Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0630/18.4BELRS
Data do Acordão:04/03/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24399
Nº do Documento:SA2201904030630/18
Data de Entrada:03/04/2019
Recorrente:A........................... LIMITED
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………… LIMITED, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 29 de Novembro de 2018, que julgou improcedente a reclamação judicial, deduzida contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, de prosseguimento do processo de execução fiscal nº 3085201701766040.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. A sentença recorrida que julgou improcedente a presente reclamação com fundamento na suposta não utilização de “meio processual de reação adequado” desrespeitou o Acórdão de 5 de setembro de 2018 proferido por este Supremo Tribunal Administrativo no rec.º n.º 762/18.
II. A decisão reclamada é ilegal porquanto determinou o prosseguimento dos autos de execução apesar de a dívida exequenda ser manifestamente inexistente, uma vez que o pagamento do IVA de novembro de 2016 foi realizado em 11.01.2017, i.e., dentro do prazo (cf. alíneas B) e C) do Probatório e o doc. n.º 5 junto com a PI).
III. Padecendo, assim, o processo executivo de nulidade insanável, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT.
IV. Não podia, pois, o Tribunal a quo manter a decisão reclamada e consentir que a execução prossiga os seus termos, quando do seu probatório consta que o pagamento do IVA de novembro de 2016 foi efetuado dentro do prazo!
V. A decisão reclamada é, outrossim, ilegal por ter determinado o prosseguimento dos autos de execução apesar da falta de notificação quer do despacho para apresentação de defesa quer da decisão de aplicação da coima, que gera uma evidente nulidade insuprível nos termos das alíneas c) e d) do artigo 63.º, n.º 1, do RGIT.
VI. Ademais, a falta de notificação da decisão administrativa de aplicação de coima determina a inexigibilidade da dívida que tenha origem nesse acto (cf., por todos, o Acórdão de 06 de maio de 2015 do Supremo Tribunal Administrativo, recurso nº 0191/14).
VII. Também por este motivo está o processo executivo inquinado de nulidade insanável, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT.
VIII. A decisão reclamada é ilegal, pois não ficou provado ter a ora Recorrente sido notificada para pagar a coima com redução, ao abrigo do disposto no artigo 30.º, n.º 5 do RGIT – pelo contrário, foi já expressamente reconhecido pela AT não ter existido a referida notificação (cf. doc.º n.º 1 junto com a PI).
IX. Ora, o processo contraordenacional instaurado sem que tenha sido dada à Executada a oportunidade de realizar o pagamento da coima com redução está ferido de ilegalidade por violação dos artigos 29.º, n.º 1 a), 31.º, n.º 1, e 30.º n.ºs 4 e 5, todos do RGIT.
X. O M.mo Juiz a quo que assim não entendeu, e por isso julgou improcedente a reclamação do despacho de prosseguimento dos autos da execução, fez, com o devido respeito, uma errada interpretação do âmbito e extensão do artigo 276º do CPPT, que assim não se poderá manter.
XI. Conforme decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo nos presentes autos, o pedido formulado pela ora recorrente nos presentes autos da reclamação prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT “adequa-se perfeitamente ao processo de reclamação judicial, sendo incorrecta a decisão proferida em 1ª instância de considerar que a Reclamante incorreu em erro ao utilizar o meio processual da reclamação para sindicar o acto reclamado”.
XII. De igual modo, conforme foi já expressa e claramente reconhecido por este Supremo, “não há restrição legal às ilegalidades que nesta reclamação podem ser conhecidas” (cf. Acórdão de 02 de abril de 2014, proferido no proc. n.º 0217/14, Relator Juíza Conselheira Isabel Marques da Silva).
XIII. Não podia por isso o M.mo Juiz a quo persistir na sua equivocada tese de que o pedido formulado pela ora recorrente não se adequa ao processo de reclamação judicial, “sendo o meio processual de reação adequado para o fazer, o Recurso de Contra-ordenação, previsto no artº 80 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), bem como a oposição à execução quanto à alegada inexigibilidade da dívida exequenda.”
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve ao presente recurso ser concedido integral provimento, revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue totalmente procedente a reclamação e, consequentemente, seja anulada a decisão reclamada e declarada extinta a execução.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Reclamante é uma sociedade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, encontrando-se sediada no com sede em …………., ……….., Frodsham, Reino Unido.
B) Em 12.12.2016 a, ora reclamante submeteu a Declaração Periódica referente ao período 2016/11, onde apurou o montante de imposto (IVA) a pagar de €16.754,38.
C) Em 11.01.2017 procedeu ao pagamento do montante apurado na declaração periódica atrás identificada.
D) Em 16.01.2017 a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por correio eletrónico informou a sociedade reclamante que verificou a entrega da declaração periódica do IVA referente ao período de 2016/11 mas sem meio de pagamento alertando para as consequências de tal situação.
E) Em 13.04.2018, através do ofício n.º 4185 de 12.04.2018, o Serviço de Finanças de Lisboa-3 veio informar o tribunal do seguinte:
«(…)
Cumpre informar, que devido à desmaterialização processual, a tramitação do processo Contra­Ordenação (PCO) nº 30852017060000149910 decorreu integralmente de forma automática, desde a sua instauração até à sua extinção.
Face a este automatismo informático, foram extraídas do sistema informático de notificações 'SECINNE' as notificações da decisão de aplicação da coima nos termos do nº 2 do art° 79° e do art° 80° ambos do RGIT: Uma primeira enviada em 08-06-2017 através de carta registada - Registo nº RQ 463965360 PT que, por não ter sido recepcionada, foi enviada segunda notificação em 20-07-2017 através de carta registada - Registo nº RQ 466096172 PT. Consultado o sítio da internet dos CTT, constata-se que o mesmo foi recepcionado em 22-07-2017 em Langley, Reino Unido.
Desta notificação, foi o reclamante considerado notificado no processo Contra-Ordenação nº 30852017060000149910 em 13-08-2017.
Anexam-se os 'prints' das notificações referidas bem como da tramitação processual do PCO.
Com os melhores cumprimentos
Por delegação de competências conforme Despacho 9/2017
de 29 de dez, do Director de Finanças de Lisboa
A Chefe do Serviço de Finanças
…………………».
F) Com base na Certidão de dívida n.º 2017/1410608, em 14.09.2017 foi instaurado pela Direção de Finanças de Lisboa – Serviço de Finanças de Lisboa-3, o processo de execução fiscal n.º 3085201701766040 para cobrança coerciva de Coima e Encargos com Processos de Contraordenação.
G) Em 17.09.2017 foi emitida Citação Pessoal em nome da reclamante e para a morada …………., ………………, Frodsham, The United Kingdom.
H) Em 16.01.2018 a reclamante deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-3 de um requerimento de arguição de nulidade do processo executivo, cujo teor se dá por reproduzido, onde foi registado com o n.º 2018E000218703.
I) Em 19.01.2018 a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-3, em concordância com a informação que o antecede proferiu Despacho de Prosseguimento dos autos.
J) Através do ofício n.º 1658 de 07.02.2018, a reclamante foi notificada do despacho atrás referido.
K) A reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-3 em 27.02.2018 onde foi registada com o n.º2018E000687636.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A primeira questão que a recorrente coloca neste seu recurso, conclusão 1, passa por saber se a sentença recorrida desrespeita ou não o acórdão deste Supremo Tribunal proferido nos autos a fls. 153 a 157.
Da leitura atenta que se faz da sentença recorrida conjugada com o acórdão deste STA ressalta evidente que tal acórdão não foi desrespeitado. Nesse acórdão decidiu-se, no essencial: “Relativamente ao processo de reclamação previsto nos arts. 276º e segs. do CPPT, é sabido que ele constitui o meio processual próprio e adequado para sindicar a legalidade de um acto praticado pelo órgão de execução fiscal, tendo em vista a sua anulação.
Ora, lida a petição inicial e o pedido que nela é formulado, verifica-se que a Reclamante pretende a anulação do acto de indeferimento de pedido que formulou no âmbito de execução fiscal, isto é, pretende a anulação de acto de indeferimento do pedido de declaração de "nulidade insanável do processo executivo" por força de alegadas nulidades ocorridas no processo contraordenacional.
Tal pedido adequa-se perfeitamente ao processo de reclamação judicial, sendo incorrecta a decisão proferida em 1ª instância de considerar que a Reclamante incorreu em erro ao utilizar o meio processual da reclamação para sindicar o acto reclamado.
Saber se a matéria invocada pelo executado perante o órgão de execução fiscal podia, ou não, ser suscitada através de requerimento dirigido à execução, isto é, se esse órgão podia, ou não, extinguir a execução por força de nulidades que, alegadamente, terão ocorrido no processo de contraordenação e por força da inexigibilidade da dívida exequenda, constitui questão que importa analisar no âmbito do conhecimento do mérito da reclamação, e não matéria que determine o indeferimento liminar da petição de reclamação por erro na forma de processo utilizado para atacar o despacho de indeferimento proferido pelo órgão da execução fiscal.”, já na sentença recorrida decidiu-se, precisamente, que as questões colocadas pela recorrente apenas poderiam ser deduzidas no âmbito do processo de contraordenação e por via do processo de oposição à execução fiscal.
Portanto, a sentença recorrida cumpriu o comando constante do acórdão proferido nos autos, isto é, apreciou o mérito do pedido formulado pela recorrente, ao invés de ter indeferido liminarmente o pedido.

Já quanto à restante matéria alegada no recurso que nos vem dirigido pode-se afirmar que não assiste razão à recorrente.
Na verdade, as questões colocadas nas conclusões do seu recurso, e tal como decidido na sentença recorrida, ou deverão ser deduzidas no âmbito do processo de contra-ordenação ou no âmbito da oposição à execução fiscal, não sendo este o meio processual próprio para se conhecer das mesmas, tal como expressamente resulta das disposições conjugadas dos artigos 276º e 204º, ambos do CPPT e artigo 80º do RGIT.

A falta de notificação da decisão de aplicação da coima pode e deve ser arguida no respectivo processo de contra-ordenação, por ser esse o local próprio para a discussão de tais questões e não já no processo de execução que pressupõe o caso resolvido quanto à decisão de aplicação da coima.
A jurisprudência deste S.T.A. tem considerado que sem notificação da decisão de aplicação da coima não resulta válida a certificação da dívida como suscetível de cobrança coerciva, mas tem-se julgado que constituindo tal inexigibilidade da dívida e sendo enquadrável no fundamento de oposição previsto no art. 204.º n.º 1 aI. i) do C.P.P.T. é como tal que deve ser apreciada - cfr., acórdãos do S.T.A. de 3-1-2014, de 6-5-2015 e de 6-6-2015, proferidos nos processos n.ºs 0426/14, 0419/14 e 0228/15.
Por outro lado, também o pagamento atempado do imposto devido implicará o desacerto da decisão que aplicou a coima e, portanto, é por impugnação de tal decisão que deve ser discutida essa mesma matéria e já não no âmbito do processo de execução.
É certo que algumas das questões colocadas serão reconduzíveis à oposição à execução fiscal, e poder-se-ía então ponderar a convolação deste meio processual no meio processual mais adequado à discussão dessas mesmas questões, porém, uma vez que nos são colocadas diferentes questões cujo tratamento deve ser efectivado em diferentes meios processuais não é possível ponderar tal convolação sob pena de se continuar a manter o erro na forma de processo no que respeita a algumas das questões.
Improcede, assim, o recurso que nos vinha dirigido.

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 3 de Abril de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.