Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01438/16.7BELRS 01386/17
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OBJECTO
Sumário:Nos processos de impugnação judicial, apresentados na sequência de decisões, dos serviços competentes da administração tributária (AT), de indeferimento (mesmo que, por motivos formais) de reclamações graciosas, recursos hierárquicos e/ou pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários, há muito, a jurisprudência, do STA, identificou (e vem afirmando) a existência de um objeto imediato (a decisão da reclamação….) e de um objeto mediato (os vícios, concretamente, imputados ao ato tributário de liquidação) - cf. v.g., acórdãos de 16 de novembro de 2011 (0723/11) e de 18 de junho de 2014 (01942/13).
Nº Convencional:JSTA000P26351
Nº do Documento:SA22020091601438/16
Data de Entrada:12/06/2017
Recorrente:BANCO A............, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

Banco A……….., S.A. - em liquidação, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 28 de julho de 2017, que julgou procedente impugnação judicial, apresentada contra decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), respeitante ao ano de 2010 e na parte em que sujeita a tributação efetiva os rendimentos correspondentes aos lucros que foram distribuídos, nesse exercício, pela sociedade de direito brasileiro, BANCO B………, S.A., ……...
O recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

1.ª O RECORRENTE peticionou, no âmbito da presente ação impugnatória, a anulação parcial do ato de autoliquidação do IRC do ano de 2010, na parte em que o mesmo reflete a sujeição a tributação efetiva dos dividendos que lhe foram distribuídos durante esse exercício pela sociedade de direito brasileiro BANCO B………., e, bem assim, a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa anteriormente apresentada, a qual, com base nos fundamentos da mesma constantes, manteve a referida autoliquidação na ordem jurídica.

2.ª Para o efeito, o RECORRENTE submeteu à apreciação do Tribunal a quo a questão de saber se o artigo 51.°, n.º 1, do Código do IRC - na redação vigente à data dos factos -, quando interpretado no sentido de excluir do seu âmbito de aplicação os dividendos pagos por entidades localizadas em países terceiros, consubstancia uma restrição à livre circulação de capitais entre Estados-Membros e países terceiros proibida pelo artigo 63.° TFUE.

3.ª Dando resposta à questão que foi chamado a pronunciar-se, o Tribunal a quo confirmou que a hipótese analisada nos presentes autos configura uma situação que é objetivamente comparável com aquela que se encontra prefigurada nos artigos 51.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo feito sublinhar que «A única e decisiva razão pela qual o Impugnante foi tributado, em sede de IRC e de derrama, sobre os dividendos distribuídos pelo Banco B………., reside na circunstância de esta não ser residente em território português ou noutro Estado-Membro da União Europeia».

4ª Nesta sequência, o Tribunal a quo concluiu, coerentemente, que uma interpretação que tenha por efeito excluir do âmbito de aplicação do regime previsto no artigo 51.º, n.º 1, do Código do IRC, os dividendos distribuídos pelo BANCO B……… ao RECORRENTE, consubstancia uma restrição ao princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.° TFUE.

5.ª Prosseguindo a sua análise à luz dos regimes derrogatórios previstos nos artigos 64.º e 65.º do TFUE, o Tribunal a que começou por assinalar que, no que respeita à circulação de capitais entre Estados-Membros e países terceiros, os Estados-Membros podem, ao abrigo dos referidos regime derrogatórios, impor restrições à referida livre circulação de capitais com base em razões relacionadas com a fraude e com os controlos fiscais.

6.ª Fixados estes pressupostos, o Tribunal a quo assinalou, então, que «Os motivos expostos pela AT para indeferir o pedido de revisão não têm a ver com razões atinentes à fraude e aos controlos fiscais justificativos da restrição aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e países terceiros», tendo concluído, nessa medida, que «o ato tributário [de indeferimento], na parte concretamente impugnada, não se pode manter na ordem jurídica».

7.ª Porém, ao invés de prosseguir com a análise dos vícios de ilegalidade suscetíveis de conduzir à anulação do ato de autoliquidação impugnado, o Tribunal a que optou por determinar, singelamente, «o prosseguimento do pedido de revisão oficiosa, não podendo a AT indeferir tal pedido com os fundamentos invocados na decisão ora anulada».

8.ª Ora, como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, repetidamente, a afirmar, a ação de impugnação judicial está estruturado como um processo de mera anulação, tendo por objeto quer a decisão de indeferimento, quer o ato de liquidação, impondo-se, nessa medida, ao tribunal o conhecimento «tanto dos aspectos atinentes aos vícios próprios do indeferimento da reclamação [ou do pedido de revisão oficiosa] como das ilegalidades imputadas ao acto tributário que aquele considerou não existirem» (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de novembro de 2011, proferido no processou.° 0723/11, e de 18 de junho de 2014, proferido no processo n.º 01942/13).

9ª Assim, não tendo o Tribunal a quo anulado o ato de autoliquidação sub judice, deve o trecho decisório que se impugna - em concreto, a parte em que se determina o prosseguimento do procedimento de revisão oficiosa - ser revogado, prosseguindo-se com a apreciação e o julgamento dos vícios de ilegalidade suscetíveis de conduzir à anulação parcial do ato de liquidação do IRC do ano de 2010, na parte em que traduz a sujeição a tributação efetiva dos dividendos que lhe foram distribuídos durante esse exercício pelo BANCO B……….

10ª Posto isto, começa-se por sublinhar, no que em concreto respeita aos vícios de ilegalidade de que padece o mencionado ato de autoliquidação, que a apreciação em ação impugnatória do ato de autoliquidação de IRC deve ser feita, em primeira linha, por referência aos fundamentos de substância invocados pela Administração tributária na decisão (de indeferimento) que manteve aquela liquidação na ordem jurídica, devendo os efeitos invalidantes daqueles ser projetados no ato de autoliquidação, pois que os integra.

11.ª Ora, como observado, no caso sob apreciação, o Tribunal a quo anulou o ato administrativo de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por vício de ilegalidade de substância (por oposição a um vício formal ou procedimental).

12.ª Mais concretamente, depois de dar por assente que «para que a Autoridade Tributária (AT) pudesse lançar mão de um regime diferenciado relativamente aos rendimentos provenientes de país terceiro, era essencial que tivesse invocado razões atinentes à fraude e aos controles fiscais”, o Tribunal a quo entendeu que «os motivos expostos pela AT para indeferir o pedido de revisão não têm a ver com razões atinentes à fraude e aos controlos fiscais justificativos da restrição aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e países terceiros» (tendo, por essa razão, anulado o ato de indeferimento).

13.ª O mesmo é dizer, portanto, que a subsistência do ato de autoliquidação sub judice não assenta em razões atinentes à fraude e aos controlos fiscais (putativamente) justificativos da restrição aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e países terceiros.

14ª Assim, desta singela circunstância permite-se concluir linearmente, que a subsistência do ato de autoliquidação assenta em fundamentos ilegais, devendo, em consequência, ser anulado.

15ª Sem prejuízo do que antecede, cumpre, ainda assim, referir que o ato de liquidação do IRC do ano de 2010 padece, per se, de vícios de ilegalidade que determinariam, sempre e em qualquer caso, a sua anulação.

16.ª Como vem sustentado - e bem - na Sentença recorrida, o caso sub judice é objetivamente comparável com a hipótese que se encontra prefigurada no artigo 51.°, n.º 1, do Código do IRC, sendo suscetível de beneficiar da dedução ali prevista, não fosse a residência da sociedade distribuidora localizar-se num país terceiro.

17.ª Significa isto, portanto, que a desaplicação do regime previsto no artigo 51.º, n.º 1, do Código do IRC, aos dividendos distribuídos pelo BANCO B……… ao RECORRENTE, consubstancia uma restrição ao princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.° TFUE.

18.ª Isto visto, resta referir que a restrição à livre circulação entre Estados membros e países terceiros resultante do artigo 51.º do Código do IRC, não se encontra abrangida pelos regimes derrogatórios recortados nos artigos 64.º e 65.° do TFUE.

19.ª Com efeito, e no que se refere concretamente ao regime derrogatório vertido no artigo 64.º do TFUE, faz-se notar que, mesmo nos casos em que existam restrições inalteradas desde 31 de dezembro de 1993, somente serão excluídas da proibição consagrada no artigo 63.º do TFUE as restrições à circulação de capitais que envolvam investimento direto.

20.ª Por seu turno, como o TJUE tem vindo a sufragar, o artigo 64.°, n.º 1, do TFUE, consubstancia uma exceção à regra geral consagrada no artigo 63.º do TFUE, razão pela qual caberia à Administração tributária, nos termos do disposto no artigo 342º, n.º 2, do Código Civil, o ónus da prova do preenchimento dos requisitos de tal exceção, em concreto a alegação e a demonstração de que no caso concreto a participação, por parte do RECORRENTE, no capital social do BANCO B………. envolveu um investimento direto.

21.ª Por conseguinte, não tendo a Administração tributária alegado ou demonstrado, em momento algum - minimamente que fosse -, os pressupostos de facto necessários ao preenchimento do requisito recortado em torno da natureza direta do investimento, resulta manifesto que a verificação de tal exceção encontrar-se-ia sempre prejudicada no caso vertente.

22.ª Em qualquer caso, não obstante a absoluta falta de alegação quanto aos pressupostos de aplicação da referida exceção por parte da Administração tributária, o certo é que, no caso concreto, a comprovação do requisito recortado em torno da natureza direta do investimento é, ipso facto, impossível, pois que a participação detida pelo RECORRENTE no BANCO B……… não consubstancia, como decorre da factualidade demonstrada, um investimento direto na aceção comunitária do termo.

23.ª Perante o que antecede, o regime derrogatório constante do invocado artigo 64.°, n.º 1, TFUE é manifestamente inaplicável no presente caso por inobservância dos respetivos pressupostos.

24.ª De resto, quanto às razões justificativas da manutenção da restrição à livre circulação de capitais previstas no regime derrogatório vertido no artigo 65.º do TFUE - ao abrigo do qual o legislador nacional pode, em determinadas condições, criar restrições à livre circulação de capitais oriundos de países ter designadamente, como se assinalou na Sentença recorrida, com base em razões relacionadas com a fraude e com os controlos fiscais - cumpre sublinhar que a (in)aplicabilidade do regime de dedutibilidade vertido no artigo 51°, n.º 1, do Código do IRC aos dividendos distribuídos por sociedades residentes em países terceiros não se encontrava dependente da (in)existência de qualquer acordo de cooperação administrativa celebrado entre Portugal e o Estado de residência da sociedade distribuidora dos dividendos ou de outro qualquer meio de controlo e fiscalização específico.

25.ª Neste sentido, considerando que a exclusão do âmbito de aplicação do regime vertido no artigo 51.º do Código do IRC dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em países terceiros não assentava numa justificação relacionada com a eficácia na luta contra a fraude fiscal, a restrição à livre circulação de capitais em causa consubstancia uma discriminação arbitrária - i.e., não justificada - de sociedades distribuidoras de dividendos que sejam residentes em países terceiros, sendo, como tal, inadmissível nos termos prescritos pelo artigo 65.°, n.º 3, TFUE, não podendo

26.ª Do mesmo modo, verificando-se que a restrição à livre circulação de capitais decorrente do regime vertido no artigo 51.º do Código do IRC não assenta em razões relacionadas fraude e aos controlos fiscais, não pode tal circunstância ser invocada como o elemento justificativo do seu tratamento fiscal discriminatório (seja em sede administrativa, seja em sede judicial).

27.ª Ao exposto acresce que, no caso sob apreciação, todos os requisitos de que dependia a aplicação do regime vertido no artigo 51.°, n.º 1, do Código do IRC aos dividendos distribuídos pelo BANCO B………. foram - conforme vem expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo - comprovados pelo RECORRENTE, através dos meios de prova ao seu dispor, razão pela qual, contrariamente ao entendimento subjacente à Sentença recorrida, seria totalmente inútil recorrer ao procedimento de troca de informações previsto no CDT celebrada entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil.

28.ª Em face do exposto, não subsistindo qualquer justificação para a restrição à livre circulação de capitais que sobressai do artigo 51.º do Código do IRC, impõe-se reconhecer que a mesma consubstancia uma discriminação inadmissível à luz do Direito da União, e, consequentemente, declarar a ilegalidade do ato de autoliquidação impugnado, na parte correspondente à tributação que incidiu - em violação do princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.° TFUE - sobre os dividendos distribuídos pelo BANCO B……… ao RECORRENTE no decurso do exercício de 2010.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS NÃO DEIXARÃO DE SUPRIR, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL E, EM CONSEQUÊNCIA, ANULADA A DECISÃO RECORRIDA NA PARTE IMPUGNADA, BEM COMO O ATO DE AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC REFERENTE AO ANO DE 2010, NA PARTE CORRESPONDENTE À TRIBUTAÇÃO QUE INCIDIU - EM VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 63.° TFUE - SOBRE OS DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS PELO BANCO B……….»


*

A recorrida (rda), Fazenda Pública, apresentou contra-alegações, onde conclui. «

… Diante do exposto, não existe fundamento para afastar a aplicação do regime previsto no art.º 51.º do CIRC, que se encontra em conformidade com o regime estabelecido no art.º 64.° e 65.º do TFUE.

NESTES TERMOS, e nos demais de direito, requer-se, a V. as Ex.ªs, que seja negado provimento ao recurso. »


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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, expendendo e concluindo: «

(…).

A AT indeferiu o pedido de revisão da autoliquidação de IRC de 2010, porquanto sustenta que aos dividendos distribuídos pelo Banco B………, entidade com sede no Brasil à recorrente, com sede em Portugal, não poderá ser aplicado o regime previsto no artigo 51.º do CIRC, redação vigente à data do facto tributário, porquanto esta norma apenas se aplica aos dividendos obtidos de sociedades sedeadas em território português ou noutro Estado membro da União Europeia.

Também, no entender da AT, não obstante o previsto no artigo 63.º do TFUE, relativo à livre circulação de capitais, o artigo 65.°/1/ a) do TFUE prevê, expressamente, que o disposto no artigo 63.° do TFUE não prejudica o direito de os Estados membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam um distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

Assim, sustentou a AT, a residência do contribuinte pode constituir um fator justificativo para que os Estados membros possam distinguir entre os contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência, pelo que a existir diferença não pode a mesma ser qualificada como discriminatória, nem constituir fundamento de que foi violado o TFUE.

A sentença recorrida sustenta que o caso em análise pode constituir ou constitui exceção à regra do artigo 63.º do TFUE, pois que já existia a CDT celebrada entre Portugal e o Brasil e, o então (31/12/1993) artigo 45.°/5 do CIRC, normas essa que constituem exceção à liberdade de circulação de capitais e foram adotadas para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento.

Assim, em função dos fundamentos invocados pela AT para indeferir o pedido de revisão da auto liquidação, que não têm a ver com razões atinentes à fraude e ao controlo dos impostos justificativas da restrição aos movimentos de capitais entre Estados- Membros e países terceiros e sendo certo que a CDT Portugal/Brasil consagra no seu artigo 26.º o mecanismo de troca de informações entre os Estados contratantes anulou o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC de 2010, enquanto objeto imediato da impugnação.

Quanto ao ato de autoliquidação, objeto mediato da impugnação, ordenou o prosseguimento do pedido de revisão, no entendimento de que as razões invocadas pela AT para indeferir o ato de indeferimento da revisão, prejudicaram o conhecimento dos pressupostos formais que condicionam o seu conhecimento, nomeadamente a eventual necessidade de recurso ao procedimento de troca de informações entre a AT portuguesa e a sua congénere brasileira.

O segmento da sentença recorrida que anulou a decisão e indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação mostra-se consolidado na ordem jurídica por não ter sido objeto de recurso.

Salvo melhor juízo, a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não determina, necessariamente, a anulação do ato de autoliquidação do tributo.

Os atos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de autoliquidação são atos distintos e autónomos, praticados por entidades distintas em momentos distintos e com fundamentos distintos.

Na verdade, o ato de autoliquidação é praticado pelo contribuinte, fundamentado, c por força da lei, na sua própria declaração, que, em princípio se presume verdadeira, nos termos do disposto no artigo 75.°/1 da LGT, sendo certo que incumbe ao contribuinte que pretende o pretende impugnar o ónus da prova da sua ilegalidade, nos termos do estatuído no artigo 74.°/1 da LGT.

O ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é praticado pela AT, pelas razões constantes da respetiva fundamentação, cabendo à mesma AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua atuação, designadamente se positiva e desfavorável.

Assim a fundamentação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não integra a fundamentação do ato de autoliquidação, à semelhança da contestação que a AT apresenta no âmbito do processo de impugnação judicial.

Ora, nos termos do disposto no artigo 51.°/10 do CIRC, na redação vigente à data do facto tributário, a dedução da totalidade dos rendimentos incluídos na base tributável correspondente a lucros distribuídos, como pretende a recorrente, além do mais, exige a sua tributação efetiva, facto que não consta do probatório.

Além do mais, na sua contestação a Fazenda Pública alegou que o recorrente não apresentou prova documental segura do recebimento dos valores que invocou ter recebido, nomeadamente mediante atas de distribuição de resultados, aprovação de resultados e respetivos balancetes, pelo que não está provado o recebimento de lucros distribuídos pelo banco B……., em 2010, no valor de € 12.603.190,54 e que não fez prova de que os rendimentos foram sujeitos a tributação efetiva no país de origem.

Os autos não contêm, pois, os elementos factuais necessários e suficientes para apreciação da legalidade do ato de autoliquidação em causa.

Parece, assim, que, face à anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão, com consequente exclusão da ordem jurídica, o procedimento de revisão oficiosa retoma à fase imediatamente anterior, incumbindo à AT o dever legal de o decidir, com respeito pelo caso julgado formado, ou seja não poderá indeferir o pedido de revisão com os fundamentos invocados na decisão, ora, anulada (sobre situação similar, decisão arbitral, 30/09/2017 do CAAD, proferida no processo 685/2016-T, disponível no sítio da internet www.caad.pt).

Termos em que, pelas razões aduzidas e ressalvado melhor juízo, deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida na ordem jurídica.»


*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, exarou-se: «

2.1. FACTOS PROVADOS:

A) O Impugnante é uma sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal.

(Conforme resulta do documento n.º 1, junto ao procedimento ao procedimento de revisão oficiosa).

B) O Banco B…….. é uma sociedade de direito brasileiro, com sede e direção efetiva em território brasileiro, que tem por objeto a realização de operações bancárias em geral.

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 5 a 7, juntos com a PI).

C) O Banco B……. é uma entidade sujeita e não isenta de Imposto sobre o Rendimento (Imposto Federal sobre Renda) no Brasil

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 5 a 7, juntos com a PI).

D) O capital social do Banco B……… era, à data do encerramento do exercício de 2010, de R$ 28,500 mil milhões.

(Conforme resulta do documento n.º 8, junto com PI).

E) Em 30 de agosto de 2000, o Impugnante adquiriu, pelo valor de € 51.256.943 (cinquenta e um milhões duzentos e cinquenta e seis mil novecentos e quarenta e três euros), à ………., S.A., sociedade de direito brasileiro, 6.633.454.475 (seis mil seiscentas e trinta e três milhões quatrocentas e cinquenta e quatro mil e quatrocentas e setenta e cinco) ações ordinárias representativas do capital social do Banco B……….

(Conforme resulta do documento n.º 9, junto com PI).

F) Em 4 de janeiro de 2002, o Impugnante adquiriu, por incorporação de reservas, mais 1.056.480.409 (mil e cinquenta e seis milhões quatrocentas e oitenta mil e quatrocentas e nove) ações ordinárias do Banco B……….

(Conforme resulta do documento n.° 10, junto com PI).

G) Nessa mesma data - 4 de janeiro de 2002 -, o Impugnante adquiriu, em resultado da fusão do Banco C…….. no Banco B……….. e pelo valor global de € 2.458 (dois mil quatrocentos e cinquentas e oito euros), um novo lote de ações ordinárias do Banco B……… composto por 164.840.491 (cento e sessenta e quatro milhões oitocentas e quarenta mil e quatrocentas e noventa e uma) ações

(Conforme resulta do documento n.° 10, junto com PI).

H) Por seu turno, no dia 28 de junho de 2002, o Impugnante reforçou a sua posição acionista no Banco B………., adquirindo, pelo valor de € 90.872.287 (noventa milhões oitocentos e setenta e dois mil e duzentos e oitenta e sete euros), um novo conjunto de 19.312.247.090 (dezanove mil trezentos e doze milhões duzentas e quarenta e sete mil e noventa) ações ordinárias

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 11 e 12, juntos com PI).

I) Em 31 de março de 2003, o Impugnante adquiriu, pelo montante global de € 2.603.896 (dois milhões seiscentos e três mil e oitocentos e noventa e seis euros), mais 1.270.944.839 (mil e duzentos e setenta milhões novecentas e quarenta e quatro mil oitocentas e trinta e nove) ações ordinárias do Banco B……….

(Conforme resulta do documento n.º 13, junto com PI).

J) Em 31 de março de 2003, o Impugnante era titular de 28.437.967.304 (vinte e oito mil quatrocentas e trinta e sete milhões novecentas e sessenta e sete mil trezentas e quatro) ações ordinárias representa do capital social do Banco B………., cujo valor global de aquisição se computava em € 144.735.584 (cento e quarenta e quatro milhões setecentos e trinta e cinco mil e quinhentos e oitenta e quatro euros).

K) Entretanto, por deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária do Banco B………, no dia 17 de dezembro de 2003, decidiu-se proceder ao «Grupamento das ações da Sociedade (...), na proporção de 10.000 (dez mil) para 1 (uma)»

(Conforme resulta do documento n.º 14, junto com PI).

L) Porém, tendo em conta que «[e]m 9 de dezembro [de 2004], objetivando proporcionar melhor nível de liquidez às ações, com o consequente ajuste do valor de cotação no mercado a um patamar mais atrativo para negociação, foi aprovado em Assembleia Geral Extraordinária um desdobramento à razão de 200%, cabendo aos acionistas duas ações novas para cada uma da mesma espécie possuída naquela data)), aquela participação foi convertida em 8.566.488 (oito milhões quinhentas e sessenta e seis mil e quatrocentas e oitenta e oito) ações.

(Conforme resulta do documento n.° 15, junto com PI).

M) Posteriormente à realização da indicada operação de stock-split, mais precisamente no dia 30 de dezembro de 2004,0 Impugnante adquiriu, desta feita pelo valor global de € 113.439.523 (cento e treze milhões quatrocentos e trinta e nove mil e quinhentos e vinte e três euros), mais 7.349,941 (sete milhões trezentas e quarenta e nove mil e novecentas e quarenta e uma) ações ordinárias do Banco B……...

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 16 e 17, juntos com PI).

N) De onde resulta que em 31 de dezembro de 2004 o Impugnante era titular de 15.916.429 (quinze milhões novecentas e dezasseis mil e quatrocentas e vinte nove) ações ordinárias do Banco B…….., correspondendo a essa sua participação um valor de aquisição global de € 258.677.418 (duzentos e cinquenta e oito milhões seiscentos e setenta e sete mil e quatrocentos e dezoito euros).

(Conforme invocado pelo Impugnante e não contrariado pela Fazenda Pública).

O) Entre o dia 12 janeiro e o dia 22 de março de 2005, a posição acionista do Impugnante no Banco B………. foi reforçada com a aquisição, pelo valor global de € 5.728.734,25 (cinco milhões setecentos e vinte e oito mil setecentos e trinta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), de dois novos lotes de participações sociais, num total de 460.984 (quatrocentas e sessenta mil e novecentas e oitenta e quatro) ações

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 18 a 20, juntos com PI).

P) Em 11 de novembro de 2005, deliberou-se, em Assembleia Geral Extraordinária do Banco B………, «aumentarem R$ 3 bilhões o Capital Social do Banco, mediante a utilização de parte do saldo da conta «Reserva de Lucros - Reserva Estatutária)), atribuindo aos acionistas, gratuitamente, a título de bonificação de 100% (uma ação nova, da mesma espécie, para cada ação possuída)»

(Conforme resulta do documento n.º 21, junto com PI).

Q) Em 2006, o Impugnante realizou, no contexto em apreço, duas operações:

i) A alienação, em 30 de maio de 2006, de 2.000.000 (dois milhões) de ações ordinárias do Banco B……; e

ii) A aquisição, em 20 de dezembro de 2006 e pelo preço €10.406.892 (dez milhões quatrocentos e seis mil e oitocentos e noventa e dois euros), de 537.866 (quinhentas e trinta e sete mil e oitocentas e sessenta e seis) ações ordinárias do Banco B……….

(Conforme resulta do documento n.º 22, junto com PI).

R) No ano de 2007 destacam-se as seguintes três operações com relevância para a posição acionista do Impugnante no Banco B……:

i) O desdobramento das ações representativas do capital social do Banco B………. (stock split), à razão de uma para duas ações, deliberado na Assembleia Geral Extraordinária do Banco B…… realizada em 12 de março de 2007, por efeito do qual a participação do Impugnante no Banco B……….. foi convertida - com data de 31 de março de 2007 - em 49.385.384 (quarenta e nove milhões trezentas e oitenta e cinco mil e trezentas e oitenta e quatro) ações ordinárias;

ii) A alienação, em 22 de junho de 2007, de 7.188.058 (sete milhões cento e oitenta e oito mil e cinquenta e oito) ações ordinárias do Banco B……..; e

iii) A aquisição, entre 22 de junho e 22 de novembro de 2007 e pelo preço global de € 113.980.148 (cento e treze milhões novecentos e oitenta mil cento e quarenta e oito euros), de um total de 5.581.754 (cinco milhões quinhentos e oitenta e um mil e setecentas e cinquenta e quatro) ações ordinárias do Banco B……….

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 23 a 27, juntos com a PI).

S) Em 4 e 21 de janeiro de 2008, o Impugnante adquiriu um total de 336.900 (trezentas e trinta e seis mil e novecentas) ações ordinárias representativas do capital social do Banco B………, pelo montante global de 6.721.676,00 (seis milhões setecentos e vinte e um mil seiscentos e setenta e seis euros)

(Conforme resulta dos documentos n.°s 38 e 39, juntos com PI).

T) Em 3 e 31 de março de 2008, vendeu um total de 8.500.000 (oito milhões e quinhentas mil) ações do Banco B………, tendo, em consequência, a sua participação no capital social do Banco B……….. sido reduzida a um total de 39.615.980 (trinta e nove milhões, seiscentas e quinze mil e novecentas e oitenta) ações ordinárias

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 40 a 42, juntos com PI).

U) No dia 15 de abril de 2008, o lmpugnante adquiriu um lote de 23.024.037 (vinte e três milhões, vinte e quatro mil e trinta e sete) ações ordinárias, pelo montante de € 257.484.255 (duzentos e cinquenta e sete milhões quatrocentos e oitenta e quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euros)

(Conforme resulta do documento n.º 43, junto com PI).

V) Durante o ano de 2008, a posição acionista do lmpugnante no Banco B……… sofreu ainda outras alterações, concretamente em resultado das seguintes operações:

i) A venda, nos dias 30 de junho e ide julho de 2008, de um total de 30.000.000 (trinta milhões) de ações ordinárias, repartidas por cinco lotes

ii) A compra, em 24 de outubro de 2008, de um lote de 13.000.000 (treze milhões) de ações ordinárias, pelo preço de € 95.595.294 (noventa e cinco milhões quinhentos e noventa e cinco mil duzentos e noventa e quatro euros).

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 45 a 51, juntos com PI).

w) Durante o ano de 2009 o Impugnante realizou as seguintes operações:

i) A aquisição, em 7 de maio de 2009, de 4.750.000 (quatro milhões setecentas e cinquenta mil) ações ordinárias, pelo montante de € 39.645.018,44 (trinta e nove milhões seiscentos e quarenta e cinco mil e dezoito euros e quarenta e quatro cêntimos);

ii) A compra, em 28 de maio de 2009, de mais um lote de 7.750.000 (sete milhões, setecentas e cinquenta mil) ações ordinárias, pelo preço de € 65.914.664 (sessenta e cinco milhões novecentos e catorze mil seiscentos e sessenta e quatro euros).

iii) A alienação, entre o dia 22 de junho e o dia 28 de dezembro de 2009, de 8 lotes de ações ordinárias, num total de 23.000.000 (vinte e três milhões).

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 52 a 63, juntos com PI).

X) No ano de 2010, cumpre mencionar que o Impugnante adquiriu - a título gratuito - no âmbito de duas operações de stock-split (i) 5.494.800 (cinco milhões quatrocentas e noventa e quatro mil e oitocentas), em 26 de janeiro de 2010; e (ii) 23.794.280 (três milhões setecentas e noventa e quatro mil duzentas e oitenta) ações ordinárias, em 16 de julho de 2010

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 64 e 65, juntos com PI).

Y) No ano de 2010 alienou:

(i) 7.500.000 (sete milhões e quinhentas mil) ações ordinárias, em 25 de fevereiro de 2010;

(ii) 15.000.000 (quinze milhões) ações ordinárias, em 25 de junho de 2010;

(iii) 1.181.400 (um milhão cento e oitenta e um mil e quatrocentas) de ações ordinárias, em 2 de setembro de 2010;

(iv) 5.000.000 (cinco milhões) de ações ordinárias em 13 de setembro de 2010;

(v) 5.000.000 (cinco milhões) de ações ordinárias, em 21 de setembro de 2010;

(vi) 2.651.500 (dois milhões seiscentas e cinquenta e uma mil e quinhentas) ações ordinárias, em 31 de outubro de 2010;

(vii) 540.500 (quinhentas e quarenta mil e quinhentas) ações ordinárias, em 3 de novembro de 2010;

(viii) 626.600 (seiscentas e vinte e seis mil e seiscentas) ações ordinárias, em 18 de novembro de 2010;

(xix) 5.000.000 (cinco milhões) de ações ordinárias, em 26 de novembro 2010; e

(x) 10.000.000 (dez milhões) de ações ordinárias, em 14 de dezembro 2010

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 66 a 75, juntos com PI).

Z) Em suma, durante o ano de 2010, a carteira de ativos disponíveis para venda do lmpugnante era composta, entre outros ativos, pelas ações ordinárias representativas do capital social do Banco B………. que se discriminam, sintética e esquematicamente, da forma que se segue:

(invocado pelo Impugnante e não contrariado pela Fazenda Pública)

AA) Todas as ações ordinárias representativas do capital social do Banco B……… acima identificadas de que Impugnante foi detentor no exercício de 2010, permaneceram na sua titularidade, de forma ininterrupta, por períodos superiores a um ano.

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 76 a 80, juntos com PI).

BB) No decurso de 2010, Impugnante reconheceu como proveitos desse exercício os dividendos - compostos por juros sobre o capital próprio mensais, dividendos complementares aos juros sobre o capital próprio e dividendos - que lhe foram distribuídos pelo Banco B………, enquanto titular das ações ordinárias acima identificadas nos termos e forma que se segue:

Nota: os valores constantes dos documentos designados por Demonstrativo de Caixa - ora juntos - correspondem à soma dos dividendos referentes às ações ordinárias que integravam a carteira de ativos disponíveis para venda e que se mantiveram na titularidade do Impugnante, de modo ininterrupto, por mais de um ano (i.e. referentes às ações ordinárias acima identificadas) e dos lucros relativos a ações que integravam a carteira de negociação do Impugnante, não tendo estes últimos sido considerados para efeitos do pedido que ora se formula.

CC) Estes rendimentos, correspondentes aos dividendos distribuídos pelo Banco B…….. ao Impugnante no decurso do exercício de 2010, no montante global de € 12.603.19054 (doze milhões, seiscentos e três mil, cento e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos) foram, pois, considerados na determinação do lucro tributável do Impugnante do ano de 2010.

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 97 a 99, juntos com PI).

DD) Dito de outro modo, o valor inscrito no campo 771 do quadro 07 da Modelo 22 do ano de 2010 (€ 296.067.364,79) - campo correspondente à «Eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos (art. 51.°)» - não incluí o valor distribuído pelo Banco B……… ao Impugnante durante o ano de 2010, a título de dividendos (€ 12.603.190,54).

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 97 e 99, juntos com PI).

EE) Em de 2010,0 Impugnante apurou, na respetiva autoliquidação de IRC, um prejuízo fiscal no valor de € 332.395.369,67.

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 97 a 99, juntos com PI).

FF) 31.05.2011, o Impugnante apresentou a sua declaração de rendimentos -modelo 22 - e respetivos anexos, quanto ao exercício de 2010, à qual foi atribuída a identificação n.º 3247-C5298-16 e deu origem à liquidação n.º 20112500089892

(Conforme resulta do documento n.ºs 97 a 99, junto com PI).

GG) Em 31.05.2012, o Impugnante apresentou uma declaração de rendimentos de substituição para este ano de 2010, cuja declaração de IRC modelo 22 tem a identificação n.º 3247-C5659-19 e deu origem à liquidação n.º 20122500020574

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 3 as, juntos com contestação).

HH) No dia 21.12.2012, o Impugnante apresentou a sua declaração de rendimentos - modelo 22 relativa ao exercício de 2010 - e respetivos anexos, à qual foi atribuída a identificação n.º 3247-C6521-10, e deu origem à liquidação n.º 20122610439133

(Conforme resulta dos documentos n.ºs 6 a 8, juntos com contestação).

II) Nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do art.° 78.º da LGT, o Impugnante formulou um pedido de revisão oficiosa do atos tributários de autoliquidação de IRC, vertidos na primeira declaração do período de 2010 identificada sob o n.º 3247-C5298-16, de 31.05.2011, e na declaração de substituição identificada sob o n.º 3247-C6521-10, de 21.12.2012, que dirigiu à Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 29.05.2015, conforme consta do Processo de Revisão Oficiosa, instaurado em 22.06.2015, sob o n.º 3247201502054043. (Conforme resulta do PAT em apenso).

JJ) Em apreciação do pedido de revisão, na DSIRPC foi emitida a informação constante do documento 1 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:

«(...) III - Parecer

13. Vem a 1º Requerente solicitar a revisão oficiosa da autoliquidação do período de 2010, com base na errônea aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, previsto no artigo 51.º do CIRC, aos dividendos recebidos do Banco B………, sociedade com sede e direção efetiva em território brasileiro, que tem por objeto a realização de operações bancárias em geral, na qualidade de entidade sujeita e não isenta de Imposto sobre o Rendimento no Brasil (Imposto Federal sobre Renda) - conforme Doc. 2 junto à petição.

14 O mecanismo previsto no artigo 51º do citado diploma trata de tributar a entidade geradora de rendimentos e isentar as entidades destinatárias dos mesmos, quando sujeitas a IRC.

15. A isenção ali prevista consubstancia-se numa tradução ao resultado líquido do exercício de uma importância correspondente aos rendimentos, incluídos na base tributável, respeitante a lucros distribuídos por entidades com sede ou direção efetiva no mesmo território.

16. No entanto, este mecanismo, contemplado no n.º 1 do artigo 51.º do CIRC, está condicionado à verificação de três pressupostos:

> A sociedade distribuidora dos lucros deve ter sede ou direção efetiva em território português e estar sujeita e não isenta de IRC ou sujeita a imposto especial de jogo.

> A participação da sociedade beneficiária tem que corresponder, pelo menos, a 10% do capital social da participada, ou ter um valor de aquisição não inferior a 20. 000. 000€.

> A participação deve permanecer na sua titularidade de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, ser mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.

17. De acordo com o disposto no n.º 5 do mesmo artigo, este mecanismo é ainda aplicável quando a sociedade beneficiária detenha uma participação, nas condições já referidas, em sociedade residente noutro Estado membro da União Europeia e desde que ambas obedeçam aos requisitos previstos no n.º 2 da Diretiva n.º 901435/CEE, de 23 de julho.

18. Nesta situação deve a entidade beneficiária comprovar à Administração Fiscal aquelas condições, através de uma declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais do outro Estado membro.

19. Na opinião do 1º Requerente a autoliquidação do ano de 2010 padece de vício de ilegalidade por se traduzir numa desaplicação de normas jurídicas, dado que a desigualdade de tributação de dividendos em função do país de residência da sociedade que distribui os lucros se encontrar no Brasil não é tolerada pelos compromissos internacionais de Portugal, mais propriamente do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

20. Em face do que defende que o facto de a sociedade que distribuiu os lucros ser residente no Brasil não deve obstar a que o 1° Requerente beneficie da isenção prevista no artigo 51.º do CIRC, fundamentando que o Direito da União Europeia se sobrepõe às leis domésticas.

21. Acrescentando que não existe qualquer dúvida quanto à possibilidade de confrontar as regras domésticas de eliminação da dupla tributação económica com a liberdade de circulação de capitais, mesmo quando estejam em causa investimentos realizados em Estados Terceiros.

22. Em face do exposto, verifica-se que a questão a resolver se prende em saber se o regime previsto no artigo 51.º do CIRC é aplicável ao 1° Requerente, relativamente aos dividendos recebidos do BANCO B………., sociedade residente no Brasil.

23. De acordo com o regime constante no artigo 51.º do CIRC, o mesmo só é aplicável aos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal e aos provenientes de fonte comunitária O regime não se aplica aos lucros distribuídos por sociedades residentes num país terceiro.

24. Porém, o 1.º Requerente considera que se aplica o artigo 51.º do CIRC, à situação apresentada em que lhe foram distribuídos dividendos por uma sociedade residente no Brasil, invocando o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

25. No caso em concreto, a sociedade Banco A…………, sociedade residente e sujeita a imposto em Portugal recebeu dividendos de uma entidade residente num país terceiro, concretamente do Banco B………, entidade com sede no Brasil e aí sujeita a imposto.

26. A data de 31 de dezembro de 2010 a posição acionista do 1.° Requerente era composta por um total 11. 737.087 ações ordinárias, com um valor de aquisição ponderado de 64. 725.445€.

27. Conforme resulta dos mapas juntos como Doc. 70 a 74 à petição, todas as ações ordinárias representativas do capital social do Banco B……… de que o 1° Requerente era titular no exercício de 2010, permaneceram de forma ininterrupta, por períodos superiores a um ano.

28. Ora, deste modo, para que se verifiquem as condições enunciadas nos n.º 1 e n.º 5 do artigo 51.º do CIRC, apenas obsta o facto de o Banco B…….. ser uma sociedade sediada num país terceiro, mais precisamente no Brasil.

29. Nesta matéria, é entendimento dos serviços que aos lucros distribuídos por uma saciedade residente em Estados Terceiros, como é o caso dos provenientes do Brasil, não pode ser aplicado o disposto no artigo 51.º do CIRC.

30. Porquanto, este normativo apenas se aplica a dividendos obtidos de sociedades residentes em território nacional ou na União Europeia.

31. A livre circulação de capitais, invocada pelo 1.º Requerente, não se opõe à não aplicação do regime consagrado no n.º 1 do artigo 51.º do CIRC aos lucros distribuídos por sociedades fiscalmente residentes em Estados Terceiros a sociedades residentes em Portugal.

32. O princípio da liberdade de estabelecimento não se estende a Estados Terceiros, pelo que não pode ser invocado para justificar qualquer eventual violação das disposições do Tribunal Justiça da União Europeia relativas à liberdade de circulação resultante da não aplicação do regime consagrado no n.º 1 do artigo 51.º do CIRC aos lucros distribuídos pela sociedade residente no Brasil.

33. Mesmo concedendo que o âmbito do artigo ° do CIRC comporta situações protegidas pela liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE, seria de aplicar, neste caso a cláusula de salvaguarda constante no n.º 1 do artigo 65.º do citado Tratado.

34. Por outro lado, as fichas técnicas emitidas pelo Parlamento Europeu também reterem que, não obstante o artigo 63° do TFUE proibir qualquer restrição à circulação de capitais e pagamentos entre os Estados membros: bem como entre os Estados membros e países terceiros, o n.º 1 do artigo 65.º daquele tratado permite um tratamento fiscal diferente para os não residentes e para o investimento estrangeiro, desde que não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada.

35. As exceções são essencialmente limitadas à circulação de capitais com os países terceiros. O Conselho e o Parlamento Europeu podem adotar medidas legislativas no que respeita à circulação de capitais de países terceiros, que envolvam o estabelecimento de investimento direto, a prestação de serviços financeiros ou a admissão de valores mobiliários nos mercados de capitais.

36. Deste modo, reiteram-se os fundamentos já anteriormente expostos, no sentido de que aos dividendos que venham a ser distribuídos pelo BANCO B…….., entidade com sede no Brasil, ao 1.º requerente, sociedade residente em Portugal, não poderá ser aplicado o regime previsto no artigo 51.º do CIRC, porquanto esta norma apenas se aplica aos dividendos obtidos de sociedades sedeadas em território nacional, na União Europeia ou de um estabelecimento estável, situado em território português, de uma entidade residente noutro Estado membro da União Europeia.

37. Não obstante o previsto no artigo 63.º do TFUE, relativo à livre circulação de capitais, a alínea a) do n.º 1 do artigo 6° prevê expressamente que o disposto no artigo 63º não prejudica o direito de os Estados membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

38. Assim, a residência dos contribuintes pode constituir um fator justificativo para que os Estados membros possam distinguir entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência Nestes termos, a existir tal diferença não pode a mesma ser qualificada como discriminatória, nem constituir fundamento de que foi violado o TFUE.

39. Assim, é de concluir pela compatibilidade do artigo 51.º do CIRC com o direito internacional e pela inaplicabilidade do regime de eliminação da dupla tributação económica a Estados Terceiros.

40. Sendo ainda, de salientar que quanto às questões de direito, a competência relativa à interpretação do direito comunitário cabe exclusivamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia, não competindo, portanto, à Administração Fiscal estas questões.

IV Conclusão

Posto o que antecede, deverá o presente pedido de revisão oficiosa ser indeferido.»

(Conforme resultado PAT em apenso).

KK) Em 07.10.2015, o Impugnante foi notificado do Projeto de Decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, mediante o Oficio n.º 11857, de 05.10.2015, da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, para, querendo, se pronunciar em audição prévia no prazo de 15 dias, contados continuamente a partir da assinatura do aviso de receção.

(Conforme resulta do PAT em apenso).

LL) O Impugnante não exerceu o direito de audição, no prazo concedido para o efeito. (Conforme resulta do PAT em apenso).

MM) Assim, o pedido de revisão oficiosa foi indeferido, por despacho exarado, em 03.12.2015, pela Subdiretora-Geral, por delegação de competências, e nos termos e com os fundamentos indicados na Informação n.º 1865/2015, de 24.11.2015, da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, conforme foi notificado ao Impugnante mediante o Oficio n.º 3979, de 14.12.2015 (com o registo postal RM859506139PT).

(Conforme resulta do PAT em apenso).

NN) Inconformado com a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o Impugnante intentou a presente Impugnação Judicial, em 15.03.2016, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, com os fundamentos indicados na petição inicial, que aqui contestamos.

(Conforme resulta do documento de fls. 1).


*

2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
*
2.3. FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevo para a decisão nada mais se provou, nomeadamente os factos a que se reportam os seguintes artigos da douta PI: 27.º a 30.º, 33.º, 35.º, 36.º, 38.º, 40.º, 42.º, 48.º, 50.º, 53.º.»

***

Primeiramente, podendo criar alguma reserva, perplexidade (Em primeira linha, à rda - cf. ponto 12) das suas contra-alegações.), que o rte venha recorrer de uma decisão que lhe foi favorável, na medida em que julgou procedente a impugnação judicial que apresentou, importa, desde já, afirmar a verificação de interesse processual (interesse em agir) (Embora a lei não lhe faça referência expressa, a doutrina sempre afirmou a necessidade de ser incluído no rol de pressupostos processuais referentes às partes, com autonomia em relação aos demais, em particular, à legitimidade dos intervenientes no processo. O versado interesse processual consiste “na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”, devendo entender-se tal necessidade de recurso às instâncias judiciais como uma precisão justificada, razoável, fundada, a meio termo entre a necessidade absoluta e a de satisfazer mero capricho ou interesse subjetivo de obter um pronunciamento judicial.), da sua parte, na interposição do presente recurso jurisdicional, porquanto, como melhor se perceberá no final, a decisão recorrida não acolheu, na plenitude, as pretensões que tinha formulado e submetido ao julgamento/veredicto do tribunal de 1.ª instância, pelo que, sem ficar, pelo teor da decisão de procedência, objetivamente, vencido, na prática, havendo formalizado várias causas de pedir, nem todas foram versadas e, consequentemente, solucionadas as correspondentes questões.

Continuando, pois, numa síntese do devir processual, até ao momento atual, o rte apresentou, no TT de Lisboa, este processo de impugnação judicial, em cujo articulado inicial, no respetivo introito, invocou pretender visar a legalidade “…de decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativo ao exercício de 2010, na parte em que reflete a sujeição a tributação efetiva dos rendimentos correspondentes aos lucros que foram distribuídos ao IMPUGNANTE, nesse exercício, pela sociedade de direito brasileiro, BANCO B…….., S.A., …….. (…) e, bem assim, do identificado ato de liquidação de IRC”, formulando o seguinte pedido: «
NESTES TERMOS,
DEVE A PRESENTE AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, DETERMINANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A ANULAÇÃO DOS ATOS TRIBUTÁRIOS SOB APRECIAÇÃO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE, A AMPLIAÇÃO DO PREJUÍZO FISCAL DO EXERCÍCIO DE 2010 EM € 12.603.190,54 (DOZE MILHÕES SEISCENTOS E TRÊS MIL CENTO E NOVENTA EUROS E CINQUENTA E QUATRO CÊNTIMOS), CONSIDERANDO COMO EFETIVO - ISTO É, O PREJUÍZO FISCAL GERADO EM 2010 - O MONTANTE DE € 344.998.587,21 (TREZENTOS E QUARENTA E QUATRO MILHÕES NOVECENTOS E NOVENTA E OITO MIL QUINHENTOS E OITENTA E SETE EUROS E VINTE E UM CÊNTIMOS). »

Havendo o representante da Fazenda Pública (rFP) contestado e respeitados os demais trâmites legais, foi proferida a sentença recorrida, em que, singelamente, se decidiu julgar a impugnação procedente. Escalpelizada esta peça, especificamente, quanto aos respetivos fundamentos jurídicos, de direito, constatamos terem sido versadas e decididas as seguintes questões:
- apesar de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação (IRC do ano de 2010), o impugnante não ficou impedido de pedir, como fez, a revisão oficiosa do mesmo e impugnar, contenciosamente, o ato de indeferimento desta, entendimento na sequência do qual se expendeu “Assim, a primeira conclusão a retirar é a de que a falta de apresentação da reclamação da autoliquidação dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da Administração Tributária não pode constituir fundamento para o indeferimento do pedido de revisão. Não ocorre assim o invocado erro na forma de procedimento de revisão do ato tributário antes da impugnação judicial e o pedido de revisão foi tempestivamente apresentado.” (Note-se que, como decorre do teor dos pontos JJ) e MM) dos factos provados, não foi com este fundamento que o pedido de revisão do ato tributário de liquidação se viu rejeitado. Ora, verificado o conteúdo da contestação do rFP, pode concluir-se que este tramo da sentença visou responder e solucionar a questão aí suscitada no art. 24.º e segs.);
- após anunciar que se iria debruçar sobre a invocação, do impugnante, no sentido de que preenchia, à data (no exercício de 2010), todos os requisitos de cuja verificação dependia a aplicação do regime da eliminação da dupla tributação económica consagrado no artigo (art.) 51.º n.°s 1 e 5 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), na redação, então, vigente, com exceção da residência, em território português ou noutro Estado-membro da União Europeia, da entidade distribuidora dos lucros - o Banco B…….. -, o julgador começou por registar que “…, o Impugnante não suscita qualquer questão relativa à aplicação da referida CDT (Convenção entre Portugal e a República Federativa do Brasil para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 22 de abril de 1971 aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 244/71, de 2 de junho), colocando o enfoque no confronto do Direito Interno com o Direito Comunitário. Entende que se mostra violado o princípio do primado do Direito Comunitário, o seu efeito direto do direito e os princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais e, também, que a tributação discriminatória do Impugnante é gerador de ilegalidade do ato de liquidação de IRC.”. Depois de registar, alongadamente, o teor de normativos (arts. 63.º, 64.º e 65.º) constantes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), bem como, de decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), expendeu: «
Do exposto resulta que para que a Autoridade Tributária (AT) pudesse lançar mão de um regime de tratamento diferenciado relativamente aos rendimentos provenientes de país terceiro, era essencial que tivesse invocado razões atinentes à fraude e aos controlos fiscais - neste sentido veja-se o douto acórdão do STA de 31/05/2017, prolatado no recurso n.º 0738/16, consultável em www.dgsi.pt.

A AT indeferiu o pedido de revisão do ato tributário de autoliquidação por considerar que:

- é entendimento dos serviços que aos lucros distribuídos por uma sociedade residente em Estados Terceiros, como é o caso dos provenientes do Brasil, não pode ser aplicado o disposto no artigo 51.º do CIRC;

- Porquanto, este normativo apenas se aplica a dividendos obtidos de sociedades residentes em território nacional ou na União Europeia;

- A livre circulação de capitais, invocada pelo 1.° Requerente, não se opõe à não aplicação do regime consagrado no n.° 1 do artigo 51.° do CIRC aos lucros distribuídos por sociedades fiscalmente residentes em Estados Terceiros a sociedades residentes em Portugal;

- O princípio da liberdade de estabelecimento não se estende a Estados Terceiros, pelo que não pode ser invocado para justificar qualquer eventual violação das disposições do Tribunal Justiça da União Europeia relativas à liberdade de circulação resultante da não aplicação do regime consagrado no n.° 1 do artigo 51.° do CIRC aos lucros distribuídos pela sociedade residente no Brasil;
33. Mesmo concedendo que o âmbito do artigo 51.° do CIRC comporta situações protegidas pela liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.° do TFUE, seria de aplicar, neste caso a clausula de salvaguarda constante no n.° 1 do artigo 65.° do citado Tratado;

- Por outro lado, as fichas técnicas emitidas pelo Parlamento Europeu também referem que, não obstante o artigo 63° do TFUE proibir qualquer restrição à circulação de capitais e pagamentos entre os Estados membros, bem como entre os Estados membros e países terceiros, o n.° 1 do artigo 65.° daquele tratado permite um tratamento fiscal diferente para os não residentes e para o investimento estrangeiro, desde que não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada;

- As exceções são essencialmente limitadas à circulação de capitais com os países terceiros. O Conselho e o Parlamento Europeu podem adotar medidas legislativas no que respeita à circulação de capitais de países terceiros, que envolvam o estabelecimento de investimento direto, a prestação de serviços financeiros ou a admissão de valores mobiliários nos mercados de capitais;
- Deste modo, reiteram-se os fundamentos já anteriormente expostos, no sentido de que aos dividendos que venham a ser distribuídos pelo Banco B………, entidade com sede no Brasil, ao 1.° requerente, sociedade residente em Portugal, não poderá ser aplicado o regime previsto no artigo 51.° do CIRC, porquanto esta norma apenas se aplica aos dividendos obtidos de sociedades sedeadas em território nacional, na União Europeia ou de um estabelecimento estável, situado em território português, de uma entidade residente noutro Estado membro da União Europeia;

- Não obstante o previsto no artigo 63.º do TFUE, relativo à livre circulação de capitais, a alínea a) do n.° 1 do artigo 6° prevê expressamente que o disposto no artigo 63° não prejudica o direito de os Estados membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

- Assim, a residência dos contribuintes pode constituir um fator justificativo para que os Estados membros possam distinguir entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência. Nestes termos, a existir tal diferença não pode a mesma ser qualificada como discriminatória, nem constituir fundamento de que foi violado o TFUE;

- Assim, é de concluir pela compatibilidade do artigo 51.° do CIRC com o direito internacional e pela inaplicabilidade do regime de eliminação da dupla tributação económica a Estados Terceiros;

- Sendo ainda, de salientar que quanto às questões de direito, a competência relativa à interpretação do direito comunitário cabe exclusivamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia, não competindo, portanto, à Administração Fiscal estas questões.

Os motivos expostos pela AT para indeferir o pedido de revisão não têm a ver com razões atinentes à fraude e aos controlos fiscais justificativos da restrição aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e países terceiros.

De notar que a Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Protocolo anexo, assinados em Brasília em 16 de maio de 2000, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001, publicada no Diário da República n.º 98, I Série-A, de 27/04/2001, consagra no seu artigo 26.º o mecanismo de troca de informações entre Estados Contratantes.

Termos em que o ato tributário, na parte concretamente impugnada, não se pode manter na ordem jurídica.

Não se ignora o que se refere no douto acórdão do STA - Pleno da Secção do CT - de 03/06/2015, proferido no recurso n.º 0793/14, consultável em www.dgsi.pt «(…) na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do ato tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso, como as dos autos.»

Porém, no caso dos autos, as razões invocadas pela AT para indeferir o pedido de revisão oficiosa do ato tributário de autoliquidação prejudicaram o conhecimento dos pressupostos formais que condicionam o conhecimento da pretensão do ora(m) Impugnante, nomeadamente a eventual necessidade de recurso ao procedimento de troca de informações entre a Administração Fiscal Portuguesa e a sua congénere Brasileira, ao abrigo da CDT celebrada entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil.

Assim, atento o princípio da separação de poderes e a concreta atribuição de competência à AT para o conhecimento do pedido de revisão oficiosa (artigo 78.º, n.º 1, da LGT), determina-se o prosseguimento do pedido de revisão oficiosa, não podendo a AT indeferir tal pedido com os fundamentos invocados na decisão ora anulada.»

A crítica do rte, em primeira linha - conclusões 1.ª a 9.ª (Só esta releva, pois, o conteúdo das demais conclusões - 10.ª a 28.ª, conjugado com o teor do pedido formulado, partem do pressuposto (incorreto) de que este STA tem de conhecer e decidir a invocada ilegalidade do ato tributário de autoliquidação de IRC.), vai no sentido de, embora, aceitando o conteúdo da sentença, no apontamento de que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, do ato de autoliquidação de IRC, se não pode manter na ordem jurídica, o que equivale à anulação de tal pronúncia dos serviços competentes da administração tributária e aduaneira (AT), não poder concordar com o julgamento efetuado na parte em que, sequentemente, determina “o prosseguimento do pedido de revisão oficiosa, não podendo a AT indeferir tal pedido com os fundamentos invocados na decisão ora anulada.. Por outras palavras, o julgamento em 1.ª instância padece de erro, quanto a este segmento do respetivo discurso fundamentador, pelo que, não é suficiente a decretada procedência da impugnação judicial, que, interpretada em conformidade com os fundamentos que a sustentam, apenas, devolve à AT a emissão de nova decisão sobre o pedido de revisão, não se debruçando o tribunal recorrido, como devia, sobre a (i)legalidade de uma parcela da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2010.

Sem prejuízo de muitos considerandos certeiros inscritos na sentença sob apreciação, a mera análise e ponderação do teor do segmento (mais extenso) acima reproduzido, imediatamente, denuncia o cometimento de errado julgamento, que culminou na decisão de determinar o prosseguimento do pedido de revisão oficiosa.

Para chegar a esta imposição, o julgador, depois de concluir (e bem) que o indeferimento do pedido de revisão, com base nos considerandos/motivos, concreta e expressamente, invocados, pela AT, no competente procedimento (administrativo) (Que, na sua avaliação não tinham “a ver com razões atinentes à fraude e aos controlos fiscais justificativos da restrição aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e países terceiros.”.), não era legal e, portanto, insustentável, resolveu fazer apelo e introduzir questões/condicionalismos conexionados com normas da Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Protocolo anexo, assinados em Brasília em 16 de maio de 2000, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001, publicada no Diário da República n.º 98, I Série-A, de 27/04/2001; especificamente, apontou para uma “eventual necessidade de recurso ao procedimento de troca de informações entre a Administração Fiscal Portuguesa e a sua congénere Brasileira, ao abrigo da CDT celebrada entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil.”, matéria que seria da competência, exclusiva, da AT, decidir, tendo-lhe, então, aberto a via do prosseguimento do pedido de revisão, relativamente ao qual já tinha concluído ser ilegal por razões substanciais.

Ora, aqui, começa, precisamente, o erro. Como é, explicitamente, assumido e dito na sentença recorrida, “o Impugnante não suscita qualquer questão relativa à aplicação da referida CDT (Convenção entre Portugal e a República Federativa do Brasil para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 22 de abril de 1971 aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 244/71, de 2 de junho), colocando o enfoque no confronto do Direito Interno com o Direito Comunitário. Entende que se mostra violado o princípio do primado do Direito Comunitário, o seu efeito direto do direito e os princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais e, também, que a tributação discriminatória do Impugnante é gerador de ilegalidade do ato de liquidação de IRC.”. Mas, mais do que isso, também, quando fez o pedido de revisão oficiosa, o, à data, contribuinte/sujeito passivo, jamais, fez apelo a tal convenção ou suscitou qualquer tipo de questão relacionada com os respetivos termos, colocando, apenas, o enfoque na “… errônea aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, previsto no artigo 51.º do CIRC, aos dividendos recebidos do Banco B………, sociedade com sede e direção efetiva em território brasileiro, que tem por objeto a realização de operações bancárias em geral, na qualidade de entidade sujeita e não isenta de Imposto sobre o Rendimento no Brasil (Imposto Federal sobre Renda)” - cf. ponto JJ) dos factos provados, pelo que, consequentemente, como demonstra o rol de motivos, convocados, pela AT, para indeferir o pedido de revisão, esta entidade nenhuma menção/apontamento faz ao convénio referenciado e, muito menos, aduz a necessidade de operar o mecanismo de troca de informações entre os Estados Contratantes, com vista a solucionar qualquer aspeto do formulado pedido de revisão oficiosa (A latere, registe-se que esta matéria só é convocada, no processo (administrativo e judicial), nos arts. 98.º a 101.º da contestação apresentada, na impugnação judicial, pelo rFP, como apoio para concretizar uma definição de “dividendos” e de “juros”.).

Neste cenário, a conclusão que se impõe é a de que o juiz de 1.ª instância manda retomar um procedimento de revisão oficiosa, para que, eventualmente, se recorra a um mecanismo de permuta de informações, convencionado entre Portugal e Brasil, quando a entidade competente analisou e decidiu, o pedido em causa, sem lhe fazer qualquer tipo de referência e/ou apelo, quando, mesmo sem invocação pelo contribuinte, tal lhe era imposto pelo princípio do inquisitório, positivado no art. 58.º da Lei Geral Tributária (LGT) (Com o complemento do disposto no art. 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).). Assim, ainda que se possa considerar o teor dos aludidos arts. 98.º a 101.º da contestação, desta impugnação judicial, como elemento bastante para apoiar a alusão à identificada Convenção, não podemos acolher a concreta consequência que, daí, extrai (retoma do procedimento de revisão), porque esta teria como resultado (imediato) a AT poder, agora, analisar e decidir o pedido em causa a coberto de fundamentos novos, totalmente, diversos dos contextuais que suportaram a decisão de indeferimento, a qual, precisamente, por essa fundamentação, tem de ser (e foi) anulada.

Em suma, a sentença sob crítica tem de ser revogada, por erro de julgamento, na parte em que a decisão (singela) de procedência da impugnação coexiste e viabiliza a determinação (judicial) de prosseguimento do pedido de revisão oficiosa; reside, aqui, o interesse processual, do rte, na interposição deste recurso, porquanto o julgar-se procedente a impugnação encerrava um resultado que não pretendeu e que, agora, julgamos ser insubsistente.

Este resultado, concretamente, dever manter-se, na ordem jurídica, o decidido quanto à anulação da decisão (da AT) de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, ou seja, avaliado e solucionado o objeto imediato desta impugnação judicial (Nos processos de impugnação judicial, apresentados na sequência de decisões, dos serviços competentes da AT, de indeferimento (mesmo que, por motivos formais) de reclamações graciosas, recursos hierárquicos e/ou pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários, há muito, a jurisprudência, do STA, identificou (e vem afirmando) a existência de um objeto imediato (a decisão da reclamação….) e de um objeto mediato (os vícios, concretamente, imputados ao ato tributário de liquidação) - cf. v.g., acórdãos de 16 de novembro de 2011 (0723/11) e de 18 de junho de 2014 (01942/13).), provoca, impõe, a necessidade de o tribunal de 1.ª instância conhecer e decidir, do objeto mediato deste processo impugnatório, isto é, tem de versar, nos quadrantes factuais e jurídicos, em primeiro lugar, os vícios imputados, pelo impugnante, ao ato tributário de autoliquidação de IRC, de 2010, não podendo descurar, na sua análise e julgamento, ainda, as questões suscitadas, pelo rFP, na contestação formulada nos autos, em especial, para o conteúdo do seu art. 69.º e segs.

Para o que se irá seguir, presente o disposto no art. 635.º n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), temos de clarificar que:
- a revogação da sentença, que vamos decidir, à partida, não prejudica o julgamento factual (factos provados e não provados) concretizado na mesma, porquanto o rte, neste recurso jurisdicional, em nenhuma medida o questionou e, explicitamente, visou os seus termos;
- na hipótese de, ao julgador, se vir a impor a necessidade de alargar esse, inicial, cenário factual (tanto em sede de factualidade provada, como não provada), deverá ter presente que só lhe poderá introduzir as alterações, estritamente, precisas para evitar contradições, entre os factos já disponíveis e os que entenda dever aditar.
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# III.


Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, no segmento em que determinou “o prosseguimento do pedido de revisão oficiosa, não podendo a AT indeferir tal pedido com os fundamentos invocados na decisão ora anulada”, mantendo-se a mesma, quanto à decidida procedência da impugnação judicial e consequente anulação (“não se pode(r) manter na ordem jurídica”) da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (art. 78.º n.º 1 da LGT);

- determinar a volta do processo, ao TT de Lisboa, a fim de serem julgados (se possível, pelo mesmo juiz) os vícios imputados a uma parte do ato de autoliquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2010, em consonância com as regras supra consignadas.


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Custas a cargo da recorrida, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do Regulamento das Processuais (RCP), em virtude de, sendo o valor desta causa € 12.603.190,54, a complexidade da matéria em discussão, neste recurso, ser de pequena complexidade e a conduta das partes não impor a cobrança do excedente da taxa de justiça devida até € 275.000.

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[Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco]


Lisboa, 16 de setembro de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco Rothes.