Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0661/16
Data do Acordão:01/18/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:APOIO JUDICIÁRIO
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
MANDATÁRIO
Sumário:O facto de o interessado/oponente constituir mandatário, após ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, que determinou a interrupção do prazo para deduzir oposição, não implica que perca o benefício desta interrupção ocasionada pela apresentação do requerimento para nomeação de patrono.
Nº Convencional:JSTA00069972
Nº do Documento:SA2201701180661
Data de Entrada:05/27/2016
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:L 34/2004 DE 2004/07/29 ART16 ART24 N4 N5.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (TAF de Penafiel), datada de 4 de Maio de 2015, que julgou verificada a excepção de intempestividade, absolveu a Fazenda Pública da instância, no seguimento de oposição por aquela deduzida, contra a execução fiscal por reversão, nº 4219201101004603 instaurada pelo SERVIÇO DE FINANÇAS da TROFA, originalmente contra a sociedade B…………, LDA, por dívidas de IVA no valor de € 604,14.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I - O texto do n.º 4 do art° 24° da Lei 34/2004 consagra a interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado;
II - O efeito da interrupção produz-se no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores, operando tal interrupção ope legis, de forma instantânea e incondicional e ex tunc;
III - A Recorrente a partir do momento que requereu apoio judiciário - e disso deu conta no processo - viu instantaneamente interrompido o prazo para apresentar a sua contestação - por força do já aludido n.º 4 do art° 24° da Lei 34/2004;
IV - O legislador não consagrou qualquer preclusão processual para o facto de posteriormente a esse diferimento viesse o ato processual a ser apresentado por mandatário constituído;
V - Estando a correr prazo para a Ré contestar, o qual é legalmente concedido a quem requer (venha a beneficiar ou não de) nomeação de patrono, aquele não pode pura e simplesmente ser retirado e coarctado a qualquer momento, sem previsão legal, a quem (independentemente de razões de diversa ordem, que no caso nem foram apuradas) apresentar determinada peça processual não subscrita pelo Ilustre Patrono Nomeado;
VI - Apesar da renúncia, permanece o requerente sob a alçada do regime de apoio judiciário, designadamente para efeitos de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não podendo tal beneficio ser-lhe retirado excepto nas hipóteses e através dos procedimentos previstos na Lei n.º 34/2004;
VII - A mera constituição de mandatário judicial não poderá implicar a perda do benefício da protecção jurídica na modalidade de patrocínio judiciário, porque não integra qualquer caso de cancelamento, ou de caducidade, da protecção jurídica concedida, que sempre terá de ser declarada, garantido o contraditório, pelos serviços da segurança social [artigo 10° n°s 3 e 4 da LAJ];
VIII - O direito de acesso à justiça e aos tribunais, que constitui direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, impõe que ninguém fique impedido desse acesso, nomeadamente por insuficiência de meios económicos para contratar advogado [artigos 13° e 20° da CRP e 1° da Lei a° 34/2004].
IX - E o apoio judiciário, na modalidade de patrocínio judiciário, é, pois, o instituto que visa garantir que mesmo os mais desfavorecidos terão acesso à justiça e aos tribunais, mediante o auxílio do Estado [artigos 1°, 6° n° 1, 16° n° 1 alínea b), da LAJ].
X - Na interpretação do regime legal deste patrocínio judiciário, isto é, na busca do sentido prevalente ou decisivo da norma legal, deverá ter força preponderante o princípio do acesso à justiça e ao direito, e força irradiante o princípio da tutela judicial efectiva;
XI - Não compete assim ao julgador distinguir ou excepcionar, onde a lei não distingue ou excepciona.
XII - A interpretação recorrida não tem o mínimo de correspondência na letra da lei e a que o julgador está obrigado, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas - art°s. 8° n° 2 e 9°, n° 2 e 3, do Código Civil;
XIII - Para efeitos do n.° 4 do artigo 24° da LAJ, o legislador optou claramente pelo facto requerimento e não pela concessão/manutenção do apoio judiciário.
XIV - É materialmente inconstitucional - por violar os princípios da igualdade e do acesso ao direito e o da tutela jurisdicional efectiva consagrados nos artigos 13° e 20° nº 1 e 5 da CRP, e até os próprios princípios do Estado de direito democrático e da dignidade da pessoa humana que decorrem dos artigos 1° e 2° da CRP - a norma do artigo 24° n.°s 4 e 5 da LAJ quando interpretada no sentido de que a interrupção do prazo para dedução da oposição por efeito do requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, não aproveita a Mandatário constituído nos autos, ie., que o recorrente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, constituindo mandatário após a nomeação pela Ordem dos Advogados de patrono oficioso, automaticamente perde o prazo em curso que se tenha iniciado nos termos previstos nos supra referidos normativos para a prática do acto.
XV - É inconstitucional o referido normativo quando interpretado no sentido de excluir do seu âmbito de aplicação os requerentes do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, que lhe haja sido concedido, quando apresentem contestação subscrita por mandatário;
XVI - Termos em que impõe-se a revogação desta decisão ora recorrida, considerando-se tempestiva a oposição oferecida pela Recorrente e em pleno vigor o apoio judiciário concedido, com todas as legais consequências.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela procedência do recurso, entendendo que é válida a interrupção do prazo para deduzir oposição, sendo de baixarem os autos a fim de que se conheça da oposição, caso a tal nada mais obste.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1.º - Pelo Serviço de Finanças de Trofa foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n°4219201101004603 à sociedade B…………, LDA, NIPC: ………, por dívidas de IVA no valor de € 604,14.
2.° - Por carta registada com aviso de receção, foi a ora oponente citada para os termos da execução fiscal em causa (na qualidade de responsável subsidiária) no dia 6 de outubro de 2014 - cf. doc. de fls.55 do processo físico.
3.° - Tendo o aviso de receção sido assinado por pessoa diversa, o competente Serviço de Finanças através de carta registada, deu cumprimento ao disposto no art. 233.° do Código de Processo Civil (CPC).
4.° - Em 21 de outubro de 2014, a ora oponente apresentou no Serviço de Finanças de Trofa requerimento com vista à interrupção do prazo de oposição à execução fiscal, nos termos e para os efeitos do art. 24.º, n.º 4 da Lei 34/2004 de 29 de julho, por ter solicitado apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, juntando para tal efeito cópia do requerimento de proteção jurídica entregue em 20 de outubro na Segurança Social.
5.° - Em 20 de janeiro de 2015, foi-lhe deferido o benefício de proteção jurídica, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono.
6.° - Através de procuração datada de 21 de janeiro de 2015, a ora oponente constitui como seus bastantes procuradores os Srs. Drs. ………, ………, ………, ………, ……… e ………, advogados da sociedade ……… - Sociedade de Advogados, R.L., bem como os Srs. Drs. ………, ……… e ………, advogados estagiários, a quem conferiu poderes forenses gerais.
7.° - A presente oposição judicial deu entrada no competente Serviço de Finanças, através de email, em 19.02.2015, subscrita por Ilustre Mandatária, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pela referida procuração.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão que se coloca nos presentes autos passa por saber se, o facto de o interessado/oponente constituir mandatário, após ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, que determinou a interrupção do prazo para deduzir oposição, implica que não beneficie desta interrupção ocasionada pela apresentação do requerimento para nomeação de patrono.

O regime do acesso ao direito e aos Tribunais, que se destina a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos, encontra-se regulamentado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
Com interesse para a solução da questão em discussão nestes autos, dispõe o artigo 16.º, sob a epígrafe "Modalidades":
1 - O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono;
(…)

Também com interesse, dispõe o artigo 24º, sob a epígrafe "Autonomia do procedimento",nos seus n.ºs. 4 e 5:
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.

Para se sustentar o decidido na sentença recorrida, argumentou-se nos seguintes termos;
O art. 34.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 20/07, estatui que quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, iniciando-se o prazo interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, cf. n.º 2, da referida disposição legal.
O processo de execução fiscal tem natureza judicial, cf. art.103.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Deste modo, o pedido de apoio judiciário solicitado na pendência do mesmo, na modalidade de nomeação de patrono, teria a virtualidade de interromper o prazo para apresentação de oposição judicial à execução fiscal.
Ora, resulta dos factos provados que, tal pedido apresentado pela oponente foi deferido.
Deste modo, o prazo para a apresentação da oposição à execução por parte da oponente iniciar-se-ia a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
O que veio a acontecer em 20 de janeiro de 2015.
No entanto, como ficou provado, a oponente outorgou procuração a favor de Ilustre Mandatária, após o deferimento da sua pretensão por parte da Segurança Social, tendo a partir desse momento, cessado o apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, tendo em conta que a mesma não se encontra em situação de insuficiência económica para custear os honorários do patrono.
Na verdade, nada impede a oponente, mesmo depois de lhe ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, de constituir mandatário e juntar procuração forense aos autos, no entanto, cessa de imediato o apoio que lhe havia sido concedido, na modalidade de nomeação de patrono, deixando desse modo, de beneficiar da interrupção do prazo para a dedução de oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/07.
O motivo subjacente à interrupção do prazo previsto na referida Lei n.º 34/2004, de 29/07, traduz-se na faculdade concedida ao requerente do apoio judiciário que alega não dispor de meios financeiros para suportar os custos da constituição de mandatário, não ser lesado, por não ter efetivamente tais condições económicas e possa, ainda assim, fazer valer o seu direito.
Assim, confere a Lei nestes casos ao requerente do apoio judiciário o reinício do prazo, a partir da nomeação do patrono nomeado.
Sucede que, no caso em análise, a oponente não fez uso do apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono.
Pelo que, não pode fazer-se prevalecer da interrupção do prazo prevista no art. 24.º, n.º4 da Lei n.º 34/2004…

Ou seja, para o Tribunal a quo,o beneficiário do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono estaria sempre impedido de constituir mandatário que o representasse em juízo, quando já lhe tivesse sido deferido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, pois se o fizesse perderia o benefício da interrupção do prazo em curso.
Pensamos que assim não é.
E a isso se opõe, desde logo, a solução encontrada pelo legislador para os casos em que o benefício na modalidade de nomeação de patrono é indeferido.
Dispõe o artigo 24º, n.º 5, anteriormente referido, que o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Ou seja, se nestes casos o requerente tira benefício, sempre, da interrupção do prazo que se encontrava em curso, mesmo que tivesse formulado um pedido que à partida saberia que iria ser indeferido, não se vê que na situação em que após o deferimento do pedido venha a constituir mandatário, deva ser tratado de modo diferente, advindo daí, nesse caso, um ónus excessivo que lhe impõe a perda do seu direito.
Além disso, e como facilmente se surpreende dos artigos 10º e 11º da Lei que agora se analisa, o apoio judiciário concedido ao requerente pode ser cancelado ou caducar, naturalmente após a sua concessão -posto que antes não existe-, quando ocorram determinadas circunstâncias de facto, às quais o legislador atribuiu relevância específica para o efeito, e que se traduzem na desnecessidade ou impossibilidade da manutenção do benefício concedido.
E, nem o requerente do benefício de apoio judiciário, a quem o mesmo foi concedido, está obrigado a fazer uso do mesmo até ao final do processo se entender que o não deva fazer, pode prescindir do mesmo, sem que daí lhe possam advir consequências negativas para os direitos processuais ou substantivos em causa no processo.
Portanto, no caso concreto, as ocorrências posteriores à interrupção do prazo em curso determinada pelo artigo 24º, n.º 4 são irrelevantes para efeito dessa mesma interrupção, que se manterá sempre, ainda que o pedido seja indeferido ou o requerente não venha a fazer uso do mesmo depois de deferido.
Assim, não se pode manter o julgado, tendo que se concluir pela tempestividade da oposição deduzida pela recorrente, face à matéria de facto disponível.

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
- conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
- ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que os mesmos aí prossigam a sua normal tramitação, se não houver qualquer outra causa que obste a esse prosseguimento.
Sem custas.
D.n.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2017. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.