Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:046263
Data do Acordão:03/31/2004
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ABEL ATANÁSIO
Descritores:REFORMA AGRÁRIA.
ARRENDAMENTO RURAL.
INDEMNIZAÇÃO.
ACTUALIZAÇÃO DE RENDAS.
Sumário:No âmbito da Reforma Agrária, a indemnização devida ao proprietário do prédio rústico, pela privação das rendas auferidas deve ser determinada atendendo às rendas que seriam devidas, como se o contrato se tivesse mantido em vigor no período que mediou entre a data da ocupação e a devolução, atendendo-se, num juízo de prognose póstuma, à evolução previsível e presumível das rendas nesse lapso de tempo.
Nº Convencional:JSTA00061156
Nº do Documento:SAP20040331046263
Data de Entrada:05/14/2003
Recorrente:MINADRP - SE DO TESOURO E DAS FINANÇAS
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC 1 SUBSECÇÃO DO CA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - REFORMA AGRÁRIA.
Legislação Nacional:L 76/77 DE 1977/09/29 ART9 ART11 ART12 ART14.
DL199/88 DE 1988/05/31 ART8 ART9.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC44146 DE 2000/06/05.; AC STAPLENO PROC44145 DE 2001/01/16.; AC STAPLENO PROC45608 DE 2002/07/03.; AC STAPLENO PROC46298 DE 2003/10/01.; AC STAPLENO PROC293/02 DE 2004/02/19.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I - RELATÓRIO
O MINISTRO DA AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO RURAL E PESCAS, recorre para este Tribunal do Acórdão da Secção datado de 4 de Dezembro de 2002, que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por A... e outros, com os sinais dos autos, dos despachos do MINISTRO DA AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO E PESCAS e do SECRETÁRIO DE ESTADO DO TESOURO E DAS FINANÇAS, respectivamente de 3/2/2000 e 18/2/2000, de fixação da indemnização definitiva devida aos ora recorridos pela privação do uso e fruição de prédios rústicos objecto de intervenção no âmbito da reforma agrária.
Para tanto alegou, concluindo como segue:
“1ª A indemnização a pagar aos proprietários alvo de expropriação no âmbito da reforma agrária e que não faziam a exploração do seu património, corresponde a 20% do montante global indemnizatório a pagar ao rendeiro e ao proprietário.
2ª A indemnização pela nua propriedade, tendencialmente 20% do valor indemnizatório, como se referiu, tem por base de cálculo o somatório das rendas perdidas durante o ano da privação, até a entrega do património.
3ª O Estado considera-se devedor do montante encontrado (renda pelo número de anos de privação) a partir da expropriação, o que corresponde a uma verdadeira actualização das rendas, pois se faz uma antecipação do seu vencimento integral e fez-se incidir sobre esse valor uma taxa que só pode ser tida como de actualização, uma vez que os juros não eram devidos antes de ser apurado o montante do capital (renda multiplicado pelo número de anos de privação).
4ª O modo de fixação da indemnização pela perda do rendimento líquido do património expropriado (da nua propriedade) e entretanto devolvido, é igual, quer fosse explorada directamente pelo proprietário, quer estivesse arrendado, apenas variando no modo de apuramento da base de incidência das taxas previstas no artº 19º da Lei nº 80/77, de 26/10, como aliás, decorre do disposto no nº 4 do artº 5º do DL nº 199/88, na redacção dada pelo DL nº 38/95, de 14.02. Com efeito.
5ª No caso de prédio arrendado, o rendimento líquido perdido, é apurado multiplicando-se a renda à data da ocupação pelo número de anos que perdurou a expropriação e dando-se por vencido o montante global na data da ocupação; no caso do prédio não arrendado, o rendimento líquido é encontrado partindo-se do rendimento líquido médio da terra, fixado no Anexo nº 4 à Portaria nº 197-A/95, actualizando-se aquele valor de 1995, à data da ocupação, por aplicação de uma taxa deflaccionária de 2,5% ano, o que provoca necessariamente a sua diminuição e multiplica-se o valor encontrado pelo número de anos que durou a expropriação.
6ª A taxa de actualização do valor encontrado é prevista no referido artº 19º e aplica-se ao valor encontrado, quer se trate de proprietário senhorio quer de proprietário que explorava directamente o património.
7ª A percentagem a atribuir pela perda do rendimento líquido da terra (nua propriedade) é sempre a mesma, de 20% do valor global indemnizatório, não existindo do ponto de vista legal, diferença de percentagem quer o prédio em causa se encontrasse ou não arrendado.
8ª Aliás, só assim se respeita o princípio legalmente consagrado de que a indemnização é uma só (v.d. nomeadamente, o nº 4 do artº 5º do DL nº 199/88, entre outros) e que é repartido, no caso da existência de arrendamento em 20% para o senhorio (nua propriedade) e 80% para o rendeiro, como igualmente consta daquele diploma.
9ª O douto acórdão na parte recorrida, faz incorrecta interpretação da lei ao entender que o factor renda usado no cálculo da indemnização não sofre actualização violando, nessa parte, o nº 4, do artº 14º do DL nº 199/88, pelo que,
Deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência revogar-se o douto acórdão na parte em que dele se recorre, com as legais consequências.”
Não houve contra-alegação.
O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal entende, no seu Parecer de fls. 456, que o recurso jurisdicional não deverá obter provimento.
Colhidos os vistos, cabe decidir.
II – OS FACTOS
O acórdão recorrido deu por assente a seguinte factualidade:
“1. O 1º, 2º, 4º e 5º recorrentes e ..., falecido em 16.5.86, foram até 17.9.75, comproprietários, em comum e sem determinação de parte, dos seguintes prédios:
a) do prédio rústico denominado Herdade ..., sito na freguesia de Vaiamonte, concelho de Monforte, composto por 44 parcelas cadastrais e com uma área total de 1197.475 ha, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 1, secção PP-1, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o nº 5699 fls. 2, vº do Liv. B-16;
b) do prédio rústico denominado herdade ..., sito na freguesia de S. Saturnino, concelho de Fronteira, com uma área total de 353,250 ha, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 1-C e descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o nº 335, fls. 151, vº, do Liv. B-4/S-F ;
c) do prédio rústico denominado Herdade ..., sito na freguesia de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, com uma área total de 233, 700 ha, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 4-J, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o nº 572 fls. 247, vº, do Liv. B-4-S/Alter do Chão;
d) do prédio rústico denominado ... , sito na freguesia de S. Saturnino, concelho de Fronteira, com uma área total de 16,325 ha, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 3-C.
2. A 3ª recorrente, viúva de ..., sucedeu a este último na titularidade da respectiva quota referente aos prédios identificados no número anterior.
3. Em 20 de Agosto de 1974, os 1º, 2º, 4º e 5º recorrentes e o falecido ... deram de arrendamento a ... o conjunto dos 4 prédios rústicos atrás referidos.
4. De acordo com a escritura de arrendamento, o mesmo foi celebrado pelo prazo de 10 anos com início em 1 de Fevereiro de 1975 e fim em 1 de Fevereiro de 1985.
5. Ficou consignado no artº 8º do mesmo contrato de arrendamento o seguinte:
“O arrendatário obriga-se a pagar a renda anual de escudos equivalentes a cento e quinze mil quilos de trigo mole com o peso específico de setenta e oito, ao preço líquido oficial, que presentemente é de um escudo quarenta e oito centavos e trinta e oito centésimos o quilo, mais o equivalente a quinze mil quilos de carne de bovino alentejano para desmame com a idade de sete meses ao preço vivo líquido do mercado, o qual, para efeitos do valor deste contrato, fixam em trinta e nove escudos o quilo”.
6. E consta do artº 9º:
“A renda será paga anualmente, numa única prestação, em trinta de Setembro com referência aos preços – oficial e de mercado – do ano agrícola findo nessa data”.
7. Em 12.7.75, foram ocupados os prédios referidos em 1.
8. O prédio denominado Herdade ..., referido em 1. a), foi expropriado pela Portaria nº 560/75, de 17 de Setembro, publicado no DR, 1ª Série, nº 215, da mesma data.
9. Quanto a esse mesmo prédio, foram devolvidos aos recorrentes a título de reserva, em 29.9.83, 114,0634 ha e, em 14.3.91, o remanescente (1.083,4116 ha)
10. Quanto aos demais, referidos em 1., os recorrentes, por escritura pública de 6.12.83, venderam-se à Unidade Colectiva de Produção Agrícola da Torre da Palma.
11. Em 28.10.97, foi elaborada pela DRAAL a informação nº 246/97 – GID – CA, e respectivo relatório informático que dela faz parte integrante, constante de fls. 67 e segs. do proc. instrutor, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido, contendo uma proposta de fixação de uma indemnização definitiva devida a cada um dos recorrentes, no valor de 1.930.315Esc. acrescida de juros nos termos do Dec.Lei nº 213/79, de 14 de Julho.
12. Os recorrentes deduziram reclamação (fls. 130 e segs. do instrutor) que não obteve êxito tendo, por despachos do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Secretário de estado do Tesouro e das Finanças, respectivamente e de 3.2.2000 e 18.2.2000, de concordância com as informações nºs. 1455/99, 1456/99, 1457/99, 1458/99 e 1459/99, sido fixada aos recorrentes a indemnização definitiva no montante proposto.”
III – O DIREITO
O presente recurso jurisdicional é interposto do Acórdão da Secção datado de 4 de Dezembro de 2002, que anulou o acto impugnado por entender que este enferma do vício de violação de lei ao interpretar e aplicar o artº 14º , nº 4, do DL 199/88, de 31/5, relativo a indemnização fixada aos ora Recorridos.
Defende o Recorrente, em síntese, que a indemnização calculada com base no valor da renda à data em que os recorrentes ficaram privados dos prédios, multiplicado pelo número de anos em que a privação se manteve, corresponde a uma verdadeira actualização das rendas, uma vez que “…se faz uma antecipação do seu vencimento integral e fez-se incidir sobre esse valor uma taxa que só pode ser tida como de actualização, uma vez que os juros não eram devidos antes de ser apurado o montante do capital (renda multiplicado pelo número de anos de privação )” .
A matéria em causa tem sido tratada por este Tribunal Pleno em sentido idêntico ao do acórdão da Secção de um modo constante e reiterado (vejam-se, entre outros, os acórdãos de 5/6/2000, nos recursos nºs. 44.144 e 44.146, de 18/2/2000, rec. 43.044, de 16/1/2001, rec. 44.145, de 3/7/2002, rec. 45.608 e de 26/11/2002, rec. 46.053, e os mais recentes, de 19/2/2004, rec. nº 0293/02, de 1/10/2003, rec. 46.298, de 16/10/2003, rec. 47.984, de 28/10/2003, rec. 47.393, de 12/11/2002, rec. 47.991 ). Não vislumbrando razões para divergir desta Jurisprudência, iremos seguir de perto o decidido naqueles acórdãos, para os quais desde já se remete.
O acto anulado na fixação do montante da indemnização devida, ateve-se à renda à data da ocupação e multiplicou-a pelo número de anos decorridos.
Foi contra este procedimento que os ora Recorridos se insurgiram, vindo a Secção, no acórdão ora em análise, a considerar entendimento da Administração inquinado do vício de violação de lei, ao não proceder a uma actualização das rendas devidas.
E com acerto o fez.
Efectivamente, sufragando a tese vertida nos citados arestos, a decisão sub judice considerou que no cálculo da indemnização, tratando-se de uma indemnização pelos chamados lucros cessantes sofridos pelos proprietários dos prédios arrendados que se viram privados das respectivas rendas, tem que intervir um juízo hipotético quanto ao montante das rendas que o senhorio do prédio teria recebido não fora o facto ablativo entretanto ocorrido.
Ora, no caso concreto, as partes, no contrato de arrendamento firmado, haviam fixado o modo de calcular o montante anual da renda devida, pelo que bastaria à Administração recorrer à aplicação daquele método, para determinar o valor da indemnização em dívida, tal como se refere no acórdão em análise.
Como se refere no acórdão deste Pleno, de 5/6/2000, rec. nº 44.146:
Finalmente, a [solução] vertida no acórdão do Pleno de 18 de Fevereiro de 2000, recurso nº 43.044, que julgou, do mesmo passo, haver lugar à actualização das rendas, mas inaplicáveis os factores de actualização previstos nas sucessivas portarias.
No meu modo de ver, está correcta a interpretação do Pleno. Na verdade, inexiste norma de remissão expressa para esse regime de actualização. E, a mais disso, como se diz no discurso fundamentador do aresto:
i) a indemnização tem a natureza de uma indemnização por lucros cessantes;
ii) o respectivo cálculo haverá de fazer-se num juízo de prognose póstuma e de verosimilhança ou séria probabilidade; e
iii) o regime das tabelas de rendas máximas não satisfaz de todo a esse juízo, uma vez que, por força da disciplina legal do arrendamento rural (Lei 76/77, de 29 de Setembro e depois o Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro), não se pode dizer com segurança qual teria sido a evolução das rendas, já que as mesmas poderiam ter sido actualizadas por iniciativa de qualquer das partes, de seis em seis anos, por iniciativa apenas do arrendatário ao fim de um ano de contrato e reduzidas ou revistas em casos excepcionais (artigos 9º, nº 5, 11º, 12º e 14º da Lei nº 76/77).”
E no caso dos autos, para determinação do montante devido, nem se mostrava necessário o recurso ao processo administrativo especial previsto nos artigos 8º e 9º do Decreto-Lei nº 199/88, de 31 de Maio, com o fito de aí se proceder a indagações, uma vez que, como se deixou dito no acórdão da Secção, as partes intervenientes no contrato de arrendamento haviam acordado no método a que lançariam mão a fim de fixar o valor das rendas, “para o que bastaria ter conferido o preço oficial do trigo mole com peso específico de 78 e o preço de mercado da carne de bovino alentejano para desmama com idade de sete meses, naquele período” no período de perda de uso e fruição.
Nada disto é refutado nas alegações do Recorrente.
DECISÃO
Pelo exposto, improcedendo todas as conclusões da alegação do Recorrente, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando o acórdão da Secção.
Sem custas.
Lisboa, 31 de Março de 2004.
Abel Atanásio – Relator – João Cordeiro – Santos Botelho – Rosendo José - António Samagaio – Azevedo Moreira – Pires Esteves – Pais Borges – João Belchior