Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0696/18
Data do Acordão:07/25/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRC
REPORTE DE PREJUÍZOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
CPPT
ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Tendo a dívida exequenda relativa ao IRC de 2011 origem em liquidação adicional que também considerou a correcção do reporte de prejuízos na sequência de correcção a montante desses prejuízos verificados (apurados) em 2010, e tendo o sujeito passivo impugnado esta última correcção, cuja acção julgada procedente em 1ª instância se encontra pendente por ter sido interposto recurso da sentença, a mesma constitui fundamento, ao abrigo do disposto no artigo 169º, nº 1 do CPPT, de pedido de suspensão da execução fiscal que tem por objecto aquela dívida, verificados que sejam os demais requisitos legais designadamente a prestação de garantia idónea.
II - A tal não obsta a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC de 2011 se efectuada a execução de acórdão do CAAD ainda subsiste a execução original por determinado montante, directamente determinado, no todo ou em parte, pelo menor reporte de prejuízos aceite pela AT no ano de 2010.
Nº Convencional:JSTA000P23548
Nº do Documento:SA2201807250696
Data de Entrada:07/09/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...., SGPS, S.A.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Vem a ora recorrente questionar a sentença de 1ª instância que julgou procedente a reclamação apresentada contra o despacho proferido pelo chefe do serviço de finanças de Lisboa 10, em novembro de 2017, (anulando-o) o qual lhe indeferiu a sustação dos autos executivos n.ºs 3255201481089368 instaurados para cobrança de dívida de IRC do ano de 2011
Apresentou alegações nas quais conclui do seguinte modo;

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada nos termos do disposto no art. 276.º e seguintes do CPPT e anulou o despacho proferido pelo chefe do serviço de finanças de Lisboa 10, em novembro de 2017, na medida em que indeferiu a sustação dos autos executivos n.ºs 3255201481089368, por inexistência de pleito pendente sobre o acto na origem da dívida exequenda, ao abrigo do disposto no art. 163°, n.ºs 1 a 3 do Código de Procedimento Administrativo.

B) Com o devido respeito, o enfoque que é dado, ao longo de toda a fundamentação de direito constante da douta sentença proferida, à análise dos dois tipos de obrigações tributárias que se constituem entre o sujeito passivo e a AT, por referência a um facto tributário uno ou a um facto tributário que tenha por referência a delimitação temporal legalmente estabelecida, mormente no que respeita ao enquadramento do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante, IRC) - que deu origem à dívida exequenda dos autos executivos 3255201481089368 — como um imposto de obrigação periódica,

C) manifestando-se uma, a nosso ver, intempestiva, por antecipada no tempo, preocupação com a imediata e plena reconstituição da situação que existiria antes da prática do acto tributário de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2010, pois que se desconhece se este acto irá ser anulado, encontrando-se pendente a competente Impugnação Judicial em que se discute este acto, conforme consta dos factos provados,

D) conduziu a que a sentença proferida se alienasse por completo, na sua fundamentação, das normas jurídicas que regem o processo de execução fiscal, que, como melhor veremos adiante, pela sua natureza judicial, não correspondem, necessariamente, às normas previstas quer no Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, CPPT) quer na Lei Geral Tributária (doravante, LGT) para o denominado procedimento tributário, acabando por verdadeiramente se alicerçar, apenas e só nas normas dispostas no artigo 100.º da LGT, no art. 161°, n.º 2 corpo e alínea i) e nos n°s 1 a 3 do art. 163°, ambos do Código de Procedimento Administrativo (doravante, CPA).

E) É nesta medida que discordamos da douta sentença proferida, pois que, conforme a Representação da Fazenda Pública teve já oportunidade de referir nos autos em primeira instância, no articulado por si apresentado, não consta, em nenhuma parte do despacho proferido pelo órgão de execução fiscal e sindicado naqueles autos, que, no caso de ser procedente a Impugnação Judicial que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 1799/13.OBELRS, e, consequentemente, ser anulado o acto tributário de liquidação de IRC referente ao período de 2010, não se reconstituirá a situação jurídica existente antes daquele acto de liquidação, de acordo com o disposto no art. 100.º da LGT e do art. 161.º, n.º 2 corpo e alínea i) do CPA.

F) A nulidade de um acto consequente em razão da anulação do acto precedente a este e que o motivou, acontece, em direito administrativo, após a entrada em vigor do novo CPA, em 7 de abril de 2015 (vide art. 9.° do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, diploma que aprovou no CPA), e à luz do disposto na alínea i) do n.º 2 do art. 161.º do mesmo Diploma Legal — disposição em que se alicerça o douto Tribunal “a quo” - aquele acto consequente ofender “os casos julgados”

G) Ora, resulta dos factos provados na douta sentença proferida que a Impugnação Judicial que tem como objecto a liquidação de IRC referente ao período de 2010 ainda não obteve decisão favorável e transitada em julgado, não estando, portanto, firmada na ordem jurídica a anulação daquele acto tributário (vide ponto 5 dos factos considerados provados na sentença proferida).

H) Por outro lado, com a sentença prolatada, ignorou-se aquele que é o objecto concreto de uma Impugnação Judicial, bem como aqueles que são os fundamentos com base nos quais este meio processual pode ser apresentado.

I) A Impugnação Judicial visa a anulação de um acto tributário, com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente os fundamentos que se encontram expressos nas alíneas do art. 99.º do CPPT (vide corpo do art. 99.° do CPPT).

J) Encontrando-se a ser discutida, através de Impugnação Judicial, a legalidade de um acto de liquidação cujo valor se encontra em cobrança coerciva, poderão ser suspensos esses autos executivos durante o período em que se encontre pendente aquele meio processual (até à “decisão do pleito”), no caso de ser prestada garantia que o serviço de finanças competente considere idónea ou caso seja aceite a dispensa da sua prestação (vide n°s 1 do art. 169.° do CPPT e 52.° da LGT).

K) Assim, além dos requisitos inerentes à garantia, sobre os quais não nos debruçaremos porquanto não têm interesse para situação em concreto discutida neste recurso, é necessário que exista correspondência entre o acto objecto de impugnação e a dívida que se encontra a ser exigida coercivamente para que esses autos executivos possam ser suspensos.

L) Nesta medida, não poderemos olvidar que, não obstante o que supra mencionamos relativamente à anulação de um acto consequente praticado por causa de um acto praticado a montante àquele e entretanto anulado, o objeto de cada Impugnação Judicial é o acto tributário cuja anulação o autor requer no pedido formulado.

M) Concretamente no que diz respeito aos actos tributários de liquidação de IRC é certo que como supra mencionamos, não obstante estarmos perante um imposto periódico, cada período de tributação dá origem a um acto de liquidação, pois que em cada um dos períodos de tributação, normalmente coincidente com o ano civil, se constitui um novo facto tributário (vide artigo 1.º e n.º 1 do art. 8º, ambos do Código do IRC).

N) No caso concreto, foi praticado um acto de liquidação referente ao período de 2010 e um acto de liquidação referente ao período de 2011 actos esses que, individualmente, conferiram ao sujeito passivo, com a sua notificação, a possibilidade de suscitar a sua eventual ilegalidade, através de meios procedimentais e/ou processuais. Concretamente no que respeita à Impugnação Judicial, meio judicial que aqui está em apreço, à ora recorrida assistiu a possibilidade de deduzir Impugnação Judicial relativamente ao acto de liquidação de IRC referente ao período de 2010, ou ao acto de liquidação de IRC referente ao período de 2011, podendo, se assim o entender, e caso se verificassem os requisitos previstos na lei, cumular ambos os pedidos por existir identidade dos tributos, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 104.° CPPT.

O) Conforme resulta dos factos considerados provados na douta sentença proferida em primeira instância, a Reclamante, ora recorrida, uma vez notificada dos actos de liquidação supra mencionados, optou por deduzir Impugnação Judicial relativamente ao acto de liquidação de IRC referente ao período de 2010, bem como, por outro lado, por discutir a legalidade do acto de liquidação de IRC referente ao período de 2011 junto do Centro de Arbitragem Administrativa.

P) Pelo exposto, o objecto de uma Impugnação Judicial é cada acto de tributação cuja legalidade se contesta, podendo porventura, caso exista interesse do Impugnante e se encontrem preenchidos os requisitos legais previstos no n.º 1 do art 104.° do CPPT, existir cumulação de pedidos de mais do que um acto tributário

Q) Por outro lado, outro aspecto que a douta sentença proferida em primeira instância olvida, o que conduz, com o devido respeito, à desacertada solução jurídica adoptada ao caso concreto, prende-se com os fundamentos que poderão conduzir à apresentação da Impugnação Judicial.

R) Neste aspecto, atentemos na abrangência que o legislador conferiu ao corpo do art. 99.º do CPPT, ao consagrar que a Impugnação Judicial pode ter como fundamento “ilegalidade”, designadamente as que se encontram previstas nas várias alíneas desta disposição legal.

S) Reforçando esta amplitude de fundamentos legais, o legislador veio consagrar, na disposição legal referente aos prazos para apresentação deste meio processual que a Impugnação Judicial pode ter como fundamento a “nulidade”, podendo, nesse caso, ser deduzida “a todo o tempo”.

T) Assim sendo, em nosso entendimento, mal andou o Ilustre Tribunal “a quo” ao considerar inócua ou desprovida de fundamento qualquer Impugnação Judicial que a Reclamante, ora recorrida apresentasse tendo como objecto o acto tributário de liquidação, reformulado, de IRC referente ao período de 2011.

U) De facto, não deixa de ser contraditório que o douto Tribunal de primeira instância considere, por um lado, que o acto de liquidação de IRC, reformado, referente ao período de 2011, irá ser nulo futuramente com base nos fundamentos que supra rebatemos e, por outro lado, considere que “não assiste um vício autónomo, próprio, para que pudesse impugná-la [a liquidação reformada]”,

V) olvidando que a Reclamante e ora recorrida poderia, se assim o entendesse, apresentar Impugnação Judicial que tivesse como objecto o acto de liquidação de IRC (reformado) referente ao período de 2011 com fundamento em qualquer ilegalidade, mormente na nulidade do mesmo com base na teoria dos actos consequentes (sendo que, com base nos fundamentos supra expostos, a Representação da Fazenda Pública não estranha que a Reclamante não o tivesse feito pois que não se verifica, actualmente, esse mesmo fundamento).

W) Por outro lado, dispõe o n.º 1 do art. 103.° LGT que «O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional».

X) Ao atribuir-se à execução fiscal a natureza judicial numa Lei de Bases, como é a LGT, está-se a impor a obrigatoriedade de se moldar a tramitação da execução segundo as formas próprias dos processos judiciais, o que implica a aplicação supletiva das regras do processo civil.

Y) De facto, se a execução fiscal deve ser qualificada como um processo, então o conjunto de actos por ele formado são actos processuais e não actos procedimentais, pelo que fazem parte do complexo de actos que formam a sequência processual, tendo relevância no desenvolvimento da relação processual.

Z) O despacho proferido pelo chefe do serviço de finanças de Lisboa 10, sindicado nos autos de primeira instância, baseia-se, portanto nas disposições legais consagradas nos artigos 52.° da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º 1 do art. 169.º do CPPT.

AA) Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 52°, n°s.1 e 2, da LGT, e 169.º nº1, do CPPT, a execução fiscal só pode ser suspensa mediante prestação de garantia (ou dispensa da mesma) em virtude de pagamento em prestações da dívida exequenda ou, por outro lado, ocorrendo dedução de reclamação, recurso, impugnação ou oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.

BB) A suspensão dos processos de execução fiscal depende, portanto, da verificação de dois requisitos legalmente consagrados, sendo estes cumulativos.

CC) Com o devido respeito e salvo melhor opinião, tais requisitos não se verificam no caso concreto pois — à parte do pressuposto da prestação de garantia ou da sua dispensa, sobre o qual não nos iremos debruçar pois não constituem objecto do presentes recurso, como supra mencionamos - pois, conforme resulta dos factos provados, não foi apresentada pela Reclamante e ora recorrida, reclamação, recurso, impugnação ou oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, o acto tributário de IRC referente ao período de 2011.

DD) Ora, os créditos tributários são indisponíveis, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária (vide artigo 30.°, n.º 2 da LGT).

EE) A Administração Tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei, conforme estipula o artigo 36.º n.º 3 da LGT).

FF) Através do aditamento da norma ínsita no n.º 3 do art. 30.º da Lei Geral Tributária (que entrou em vigor com a Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro), veio o legislador consagrar a indisponibilidade dos créditos tributários assim como a prevalência do seu regime sobre qualquer legislação especial.

GG) A concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade subsidiária, nos termos do disposto no artigo 85°, n.º 3 do CPPT.

HH) Destarte, a execução fiscal, como decorre do n.º 3 do art. 36.° da LGT e está previsto no n.º 3 do art. 85.º do CPPT, não pode ser suspensa, a não ser nas situações em que a lei expressamente o permite (vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-09-2013, proferido no âmbito do processo 01377/13).

II) A Lei Geral Tributária, não constituindo lei de valor reforçado, assume a natureza de lei que fixa os princípios e fundamentos do sistema tributário.

JJ) A indisponibilidade dos créditos tributários — que significa que AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos — decorre, em última análise, do princípio da legalidade tributária, que impõe à AT que actue com vista à obtenção da prestação efectivamente devida nos termos da lei fiscal (vide arts. 103.°, n.º 3, e 266°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) e art. 30, n.º 1 do CPA), assim como do princípio da igualdade (cfr. arts. 13.° e 266°, n.º 2, da CRP e art. 6.° do CPA), que lhe impõe a obrigação de prosseguir o objectivo de tratar igual e uniformemente todos os contribuintes, maxime na exigência, modificação ou extinção das obrigações tributárias deles.

KK) Ambos os princípios supra enunciados estão também consagrados no art. 55.° da LGT, que enumera os princípios a observar pela AT na sua actividade.

LL) No caso concreto, conforme resulta dos factos considerados provados na douta sentença prolatada, a dívida que se encontra a ser exigida no processo de execução fiscal é referente a IRC do período de 2011, ao passo que o objecto da Impugnação Judicial supra identificada é a liquidação de IRC de 2010.

MM) Da leitura do número 1 do art. 52.º da LGT e do n.º 1 do art. 169.° do CPPT resulta claro que o legislador quis estabelecer uma conexão necessária e directa entre o meio procedimental ou processual apresentado pelo executado e a discussão da legalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.

NN) Posto isto, considerando o interesse público que subjaz à cobrança de impostos e tributos, a aceitar-se a interpretação extensiva ao n.º 1 do art. 169.º do CPPT adoptada pelo douto Tribunal “a quo”, cair-se-ia no cúmulo de poder vir o sujeito passivo suspender todos os processos de execução fiscal que se encontrassem em curso para cobrança de créditos tributários respeitantes aos exercícios posteriores ao daquela liquidação que se encontra a ser discutida, exercícios correspondentes àqueles em que é possível, de acordo com a disposição do art. 52.° do CIRC, deduzir prejuízos fiscais, assim se esvaziando de sentido o disposto nos artigos 30°, n.º 2 e 36°, n.º 3, ambos da LGT, e n.º 3 do art. 85.º do CPPT.

OO) Destarte, com o devido respeito e salvo melhor opinião, consideramos que, no caso concreto, não foi perfilhada a solução jurídica mais acertada, pois que a douta sentença prolatada desconsiderou, por completo, os princípios supra mencionados que presidem à tramitação de um processo de execução fiscal, colocando no mesmo plano jurídico e temporal o acto praticado pelo órgão de execução fiscal sindicado e a reconstituição da situação jurídica que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

PP) Com a solução jurídica perfilhada, o Ilustre Tribunal de primeira instância faz depender a decisão proferida por um órgão de execução fiscal da possível necessidade de, futuramente, e caso se venha a verificar a anulação de um acto tributário de liquidação, proceder a anulação dos actos consequentes que foram praticados por causa daquele, solução que não se compagina e que esvazia de conteúdo os princípios da igualdade e da legalidade tributária, supra enunciados.

QQ) Reitere-se, que, com base nos fundamentos supra expostos, contrariamente ao que a douta sentença proferida entende, dever-se-á, portanto, considerar que o acto sindicado é legal, porquanto foi proferido de acordo com as disposições legais supra mencionadas e que regem o processo de execução fiscal e dele são específicas, enquanto processo de natureza judicial.

RR) Por outro lado, e contrariamente à solução perfilhada em primeira instância, dever-se-á ainda considerar que, noutro patamar de direito substantivo em relação ao processo de execução fiscal, estão os efeitos jurídicos de uma decisão favorável ao sujeito passivo que implicam, nos termos do disposto no art. 100.º da LGT, 161.°, n.º 2 alínea 1) e n.ºs 1 a 3 do art. 163º, ambos do CPA, a necessária reconstituição da situação jurídica que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, o que irá acontecer caso e quando a Impugnação Judicial venha a ser procedente e, em consequência, venha a ser anulado o acto tributário de liquidação IRC referente ao período de 2010 (o que, reitere-se, não aconteceu à data em que foi proferido o despacho sindicado e ainda não aconteceu na presente data).

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!

Foram apresentadas contra alegações pela sociedade recorrida, a fls. 317 dos autos, com o seguinte quadro conclusivo:

I. É ilegal, mas também excessivamente restritiva, a fundamentação em que se escora o recurso interposto pela Representação da Fazenda Pública da, aliás, douta sentença judicial que considerou procedente a reclamação contra ato praticado por Órgão da Execução Fiscal aqui em causa.

II. A Recorrida obteve ganho integral de causa, e não ganho parcial. O pedido de dispensa de prestação de garantia, por claramente inovador no quadro da teoria do ato consequente, era meramente acessório e visa a reflexão sobre um tema que ainda não foi discutido na jurisprudência.

III. A fundamentação da, aliás, douta sentença recorrida sintetiza-se, exemplarmente, no segmento onde se escreveu: “Ora, seria antinómico considerar essa dependência entre atos, observar a pendência de litígio em que os determinantes se encontram e, simultaneamente, considerar inexistir litígio envolvendo os atos dependentes, O pleito abrange, por isso, a liquidação reformada na base da execução”.

IV. Com base em idêntica fundamentação, o Acórdão do TCAS, de 24-07-2014, no Processo 07903/14, citado pela Recorrida na sua Reclamação e que a, aliás, douta sentença recorrida também invocou, pronunciou-se no sentido de que nestes casos, se o contribuinte impugnou a correção da matéria tributável daquele primeiro ano e foram instauradas as respetivas execuções fiscais para cobrança das liquidações adicionais dos anos posteriores dependentes daquela correção inicial, deverá entender-se que, para efeitos do artigo 169º. n.º 1, do C.P.P.T., se está perante uma situação em que está pendente impugnação judicial onde se discute a legalidade da liquidação da dívida exequenda.

V. Pelo que a decisão ora recorrida reconheceu que a penhora que havia sido efetuada não era mais do que uma garantia ou por garantia devia ser tida enquanto se mantivesse a suspensão do processo de execução, matéria em que o decisório é absolutamente claro: “devendo em conformidade com o decidido proferir o Órgão de Execução Fiscal despacho que dê sequência à tramitação para prestação de garantia por aquela e, uma vez prestada de forma que entenda capaz, suspenda então a execução nos termos predito”.

VI. A Ilustre Representante da Fazenda Pública tece com verbosidade, mas nula sustentação legal, doutrinária ou jurisprudencial, a tese do ato tributário “eremita”, isolado de toda a sua envolvência, designadamente daquela que, por expressa disposição legal, se gera em período ou exercício temporal diferente daquele em que se gera o próprio ato tributário e, no entanto, interfere na sua modulação, designadamente no seu aspeto quantitativo.

VII. Entre muitos outros exemplos que se poderiam dar, encontra-se, até pela sua recorrência, o reporte de prejuízos legalmente consagrado no artigo 52.º do Código do IRC.

VIII. A ilustre Representante da Fazenda Pública, nas suas, aliás, doutas Alegações, certamente por lapso, esquece este facto incontroverso, decorrente de disposição legal expressa, da repercussão dos efeitos diretos, imediatos e automáticos dos prejuízos apurados no período de tributação N-1 no ano N, para efeitos da determinação da matéria coletável e consequente imposto a apurar como devido (ou não) no ano N, neste caso em que, concretamente, tal facto está provado.

IX. E que só não está já — o facto — consumado, porque existe uma grande nebulosa sobre o efeito dos recursos quando as decisões são favoráveis ao contribuinte, o recurso é interposto pela Fazenda Pública e o Tribunal lhe atribui efeito meramente devolutivo, podendo atribuir-lhe efeito suspensivo.

X. A doutrina, corporizada em autor reputado como é JORGE LOPES DE SOUSA, nos seus comentários ao artigo 286.º do CPPT (Áreas Editora, 6ª Ed., 2011, pp. 510) parece, salvo o devido respeito, defender, a esse propósito, posições pouco sustentadas e inteligíveis,

Xl. Por um lado, afirma que “Isto é, o recurso do Ministério Público ou da Fazenda Pública interposto de decisão favorável ao contribuinte parece ter forçosamente efeito devolutivo (a decisão judicial produz efeitos imediatamente, até ser revogada ou anulada, ficando paralisados os efeitos da decisão administrativa impugnada), independentemente de existir ou não garantia”.

XII. Não obstante, também afirma que “Por outro lado, também não se pode aventar a possibilidade de execução imediata, contra a Fazenda Pública, da decisão favorável ao contribuinte de que foi interposto recurso, pois a execução de julgados desfavoráveis a administração tributária apenas está prevista após o trânsito em julgado da decisão (arts. 100.º. da LGT, 146º nº 2, da CPPT, 95.º e 96º n.º 1, da LPTA e nº 5, nº 1, da DL 256-A/77, de 27 de Junho, e 160.º n.º 1, do CPTA). Assim, também nestes casos é indiferente que o recurso da decisão judicial anulatória proferida pelas instâncias seja suspensivo ou devolutivo, ou que tenha ou não sido prestada garantia, pois o efeito da decisão judicial favorável ao contribuinte ficará suspenso até que se verifique o trânsito em julgado”.

XIII. Impõe-se, desde logo, eliminar, nesta tese, as referências à LPTA e ao DL 256-A/77, em que JORGE LOPES DE SOUSA fundamenta a sua posição, uma vez que se trata de leis já revogadas, como é público.

XIV. Em segundo lugar, o artigo 100.º da LGT não se refere no seu texto a “trânsito em julgado”, mas apenas à obrigatoriedade de a administração tributária reconstituir imediata e plenamente a situação que existiria se não tivesse cometido a ilegalidade, em caso de procedência total ou parcial de processo judicial a favor de sujeito passivo, e o facto de o n.º 2 do artigo 146.º referir “trânsito em julgado”, restringe-o à circunstância em que, para efeitos de execução de julgado, o contribuinte tem necessidade de requerer o envio de sentença ao órgão competente da administração para a execução. Isto é, não o restringe em qualquer circunstância.

XV. Por último, é verdade que o nº. 1 do artigo 160º do CPTA determina que “Os prazos dentro dos quais se impõe à Administração a execução das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos correm a partir do respetivo trânsito em julgado”.

XVI. Mas não é menos verdade que o nº 2 do mesmo artigo dispõe que “Quando a sentença tenha sido objeto de recurso a que tenha sido atribuído efeito meramente devolutivo, os prazos correm com a notificação à Administração da decisão mediante a qual o tribunal tenha atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso”.

XVII. Ou seja, o CPTA, que como se sabe estabelece como regra o efeito suspensivo dos recursos, admitindo, como admite, casos em que estes possam ter efeito meramente devolutivo, prescreve que o prazo para a execução da sentença corre com a notificação à Administração da decisão mediante a qual o tribunal tenha atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso, isto é, o despacho de admissão do recurso, em regra. E assim cumpre o desiderato constitucional da igualdade das partes, algo que, ao que parece, por razões de tratamento privilegiado ancestral à administração fiscal, no direito processual fiscal se não tem feito.

XVIII. Como, porém, nada se encontra adrede estipulado a este propósito no CPPT ou mesmo na LGT, julga a Recorrida não cometer nenhuma heresia se invocar em abono da sua tese, isto é, da imediata exequibilidade das sentenças favoráveis aos contribuintes e a cujos recursos interpostos pela Fazenda Pública apenas tenha sido atribuído efeito meramente devolutivo, a aplicação subsidiária do disposto no nº 2 do artigo 160.º do CPTA, tendo em conta a alínea c) do artigo 2.º do CPPT.

XIX. É que, sem dúvida, a notificação da, aliás, douta sentença recorrida tem de considerar-se feita à Administração fiscal quando foi notificada à Representação da Fazenda Pública, com todas as legais consequências.

XX. Mas, além disso, o mesmo se pode dizer da, aliás, douta sentença que foi proferida em primeira instância sobre a impugnação judicial do ato tributário, neste caso da fixação da matéria coletável negativa que não deu origem imposto a pagar, relativo a 2010 e cujo recurso, igualmente interposto pela Representação da Fazenda Pública, foi admitido e processado como apelação em processo civil, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (Doc. 1).

XXI. A Ilustre Representante da Fazenda Pública refere, e bem, que a, aliás, douta decisão não transitou ainda em julgado.

XXII. Mas, sem dúvida, olvidou que o recurso interposto tem efeito meramente devolutivo e que, a aplicar-se o disposto o n.º 2 do artigo 160º do CPTA, a decisão já devia ter sido executada, mesmo, como se dispõe no nº 4 do artigo 143.º do CPTA, à Recorrida tivesse sido alguma “remédio”: “Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos”.

XXIII. E, consequentemente, se tivesse já reformado a liquidação de IRC de 2011, que deu origem à execução e se tivesse já anulado, em consequência do reporte de prejuízos, com todas as legais consequências, a execução fiscal ainda instaurada e vigente, deste modo se assegurando o exercício dos direitos e garantias da ora Recorrida.

XXIV. Não obstante, e ainda que assim se não entenda, a fundamentação da, aliás, douta sentença recorrida é legal, tem base jurisprudencial e doutrinária concordantes e deve, pois, manter-se, tal como foi proferida e com todas as legais consequências.

O Mº Pº neste STA teve vista dos autos e emitiu extenso parecer a fls. 334 dos autos que se apresenta por extracto.

1. Objecto do recurso

1. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada contra a decisão de indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal instaurada contra a sociedade “A……………, SGPS, S.A.” para cobrança da quantia de €412.647,80 euros, e determinou a anulação do despacho do órgão de execução fiscal.

(…)

III. Análise do Recurso.

A questão que vem colocada pela Recorrente consiste em aferir da bondade da sentença recorrida ao concluir pela ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de suspensão da execução fiscal, o que passa por saber se no caso concreto a pendência de acção de impugnação da liquidação de IRC do ano de 2010 constitui fundamento subsumível no artigo 169°, n°1, do CPPT, em ordem à suspensão da execução fiscal n°325520148109368, instaurada para cobrança de dívida relativa ao ano de 2011.

Entendeu o tribunal “a quo”, invocando a jurisprudência do acórdão do TCA de 24/07/2014, proc. 07903/14, que mostrando-se pendente a ação de impugnação do ato de liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2010, em que se questiona a legalidade das correções da AT em sede de prejuízos declarados e tendo estes sido objecto de reporte no ano de 2011, então deve considerar-se, para os efeitos do disposto no artigo 169°, n°1, do CPPT, que a legalidade da dívida exequenda se encontra impugnada, uma vez que os efeitos da eventual procedência daquela ação se projetam no ato de liquidação de 2011, o qual terá que ser reformado em conformidade.

Citando o entendimento do conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in “CPPT Anotado, vol. III pág.s 216/217”) onde este Autor defende que: “Deve, por isso, concluir-se que a lei permite que a suspensão da execução fiscal ocorra em virtude da utilização de meio procedimental ou processual pelo executado que somente de forma indirecta questione a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, de acordo com a teoria dos actos consequentes e o examinado art°.133, n°.2, al. i), do C.P.A.».

Manifesta que;

Este entendimento também merece a nossa adesão. Com efeito, tendo ficado assente na sentença recorrida (ainda que mereça critica a forma como a matéria de facto foi fixada, designadamente por da mesma não constarem os valores dos prejuízos que foram objeto de reporte em 2011) que a dívida exequenda tem subjacente as correções efetuadas pela Administração Tributária ao reporte de prejuízos apurados no ano de 2010, então se essas correções foram objeto de impugnação, temos que concluir que, ainda que indiretamente, a legalidade da dívida foi objeto de impugnação, tal como concluiu o Mmo. Juiz “a quo”.

(…)

Assim sendo, mostra-se correto o entendimento adotado na sentença recorrida que considerou não haver motivos para o indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal tendo por fundamento a pendência da ação de impugnação da correção do valor dos prejuízos apurados pelo sujeito passivo, impondo-se a sua apreciação por parte do órgão de execução fiscal em ordem fixar o valor a caucionar por parte do executado (que se prestou a oferecer caução de forma a garantir a dívida exequenda, em substituição da penhora das contas bancárias).

IV. Conclusão:

Tendo a dívida exequenda relativa ao IRC de 2011 origem em correção do reporte de prejuízos na sequência de correção desses prejuízos verificados (apurados) em 2010, e tendo o sujeito passivo impugnado esta última correção, cuja ação se encontra pendente, a mesma constitui fundamento, ao abrigo do disposto no artigo 169°, nº 1 do CPPT, de pedido de suspensão da execução fiscal que tem por objeto aquela dívida, verificados que sejam os demais requisitos legais (idoneidade da garantia).

Tendo a sentença recorrida adotado tal entendimento, a mesma fez uma correta interpretação e aplicação do normativo em causa, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, devendo julgar-se improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública.

2- FUNDAMENTAÇÃO:

A decisão recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto a fls. 282 e seguintes:

1. Na sequência de uma ação inspetiva de que a Reclamante, A……………, S.G.P.S., S.A., foi objeto, veio a ser elaborada pela Administração Tributária a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas com o no relativa ao seu exercício de 2010 que, pese embora não tenha determinado coleta nem, portanto, dívida de imposto com base em lucro tributável, assentou porém na desconsideração de certos prejuízos como atendíveis nesse exercício e que a Reclamante considerara como nele fiscalmente dedutíveis, na declaração que oportunamente apresentara.

2. Assim, a ação inspetiva considerou que do valor global desses prejuízos declarados pela Reclamante, de €8.773.559,36, eram de apenas €2.106.745,01 — ou seja, menos €6.666.814,35 — os que deviam ser atendidos como dedutíveis nesse exercício de 2010.

3. E daí resultou que para o exercício de 2011 transitasse a possibilidade de deduzir ainda, em vez dos €12.13.425.705,86 subjacentes ao declarado pela Reclamante, apenas €6.666.814,35.

4. Pelo que a Administração Tributária elaborou à Reclamante, outrossim na sequência de uma outra ação inspetiva sobre os seus anos de 2011 e 2012, uma liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para o seu exercício de 2011, com o n° 10033583, da qual resultou, quer pela diminuição do prejuízo fiscal reportado, quer em virtude de outras correções, dívida de imposto.

5. A Reclamante reagiu contra aquela liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativa ao seu exercício de 2010, processo que neste Tribunal tomou o n°1799/13.OBELRS, onde obteve integral vencimento em primeira instância, aguardando agora decisão do recurso pendente.

6. E a Reclamante reagiu igualmente contra esta última liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativa ao seu exercício de 2011 (bem como contra a relativa ao ano de 2012) perante um tribunal arbitral, processo que no Centro de Arbitragem Administrativa tomou o n°30/2015-T, onde veio a obter a anulação dos dois atos de liquidação adicional, por decisão de 11 de dezembro de 2015.

7. Na sequência desta decisão arbitral, a liquidação adicional de 2011 foi reformada oficiosamente pela Administração Tributária, dela quedando atualmente uma dívida de imposto, no valor de €412.647,80, diretamente determinada pelo menor reporte de prejuízos, tal como foi acima referido, nos pontos 2.-3..

8. E é essa dívida determinada por tal liquidação reformada, com o correspondente acrescido, que se constitui no objeto atual de cobrança coerciva que permanece sob cobrança coerciva nos autos principais, a execução n°325520148109368, instaurada a 27 de novembro de 2014, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 10.

9. Com efeito, se a execução foi instaurada para cobrança da dívida de imposto determinada pela liquidação adicional mencionada no ponto 4., e esteve suspensa enquanto decorreu o processo mencionado no ponto 6., mediante a prestação de uma caução, oportunamente admitida como garantia, todavia deixou de estar suspensa com o desfecho desse processo e com a subsequente reforma da liquidação na sua base e, ainda, com a devolução daquela garantia, por despacho do Órgão de Execução Fiscal de 26 de fevereiro de 2016.

10. Assim, prosseguiram os autos com a penhora de bens da Reclamante.

11. Em face desses ato, ela pediu em 20 de abril de 2016 a suspensão dos autos mediante a prestação de garantia (substituindo a penhora), invocando que a dívida dos autos resultava do supra-mencionado menor reporte de prejuízos do ano anterior, que fora determinado para o ano de 2011, matéria essa que todavia estava sob impugnação do correspondente ato de liquidação acima referido, relativo a 2010, no âmbito do processo supra citado no ponto 5..

12. Por despacho de 6 de junho de 2016 o Órgão de Execução Fiscal manteve o decidido no seu despacho de 10 de maio de 2016, que indeferiu a suspensão do processo, sob a consideração de que entre os meios de reação que autorizavam a suspensão da execução não se continha o pedido de revisão oficiosa de ato que a Reclamante tinha formulado a 28 de março de 2016, a respeito tanto da liquidação [reformada] de 2011, como da de 2012 [reformada] não havendo pendente outro contencioso sobre a liquidação de 2011, pelo que a execução devia continuar seus termos.

13. Daquele despacho reclamou a Reclamante em 1 de junho de 2016, o que neste Tribunal deu origem ao processo n°2496/16.OBELRS, vindo por decisão de 31 de outubro de 2016 a ser anulado, o que em recurso foi confirmado por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de janeiro de 2017, sob a consideração de que o despacho não tinha fundamentação suficiente, pois indeferia o pedido como se tivesse sido feito sob a invocação de um fundamento, quando o fora sob a invocação de outro, que todavia não apreciava, não explicitando a motivação para o sentido da sua decisão.

14. Assim, na sequência do judicialmente decidido, voltou o Órgão de Execução Fiscal a conhecer do pedido de suspensão com prestação de garantia (e substituição da penhora por ela), por despacho de 6 de novembro de 2017, ora com fundamento, em síntese, em que por uma parte o pedido de revisão oficiosa dos atos, ainda pendente, não procede como motivo legalmente configurado para suspensão da execução fiscal, segundo o elenco que tanto autorizaria e, por outra, a pendência do contencioso judicial sobre a liquidação de 2010 não se constitui por si num motivo de suspensão desta execução de dívida proveniente da liquidação adicional de 2011, porquanto a questão da legalidade das correções ali em debate, ponderada a sua prejudicialidade em relação à liquidação de 2011, não traduz um contencioso sobre o ato na base da execução, donde que não haja fundamento legal para suspendê-la de tal contencioso, o que antes constituiria uma moratória sem base legal; ainda, considerou o Órgão de Execução Fiscal naquele despacho que o pedido de substituição de penhoras por garantia não tinha objeto, porque nunca se haviam concretizado e, entretanto haviam sido, inclusive, levantadas.

15. Notificada dessa decisão a 18 de novembro de 2017, a/até ao dia 21 seguinte a Reclamante apresentou a petição na origem dos presentes autos.

3- DO DIREITO:

A decisão recorrida expressou a seguinte fundamentação jurídica que se apresenta por extracto:

(…) No domínio tributário, como se sabe, os atos tributários referem-se a um dado facto em si mesmo uno, senão instantâneo, que tem relevo e significado jus-tributário, ou então a um período legalmente fixado, no longo do qual se vai constituindo ou formando um complexo de factos que cobra esse sentido como um todo, cingido a esse lapso temporal e por idênticos seccionado, por imperativos legais não só de simplicidade, como de possibilidade prática de efetiva tributação nestes casos de tributos cuja base é de formação continuada pelo aludido período temporal. Assim, e referindo-nos especificamente ao domínio estrito dos impostos, consequentemente eles dividem-se entre os que se expressam por obrigação única e os que se exprimem por obrigações periódicas. Por isso que a atividade dos Contribuintes neste âmbito, como a da Administração Tributária, é naturalmente referida àqueles factos unos, ou tem por referência a delimitação temporal legal que está estabelecida, que reconduz uma formação complexa de factos ocorridos ao longo de um certo período, a um facto tributário unificado, temporalmente balizado.

Refletindo isso mesmo, o contencioso tributário sobre os atos de tributação reflete essa realidade de facto e normativa, e as suas normas, maxime nesse contencioso, têm subjacente essa mesma unicidade do facto a que se refere a tributação, ou aquela formação continuada adentro do balizamento temporal predeterminado, ao que a operatividade quase esgotante do princípio da impugnação unitária, art. 54° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, empresta continuidade. Por ser deste modo, os meios de reação graciosa ou contenciosa àqueles atos da Administração Tributária, para além de serem reportados a uma dada situação e ato concreto pretérito e tendencialmente irrepetível, ou potencialmente repetível mas ainda assim sob aspetos que o diferenciam radicalmente de anteriores, são designados de objetivistas, porque referidos a um ato real ou ficto da Administração, perspetivando e ordenando, por isso mesmo, um contencioso sobre o ato considerado de forma isolada ou atomística, indiferente à potencial reiteração de situações. Inversamente, o meio estabelecido no art.145° desse mesmo Código, qual exceção a confirmar a regra, tem um cariz essencialmente subjetivista, mas porque do reconhecimento de direito se trata, o que faz com que incida não necessariamente sobre atos, mas sobre a definição de pressupostos ou situações que são prévios ou condicionantes de atos, o que a própria expressão de reconhecimento de direito traz implícita, cfr., em sentido algo confluente, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 2006, vol. 1, nota ao art.145°, ponto 4..

Indo agora diretamente ao caso presente, este introito serviu para significar que, de um puro ponto de vista formal, que as normas oferecem, a interpretação feita pelo Órgão de Execução Fiscal no despacho sob sindicância, sobre a disciplina da suspensão do processo executivo, inserta nos arts. 169° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 52° da Lei Geral Tributária não pode, sem mais, dizer-se ilegal ou errada. Com efeito, resulta da descrita matriz do contencioso tributário, que se reflete nas normas invocadas, que a suspensão da cobrança supõe a pendência de contencioso sobre o ato determinativo da dívida, ou sobre a exigibilidade desta, arts. 52° n°1 e 169° n.ºs 1 e 5 — para além de garantia prestada [ou, se não, dispensada]/prossecução da execução até à sua formação através de penhoras, citados arts. 52° n°2 e 169º n.ºs 2 – 3. Ora, segundo a matricial e estrutural correspondência entre procedimento/processo a um ato de tributação, ínsita à própria redação das normas, forçoso é concluir que inexiste formalmente um contencioso acerca do ato de liquidação, ora reformada, que subjaz à execução, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, relativa a 2011, elaborada à Reclamante. Sob esta leitura dos textos legais, puramente formal, o despacho não mereceria censura.

Todavia, e na sequência do que ficou dito no início desta discussão de direito, a repartição dos atos tributários referidos a lapsos de tempo legalmente delimitados não é absoluta e entre atos tributários relativos a períodos desses sucessivos há, naturalmente, relações que se estabelecem na sequenciação uns dos outros, devido, precisamente, a elementos que se repercutem em mais do que um período do que, no caso do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas aqui em causa, são exemplo amortizações, provisões ou, precisamente, et pour cause, o reporte de prejuízos fiscais de uns anos para outros subsequentes.

Como se sabe, estes últimos ocorrem num dado exercício e são repercutidos nos seguintes em certa medida e segundo determinadas regras. Deste modo, sendo a liquidação adicional [reformada] de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 2011, determinativa da dívida exequenda, na sequência das alterações ao reporte de prejuízos introduzidas pela Administração Tributária na liquidação do mesmo tributo, relativa ao ano imediatamente anterior, de 2010, essa sua génese faz com que a liquidação adicional de 2011, reformada e na parte que subsista, se constitua num ato consequente àquele, precisamente na medida em que [também] foi originado e apenas permanece pela alteração do reporte de prejuízos [gerados ou já em parte reportados em exercícios anteriores]. Dito de outro modo, a bondade da liquidação subjacente à execução é partícipe daquela que caiba à liquidação anterior no que ao reporte de prejuízos respeita, em sentido análogo, cfr. Ac. TCAS de 24VII2014, tirado no processo nº 7903/14, acessível em www.dgsi.pt.

(…)

Como dito, o art.169° n°1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário elenca como condição de sustação da execução, além da prestação de garantia [constituição de penhora com igual finalidade], a pendência de um pleito que tenha por objeto a legalidade da dívida ou do ato de que aquela resulte. Ora, estabelecida que é a relação de dependência entre o ato de liquidação de 2011 e o análogo, reportado ao exercício anterior, sendo que por pleito se entende a questão ou questões que configuram a controvérsia suscitada pelo Contribuinte em relação ao ato tributário, e não o ou os procedimentos ou processos em que ela seja dirimida, há então que concluir que, sendo a liquidação em causa na execução consequente àquela diretamente impugnada, desse modo integra-se no pleito pendente, não formalmente, é certo, mas lógica e substancialmente: por isso que anulada que seja aquela liquidação do exercício anterior, ainda que parcialmente, no que contende com prejuízos e seu reporte, tal repercutir-se-á na subjacente à execução, como dimanação da ideia da norma do art.161° n°2 corpo e alínea i) do Código de Procedimento Administrativo, que subjaz ao disposto no art. 100° da Lei Geral Tributária, sobre a determinação da reconstituição do ato ou situação objeto de litígio em conformidade com as decisões finais sobre os atos.

A tudo isso acresce, tal como diz a Reclamante, que à liquidação reformada, atualmente na base da execução, não assiste um vício autónomo, próprio, para que pudesse impugná-la, antes o vício que nela se repercute é consequência da liquidação do ano anterior e, esta, está já sob impugnação. Ora, seria antinómico considerar essa dependência entre atos, observar a pendência de litígio em que os determinantes se encontram e, simultaneamente, considerar inexistir litígio envolvendo os atos dependentes. O pleito abrange, por isso, a liquidação reformada na base da execução.

Assim e pelo exposto, o despacho reclamado é de anular, por vício de violação de lei na parte respeitante à possibilidade de os autos principais serem suspensos do termo do litígio que decorre na impugnação n°1799/13.OBELRS deste mesmo Tribunal, ora sob recurso, porquanto no seu pleito se abrange, outrossim, a liquidação na origem da dívida exequenda.

(…)

Em conclusão, com fundamento no todo exposto e sem necessidade de mais alongado excurso, julgando parcialmente procedente por parcialmente provada a presente Reclamação A…………., S.G.P.S., S.A., nesta execução fiscal n°325520148109368, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 10, do despacho do Órgão de Execução Fiscal de 6 de novembro de 2017, atendemo-la anulando-o na medida em que indeferiu a sustação dos autos, por inexistência de pleito pendente sobre o ato na origem da dívida exequenda, o que fazemos ao abrigo do disposto no art. 163° n.° do Código de Procedimento Administrativo.

No mais, quanto à dispensa ou dispensabilidade de prestação de garantia desatende-se, por falta de fundamento legal, esta Reclamação, devendo em conformidade com o decidido proferir o Órgão de Execução Fiscal despacho que dê sequência à tramitação para prestação de garantia por aquela e, uma vez prestada de forma que entenda capaz, suspenda então a execução nos termos preditos.

Fixamos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 97°-A n°1 corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, como valor destes autos incidentais, o de €412.647,80, a dívida exequenda restante.

«Custas pela Reclamante e pela Fazenda Pública, fixando-se o decaimento na proporção de 1/5 e 4/5, respetivamente. Contudo, quedam as partes dispensadas do pagamento da taxa de justiça remanescente, nos termos do art. 6° n°7 do Regulamento das Custas Processuais, em razão do seu comportamento processual linear e da linearidade do próprio processo, bem como da complexidade mediana da questão na base do litígio.”

DECIDINDO NESTE STA

A questão a que respondeu a sentença recorrida consistiu em saber se é legal a suspensão de uma execução visando a cobrança de uma dívida resultante de uma liquidação adicional, no caso IRC de 2011, determinada por outra, relativa ao exercício anterior, na sequência de correcções nesta contidas, contendendo com o reporte de prejuízos originariamente declarado pelo contribuinte, se e enquanto esta liquidação estiver sob litígio, e até ao trânsito em julgado da decisão de procedência proferida em primeira instância, sindicada por via recursiva.

A mesma sentença respondeu afirmativamente como supra destacado.

O que é questionado pela recorrente nos termos das suas conclusões de recurso.

Mas, adiantamos já que não lhe assiste razão.

Há que ponderar desde logo que os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169º, do C.P.P.T. (cfr. artº. 52º, da L.G.T.) sendo de destacar o disposto no artº 169° n°1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário inserido na SECÇÃO VII “Da suspensão, interrupção e extinção do processo” o qual neste número dispõe:

Artigo 169.º

Suspensão da execução. Garantias

1 – A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.

(…)

Ou seja: é exacto que este preceito elenca como condição de sustação da execução, além da prestação de garantia, a pendência de um pleito que tenha por objecto a legalidade da dívida ou do ato de que aquela resulte.

Mas, factualmente está estabelecida uma relação de dependência entre o acto de liquidação de IRC de 2011 e o análogo, reportado a exercício anterior de 2010, sendo que ainda que não estejam quantificados os prejuízos reportados temos efectivamente de concluir que, sendo a liquidação em causa na execução consequente, pelo menos em parte, àquela directamente impugnada de 2010, desse modo se integra no pleito pendente, pois que se vier a ser anulada no todo ou em parte esta liquidação de IRC, no que contende com prejuízos e seu reporte, tal repercutir-se-á não só na liquidação de IRC de 2010 mas, eventualmente, também na de 2011, para além do que já foi determinado e acolhido pela Administração Tributária na sequência da decisão de procedência da impugnação de IRC de 2011 no CAAD que incidiu também sobre outras ilegalidades que não as decorrentes do reporte de prejuízos como resulta do ponto 4) do probatório (probatório que não sofre contestação) o qual revela que “a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para o seu exercício de 2011, com o n° 10033583, da qual resultou, quer pela diminuição do prejuízo fiscal reportado, quer em virtude de outras correções, dívida de imposto”, uma vez que a lei impõe a reconstituição do ato ou situação objecto de litígio em conformidade com as decisões judiciais finais sobre a legalidade dos actos tributários (artº 100º da LGT). Assim, em princípio e por atenção ao ponto 7) do probatório será influenciada a parte da liquidação ainda subsistente de IRC de 2011 que suporta a execução que a recorrida agora pretende suspender. E, daí que tenhamos de verificar as implicações desta relação de dependência para a determinação ou não da possibilidade de prestação de garantia relativamente à execução determinada pela dita liquidação de IRC de 2011, sendo que desde já se salienta e reitera que as demais correcções efectuadas pela AT (para além da diminuição do prejuízo fiscal reportado de 2010 para 2011 pela Sociedade, sujeito passivo) foram declaradas ilegais pela decisão arbitral a cuja apreciação não foram submetidos os reportes de prejuízos não admitidos no ano de 2010 o que se compreende por tal diminuição de prejuízos e as suas consequências para a liquidação do IRC de 2010 terem sido sindicados no tribunal tributário cujo processo ainda se encontra pendente. Ou seja: o CAAD foi chamado a pronunciar-se sobre outras correcções que a AT entendeu fazer ao IRC da ora recorrida de 2011 a título adicional (e também do ano de 2012) que pelo menos nalgumas componentes nada tinham a ver com a menor consideração de prejuízos fiscais e seu reporte. E este acto, no que respeita ao ano de 2010, foi previamente atacado noutra sede. Desta forma até se evitou uma pronúncia que se poderia revelar inútil ou com potencial para vir a constituir julgado contraditório.

E o CAAD tendo sido chamado a arbitrar um conflito relativo a outras correcções que considerou ilegais, a sua decisão, já transitada, a nosso ver em nada colide com a possibilidade de requerer a suspensão da execução que ainda e só subsiste (reformulada pela AT) na parte em que resulta pelo montante de €412.647,80 da consideração de menores prejuízos que os declarados pela sociedade ora recorrida (vide o dito ponto 7 do probatório). Ora, tal montante, pelo menos em parte, está e será influenciado pelo desfecho que tiver a impugnação judicial do IRC de 2010 e daí que se entenda satisfeito o requisito do artigo 169º nº 1 do CPPT.

Cabe aqui o destaque, para melhor compreensão, que correspondendo a solicitação do CAAD a ora recorrida esclareceu o seu pedido de pronúncia que para ali dirigiu do seguinte modo (certidão de fls. 46 a 68 do vol. 1 da presente reclamação):

“Em cumprimento da alínea a) da notificação ora feita da presente audiência, vem a Requerente aperfeiçoar o requerimento inicial, substituindo o pedido ínsito na “conclusão”, o que faz nos seguintes termos: Nestes termos e nos demais que o Tribunal Arbitral doutamente suprira, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente por provado, pelo que devem as liquidações que dele são objeto ser declaradas ilegais, com fundamento em vício de violação de lei, nomeadamente do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC e, por erro nos pressupostos de direito, sendo, consequentemente anuladas as ditas liquidações, o que se reflete da seguinte forma, nos campos do quadro 7 das declarações de Modelo 22 corrigidas:

a) Quanto ao exercício de 2011:

1. No campo 705, onde se inscreveu o montante de € 2.376.976,48, deveria ter sido inscrito o valor de € 7.418.550,22;

2. No campo 737, onde se inscreveu o montante de € 1.068.325,26, deveria ter sido inscrito o valor de € 0,00.

b) Quanto ao exercício de 2012:

1. No campo 705, onde se inscreveu o montante de € 3.709.275,11, deveria ter sido inscrito o valor de € 7.418.550,22;

2) No campo 737, onde se inscreveu o montante de € 1.104.460,77, deveria ter sido inscrito o valor de € 0,00.”

E, o CAAD decidiu:

c) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de imposto objecto deste pedido de pronúncia arbitral (Liquidação n.º 2014..., no valor de € 1 392 593,45, relativa ao exercício de 2011 e Liquidação n.º 2014..., no valor de € 172 035,87, relativa ao exercício de 2012.

Entendemos destacar, também, quanto à interdependência de acções em que está em causa o reporte de prejuízos de um ano para outro vide o acórdão deste STA de 03/05/2017 tirado no Recurso nº 1538/13-30 onde se sumariou: (…) 2) Se na causa prejudicial se impugnam, além do mais, correcções efectuadas aos prejuízos fiscais e na dependente se efectua o reporte dos mesmos verifica-se entre as causas o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância.

E, é certo que a possibilidade de suspensão da execução fiscal constitui direito do contribuinte no âmbito do princípio constitucional da tutela jurisdiscional efectiva (cfr. artºs. 20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R. Portuguesa; artº.9, nº.1, da L.G.T.).

E, determinada a mesma, o acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia ou penhora de bens que a substituam) a efectiva cobrança do crédito que se atribui, ainda que tal suspensão esteja sujeita ao princípio da legalidade (vide sobre esta temática entre outros autores; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.73 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.207 e seg.).

Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 52, nºs.1 e 2, da L.G.T., e 169, nº.1, do C.P.P.T. haverá que saber se a lei exige uma conexão directa entre o meio procedimental ou processual, utilizado pelo sujeito passivo/executado e a dívida exequenda cujo processo de execução se pretende suspender ou se pode ser uma conexão meramente indirecta. Dito de outro modo, haverá que saber se a lei permite que a suspensão da execução fiscal ocorra também em virtude da utilização de meio procedimental ou processual pelo executado, que apenas de forma indirecta questione a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.

O Tribunal "a quo" entendeu que sim.

A recorrente defende que não e a recorrida sustenta o acerto da sentença sob recurso acrescentando na sua via argumentativa a questão de ao recurso da decisão de procedência da impugnação de IRC do ano de 2010 ter sido atribuído efeito meramente devolutivo pelo que no seu modo de ver a liquidação de IRC do ano de 2011 que sustenta a execução que se pretende garantir e suspender já deveria ter sido anulada. Vejamos:

Concordamos que em certas situações, a legalidade de um acto administrativo depende da legalidade de outro acto anteriormente praticado. São os ditos actos administrativos consequentes (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 1991, pág.1217; Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª. edição, 1997, pág.82 e seg.).

Por exemplo, como se referiu no acórdão citado na decisão recorrida, se a Administração Tributária corrigiu a matéria tributável de um determinado ano em que tinham sido declarados prejuízos para efeitos fiscais e esses prejuízos tinham sido deduzidos aos lucros tributáveis de quatro anos posteriores, ao abrigo do disposto no artº.52, do C.I.R.C., a alteração da matéria tributável no sentido da eliminação de tais prejuízos tem como consequências a modificação da matéria tributável em todos os anos em que esses prejuízos foram deduzidos, impondo a elaboração das correspondentes liquidações adicionais de imposto em cada um destes anos.

Em situações deste tipo, a eventual anulação do acto de correcção dos prejuízos no primeiro ano acarretará a nulidade de todos os actos de liquidação adicional que tenham sido baseados nessa correcção, pois são actos consequentes daquele acto que corrigiu a matéria tributável no primeiro ano. Recorde-se que nos termos do artº.133, nº.2, al.i), do C.P.A., são nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.

Nestes casos, se o contribuinte impugnou a correcção da matéria tributável daquele primeiro ano e foram instauradas as respectivas execuções fiscais para cobrança das liquidações adicionais dos anos posteriores dependentes daquela correcção inicial, deverá entender-se que, para efeitos do artº.169, nº.1, do C.P.P.T., se está perante uma situação em que está pendente impugnação judicial onde se discute a legalidade da liquidação da dívida exequenda, pois a impugnação daquele acto de correcção da matéria tributável é precisamente uma forma adequada de analisar a legalidade das liquidações adicionais consequentes (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.216 e seg.).

Concluímos pois que, considerado o probatório supra destacado e não questionado, a lei, no caso dos autos, permite que a suspensão da execução fiscal ocorra em virtude da utilização de meio procedimental ou processual pelo executado que somente de forma indirecta questione a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, de acordo com a teoria dos actos consequentes e o disposto no artº.133, nº.2, al.i), do C.P.A.

Com efeito, da factualidade provada, designadamente o ponto 7), já referido, devemos concluir que, no caso de ser confirmada a anulação da liquidações de I.R.C. do exercício de 2010 tal decisão poderá, ainda influenciar a liquidação de I.R.C. do ano de 2011, atendendo ao disposto no citado artº.133, nº.2, al.i), do C.P.A., pelo que a suspensão da execução fiscal nº. 3255201481089368, instaurada para cobrança de dívida de IRC do ano de 2011 e subsistente por um valor residual, deve ser permitida ao abrigo do determinado nos artºs. 52, nºs.1 e 2, da L.G.T., e 169, nº.1, do C.P.P.T., interpretado este por atenção ao disposto no artº 9º do C.Civil e na procura da fixação de uma interpretação que ultrapasse o obstáculo formal decorrente da mera leitura da lei na procura da unidade do sistema jurídico, na condição de a executada prestar garantia (uma vez que decaiu quanto ao seu pedido de ser dispensada da prestação da mesma, decisão que nesta parte transitou em julgado).

Assim sendo, deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, mantida a decisão recorrida.

A finalizar alinhamos as seguintes proposições, em parte, decalcadas do parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, supra destacado nas suas partes mais relevantes:

a) Tendo a dívida exequenda relativa ao IRC de 2011 origem em liquidação adicional que também considerou a correcção do reporte de prejuízos na sequência de correcção a montante desses prejuízos verificados (apurados) em 2010, e tendo o sujeito passivo impugnado esta última correcção, cuja acção julgada procedente em 1ª instância se encontra pendente por ter sido interposto recurso da sentença, a mesma constitui fundamento, ao abrigo do disposto no artigo 169°, nº 1 do CPPT, de pedido de suspensão da execução fiscal que tem por objecto aquela dívida, verificados que sejam os demais requisitos legais designadamente a prestação de garantia idónea.

b) A tal não obsta a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC de 2011 se efectuada a execução de acórdão do CAAD ainda subsiste a execução original por determinado montante, directamente determinado, no todo ou em parte, pelo menor reporte de prejuízos aceite pela AT no ano de 2010.

4- DECISÃO:

Pelo exposto acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao presente recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 25 de Julho de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - São Pedro - Ana Paula Lobo, vencida segundo voto que anexo.


Voto de vencida

Não acompanho a decisão proferida pelos seguintes fundamentos:

A questão em causa no presente recurso consiste em determinar se é possível prestar garantia para obter a suspensão de um processo executivo instaurado para cobrança coerciva de um montante de IRC onde se incluem prejuízos provenientes de um exercício anterior, apenas com base na pendência de processo de impugnação do acto de liquidação desse anterior exercício.

Responderíamos em abstracto que sim, à luz do disposto no art.º 169.º do Código de Processo e Procedimento Tributário e tendo em conta que a dedução de prejuízos no exercício posterior, em alguma medida é uma consequência do que vier a ser decidido quanto ao valor dos prejuízos totais a considerar que serão, depois, tidos em conta naquele exercício e nos subsequentes.

Mas no caso concreto, em discussão nestes autos tal não se verifica. Os prejuízos totais respeitam a 2010 e foram parcialmente considerados, também em 2011 e 2012.

Como consta da matéria de facto os actos de liquidação adicional de 2010, 2011 e 2012 foram objecto de impugnação com fundamento, também, na desconsideração indevida, no que ao exercício de 2011 diz respeito, de prejuízos no valor de 6 666 814,35€. A reclamante apresentou no Tribunal tributário impugnação judicial do acto de liquidação adicional de IRC de 2010, que ainda corre seus termos e, atacou junto do CAAD os actos de liquidação adicional de 2011 e 2012, invocando ser devida a consideração, quanto a 2011 de prejuízos no valor de 6 666 814,35€ - ponto 6 da matéria de facto, que, em si incorpora todo o conteúdo da decisão arbitral ali mencionada. Como resulta desta decisão o CAAD considerou que era ilegal o acto de liquidação adicional de IRC de 2011, entre outras razões, por não ter admitido a dedução de prejuízos no valor de 6 666 814,35€, anulando totalmente tal acto e dando total provimento à pretensão da reclamante. Deste modo, face ao pedido formulado naquele processo e à decisão proferida, em matéria de prejuízos a deduzir em 2011 a reclamante obteve provimento total, nada mais havendo, por parte dela a solicitar da Administração Tributária quanto àquele exercício, nem podendo interpor qualquer outra impugnação ou recurso face àquele acto de liquidação porque obteve quanto a ele a satisfação total das suas pretensões - neste caso a dedução de prejuízos no valor de 6 666 814,35€ -. Em execução da decisão do CAAD a Administração Tributária procedeu à reformulação do acto de liquidação impugnado, como se diz, ainda que não de forma completamente esclarecedora no ponto 7 da matéria provada. Nele se escreve, e deve ler-se tendo em conta quer os elementos documentais dos autos, nomeadamente a fundamentação da reforma do acto de liquidação, quer as alegações das partes que: a reforma do acto de liquidação de 2011 foi directamente determinada pelo menor reporte de prejuízos - tal como referido no ponto 2 e 3 da matéria de facto, tal reforma foi feita na sequência da decisão arbitral - referida no ponto 6 - e dessa reforma resulta uma dívida de imposto, no valor de 412 647,80€, depois, como resulta da lógica de todo o processo, de terem sido considerados os prejuízos no valor de 6 666 814,35€, como determinado pela sentença do CAAD e como requerido pela reclamante.
A reclamante não refere que este valor corresponde a uma errada execução da sentença do CAAD. A reclamante diz que, apesar de quanto ao ano de 2011 terem sido considerados todos os prejuízos que entende que devem ser considerados, não tem que pagar o montante exequendo, enquanto não terminar o processo de impugnação do acto de liquidação de 2010 porque ali se discutem os prejuízos totais que ela pretendia deduzir nos exercícios seguintes.
Creio que seja qual for a sorte do processo de impugnação de 2010, venha a reclamante a obter ganho total, parcial ou nulo sobre o valor total dos prejuízos a deduzir, relativamente ao exercício de 2011 estão definitivamente deduzidos aqueles que ela pretende deduzir, pelo que nada precisa, para este exercício de esperar pela decisão que venha a ser proferida no exercício de 2010. Mesmo que no processo de impugnação de 2010 venha a ser decidido que ela não tem prejuízos a deduzir, nem nesse exercício, nem nos subsequentes, o IRC do ano de 2011 encontra-se estabilizado.
Não se entende a utilidade da espera pela decisão do processo de impugnação de 2010, nem se vê em que medida pode ele vir a afectar o conteúdo da decisão do CAAD há muito transitada em julgado e executada pela Administração Tributária. O que em abstracto poderia ser considerado como um acto consequente (a dedução em 2011 de prejuízos advindos de 2010) do que viesse a ser decidido quanto aos prejuízos totais em que a reclamante incorreu em 2010, ganhou autonomia com a decisão do CAAD que definiu que podiam ser deduzidos prejuízos no valor de 6 666 814,35€, como era pretensão da reclamante desde o início.

A leitura que se faz no acórdão de que o ponto 7 da matéria de facto, que não foi impugnada, refere que os 412 647,80€ é determinada pelo menor reporte de prejuízos e, por isso, ainda tem ligação com a impugnação judicial do acto de liquidação de 2010, não se compagina, em meu entender, nem com a verdade processual decorrente do teor dos documentos que dele constam, e, são mencionados pela matéria de facto, nomeadamente a sentença do CAAD e os documentos de reforma da liquidação operada na sequência do transito em julgado desta.

A reclamante quanto ao ano de 2011 não pode obter consideração de valor superior de prejuízos do que aqueles que foram considerados na reforma do acto de liquidação de 2011, porque ali são considerados o total dos prejuízos que pretendia deduzir, e nada lhes podendo acrescentar a decisão que vier a ser proferida quanto a 2010.
Não há, em meu entender, qualquer pleito em que a reclamante possa, com os fundamentos indicados, discutir segunda vez a legalidade do acto de liquidação de 2011, e na data de processo em que esteja a ser discutida a legalidade do acto de liquidação não é possível suspender o processo executivo onde se proceda a cobrança coerciva do montante em dívida.

Negaria, pois, provimento à reclamação permitindo o prosseguimento dos termos executivos.

Lisboa, 25 de Julho de 2018.

Ana Paula Lobo.