foi que, após coligidos e apresentados os indícios de uma realidade tributária diversa da declarada pelo sujeito passivo, a inspecção tributária não quis deixar de evidenciar que também a realidade do mercado se apresentava bastante diversa do declarado;
as liquidações não padecem de falta de fundamentação, pois o sujeito passivo tomou conhecimento dos fundamentos de facto e de direito, sendo que ao longo do procedimento tributário teve, pelo menos, sete possibilidades de exercer os seus direitos de audição, defesa e participação, nos termos em que melhor lhe aprouvesse.
(…) ».

N. Por escritura pública de permuta e mútuo, datada de 16.03.2009, a impugnante cedeu a D…………….., pelo valor atribuído de 490.000,00€, a fração autónoma designada pela letra “H”, do prédio urbano sito na …………. designado pela letra “B”, inscrito na matriz sob o artigo 12689 e, em troca o dito D………….. deu à impugnante, pelo valor atribuído de 330.000€, a fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano sito na ………….., lote n.º 8, inscrito na matriz sob o artigo 10841 – fls. 65 a 70.

O. Para pagamento do remanescente do valor da fração 12689-H, D…………… celebrou com Banco …………. (Portugal), S.A., um contrato de mútuo, no valor de 160.000€, através da escritura aludida na alínea antecedente – fls. 65 a 70.

P. Para além da quantia mutuada, referida na alínea antecedente, e relativamente ao negócio a que ela se reporta, não foi paga à impugnante qualquer outra importância – facto referido pela testemunha D…………...

Q. Por escritura pública de permuta e mútuo com hipoteca, outorgada em 16/03/2009, a impugnante cedeu, pelo preço 330.000€, a H……………. e esposa a fração autónoma designada pela letra “C” aludida em P) supra, e estes cederam à impugnante, pelo preço de 245.000€, a fração autónoma designada pela letra “D”, ambas do prédio inscrito na matriz da freguesia de …………… sob o artigo 10841 – fls. 183 a 186.

R. Por escrito particular datado de 13/03/2009, a impugnante prometeu vender a D…………… que, por sua vez, lhe prometeu comprar a fração “D” do prédio inscrito na matriz da freguesia de ……….. sob o artigo 10841 – fls. 71 a 72.

S. Como sinal e princípio de pagamento, o promitente-comprador referido na alínea antecedente entregou à impugnante o cheque n.º ………., sacado sobre o B………, no valor de 45.000€ - fls. 73.

T. Os promitentes vendedor e comprador do contrato aludido em R) supra, acordaram, com base na relação de mútua confiança que entre eles existia, que a celebração do contrato de compra e venda dependia da venda, pelo promitente-comprador, de um outro prédio de que o mesmo era proprietário, uma vez que, sem esse negócio, não possuía liquidez suficiente para satisfazer o preço da fração prometida vender – facto referido pela testemunha D………….

U. A fim de compensar a impugnante pela manutenção da dita fração no seu ativo até que o promitente-comprador concretizasse a venda do seu próprio prédio, ficou acordado que este lhe pagaria mensalmente a quantia de 750,00€, durante 1 ano – facto referido pela testemunha D…………….

V. Em cumprimento de contrato promessa de compra e venda referido em R) supra, outorgado pela impugnante e por D……………., este pagou um colaborador da impugnante chamado E…………., a quantia de 9.000,00€, dos quais 675,00€ no ano de 2009 – facto declarado pelo legal representante da impugnante e referido pela testemunha D…………..

W. O pagamento àquele colaborador da impugnante, referido na alínea antecedente, destinava-se a compensá-lo por serviços por ele prestados à sociedade - facto declarado pelo legal representante da impugnante.

X. Como D………….. não logrou vender o seu prédio, do que dependia a celebração da escritura de compra e venda da fração prometida vender em 13/03/2009, os respetivos outorgantes assinaram o escrito particular de fls. 74, que designaram de “rescisão” do contrato promessa referido em R) supra, datado de 08/04/2010.

Y. Em consequência da rescisão mencionada na alínea antecedente, a impugnante restituiu o sinal que o promitente-comprador lhe havia pago, através do cheque n.º ……….., sacado sobre o Banco …….., no valor de 45.000,00€ e com data de 30/06/2010, cuja cópia consta a fls. 154 – facto declarado pelo sócio gerente da impugnante e pela testemunha D…………..

Z. Por escrito particular datado de 08/04/2010, a impugnante prometeu vender a I……………… e este prometeu comprar-lhe a fração autónoma designada pela letra “D”, do prédio inscrito na matriz da freguesia de ……….., sob o artigo 10841 – fls. 76 a 77.

AA. Por escritura pública, outorgada em 29/06/2010, a impugnante vendeu a I…………….. a fração autónoma designada pela letra “D”, do prédio inscrito na matriz da freguesia de ……………, sob o artigo 10841, pelo preço de 215.000€ - fls. 188 a 199.


Questões objecto de recurso:
- Ilegalidade do procedimento inspectivo.


A sentença recorrida anulou a liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2010 na sequência da enunciação das questões a dirimir de que identificou como primeira, e que apenas se reporta ao exercício de 2010:
«a. Ilegalidade do procedimento inspetivo, por falta de despacho fundamentado a determinar o alargamento do âmbito da ação inspetiva
Tal como nela analisado, ocorre que o art.º 15.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro), permite que na pendência do procedimento de inspeção sejam alterados os fins e a extensão daquele, posto que tal conste de despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado. Trata-se, naturalmente do exercício da competência atribuída à Administração Tributária para realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, a executar mediante procedimento da inspeção, que seguirá os termos que lhe foram fixados na lei, art.º 63.º da Lei Geral Tributária.
Na situação sub judice verifica-se que num momento inicial foi proferido um despacho devidamente notificado ao contribuinte da futura realização de acção inspectiva externa tendo por alvo o exercício de 2009, referido na alínea a) da matéria provada:
«No dia 23.05.2012 foi emitida a ordem de serviço n.º OI201200716, nos termos da qual foi determinada a realização de procedimento de inspeção externa à impugnante, de âmbito parcial em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2009 – fls. 1 do p.a.»
No dia 11.09.2012, a recorrida foi notificada que aquela ordem de serviço era alterada indicando como fundamento que:
«De acordo com a análise efectuada, constatou-se que houve necessidade de alargar o âmbito da acção para a recolha de elementos de terceiros», ali também se fazendo constar que o procedimento inspetivo incidia sobre os exercícios de 2009 e 2010 sendo de âmbito geral, quanto ao primeiro, e parcial, quanto ao segundo».
Ora desde logo se verifica por este segundo texto que a acção inspectiva parece ter visto alargado e executado o seu âmbito sem que disso fosse dado conhecimento ao contribuinte, pois diz-se «houve necessidade de alargar o seu âmbito» utilizando o pretérito perfeito do indicativo do verbo haver, que em português exprime, inequivocamente, uma acção concluída no passado.
O art.º 42.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária apenas prevê que a notificação dos actos de inspecção possa ser efectuada ou no momento da prática dos actos de inspecção ou em momento anterior e nunca em momento posterior, como aqui ocorreu.
Mas entre a primeira determinação dos fins e a extensão do procedimento de inspeção houve diversas alterações. Assim o procedimento de inspeção externa à impugnante, de âmbito parcial em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2009, passou a procedimento de inspeção externa, de âmbito geral em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2009, e, parcial relativamente ao exercício 2010.
A fundamentação de tal alteração foi: «De acordo com a análise efectuada, constatou-se que houve necessidade de alargar o âmbito da acção para a recolha de elementos de terceiros». Assim, ficamos a saber que o âmbito da acção, seguindo a classificação do art.º 14.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, passou de parcial a geral quanto ao exercício de 2009, pela invocada razão de só assim se afigurar possível recolher elementos de terceiros. Nada se dizendo sobre a razão determinante da necessidade de recolher elementos de terceiros, nem sobre o fundamento do alargamento do procedimento inspectivo ao exercício seguinte de 2010.
Na petição de impugnação a recorrida alegou, no art.º 7.º, quanto aos dois actos de liquidação impugnados de 2009 e de 2010 que:
«Impugna-se a descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável, por errónea qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário por erro nos pressupostos de facto e de direito», prosseguindo no art.º 10.º com a indicação de que «cumpre questionar a validade jurídica da alteração do âmbito do procedimento inspectivo, no que diz respeito ao ano de 2010, já que a ordem de serviço n°01201200716, apenas contempla a fiscalização para o período fiscal do ano de 2009.». Mais alegou que analisando o relatório de inspecção, se constata a alteração do âmbito do procedimento inspectivo, com a sua extensão, indevida, ao ano de 2010, pois não existe qualquer ordem de serviço que legitime as alterações aos fins, âmbito e extensão do respectivo procedimento inspectivo».
Concluiu a este propósito que tendo em conta o disposto no n°1 do art.°15 do RCPIT, que o sujeito passivo, não foi devidamente notificado através de despacho fundamentado, da alteração dos fins, do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo pela entidade que o ordenou, todas as conclusões referentes ao relatório de inspecção, relativas ao ano de 2010, serão ilegais e, deste modo, não poderão ter validade fiscal, nem tão pouco fundamentar qualquer liquidação, sendo impugnáveis os actos lesivos praticados no procedimento inspectivo, por desconformes com a lei, ofendendo, em consequência disso, os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da necessidade, ao causar transtornos superiores aos que a realização do direito à tributação implicava, da imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade e da garantia do sujeito passivo em ser constrangido a um procedimento inspectivo confinado aos limites fixados na lei.
Face à prova produzida, a sentença concluiu que: «Temos, portanto, que as correções introduzidas à matéria coletável declarada para o ano de 2010 estão inquinadas pela incompetência dos inspetores tributários ou por preterição de formalidade legal essencial, devendo ser anulada a correspondente liquidação de IRC, conforme peticionado, restando prejudicado o conhecimento dos demais vícios que lhe vêm imputados».
A sentença recorrida concluiu pela falta de fundamentação da decisão que determinou o alargamento da acção inspectiva ao exercício de 2010, o que se apresente absolutamente correcto, pelas razões anteriormente apontadas de análise do texto da notificação efectuada ao sujeito passivo quanto ao alargamento do âmbito da acção inspectiva. Nela se refere que: «Assim, a considerar-se que existe despacho “fundamentado”, ele apenas se destinou a permitir a recolha de elementos de terceiros, nada mais do que isto; inexistindo, por consequência, qualquer despacho que fundamente a alteração do âmbito e exercícios económicos a inspecionar.». E, na exposição dos motivos da decisão que veio a proferir referiu a jurisprudência indicada pela Fazenda Pública, que não rebateu, de que tal a omissão de despacho fundamentado a alterar os fins e extensão do procedimento de inspecção deve considerar-se degradado em formalidade não essencial, como tal não invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior, quando se verifiquem determinadas condicionantes de intervenção do contribuinte no procedimento de inspecção prestando a sua colaboração que razoavelmente permitam concluir que, apesar da omissão cometida ele sempre se encontrou as condições de pleno conhecimento do âmbito e extensão do procedimento inspectivo em causa.
No caso sub judice diz a recorrente nas suas alegações que tudo isso se verificou, que o contribuinte prestou colaboração ao procedimento inspectivo, que teve oportunidade de exercer o direito de audição e, por isso, a formalidade legal preterida deixou de poder considerar-se uma formalidade essencial e degradou-se em formalidade não essencial e, de todo o modo não invalidante do acto de liquidação subsequente.
As alegações de recurso não são meio de prova e o certo é que nada na matéria de facto provada permite dizer que assim foi. Nem o relatório de inspecção contém qualquer elemento que permita concluir que a recorrida, depois de notificada do alargamento da acção inspectiva para recolha de dados junto de terceiros haja activamente participado nessa recolha de dados, e muito menos que haja prestado a sua colaboração ao procedimento inspectivo relativo ao exercício de 2010.
A sentença recorrida refere que não havendo sido fundamentado o alargamento da acção inspectiva ao exercício de 2010 os inspectores careciam em absoluto de competência para o desenvolverem, e que ao efectuá-lo extrapolaram muito o seu mandato de recolha de dados junto de terceiros.
Sem necessidade de tomarmos posição sobre se a falta de credenciação dos inspectores tributários permite apenas a oposição aos actos de inspecção, ou permite que o sujeito passivo invoque outras consequências pela inobservância do disposto no art.º 46.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, o certo é que a oposição a actos de inspecção só pode exercer-se contra concretos actos de inspecção e não contra actos de inspecção que se desconhecem.
Não há elementos no processo inspectivo que permitam evidenciar em que momento poderia ou deveria essa oposição ter tido lugar. Com efeito nada se relata sobre haverem por exemplo sido solicitados ao contribuinte elementos relativos ao exercício de 2010 que fossem relativos exclusivamente a este exercício de molde a que o contribuinte ficasse ciente que de que este exercício estava a ser alvo de inspecção, para a ela se poder opor. Há relatos de pedidos de esclarecimento junto do Sr.º E…………… quanto à venda de terrenos e a empréstimos efectuados pelos sócios à sociedade mas em matérias reportadas ao exercício de 2009, sem nada em concreto se haver registado quanto a actuação directa da empresa aqui recorrida quanto ao fornecimento de dados ou outro tipo de colaboração quanto ao exercício de 2010. Daí não podermos concluir que a empresa se não opôs aos actos inspectivos relativos a 2010 porque não é uma evidência que deles tivesse tido conhecimento para deduzir qualquer oposição.
Por outro lado a questão da ilegalidade da acção inspectiva quanto ao exercício de 2010 por ausência de notificação da fundamentação do âmbito e extensão a esse exercício, e, consequente falta de credenciação dos inspectores que a levaram a cabo, foi sempre suscitada seja na reclamação graciosa, seja no recurso hierárquico, seja na presente impugnação, apresentando-se como o meio próprio para contra ela reagir, dadas as particulares circunstâncias do caso, como vimos de analisar, por o procedimento inspectivo se ter tornado aparente apenas depois de notificado o relatório de inspecção, com a subsequente emissão dos actos de liquidação aqui impugnados.
O direito de audição é um direito de exercício facultativo para os contribuintes, cujo não exercício não importa a perda de direitos nomeadamente de contenciosamente reagirem contra os actos tributários ou em matéria tributária que sejam lesivos dos seus interesses patrimoniais e não hajam sido praticados com observância estrita da lei. De todo o modo quando foi dado cumprimento ao disposto no art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária por definição estavam já praticados os actos de inspecção tornando impossível qualquer oposição à sua realização que já tinha tido lugar.
Assim, não estando em causa um procedimento de inspecção em que nos termos do disposto no art.º 50.º esteja dispensada a notificação prévia do procedimento de inspecção, verifica-se que quanto ao exercício de 2010 não foram levadas ao conhecimento da recorrida o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção em manifesta desconformidade com o disposto nos artigos 2.º, 5.º, 9.º, 14.º, 15.º, 37.º, 40.º, 46.º e 47.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, com a consequente falta de credenciação os inspectores que a levaram a cabo. Tais formalidades são formalidades previstas na lei como formalidades essenciais, na ausência de disposição legal em contrário, estruturantes do procedimento inspectivo, que uma vez não observadas serão invalidantes dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta, dado não poder concluir-se, face à prova produzida, com um grau de certeza razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, caso a formalidade tivesse sido cumprida, ou que o sujeito passivo prestou a sua colaboração com o acto inspectivo nesse âmbito alargado sem haver colocado em causa a falta de tal despacho.
Nos termos do disposto no art.º 135.º do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15 de Novembro, vigente à data do procedimento inspectivo, aqui aplicável por força do disposto no art.º 4.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, como aqui ocorre, pelo que a omissão do acto procedimental invalida, por anulabilidade que ora se confirma, todo o procedimento arrastando necessariamente a validade do acto de liquidação oficiosa de IRC, relativo ao exercício de 2010 que nele obteve os respectivos fundamentos legais.
Não enferma a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe era apontado, impondo-se, antes a respectiva confirmação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 15 de Junho de 2016. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.