Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03670/15.1BESNT 0246/18
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
Sumário:Para determinar a caducidade do direito de impugnar, quando resulte da matéria de facto que a impugnação do acto de indeferimento da reclamação graciosa foi apresentada tempestivamente, é necessário que na mesma matéria de facto tenham sido apurados elementos que permitam julgar da tempestividade ou não da dedução da referida reclamação graciosa.
Nº Convencional:JSTA000P26788
Nº do Documento:SA22020111803670/15
Data de Entrada:03/17/2018
Recorrente:UNANIMIDADE
Recorrido 1:A.........
Recorrido 2:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A…………. vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 7 de Março de 2017, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRS de 2002 e 2003, tendo apresentado, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
a) Portanto o tribunal a quo e a respectiva decisão sob recurso, violam o disposto no art.º 123.° n.º 2 do CPPT ao não descriminar [sic] a matéria provada da não provada;
b) Caindo assim numa situação de nulidade conforme o previsto no n. 1 do art.º 125º CPPT por não especificar os fundamentos de facto;
c) Concomitantemente, e até por não cumprir com o estabelecido no art.º 123.º n.º 1 CPPT que impõem que a sentença identifique os factos objecto de litígio, a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, (pois que a sentença reduz a pretensão do impugnante à discussão da legalidade das liquidações), a sentença acaba por incorrer no vício previsto novamente no n.º 1 do art.º 125.° do CPPT, quando não se pronuncia sobre um vasto acervo de questões suscitadas pelo impugnante, o que mais uma vez nos conduza uma situação de nulidade da sentença,
d) Nomeadamente a mesma não se pronuncia quanto a uma alegada preterição de obrigação legal da AT se pronunciar sobre a superveniência dos factos legitimadores da apresentação da Reclamação,
e) Quanto ao requerimento de apensação dos dois processos de reclamação,
f) Quanto aos factos constantes na sentença superveniente e reclamação superveniente sobre as liquidações de IVA,
g) Quanto à ausência de fundamentação sobre a não consideração da superveniência dos factos alegados e elementos de prova carreados para os autos,
h) E finalmente quanto à ausência de prova e fundamentação por parte da Recorrida no que concerne ao facto de referir existir uma decisão devidamente notificada ao Sujeito Passivo no âmbito do processo de Reclamação n. 3166201104003055 (IVA).
i) Depois verifica-se uma clara oposição entre os fundamentos invocados e a respectiva decisão, porquanto o tribunal a quo remete em exclusivo a sua fundamentação de direito para um acórdão, que devidamente analisado e confrontado com a matéria dos presentes autos acaba por nos remeter para uma decisão necessariamente diferente daquela que resultou na sentença recorrida.
j) O citado acórdão é claro ao estabelecer que a caducidade do direito invocada nos termos em que o foi na presente sentença apenas será aplicável às situações em que numa reclamação nada mais se discuta que não seja a mera legalidade das liquidações e desde que em qualquer modo nos autos exista matéria de facto provada suficiente para se tomar tal decisão sobre os prazos.
k) É evidente que isso não se verifica nos presentes autos, pois na impugnação aqui em causa não se discute apenas a legalidade das liquidações, mas também todo um conjunto de factos que tem implicação com a verificação ou não de facto superveniente e respectivas datas de inicio e terminus dos respectivos prazos, não se tendo estabelecido qualquer prova a esse respeito, até porque o tribunal a quo tão pouco cuidou de submeter tais matérias à sua apreciação.
l) Em estreita ligação com tal interpretação enviesada do aresto em causa, está, pois, uma deficiente interpretação e aplicação do direito quando, a aliás douta sentença ora recorrida, entende que no caso em concreto serão de aplicar os termos da al. a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, ou seja a impugnação para ser atendida deveria ter sido apresentada nos 3 meses posterior ao termo do prazo para pagamento das liquidações,
m) Ou, somos levados a presumir, que entenda a sentença que tendo sido assumida pela administração uma extemporaneidade da Reclamação apresentada deveria o impugnante ter-se socorrido do mecanismo de acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n.º 2 do art.º 97.º, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação.
n) Mas na verdade aqui radica o erro de aplicação da norma, pois efetivamente o impugnante nos presentes autos, e desde o processo de reclamação, vem a arguir a verificação de pelo menos dois factos supervenientes que nos termos do n.º 4 do art.º 70° do CPPT lhe permitiriam beneficiar de um novo prazo para Reclamar das liquidações em causa, e igualmente veio a suscitar um erro processual imputável à administração na análise da sua Reclamação que terá a ver com a invocação de uma notificação de decisão final num outro processo de reclamação que constituiria um dos dois factos supervenientes.
o) Ora a conjugação do art.º 70° n.1, com o 68° e 102º todos do CPPT só permitem concluir que no caso em apreço nos autos o aqui Recorrente poderia optar entre deduzir uma reclamação, ou impugnação contra as liquidações, e no caso da reclamação, ser-lhe-ia permitido depois reagir contra a respectiva decisão através de um recurso hierárquico ou através de uma impugnação, ou seja estamos sempre a falar de opções.
p) Veja-se que o art.º 99º CPPT estabelece que é fundamento de impugnação a ausência ou vicio da fundamentação legalmente exigíveis e a preterição de outas formalidades legais ([als. C) e d)];
q) E o art.º 102º n. 1 al. b) estabelece que a impugnação poderá ser apresentada até 3 meses após a notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação.
r) E, portanto, o impugnante ao ver indeferida a sua reclamação sem ter visto a AT pronunciar-se quanto à matéria da verificação e relevância da superveniência de dois factos, da repercussão do conteúdo de tais factos nas suas liquidações, e inexistência de uma alegada notificação, veio arguir todos esses vícios em sede da presente impugnação.
s) E deste modo a Sentença ao considerar liminarmente a caducidade do Direito por extemporaneidade da reclamação, viola directa e conjuntamente os arts. 102.º n. 1 al. b), 99.° als.e) e d), art.0s 70° n.0 1 e 4 e 68° todos do CPPT,
t) Devendo-se considerar que o aqui recorrente apresentou tempestivamente a sua impugnação nos termos do art.º 102.º n. 1 al. b), reagindo contra uma decisão sobre uma reclamação deduzida também ela tempestivamente, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art.º 70.° ambos do CPPT, não se verificando qualquer caducidade do seu direito de impugnação conforme sustenta a sentença.
u) Sendo que um entendimento contrário violaria também e desde logo os princípios da certeza e segurança jurídica, elementos constitutivos do Estado de Direito, pois foi a própria AT a notificar o impugnante que o mesmo poderia exercer esse direito de impugnação em relação à decisão de indeferimento da reclamação dentro dos três meses seguintes à respectiva notificação tudo nos termos do art.º 102º do CPPT.
v) Finalmente terá de se entender que a interpretação contida na sentença a ter colhimento colide e viola frontalmente o direito fundamental que é o do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, conforme são consagrados tanto pelo art. 20.º como pelo n.º 4 do art. 268.° CRP, que garantem ambos a possibilidade de o cidadão apelar para uma decisão jurisdicional acerca de uma questão que o oponha à Administração, mas de forma que os pressupostos de recorribilidade não inibam a possibilidade desse mesmo recurso na grande maioria das situações em que o particular se tenha por lesado pela Administração.
Nestes termos e verificados todos os alegados vícios da sentença elencados nas conclusões, deve a mesma ser revogada, e ordenada a baixa dos autos à instância para reapreciação e fixação da matéria de facto, com posterior conhecimento dos vários pedidos constantes na petição, nomeadamente a tempestividade da reclamação graciosa apresentada, e então também a legalidade das respectivas liquidações, fazendo-se assim
JUSTIÇA!


2. Não foram produzidas contra-alegações.

3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso e anulada a decisão do TAF de Sintra.


II – Fundamentação


1. Dos factos
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
A) Da liquidação adicional de IRS do ano de 2002 e de 2003 efectuada ao Impte, consta que o prazo de pagamento voluntário do imposto terminava em 28.01.2009. –cfr “Print Informático” de fls 5, 17 a 21 e de fls 22, 34 a 38, 44 a 46 e de fls 53 e 54, do P.A.. Apenso.

B) Do acto de liquidação, foi apresentado, em 26.09.2011, uma petição de reclamação, a qual foi indeferida liminarmente por intempestividade, em 22.09.2015 –cfr. petição de reclamação de fls 5 e segs, e despacho aposto sobre parecer e informação de fls 87 a 89, do proc. recl. Apenso.

C) A presente petição de impugnação foi apresentada na D.F. de Lisboa, em 22.12.2015- cfr carimbo aposto no rosto da p.i de fls 3, dos autos.


2. Questões a decidir
A única questão a decidir no âmbito do presente recurso é a de saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por não ter fixado a matéria de facto necessária apara decidir o que vinha alegado e pedido.

3. De direito
3.1. O TAF de Sintra julgou verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnar o actos de liquidação adicional por considerar que a impugnação teria de ter sido apresentada no prazo previsto na alínea a), do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT (nos três meses contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas, ou seja, três a contar do dia 28.01.2009) e a mesma apenas foi apresentada em 22.12.2015.

3.2. Porém, da matéria de facto fixada consta que foi interposta uma reclamação graciosa em 26.09.2011, a qual foi indeferida liminarmente, por intempestividade, em 22.09.2015. Mas não se fixou matéria de facto para saber se essa reclamação graciosa era ou não intempestiva. E esse facto é essencial para decisão da extemporaneidade ou não do uso da via judicial, porquanto a decisão da reclamação graciosa em 22.09.2015, determina que a impugnação judicial deduzida em 22.12.2015 esteja em prazo, ex vi do disposto no 102.º do CPPT (foi intentada no prazo de três meses), se a reclamação graciosa tiver, também ela, sido apresentada em prazo.

3.3. Só assim não será se a reclamação graciosa tiver sido intempestiva, mas sobre isso não foram fixados factos. E tendo a reclamação graciosa sido intentada ao abrigo do artigo 70.º, n.º 4 do CPPT, como alegava o Impugnante da p. i. (ponto 3) ― artigo legal no qual se estipula que “[E]m caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto” cabia ao tribunal a quo fixar matéria de facto que permitisse apurar se a reclamação graciosa havia ou não sido apresentada em prazo, ou seja, se tinha sido apresentada nos 120 dias a partir da data em que tinha sido obtido o documento ou conhecido o facto relevante.

Por esta razão, há que anular a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos para que seja fixada a matéria de facto em falta para a apreciação da tempestividade da apresentação da reclamação graciosa e, consequentemente, da impugnação judicial.


III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Sintra para que aí seja fixada a matéria de facto que permita apreciar e julgar a tempestividade da reclamação graciosa e, consequentemente, da impugnação judicial.


*

Custas pelo Recorrido.

*

Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) – Paulo Antunes - Francisco Rothes.