Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:094/09.3BEPRT
Data do Acordão:01/21/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:ACTO NULO
APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:É nulo, por violação do disposto no artº 34º do DL nº 196/89, de 14.06, o acto administrativo de declaração de utilidade pública se o mesmo não for precedido de parecer prévio da respectiva comissão regional da reserva agrícola, e, ainda que favorável, tal parecer não produz efeitos positivos se for emitido em momento posterior àquele acto de declaração de utilidade pública.
Nº Convencional:JSTA000P27086
Nº do Documento:SAP20210121094/09
Data de Entrada:09/17/2020
Recorrente:A........ E OUTRO
Recorrido 1:METRO DO PORTO, S.A E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal
RELATÓRIO

A…………….. e C……………………., notificados do Acórdão proferido nos autos pelo TCAN, que concedeu provimento ao recurso interposto pela contra-interessada Metro do Porto, S.A., interpuseram o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ao abrigo do disposto no artº 152º, nº 1, al. a) do CPTA, indicando como Acórdão Fundamento, o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo, em 22.06.2006, no âmbito do processo nº 0805/03.

Apresentam para o efeito as seguintes CONCLUSÕES:

«I. O presente recurso por oposição de acórdãos vem interposto contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo Central Norte de 17.01.2020, que dando provimento ao recurso intentado pela contrainteressada Metro do Porto, revogou a decisão do tribunal a quo que tinha declarado a nulidade da declaração de utilidade pública proferida pelo despacho do Secretário de Estado dos Transportes nº 472/2006 de 14 de dezembro de 2005, publicado no DR, II série, nº 6, de 09 de janeiro de 2006, pelo facto do mesmo não ter sido precedido da obrigatória obtenção do parecer favorável de desafectação da parcela a expropriar, da respectiva comissão regional da RAN, em obediência ao disposto no artº 9º do DL nº 196/89.

II. O acórdão do TCAN encontra-se em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.06.2006, prolatado no processo nº 0805/03.

III. E a situação fáctica em ambos os arestos é a mesma, pois que em ambos se discutiu a validade de um despacho expropriativo que atinge uma parcela de terreno integrada na RAN, com parecer favorável requerido, mas obtido posteriormente a esse ato.

IV. A questão de direito prende-se em determinar se de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artºs 9º, nº 1 e, 34º do DL nº 196/89, o despacho de expropriação é nulo e sem qualquer efeito ou se, porventura, a anulação do ato viciado não deve ser pronunciada por apelo ao princípio do aproveitamento do ato administrativo ou teoria dos vícios inoperantes.

V. Ora, no acórdão impugnado decidiu-se que a falta de obtenção do parecer prévio à prolação do ato impugnado configurava uma ilegalidade formal e que a declaração de nulidade do ato impugnado com o fundamento naquela irregularidade formal não só não iria provocar uma alteração da realidade existente como não aportaria qualquer vantagem quer para o interesse público, quer para o interesse dos particulares, pelo que a mesma seria um ato inútil.

VI. Consequentemente, decidiu-se no acórdão recorrido que uma vez que o parecer vinculativo da RAN foi efetivamente emitido em sentido favorável, não se colhendo nenhuma ilegalidade substancial da sua prolação desadequada temporal e que a obra foi integralmente executada, a repetição do ato levaria à prolação de ato de teor idêntico o que constituiria um ato inútil já que a realidade material sempre permaneceria inalterada, de modo que o ato impugnado pode ser salvo com base no princípio do aproveitamento dos atos administrativos.

VII. Por sua vez, no acórdão fundamento e com o qual se concorda, decidiu-se que vindo o despacho impugnado apoiado por parecer favorável, mas não prévio, da competente comissão regional, o mesmo é irremediavelmente nulo, por força do disposto nos artºs 9º, nº 1 e 34º do DL 169/89, pois que “trata-se de nulidade(s) ligada(s) à infracção de interesses comunitários de grande alcance, como o ordenamento do território ou o aproveitamento racional dos recursos naturais, com expresso assento constitucional [artºs 65º, nº 4 e 66º, nº 2, al. d) da CRP], portanto de nulidades em que podemos entrever um “valor reforçado”, o que acentua a irrelevância, teórica e prática, dos actos por elas afectados de modo que a atribuição de quaisquer efeitos jurídicos, ainda que colaterais, ao acto nulo representaria, por isso, um entorse intolerável na estrutura normativa do Estado de Direito”.

VIII. Pelo que a oposição entre as duas decisões é manifesta e flagrante.

IX. Existe, de forma clara, contradição entre os dois Acórdãos, sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que existe identidade absoluta da situação fáctica enquadrada na decisão recorrida e no acórdão fundamento, a qual é subsumível aos mesmos preceitos normativos.

X. Existe também uma contradição decisória, sendo que a infração imputada ao acórdão impugnado se relaciona com a errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs 9º e 34º do DL nº 196/89 de 14 de junho.

XI. Pois que o acórdão impugnado conclui erradamente e em contradição como acórdão fundamento.

XII. Tanto o acórdão recorrido, como o acórdão fundamento foram proferidos em processos diferentes e no domínio de vigência do mesmo preceito legal e do diploma em que o mesmo se insere.

XIII. Estão, assim, verificados, todos os requisitos legalmente exigíveis para que se verifique oposição de julgados tal como caracterizada no artº 152º do CPTA.

XIV. O acórdão recorrido está também em contradição com os acórdãos do STA prolatados em 07.02.2006, processo 1815/02, em que a sentença a quo se sustentou e em 19.06.2007, no processo 1458/03.

XV. E, ao contrário da tese sufragada no douto acórdão recorrido, não é indiferente obter-se o parecer antes ou depois da DUP, porquanto a lei exige para a concessão do parecer favorável que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o traçado ou localização (artigo 9º, nº 2, e) do DL nº 196/89), o que fica prejudicado se ocorrer à posteriori.

XVI. A questão da obtenção prévia do parecer é assim essencial na economia do regime legal aplicável».

Terminam pedindo a procedência do presente recurso para uniformização de jurisprudência, reconhecendo-se a existência de contradição de julgados entre os acórdãos recorrido e fundamento quanto às questões fundamentais de direito supra indicadas, determinando-se como correta a orientação adoptada pelo acórdão fundamento e, consequentemente, a anulação do acórdão recorrido, pelas razões supra aduzidas e em cumprimento do disposto no artº 152º, nº 6 do CPTA.

E ser uniformizada a jurisprudência do acórdão fundamento.


*

A contra-interessada Recorrida, METRO DO PORTO, S.A., notificada, veio apresentar as suas contra-alegações, sumariando-as do seguinte modo:

«I. O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto pelos Autores carece de qualquer fundamento, de facto ou de direito, pelo que deve improceder.

II. A decisão contida no Acórdão do TCA Norte, aqui recorrida, foi tomada em estrita observância dos preceitos normativos, legais e constitucionais, aplicáveis in casu.

III. Os Recorrentes estavam obrigados, por força do disposto no nº 2, do artigo 690º, e no nº 2, do artigo 637º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi nº 3 do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e sob pena de rejeição do recurso interposto, a instruir o seu requerimento de interposição de recurso com cópia do acórdão fundamento, da qual constasse aposto o respetivo trânsito em julgado.

IV. É entendimento unânime que a tal não basta a junção de cópia extraída de bases de dados.

V. Os Recorrentes não deram cumprimento a tal obrigação, tendo-se limitado a instruir o seu recurso com uma cópia retirada da base de dados dgsi, da qual não resulta a garantia do trânsito em julgado do acórdão fundamento.

VI. O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto pelos Autores deve ser rejeitado, por inadmissível, por violação do disposto no nº 2 do artigo 673º, no nº 2 do artigo 690º do CPC, aplicáveis ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA.

VII. No acórdão recorrido, o TCA Norte considerou que o ato administrativo impugnado – de declaração de utilidade pública da expropriação da Parcela PE-NM-374R, necessária à construção e concretização do sistema de metropolitano do Porto – poderia e deveria ser salvo com base no princípio do aproveitamento do ato administrativo.

VIII. Este entendimento difere, segundo os Autores, do contido no Acórdão fundamento.

IX. A doutrina vertida no Acórdão fundamento deste STA, apesar de dever ser ponderada, deve-o ser à luz dos novos factos, argumentos, ou razões da atualidade que justificam uma nova e diferente decisão.

X. Encontra-se hoje ultrapassada a teoria geral dos atos nulos, segundo a qual os mesmos – em razão dessa nulidade – não produziam quaisquer efeitos.

XI. Deve-se atender à própria realidade do ato impugnado e ao facto de o mesmo, não obstante a sua potencial nulidade, ter produzido efeitos na vida e na esfera jurídica de terceiros e ter alterado a realidade que se destinava a disciplinar e produzido, desse modo, os efeitos que visava ab initio produzir.

XII. É por esta razão que a doutrina vertida nos Acórdãos citados pelos Recorrentes, de entre os quais o Acórdão fundamento, não se pode manter.

XIII. O Parecer a que alude o artigo 9º do Regime Jurídico da RAN foi efetivamente concedido in casu, e com teor favorável.

XIV. Em consequência do ato impugnado, a Recorrida tomou posse administrativa da Parcela PE-NM-374R em 24.01.2007, executou integralmente a obra a que a mesma se destinava – projeto de duplicação da linha da Póvoa, estando a linha de metro em funcionamento há largos anos; foi iniciado o processo expropriativo litigioso enquadrado no Código das Expropriações; e no seio desse processo, por decisão de 28.02.2007, foi adjudicada à Recorrida a propriedade da parcela expropriada.

XV. O ato impugnado produziu efeitos reais na vida das partes envolvidas, com a tomada de posse da parcela em causa, pela Recorrida, e com a sua integração na infraestrutura que justificou a sua expropriação, que se consolidaram na ordem jurídica.

XVI. A declaração de nulidade do ato impugnado em nada alterará a realidade existente, pelo que é forçoso concluir que o ato impugnado produziu efeitos.

XVII. Estas circunstâncias devem ser relevadas e justificam o aproveitamento do ato administrativo.

XVIII. Devendo, deste modo, manter-se a decisão contida no Acórdão recorrido.

XIX. O ato administrativo poderá ainda ser sanado, sem prejuízo de se concluir pela necessidade de aproveitamento do mesmo à luz do princípio e dos argumentos vindos de referir.»


*

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 146º, nº 1 do CPTA, pronunciou-se, entre o mais, no sentido da procedência do recurso, uniformizando-se jurisprudência no sentido do acórdão fundamento.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Fez-se constar no Acórdão recorrido a seguinte factualidade:

“1 - A Secretária de Estado dos Transportes, por seu despacho - ato sob impugnação - datado de 14 de dezembro de 2005, publicado no DR II série, nº 6, de 09 de janeiro de 2006, decidiu conforme, por facilidade, para aqui se extrai como segue:

Despacho nº 472/2006 (2ª série) - Considerando que, através do Decreto-Lei nº 394-A/98, de 15 de dezembro, foi atribuída à sociedade Metro do Porto, S.A., a concessão do serviço público do sistema de metro ligeiro na área metropolitana do Porto, competindo-lhe a responsabilidade pelas operações de construção de infraestruturas do dito sistema;

Considerando que, nos termos da base XI do anexo I do citado diploma legal, compete à mesma sociedade proceder, na qualidade de entidade expropriante, às expropriações necessárias à referida construção;

Considerando que, nos prédios discriminados no mapa anexo, se prevê a construção da via dupla, que é de manifesto interesse público, a qual se insere no troço Senhora da Hora-Vila do Conde-Póvoa de Varzim;

Considerando o despacho conjunto nº. 288/2003, de 11 de março, que aprovou a realização do projeto «Duplicação da linha P», respeitante ao troço do sistema do metro ligeiro do Porto Senhora da Hora-Vila do Conde-Póvoa de Varzim;

Considerando, ainda, que no programa de trabalhos previsto se estipula que as obras se iniciem já em dezembro de 2005 e que tais obras pressupõem a posse dos bens a expropriar:

Assim, a requerimento da sociedade Metro do Porto, S.A., considerando que para a materialização da referida obra é indispensável a expropriação de tais bens, nos termos previstos nos artigos 1°, 3°, 13°, 14° e 15° do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n° 168/99, de 18 de setembro, e na base XI, nº 3, do anexo I do Decreto-Lei n° 394-A/98, de 15 de dezembro, e ao abrigo da delegação de competências constante do despacho n° 16347/2005 (2ª série), publicado no Diário da República, 2ª série, nº 143, de 27 de julho, de 2005, tendo em vista o início imediato das obras, determino o seguinte:

1- A declaração de utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes correspondente às parcelas PE-NM-311R, PE-NM-317R, PE-NM-370BR e PE-NM-374R, devidamente identificadas nas plantas cadastrais e mapa de identificação, cuja publicação se promove em anexo.

2 - Autorizar a sociedade Metro do Porto, S.A., a tomar posse administrativa dos mesmos prédios, ao abrigo dos artigos 15° e 10° do supra referido Código.

3 - Os encargos financeiros com as expropriações são da responsabilidade da sociedade Metro do Porto, S.A., para os quais dispõe de cobertura financeira, tendo prestado caução para garantir o pagamento dos mesmos.

14 de dezembro de 2005 - A Secretária de Estado dos Transportes

(…)”.

2 - Para a decidida expropriação em causa, foi afetada uma parcela, denominada por PE-NM-374-R, com a área de 175,33 m2, a destacar de um prédio rústico, denominado por ………….., com 2.970 m2, sito no lugar do ………, freguesia de Vilar do Pinheiro, concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz rústica sob o artigo 429 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº 00400/950620, do livro B - 64, propriedade da Autora;

3 - À data da aprovação do projeto que onerou a parcela nº 374R [em 11 de março de 2003], e à data da declaração de utilidade pública, a mesma [parcela] estava classificada no PDM de Vila do Conde, como em zona de “Espaços Não Urbanizáveis - Áreas de Salvaguarda - Reserva Agrícola Nacional”;

4 - Por requerimento datado de 22 de março de 2006, a contrainteressada requereu junto da Comissão Regional de Reserva Agrícola de Entre Douro e Minho, a emissão de Parecer visando uma área de RAN, com a finalidade de proceder à execução do projeto de duplicação da linha da Póvoa, aprovado por Despacho Conjunto emitido pela Ministra de Estado e das Finanças e pelo Ministro das Obras Públicas Transportes e Habitação, em 11 de março de 2003, publicado na II série do Diário da República nº 72, de 26 de março de 2003 - cfr. fls. não numeradas do Processo Administrativo;

5 - O Parecer da Comissão da Reserva Agrícola foi concedido a 29 de setembro de 2006 - cfr. fls. não numeradas do Processo Administrativo;

6 - A contrainteressada intentou um processo judicial de expropriação por utilidade pública contra os ora Autores, o qual corre termos, sob o nº 729/07.2TBVCD, no 3º Juízo Cível de Vila do Conde, com o qual pretende obter a propriedade da parcela e ver determinada a indemnização a atribuir aos expropriados Autores;

7 - No dia 24 de janeiro de 2007, a contrainteressada lavrou auto de posse administrativa da parcela PE-NM-374R, autorizada pelo Despacho nº 472/2006, de 14 de dezembro de 2005 da Secretaria de Estado dos Transportes - cfr. fls. 85 dos autos em suporte físico;

8 - Por douta decisão datada de 28 de fevereiro de 2007, proferida no referido Processo nº 729/07.2TBVCD, em curso no 3º Juízo Cível de Vila do Conde, foi adjudicada à contrainteressada a referida parcela, tendo a mesma [contra interessada] procedido ao depósito da quantia arbitrada a favor dos expropriados, aqui Autores - cfr. fls. 141 e 142 dos autos em suporte físico;

9 - A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal em 12 de janeiro de 2009 - cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico».

Da factualidade feita constar no acórdão fundamento:

«1. Foi elaborado, no âmbito do DL nº 294/97, de 24 de Outubro, um Estudo Prévio (EP) de construção da “A13 – Auto-Estrada Almeirim/Marateca”, do qual resultou a escolha de várias alternativas possíveis para a elaboração dos sublanços Almeirim/Salvaterra de Magos e Salvaterra de Magos/A10/Santo Estêvão;

2. Essas alternativas foram objecto de um Estudo de Impacte Ambiental (EIA) elaborado pelo Instituto de Estradas de Portugal (IEP);

3. Esse EIA foi remetido ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, através do ofício nº 6015, de 12/12/2000, para procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) nos termos da legislação em vigor (DL nº 69/2000, de 3 de Maio, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 7/2000, de 30 de Junho);

4. O procedimento de AIA levado a cabo pela Direcção-Geral do Ambiente foi iniciado a 27/12/2000 e concluído a 27/07/2001 com a emissão de Parecer da Comissão de Avaliação – doc. de fls. 44 e segs., cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extracta a seguinte síntese conclusiva:

“7. SÍNTESE CONCLUSIVA

O Estudo Prévio agora apresentado, bem como o respectivo EIA, surgem na sequência do anterior procedimento de AIA (nº 645) relativo à A13 – Sublanços Almeirim/Salvaterra de Magos e Salvaterra de Magos/IC11, realizado entre Setembro de 1999 e Março de 2000.

(…)

A A13 irá induzir um conjunto de impactes positivos muito significativos pela melhoria das acessibilidades inter-regionais, permitindo a ligação ao Norte do país pelo IC 10 e ao Sul pela ligação à A2 (AE do Sul) e à A6 (AE Marateca-Elvas).

Relativamente aos traçados apresentados, verifica-se que, no sublanço Almeirim/Salvaterra de Magos, a Alternativa 1 não se situa na faixa de reserva, tendo sido projectada para minorar a afectação da Zona Especial de Protecção dos Concheiros de Muge (em vias de classificação) e evitar o atravessamento de estabelecimentos humanos. As Alternativas A e B atravessam a Zona Especial de Protecção proposta para os Concheiros de Muge e, tal como já foi identificado no procedimento de AIA anterior, os traçados induzirão ainda impactes negativos muito significativos nos recursos hídricos, nas áreas agrícolas e nos perímetros urbanos.

No sublanço Salvaterra de Magos/A10/Santo Estêvão, a Alternativa 1 e a Alternativa 2 foram apresentadas no sentido de minorar a afectação do estabelecimento humano de Foros de Salvaterra. A Alternativa A provocará, tal como identificado no procedimento de AIA anterior, afectações muito significativas em áreas agrícolas, aproveitamentos hidroagrícolas, perímetros urbanos e espaços sociais.

Da análise efectuada, a CA considerou que a solução menos desfavorável, por descrito, é a apresentada no quadro seguinte.

Descritor Solução A13 Ligação à A10 Área de Serviço

Clima

Geologia e Geomorfologia

Recursos Hídricos

Ecologia

Qualidade do Ar

Ambiente Sonoro

Usos do Solo

Áreas agríc. e sociais 1 e 1/3/A

Áreas florestais A e A/B/A

Ordenamento do Território

Ordenamento

RAN e REN

Património Arqueológico

Paisagem

Sócio-economia

- não relevante

Dos descritores avaliados a CA considerou como relevantes:

Recursos Hídricos;

Ecologia;

Ambiente Sonoro;

Uso do Solo;

Ordenamento do Território;

Património Arqueológico;

Factores Sócio Económicos.

Nos descritores considerados relevantes verifica-se que ocorrem impactes negativos muito significativos em:

Soluções A e A/B/A

- afectação de áreas inundáveis e de áreas afectas a perímetros de rega;

- afectação de zonas húmidas e pauis;

- afectação de terrenos agrícolas e de infra-estruturas hidráulicas;

- afectação da Zona Especial de Protecção proposta para os Concheiros de Muge;

- afectação de espaços sociais,

Soluções 1 e 1/3/A

- destruição de áreas de montado de sobro.

Verifica-se, também, que as soluções que integram a Alternativa 2 conjugam os impactes anteriormente referidos.

Da análise efectuada pela CA conclui-se que todas as soluções de projecto, em avaliação, apresentam impactes negativos muito significativos.

A CA considera ainda que a ocorrência de impactes negativos muito significativos em qualquer dos descritores relevantes para a selecção de uma solução torna-se determinante para a sua não selecção.

A existência de um Espaço Canal nos PDM aprovados criou expectativas junto das autarquias e da população em geral. Da análise dos resultados da Consulta Pública verificam-se, sobre esta matéria duas situações distintas:

por um lado, os concelhos de Almeirim e Salvaterra de Magos apoiam a solução fora do Espaço Canal, com vista a mitigar os impactes previstos;

o concelho de Benavente, pelo mesmo motivo, só admite a solução correspondente ao Espaço Canal.

A não compatibilização destas soluções criou situações de conflito incontornáveis para esta CA.

Face ao exposto, a CA conclui não estarem reunidas as condições necessárias para uma fundamentada selecção técnica, entre as soluções apresentadas.

DGA, Amadora, 27 de Julho de 2001”

5. Na sequência do referido parecer, e apesar das conclusões nele expressas pela Comissão de Avaliação, o Secretário de Estado do Ambiente emitiu, a 09.08.2001, uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável a uma das soluções propostas no EP, concretamente a solução 1/3/A, condicionada ao cumprimento de medidas apresentadas em anexo à própria DIA (doc. de fls. 129 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

6. Por despacho de 22/10/2001 (cfr. Declaração nº 20/2002, de 22 de Janeiro, in DR, II Série, nº 18, da mesma data), o Presidente do IEP aprovou o EP dos sublanços Almeirim/Salvaterra de Magos e Salvaterra de Magos/A10/Santo Estêvão, da Auto-Estrada A13, no qual se fixou a localização e o curso do traçado dos referidos sublanços nos exactos termos da aludida DIA;

7. Nos termos do nº 9 da Base XXI do DL nº 294/97, de 24 de Outubro, esse traçado está em conformidade com a localização do traçado do projecto de execução;

8. Por despacho de 29/11/2001 (cfr. Declaração nº 20/2002, de 22 de Janeiro, in DR, II Série, nº 18, da mesma data), e em cumprimento do disposto no 8 da Base XXI do referido DL nº 294/97, o Presidente do IEP aprovou as respectivas faixas de reserva de zonas de servidão non aedificandi “em 200 m para cada lado do eixo da estrada e, centrado em cada nó de ligação, um círculo com 1300 m de diâmetro” (cfr. art. 31º, nº 1, al. a), do citado DL nº 294/97);

9. Pelo despacho nº 2816-B/2003 (2ª série), de 13 de Janeiro de 2003, objecto do presente recurso, o Secretário de Estado das Obras Públicas declarou, relativamente ao sublanço Salvaterra de Magos/A10/Santo Estêvão, “a utilidade pública, com carácter de urgência, ao abrigo do artigo 161º do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei nº 2037, de 19 de Agosto de 1949, das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção deste sublanço, abaixo identificadas, com os elementos constantes da descrição predial e da inscrição matricial, dos direitos e ónus que sobre elas incidem e os nomes dos respectivos titulares”, mais declarando “autorizar a BRISA – Auto-Estradas de Portugal, S.A., a tomar posse administrativa das mencionadas parcelas, assinaladas nas plantas anexas, com vista ao rápido início dos trabalhos, sendo que a urgência das expropriações se louva no interesse público de que as obras projectadas sejam executadas o mais rapidamente possível” (cfr. doc. de fls. 38 e segs., cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

10. Entre essas parcelas encontra-se a parcela 34, relativa à Herdade (...), de que as duas primeiras recorrentes são proprietárias, e a terceira recorrente entidade exploradora.

11. Por ofício de 04.12.2003, a Comissão Regional da Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste comunicou à recorrida BRISA a deliberação tomada a 10/11/2003, de parecer favorável à pretensão manifestada por esta entidade de utilização não agrícola do solo das parcelas atrás referidas (doc. de fls. 729, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido)».


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2.2. O DIREITO

QUESTÃO PRÉVIA DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Improcede a questão prévia suscitada pela contra-interessada Metro do Porto, uma vez que os recorrentes para além da junção de uma cópia simples do acórdão recorrido juntaram ainda aos autos certidão do mesmo.

DO RECURSO:

De acordo com o preceituado no art. 152º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes:

a) que exista contradição entre um acórdão do TCA e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro TCA ou pelo STA;

b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito;

c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento;

d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

Mantêm-se ainda os princípios que vinham da jurisprudência anterior segundo os quais (i) para cada questão relativamente à qual se pretenda ocorrer oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; (ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; (iii) é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica; (iv) só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro.

Feito este enquadramento, vejamos se no caso dos autos se mostram reunidos os pressupostos supra referidos.

No Acórdão recorrido proferido pelo TCAN em 17.01.2020, equacionou-se a questão, que consiste em saber qual o momento temporal em que deve ser emitido o parecer prévio favorável exigido pelo artº 9º do Regime Jurídico da RAN [DL nº 196/89, de 14.06], parecer que deve ser solicitado às Comissões Regionais de Reserva Agrícola.

E decidiu-se [com apoio na jurisprudência fixada no Acórdão fundamento – de 22.06.2006, proc. nº 805/2003], que o acto impugnado seria nulo uma vez que o despacho do Secretário de Estado dos Transportes foi praticado em 14.12.2005 e o parecer apenas foi emitido pela Comissão Regional de Reserva Agrícola em 29.09.2006, ou seja, o parecer não foi prévio à prática do acto, como exigido pela lei, mas sim muito posterior à sua prática – artº 9º, nº 1 e 34º do DL nº 196/89, de 14.06.

No entanto, também se socorreu de um dos votos de vencido lavrado naquele aresto, e deste modo, aplicando o princípio do aproveitamento do acto [segundo o qual não se justifica a anulação de um acto, mesmo que enferme de um vício de violação de lei, sempre que, estando em causa um comportamento vinculado, o acto que haja de proferir não possa ter outro conteúdo senão aquele que lhe foi dado ou não possa ser menos lesivo do que o acto que se pretende anular], entendeu que o acto impugnado, apesar de nulo, deveria manter-se na ordem jurídica, dado que no caso concreto, essa ilegalidade tornou-se inoperante.

E, desta feita, consignou-se no acórdão recorrido que «(…)sopesando que (i) o parecer vinculativo foi, efectivamente, emitido em sentido favorável, não se colhendo, portanto, nenhuma ilegalidade substancial da sua prolação desadequada temporal, e que (ii) a obra foi integralmente executada, impera concluir que a eventual repetição do acto levaria à prolação de acto de teor idêntico, o que manifestamente, constituiria um acto inútil, já que a realidade material sempre permaneceria inalterada».


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Por outro lado, o acórdão fundamento proferido por este STA em 22.06.2006, in proc. nº 0805/2003, entendeu numa situação fáctico/jurídica em tudo idêntica à do acórdão recorrido – aplicação do artº 9º, nº 1 e 34º do DL 196/89, de 14.06 - que no caso, ainda que favorável, tal parecer não produz o tal efeito positivo se for emitido em momento posterior àquele acto de declaração de utilidade pública, porque o fim procedimental singular da norma, o seu escopo de protecção não é tanto o interesse geral, que sempre existe, de uma correcta decisão substantiva, mas a exigência, expressamente afirmada na lei de um certo momento para a emissão desse parecer.

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Resulta do exposto que a questão enfrentada quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, é a de saber se a nulidade do acto de Declaração de Utilidade Pública proferido no processo expropriativo decorrente da violação dos artºs 9º, nº 1 e 34º do DL nº 169/89, de 14.06, é passível de vir a ser inoperante mediante a possibilidade de aproveitamento do acto no caso de emissão ulterior do parecer favorável em falta.

E, efectivamente, estamos perante a emissão de pronúncias contraditórias sobre uma mesma questão fundamental de direito, no âmbito do mesmo quadro fáctico e normativo [as situações de facto num e noutro caso decorrem da prática do acto impugnado em momento anterior ao da emissão de prévio parecer, obrigatório e vinculativo, da Comissão Regional da Reserva Agrícola Nacional] e na vigência do DL nº 196/89, de 14.06 – cfr. artº 688º, nº 1 do CPC e artº 140º, nº 3 do CPTA.

E nem se diga que o quadro do contexto normativo não é o mesmo, fruto das alterações operadas no âmbito do Código do Procedimento Administrativo, designadamente no que respeita às alterações produzidas no domínio da invalidade dos actos administrativos nulos, bem como no da produção dos seus efeitos, com a entrada em vigor daquele Código, operada pelo DL nº 4/2015, de 07.01, uma vez que a redacção dos artºs 161º a 163º e 172º e seguintes do novo CPA, não nos permitem afirmar, por si só, que não se verifica o mesmo quadro jurídico aplicável [até porque os mesmos nem sequer foram convocados para fundamentar a decisão recorrida] e, desta feita, não concluir pela oposição de julgados.


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É, pois, inequívoca a verificação de oposição, dado que ambos os acórdãos em confronto se pronunciaram em sentido divergente sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma regulamentação jurídica, sendo que também se verificam os demais requisitos da admissibilidade deste recurso de uniformização de jurisprudência [artº 152º do CPTA], pelo que impõe-se a apreciação do mérito do mesmo.

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DO MÉRITO DO RECURSO

Enunciada que se mostra a questão fundamental de direito que deu origem a duas decisões opostas, vejamos qual o entendimento que merece acolhimento na lei, sendo que adiantamos, desde já, que o recurso interposto merece provimento.

O Pleno deste STA já emitiu pronúncia sobre esta questão, tendo-se consignado no Ac. proferido em 07.02.2006, proc. nº 01815/02, o seguinte:

«A nulidade, assim colocada, para ser cabalmente apreciada, impõe o conhecimento das duas seguintes questões.

A de saber se o despacho expropriativo dos autos estava sujeito, sob pena de nulidade, a parecer prévio favorável da respectiva Comissão Regional da RAN, nos termos do nº. 1 do artº. 9º. do DL nº. 196/89.

Obtida porventura resposta afirmativa, dado que a negativa a verificar-se só por si afastaria a ocorrência da nulidade, importará então averiguar se, no caso, a nulidade (ou parte dos seus efeitos) não resultaria afastada pelo surgimento posterior ao acto de parecer favorável.

Importa antes de mais transcrever, na parte que interessa ao caso, os preceitos legais pertinentes à questão da nulidade que nos ocupa, preceitos esses do DL nº. 196/89, de 14/6, que estabelece o regime jurídico da RAN.

Dispõe o seu artº. 8º., inserido na Secção II (“Regime da RAN”), sob a epígrafe “Princípio geral”:

«1. Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes:

a) Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações;

(…)

Por sua vez preceitua o artº. 9º., nº. 1 (epigrafado “Utilização de solos da RAN condicionados pela lei geral”):

«1. Carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN».

Finalmente o artº. 34º. do mesmo DL nº. 196/89, sob a epígrafe “Nulidades”, estabelece o seguinte:

«São nulos todos os actos administrativos praticados em violação do disposto no nº. 1 do artº. 9º»

No caso, como resulta da matéria de facto supra, as parcelas de terreno dos ora recorrentes, objecto de expropriação pelo despacho contenciosamente impugnado, encontravam-se integradas na RAN e nessa qualidade estavam assinaladas no PDM do município de Vila do Conde.

E também resulta da mesma matéria de facto que a razão que presidiu ao despacho expropriativo – o fim de utilidade pública (urgente) pelo mesmo prosseguido – foi o de permitir as obras necessárias à construção da área de serviço de Vila do Conde do IC1, a realizar pela concessionária, ora recorrida particular, nas referidas parcelas.

Porém, tal destino assim dado a estas implicava, por natureza, uma utilização não agrícola dos respectivos solos.

Ora o artº. 9º., nº. 1, já transcrito, exige quanto aos actos administrativos que se enumera (“licenças”, “concessões”, “aprovações” e “autorizações”) que os mesmos carecem de parecer prévio favorável das comissões regionais da RAN quando impliquem a utilização não agrícola de solos integrados na RAN.

Isto sob pena de nulidade, cominada, como se viu, no artº. 34º.

Atento todo este enunciado legal, a questão que se levanta é a de saber se o despacho expropriativo dos autos cabe na previsão do nº. 1 do artº. 9º, por forma a carecer, sob pena de nulidade, do parecer prévio favorável da comissão regional respectiva da RAN.

Desde já se adianta impor-se uma resposta afirmativa a tal questão.

É certo que o nº. 1 do artº. 9º., contrariamente ao que acontece com o nº. 1 do precedente artº. 8º. (este ao enunciar as acções que são proibidas em solos da RAN), não utiliza o advérbio “nomeadamente” quando se refere aos actos administrativos que devem ser precedidos do referido parecer favorável.

Daí o ser-se tentado, prima facie a ver-se na enunciação dos tipos de actos administrativos constante do nº. 1, do artº. 9º., diferentemente do que se dispõe expressamente no artº. 8º., nº. 1, um quadro fechado, ou seja, taxativo.

Mas não é assim.

Aquilo que substancialmente une ou liga os vários actos administrativos enunciados no nº. 1 do artº. 9º. é o de através deles se abrir caminho a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN.

Este critério finalístico é que permite identificar todas as decisões da Administração relativas a solos da RAN que exigem parecer prévio favorável da respectiva comissão regional.

Isto independentemente da tipologia classificatória que porventura possa caber a um concreto acto administrativo.

Aliás o caso dos autos é paradigmático, pois que por virtude da declaração de utilidade pública de expropriação das parcelas de terreno em causa, estas ficam adstritas à satisfação do fim (de utilidade pública) – construção da referida área de serviço -, cessando para os respectivos proprietários o direito de livre disposição, abrindo-se a utilização das mesmas parcelas àquele fim não agrícola.

Há, pois que concluir nesta parte que o decisivo para que um acto da Administração caiba na previsão do nº. 1 do artº. 9º. não é que o mesmo se possa subsumir em qualquer dos enunciados típicos que nele o legislador lançou mão (“licenças”, “concessões”, “aprovações” e “autorizações”), mas antes que se trate de um acto administrativo que pelo seu conteúdo dispositivo conduza a uma utilização não agrícola de solos integrados na RAN.

Contra esta conclusão não se poderá argumentar com a consideração de, no caso sub judice, por se tratar de expropriação com vista à realização de uma obra (edificação), era esta que estava sujeita a licenciamento e então seria este e não o anterior de declaração de utilidade pública de expropriação que carecia de prévio parecer favorável.

Mas também não é assim.

Primeiro porque – e decisivamente -, tal como se entendeu no acórdão deste Tribunal Pleno de 16/3/2001, Procº. 42268 (publicado nos “Cadernos de Justiça Administrativa”, nº. 45, pp. 6 e segts.), o acto expropriativo, em decorrência do princípio da legalidade que deve presidir a toda a actividade administrativa, deve respeitar, sob pena de ilegalidade não o fazendo, os limites à construção no local resultantes de plano de urbanização de âmbito regional ou municipal em vigor (no caso sub judice o PDM de Vila do Conde, onde os terrenos em causa surgiam integrados na RAN).

E depois porque, como resulta da matéria de facto, as obras de construção da área de serviço em questão integram-se no objecto da concessão outorgada à recorrida particular, encontrando-se a realização de tais obras isentas de licenciamento ou autorização nos termos do artº. 7º., nº. 1, al. e) do DL nº. 555/99, de 16/12.

Igualmente não procede também a alegação da autoridade recorrida de que, no caso, só após a prolação do despacho expropriativo é que a recorrida particular (a “B...”) podia solicitar – por só então possuir legitimidade para tal – a emissão de parecer favorável à respectiva comissão regional da RAN.

E não procede porque aquela, na sua qualidade de concessionária da B... em causa, era interessada – directamente interessada - na execução das obras da área de serviço dos autos, por se integrarem no objecto da sua concessão, assistindo-lhes pois legitimidade para requerer o parecer prévio favorável p. no artº. 9º., nº. 1.

Apreciada está pois a primeira das questões que importava dilucidar, e que era, recorde-se, a de saber se o despacho impugnado estava sujeito a parecer prévio favorável nos termos já referidos, questão esta que obteve resposta afirmativa.

Como tal parecer prévio favorável não foi no caso obtido, como se viu, aquele despacho, por violação do nº. 1 do artº. 9º cai na cominação da nulidade do artº. 34º.

O que conduz à análise da segunda questão que essa cominação levanta e que é a de saber, como acima já se disse, se a assim enunciada nulidade não resulta afastada ou limitada nos seus efeitos pela circunstância de, tal como ficou apurado no domínio dos factos, o parecer favorável da Comissão Regional ter sido no caso emitido (e mesmo solicitado) posteriormente ao acto expropriativo.

O DL nº. 196/89, cuja cominação do seu artº. 34º está em causa nos autos, é um diploma que, a par de outros, constitui emanação da política de ordenamento do território, a qual, com a do urbanismo, passou a ter, com a 4ª revisão, assento na Constituição [cfr. artºs. 65º., nº. 4, 165º., nº. 1, al. z) e 228º., al. g)].

Ora em tal matéria é frequente o legislador ordinário – atenta a preeminência dos interesses colectivos em jogo – cominar com a nulidade actos administrativos que nas aludidas matérias se não conformem com certas regras nesse mesmo âmbito definidas.

De modo exemplificativo, mas longe de ser exaustivo, basta lembrar o artº. 103º. do DL nº. 380/99, de 22/9 (regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial), relativo à nulidade dos actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável; artº. 15º. do DL nº. 93/90, de 19/3 (regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional), nulidade dos actos administrativos que violem o disposto nos artºs. 4º. e 17º; artº. 25º., nº. 7 da Lei nº. 54/2005, de 15/11 (titularidade dos recursos hídricos), nulidade dos actos ou licenciamentos que desrespeitem as restrições de utilidade pública nas zonas adjacentes às águas públicas previstas nos nºs. 1 a 6 do mesmo diploma; artº. 1º., nº. 7 do DL nº. 327/90, de 22/10 (ocupação do solo objecto de um incêndio florestal), nulidade dos actos que violem o disposto nos nºs. 1 a 6 do seu artº. 1º; e artº. 68º. do DL nº. 555/99, de 16/12 (regime jurídico da urbanização e edificação), nulidade das licenças ou autorizações previstas no mesmo diploma, quando preencham a previsão de qualquer das als. a), b) e c) daquele artº. 68º.

Ora, o legislador ordinário, salvo o respeito por determinados princípios constitucionais rectores, como o da proporcionalidade, justiça, igualdade e coerência nacional, é livre em princípio de ligar à desconformidade de certo ou certos actos administrativos com determinados princípios ou regras jurídicas, o efeito da sua nulidade, em obediência a certos valores ou interesses subjacentes às normas cujo desrespeito, envolve aquela cominação legal.

E não cabe ao intérprete substituir assim à valoração operada a sua própria, isto sem embargo do poder de escrutiná-la à luz dos princípios constitucionais já referidos.

Não pode assim deixar de considerar-se o despacho impugnado contenciosamente como nulo, uma vez que o mesmo não foi precedido de parecer favorável da respectiva comissão regional (artºs. 9º., nº. 1 e 34º. do DL nº. 169/89).

Sendo nulo, o mesmo não produziu quaisquer efeitos jurídicos (artº. 134º., nº. 1, do Cód. Proc. Adm.), não podendo consequentemente ser objecto de sanação (artº. 137º., nº. 1, do mesmo diploma).

Mas tendo sido tal acto praticado e sendo de admitir como plausível, no domínio dos factos, atento o tempo entretanto decorrido desde a sua prática (4/9/2002), que as obras cuja pública necessidade de execução ditou a respectiva prática, se encontram já consumadas, e assim integradas no objecto da concessão, não poderá para essa hipótese defender-se estarmos perante uma situação em que os valores da segurança e da confiança autorizam atribuir efeitos jurídicos à mera situação de facto entretanto operada, tudo ao abrigo do nº. 3 do artº. 134º. do Cód. Proc. Adm..?

Tanto mais, não se esqueça, como resulta da matéria de facto apurada, que posteriormente ao acto impugnado contenciosamente foi pedido e obtido o parecer favorável da respectiva comissão regional da RAN?

Desde já se adianta que semelhante interrogação merece resposta negativa.

Na verdade, aquele acto, como acto expropriativo, levando à extinção do direito de propriedade dos recorrentes sobre as respectivas parcelas de terreno, é um acto eminentemente agressivo da esfera jurídica daqueles.

E se, nas circunstâncias do caso, a lei exige, como vimos, que o mesmo só possa ser praticado quando precedido de parecer prévio favorável de um órgão independente, como é a comissão regional respectiva, isto só pode significar que tal formalidade funciona também como garantia do particular expropriado.

Pois não são expropriáveis terrenos integrados na RAN sem parecer favorável daquela Comissão ou contra o mesmo.

É caso para dizer que os valores da segurança e da confiança, a poderem ser invocados no caso, postulam antes que um acto expropriativo com a configuração acabada de referir, sendo legalmente nulo como vimos que é, não produza quaisquer efeitos jurídicos».


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A fundamentação supra mencionada serviu igualmente de suporte ao acórdão fundamento, onde ainda se acrescentou:

«É, pois, de concluir que o parecer em causa, sendo, nos termos expostos, necessário por imperativo do art. 9° n° 1 do DL nº 196/89 e não tendo sido emitido no momento próprio, acarretou, tal como decidiu o acórdão sob recurso, a nulidade do despacho de expropriação.

Todavia, esta conclusão, ainda que solidamente ancorada no texto da lei, terá de ser confrontada com uma dúvida quanto ao seguinte ponto: saber se a nulidade que, deste modo, caberia declarar não deverá ser afastada ou limitada nos seus efeitos pela circunstância de o parecer da Comissão Regional ter sido de facto emitido em sentido favorável, ainda que em momento posterior ao despacho expropriativo, acrescendo que a obra em questão se encontra integralmente executada.

Dúvida essa que se legitima pelo apelo ao conhecido princípio do aproveitamento do acto administrativo ou teoria dos vícios inoperantes, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem aceitado, ainda que sob certas condições (cfr. a título de exemplo, os acs. do Tribunal Pleno de 12.07.90 in proc. n° 22 906 e de 20.03.97 in proc. n° 27 930), segundo o qual a anulação de um acto viciado não será pronunciada quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o acto impugnado.

Seria este o caso presente, uma vez que, renovado o procedimento, iríamos obter um novo parecer favorável, agora prévio, mas que, afinal, já fazia parte, com esse preciso conteúdo, do procedimento destruído. O acto final expropriativo, objecto do ataque contencioso, resultaria, assim, inexoravelmente incólume.

A favor desta tese, cujo poder de sedução é inegável, são invocáveis duas ordens de razões, uma de natureza prática, outra de natureza teórica.

A primeira promana dos princípios da economia dos actos públicos e da eficiência da Administração que repelem a produção de actos inúteis. Para quê, pois, repetir um procedimento, ainda que isento do vício anterior, se o conteúdo, tanto do acto interlocutório como do acto final, se encontra totalmente pré-determinado?

Como se lê no acórdão de 7.02.02 (in proc. nº 46 611) deste Supremo Tribunal, “a economia de meios é também em si um valor jurídico, correspondendo a uma das dimensões indispensáveis do interesse público”, podendo-se acrescentar que ele constitui também, e em primeira linha, um dos princípios rectores que a CRP (art. 267º nº 5) impõe à actuação administrativa.

A segunda ordem de considerações tem a ver com a estrutura e o sentido das normas que disciplinam o procedimento.

Costuma dizer-se que estas regras de trâmite não têm valor autónomo, não constituem “um fim em si mesmo” (Selbstzweck), mas apenas um “meio” (Mittel) para conseguir uma decisão substantivamente correcta ou justa, encontrando-se, nesta precisa medida, finalisticamente comprometidas.

O procedimento teria uma função meramente instrumental ou ancilar servindo, acima de tudo, a correcção e a racionalidade da decisão substantiva bem como a completude dos fundamentos dessa mesma decisão.

Relegadas para um plano meramente técnico, seria, pois, legítimo dispensar o acatamento de qualquer das suas normas sempre que estivesse seguramente alcançado esse escopo material. O que, por outro lado, implicava ou pressupunha uma nítida dicotomia entre normas procedimentais e normas substantivas dada a sua diferente natureza.

Só que esta maneira de ver as coisas não pode ser aceite sem severas restrições.

Modernamente tem-se posto em crise essa distinção antinómica, acentuando-se, em contraponto, a relação de polaridade (ou seja, de interdependência e de recíproca complementariedade) entre essas duas categorias de normas (cfr., por todos, RAINER WAHL e JOST PIETZKER, Verwaltungsverfahren zwischen Verwaltungseffizienz und Rechtsschutzauftrag in VVDSt (41) Berlin New York 1983 passim e HERMANN HILL, Das fehlerhafte Verfahren und seine Folgen im Verwaltungsrecht, Heidelberg 1986, pp. 201 e ss.).

A lei, por via de regra, não define com precisão o direito material nem, muitas vezes, este existe a priori. Oferece-nos, antes, de forma mais ou menos abstracta, a moldura daquilo que é realizável, ou seja, o se, sob que pressupostos e com que conteúdo podem nascer direitos e deveres.

Para sair desse quadro abstracto, escreve o último daqueles autores (op. e loc. cit.), é necessária uma actividade de transposição e de concretização do conteúdo normativo para o caso singular (Rechtsgewinnung), a qual tem lugar no procedimento e através do procedimento. É este sistema de normas que, em simbiose com o direito substantivo, determina a forma da realização concreta da previsão material daqueles direitos e deveres.

Deste novo entendimento do problema derivam consequências importantes.

Por um lado, o reconhecimento de que as normas deste tipo, para além daquela vertente ancilar, têm também uma função própria: uma função de tutela dos direitos subjectivos dos cidadãos na medida em que estabelecem parâmetros precisos de aferição jurisdicional da legalidade. E, também, uma função de controlo objectivo da Administração, ou seja, uma função pedagógica e disciplinadora do seu comportamento e de garantia da realização das suas atribuições globais (Gesamtauftrag) constitucionais. Por isso é que, historicamente, a tutela jurisdicional e as normas de processo foram sempre, pelo menos, tão importantes como o próprio direito material.

Por outro lado, esta reabilitação do procedimento tem chamado a atenção da doutrina para a variedade dos vícios que o podem inquinar, nem todos, naturalmente, merecedores do mesmo tratamento, levando, por isso, os autores a definir várias categorias de vícios segundo um critério funcional (tipo de sanção cominada pela lei, natureza da norma violada, contexto procedimental, etc.).

Deixando de lado esses esquemas classificatórios, importa reter que, relativamente à categoria de infracções mais graves, a dos chamados “vícios absolutos” (que incluem, entre outros, os casos que implicam nulidade), se aceita sem reticências, que a sua ocorrência conduz irremediavelmente à sanção primária prevista na lei. Isto com desprezo total pela correcção jurídica da decisão substantiva.

O fundamento desta posição reside, não só na apontada autonomia das normas de procedimento que não consente que os efeitos da ilegalidade cometida sejam sacrificados ao acerto daquela decisão, mas também, e principalmente, no radical desvalor que o ordenamento jurídico liga a este tipo de violação de lei.

Na verdade, entende-se que nos casos de nulidade (aos quais se associam, por via interpretativa, os de anulabilidade especialmente grave, p. ex. aqueles em que a norma de procedimento está ao serviço de um direito substantivo particularmente relevante) são os próprios fundamentos do sistema que são postos em crise por esse “vício absoluto”. A atribuição de quaisquer efeitos jurídicos, ainda que colaterais, ao acto nulo representaria um entorse intolerável na estrutura normativa do Estado de Direito.

Recordemos que os actos nulos - e é justamente com um acto deste tipo que aqui nos confrontamos - não produzem quaisquer efeitos jurídicos (art. 134º n° 1 do CPA), não há, quanto a eles, sanação possível por ratificação, reforma ou conversão (art. 137º do CPA), não podendo, por isso, ainda que na qualidade de acto interlocutório mas condicionante da decisão final, ser objecto de qualquer aproveitamento.

E a circunstância de ter sido emitido parecer favorável, embora a posteriori, não altera os dados da questão. É que o “fim procedimental singular da norma” (HILL), o seu “escopo de protecção”, não é tanto o interesse geral, que sempre existe, de uma correcta decisão de fundo, mas a exigência expressamente afirmada no texto da lei, de um certo momento para a emissão daquele acto.

Podemos, pois, dizer que o legislador, na arquitectura desta nulidade, atribuiu ao elemento temporal importância essencial e que, por outro lado, é este elemento qualificador que confere autonomia funcional ao vício.

Acresce ainda, numa perspectiva complementar, que a análise dos valores ou interesses, de raiz constitucional, que essa norma de procedimento e a sanção de nulidade visam proteger confirmam inteiramente as considerações precedentes.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal Pleno acima transcrito, “o DL nº 196/89, cuja cominação no seu art. 34º está em causa nos autos, é um diploma que, a par de outros, constitui emanação da política de ordenamento do território, a qual, com a do urbanismo, passou a ter, com a 4ª revisão, assento na Constituição [cfr. arts. 65° n°4, 165° n°1 al. z) e 228° al. g)].

Ora, em tal matéria é frequente o legislador ordinário - atenta a preeminência dos interesses colectivos em jogo - cominar com a nulidade actos administrativos que nas aludidas matérias se não conformem com certas regras nesse mesmo âmbito definidas.

De modo exemplificativo, mas longe de ser exaustivo, basta lembrar o art. 103º do DL nº 380/99, de 22/9 (regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial), relativo à nulidade dos actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável; art. 15º do DL nº 93/90 de 19/3 (regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional), nulidade dos actos administrativos que violem o disposto nos arts. 4º, 17º e 25º nº 7 da Lei nº 54/2005, de 15/11 (titularidade dos recursos hídricos), nulidade dos actos ou licenciamentos que desrespeitem as restrições de utilidade pública nas zonas adjacentes às águas públicas previstas nos nºs 1 a 6 do mesmo diploma; art. 1º nº 7 do DL nº 327/90 de 22/10 (ocupação do solo objecto de um incêndio florestal), nulidade dos actos que violem o disposto nos nºs 1 a 6 do seu art. 1º; e art. 68º do DL nº 555/99 de 16/12 (regime jurídico da urbanização e edificação), nulidade das licenças ou autorizações previstas no mesmo diploma, quando preencham a previsão de qualquer das als. a), b) e c) daquele art. 68°”

Trata-se de nulidades ligadas à infracção de interesses comunitários de grande alcance, como o ordenamento do território ou o aproveitamento racional dos recursos naturais, com expresso assento constitucional [arts. 65º nº 4 e 66º nº 2 al. d) da CRP], portanto de nulidades em que podemos entrever um “valor reforçado”, o que acentua a irrelevância, teórica e prática, dos actos por elas afectados.

Por conseguinte, vindo o despacho impugnado apoiado por parecer favorável mas não prévio da competente comissão regional, o mesmo é irremediavelmente nulo por força do disposto nos arts. 9º nº 1 e 34º do Dec-Lei nº 169/89, improcedendo, assim, as conclusões e), f) e g) da alegação da recorrente.

(…)».

Ora esta fundamentação constante do acórdão fundamento, respeitante à não aplicação do princípio do aproveitamento do acto nulo, é por nós completamente acolhida, a que acrescentaremos ainda o seguinte:

A adoptar-se a tese do aproveitamento do acto nulo, quando emitido sem o prévio parecer obrigatório e vinculativo, tal poderia igualmente abrir espaço não só para exacerbar e consolidar as denominadas “situações de facto consumado”, mas também para permitir que se instale na prática administrativa a teoria de que a decisão pode dispensar o parecer prévio, quando, como se refere nas alegações dos recorrentes, o parecer deve funcionar como um contributo útil e decisivo na construção do acto, permitindo a sua prática ou proibindo-a e, por isso, o legislador lhe atribuiu natureza prévia, obrigatória e vinculativa e sancionou a sua ausência – prévia – com a sanção mais gravosa, que é a nulidade.

Ora esta natureza, conformadora do acto administrativo, não se compadece com o princípio do aproveitamento dos actos dado que, mesmo que venha a ser favorável (e só nesse caso se poderá falar em inoperância do vício invalidante), poderá sempre abrir as portas e apontar soluções alternativas que melhor acautelem os interesses públicos e privados que estejam em causa.

Procede, pois, o presente recurso uniformizador.


*

3. DECISÃO:

Nestes termos, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, e em fixar jurisprudência no seguinte sentido:

«É nulo, por violação do disposto no artº 34º do DL nº 196/89, de 14.06, o acto administrativo de declaração de utilidade pública se o mesmo não for precedido de parecer prévio da respectiva comissão regional da reserva agrícola, e, ainda que favorável, tal parecer não produz efeitos positivos se for emitido em momento posterior àquele acto de declaração de utilidade pública».

Custas a cargo da recorrida.

Cumpra-se o disposto no nº 4, «in fine», do artigo 152º do CPTA.

D.N.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2021

[A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artº 3º do DL nº 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiros Teresa de Sousa, Madeira dos Santos, Carlos Carvalho, José Veloso, Fonseca da Paz, Maria Benedita Urbano, Ana Paula Portela, Suzana Tavares da Silva, Adriano Cunha, Cláudio Ramos Monteiro e Maria Cristina Gallego dos Santos].
Maria do Céu Neves