Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01494/17
Data do Acordão:06/27/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:No processo de contra-ordenação não é possível lançar mão, quer do recurso de oposição a que se refere o artigo 284º do CPPT, quer do recurso de uniformização a que se refere o artigo 437º do CPP.
Nº Convencional:JSTA000P23469
Nº do Documento:SAP2018062701494
Data de Entrada:01/04/2018
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A........,LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.


1 – A Fazenda Publica, inconformada com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.10.2016 exarado a fls. 99/115 dos presentes autos, o qual negou provimento ao recurso por si interposto e em consequência confirmou a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida em 31.03.2016, vem nos termos do artigo 284º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso por alegada oposição de julgados com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06.02.2007, proferido no âmbito do processo nº 01311/06.
Por despacho de fls. 171/173 dos autos, veio a Exmª Relatora a admitir o recurso, ordenando a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos do disposto no art.º 284.º, nº5 do CPPT.
Admitido o recurso, a recorrente apresentou nos termos do disposto no nº3 do art.º 284º do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
«a) Tendo, o acórdão recorrido (de 20160UT13, proferido no processo nº 09862/16) e o acórdão fundamento (de 2007FEV06, proferido pelo TCA Sul no processo n.º 01311/06), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito com base situações fácticas idênticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no acórdão fundamento,
porquanto,

b) se verifica a identidade de situações de facto nos seus contornos essenciais, já que, em ambos os arestos (recorrido e fundamento), está em causa a questão de saber de que forma é feita a contagem do prazo de 10 dias para apresentar a defesa (ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 70.° do RGIT e do art.º 279.° do CC): se em dias úteis ou sem qualquer suspensão em sábados, domingos e dias feriados, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte nos casos em que termine em algum destes dias;
c) Do mesmo modo, verifica-se também a identidade da questão de direito, uma vez que, em ambos os acórdãos, foi, em concreto, decidida a mesma questão de direito e analisadas as mesmas disposições legais [art. 70 nº 1 do RGIT e art.º 279.° do CC];
d) A única questão a apreciar em ambos os acórdãos, é a de saber se a defesa apresentada pela arguida/recorrente no respectivo processo de contra-ordenação foi, ou não, tempestiva;
e) Sendo que, no caso do acórdão recorrido a contagem do prazo para a defesa, nos termos do art.º 70.° n.º 1 do RGIT, foi feita em dias úteis e, no caso do acórdão fundamento foi feita foi feita seguidamente, sem qualquer suspensão em sábados, domingos e dias feriados;
f) Desta forma, pela contagem feita no acórdão recorrido [notificação a 05/08/2013, inicio da contagem de 10 dias a 06/08/2013, fim do prazo a 20/08/2013], é possível perceber que a contagem foi feita em dias úteis;
g) Já pela contagem feita no acórdão fundamento [notificação a 13/02/2004, inicio da contagem de 10 dias a 14/02/2004. Assim, sendo a defesa apresentada a 26/02/2004, decorreram mais de 10 dias entre a notificação e a dedução da defesa. Os 10 dias terminaram em 23/02/2004], é possível perceber que a contagem foi feita seguidamente, sem qualquer suspensão em sábados, domingos e dias feriados;
h) Ou seja, caso a contagem, no acórdão fundamento, tivesse sido feita em dias úteis, o fim do prazo para a defesa terminaria em 27/02/2004, logo, a defesa apresentada em 26/02/2004 seria tempestiva, o que não aconteceu;
i) Face ao exposto, resulta evidente a identidade de situações de facto, bem como, resulta clara a divergência na solução dada à mesma questão fundamental de direito em ambos os acórdãos, pelo que, não pode deixar de se concluir que deve ser considerado que se verifica a oposição de acórdãos aqui invocada.

j) Assim, sendo certo que o acórdão recorrido perfilha - perante igual entendimento fáctico e jurídico - entendimento contrário ao acórdão fundamento, tal entendimento [sufragado no acórdão recorrido] não pode prevalecer.
k) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo TCA Sul no processo nº 09862/16.
I) Desta forma, deve ser proferido acórdão que decida a questão controvertida no sentido sustentado pela FP no presente recurso, ou seja, de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.»

2 – A recorrida, A…………., Ldª não apresentou contra-alegações.

3 – A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado findo, porquanto, contrariamente ao defendido pela Recorrente, o aresto fundamento apreciou e decidiu uma questão diversa da que foi objecto do acórdão recorrido, não se verificando um dos pressupostos do recurso de oposição de acórdãos, consubstanciado na existência de duas decisões expressas incompatíveis, quanto a idêntica questão fundamental de direito.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar em conferência do Pleno da Secção.

5 – No acórdão recorrido encontram-se fixados os seguintes factos:
«1- Em 10/05/2012, foi levantado auto de notícia a A……….., Lda., por infração ao disposto no art. 98º, nº 3 do C/RS (falta de entrega dentro do prazo de imposto retido na fonte), infração punida pelo art. 114º, nº 2, 5 aI) e 24º, nº2 e 26º, nº 4 do RGIT (falta de entrega da prestação tributária); com indicação da data da infração de 20/01/2009 e, o período de tributação de 2008/12. Figura no auto de notícia o montante de imposto exigível de € 11.734,79 - cfr. fls. 2 dos presentes autos;
2- Em 10/05/2012, com base no Auto de Noticia, foi instaurado à ora arguida processo contra-ordenacional com o nº 3107201206075975 - cfr. fls. 1 dos presentes autos;
3- Em 01/08/2013, foi remetido Oficio nº 7591, pelo Serviço de Finanças de Lisboa- 8, para a recorrente com vista à apresentação de defesa/pagamento com redução - cfr. fls. 5 dos autos;
4- No dia 05/08/2013, a ora recorrente, foi notificada do ofício referido no ponto anterior - cfr. fls. 6 dos autos;
5- Em 19/08/2013, foi proferida decisão de fixação da coima por infração ao disposto no art. 98º, nº 3 do CIRS (falta de entrega dentro do prazo de imposto retido na fonte), infração punida pelo art. 114º, nº 2, 5 aI) e 24º, nº2 e 26º, nº 4 do RGIT (falta de entrega da prestação tributária); pela infração referente ao período de 2008/12 e, data de ocorrência em 20/1/2009 - cfr. fls. 7 e 8 dos presentes autos;
6- Da descrição sumária dos factos, da decisão de fixação da coima, consta que se verificou pessoalmente a infração de falta de entrega e respetivo pagamento de guias de retenção na fonte (IRS) no valor de € 11.734,79; que a empresa não declarou na declaração modo 10, nem procedeu à entrega de € 11.734,79 referente a retenções efetuadas sobre rendimentos da categoria F, infringindo o art. 98º CIRS (.. ) durante o ano de 2008, os quais se dão como provados - cjr. fls. 7 dos presentes autos;
7- Enunciados os elementos para determinar a gravidade da infração foi expresso na decisão de fixação da coima que: não houve ato de ocultação; que a recorrente não retirou benefício económico; a prática é frequente; negligência simples; obrigação de não cometer a infração (não), a situação económica e financeira (baixa); tempo decorrido desde a prática da infração (» de seis meses) cfr. fls. 7 dos presentes autos;
8- A coima fixada foi de € 2.710,73, acrescidos de € 76,50, devidos a título de custas
-cfr. fls. 8 dos presentes autos;
9- Em 19/08/2013, por meio de carta registada, o recorrente remete requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-8, em que exerce o seu direito de defesa - cfr. fls. 10 a 12 dos presentes autos;
10- Em 19 de Agosto de 2013, é remetido o Oficio nº 8026, pelo Serviço de Finanças de Lisboa-8, intitulado "Notificação Art. 79º, nº 2 do RGIT" - cfr. fls. 7 dos presentes autos;
11- Em 22/08/2013, a recorrente é notificada do Oficio referido no ponto anterior - cfr. fls. 9 dos autos.»

6. Por sua vez é o seguinte o teor do probatório fixado no acórdão fundamento:

«1º). Em 14/11/2003 contra a sociedade P...-Sociedade Hoteleira e Turística, SA, na sequência de análise interna de pedidos de reembolso de IVA, foi levantado um auto de notícia por infracção aos art°s 19° a 25° e 26° do CIVA (fls. 4 a 8).
2º). Em 11/2/2004 foi lavrado ofício de notificação para, nomeadamente, apresentar a defesa, querendo, no prazo de 10 dias, conforme art° 70° do RGIT, a qual foi enviada para a sede da sociedade por carta registada com aviso de recepção (fls. 44 e 231 a 235).
3º). Dá-se aqui por reproduzido o aviso de recepção que consta de fls. 45.
4º). A sociedade recorrente apresentou a sua defesa em 26/2/2004 (fls. 46).
5º). Por despacho de 14/9/2004 foi aplicada à recorrente a coima única de € 22741 pela prática, em concurso, de factos que se traduzem na não liquidação e entrega nos cofres do Estado de IVA de 1999, 2000 e 2001. infringindo o disposto nos art°s 19° n° 1 e 25 e 26° do CIVA (fls. 205 e 206).
6º). Deste mesmo despacho consta o seguinte: "O contribuinte foi notificado em 13/2/2004 cfr. fls. 45, apresentou defesa em 26/2/2004 cfr. fls. 46. decorreram deste modo mais de 10 dias entre a notificação e a dedução da defesa, pelo que foi assim ultrapassado o prazo previsto no art° 70°, n° 1 do RGIT para se proceder a apresentação da mesma. Face ao exposto, a referida defesa é intempestiva, pelo que não se vai proceder à apreciação da mesma." (idem).
7º). A recorrente foi notificada deste despacho em 23/9/2004 (fls. 207 e 208).
8º).Em 11/10/2004 interpôs o presente recurso judicial (fls. 209).»

7. O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido nos presentes autos invocando a recorrente que está em oposição com a decisão proferida no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06.02.2007, proferido no processo nº 01311/06 (Acórdão Fundamento), quanto à questão da forma de contagem do prazo previsto no artº 70º, nº 1 do RGIT para apresentar defesa no processo de contra-ordenação tributária.
Por despacho de fls. 171/173 dos autos, a Exmª Relatora considerou que poderá ocorrer a oposição de acórdãos.
Não obstante tal despacho, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão do recurso, em conformidade com o disposto no actual artigo 641º, n.º 5, do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma), podendo, se for caso disso, ser julgado findo o recurso (cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Pleno desta secção de 07.05.2003, recurso 1149/02, de 18.01.2012, recurso 1030/10, de 12.12.2012, recurso 932/12 e de 05.07.2017, recurso 1069/15.
Por isso, e perante o circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito, cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os pressupostos do recurso de oposição de julgados.

7.1 Da inadmissibilidade do presente recurso de oposição de acórdãos.

É indubitável que no caso em apreço estamos perante um processo de contra-ordenação tributária e que, quer o acórdão recorrido quer o acórdão indicado como fundamento foram proferidos no âmbito de recursos de contra- ordenação fiscal, tendo sido tramitados ao abrigo do disposto no Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), Lei 15/2001, de 05.06.

Ora recurso por oposição de acórdãos não tem aplicação ao caso em análise já que, como vem sublinhando jurisprudência desta Secção, no processo de contra-ordenação não é possível lançar mão, quer do recurso de oposição a que se refere o artigo 284º do CPPT, quer do recurso de uniformização a que se refere o artigo 437º do CPP (cfr., neste sentido Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 21.11.2017, recurso 723/16 e de 21.02.2018, recurso 1406/16, e, quanto à impossibilidade de aplicação subsidiária do artº 437º do CPP, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.05.2015, recurso 44/14.5TBORQ.E1-A.S1).
De facto, os recursos jurisdicionais em sede de processo de contra-ordenação tributária estão regulados nos artigos 83.º a 86.º do RGIT, com aplicação subsidiária do RGIMOS (Decreto-lei 433/82) e CPP (artigos 3.º/b) do RGIT e 41.º do RGIMOS).
E, como se afirmou no primeiro dos supracitados Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário (723/16) «, as disposições aplicáveis ao processo penal em sede de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, art.º 437.º do Código de Processo Penal não são aqui aplicáveis em face de uma regulamentação específica constante do DL 433/82, no art. 75.º, n.º 1, que regulamenta a matéria em termos gerais, aplicável a estes autos, subsidiariamente, por força do disposto no art.º 3.º, b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
O DL 433/82 estabelece que das decisões do tribunal de 2.ª instância «não cabe recurso», no art. 75.º, n.º 1. (…) Os recursos das decisões proferidas pelas entidades administrativas, em sede de contra-ordenações fiscais, são interpostos para o tribunal de 1.ª instância. Tal significa que a fase judicial de impugnação de tais decisões é já uma fase de recurso.
O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, regulado nos artºs. 437.º e ss. do CPP, destina-se a assegurar, tanto quanto possível, a uniformidade da jurisprudência na interpretação da lei, de modo a que se alcancem, no caso concreto, decisões aplicadoras de interpretações similares da lei a situações concretas idênticas.
O DL 433/82 no seu art. 73.º, n.º 1 indica as situações em que é possível o recurso «normal» da decisão de 1.ª instância, reservando o seu número 2 para uma situação em que excepcionalmente admite que «poderá a relação (...) aceitar o recurso (...) quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», tendo esta norma a mesma finalidade do art. 437.º do Código de Processo Penal.
Por a lei geral das contra-ordenações estar dotada de um regime de recursos especiais e extraordinários, deve entender-se ser essa a opção do legislador quanto à admissibilidade de tais recursos não havendo lugar a qualquer aplicação subsidiária do art. 437.º do CPP. Ainda que se verifique que o recurso especial para a melhoria da aplicação do direito ou para a uniformidade da jurisprudência a que se refere o n.º 2 daquele art. 73.º tem um âmbito muito mais limitado do que o recurso extraordinário previsto nos artºs. 437.º e ss. do CPP, tal não basta para derrogar o regime concretamente previsto no DL 433/82 sobretudo por não poder olvidar-se a diversa natureza e relevância dos interesses ou valores que estão em causa no ilícito criminal e no ilícito de mera ordenação social.»
Concluiu-se assim que o presente recurso não é admissível porque não está legalmente previsto que o CPPT constitua legislação subsidiária nesta fase processual e o recurso para uniformização de jurisprudência do CPP não é admissível pelas razões anteriormente apontadas.


8. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em rejeitar o recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Junho de 2018. – Pedro Manuel Dias Delgado (relator) – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – António José Pimpão – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.