Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01054/17.6BALSB
Data do Acordão:05/08/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
INTERPRETAÇÃO
Sumário:I - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos.
II - Nos benefícios fiscais que dependem de um comportamento do contribuinte, que pode livremente optar por preencher as condições legalmente estabelecidas para deles usufruir, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não em relação aos contornos em que são previstos.
III - Assim, não há tratamento discriminatório, nem sequer arbitrariedade da solução legal, se é colocada na disponibilidade do contribuinte a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P24503
Nº do Documento:SAP2019050801054/17
Data de Entrada:10/04/2017
Recorrente:DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:EDP - ENERGIAS DE PORTUGAL, SA
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 662/2016-T

1. RELATÓRIO

1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT, adiante também Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo apresentado alegações do seguinte teor:

«a) Constitui objecto do presente recurso parte da decisão final proferida por Tribunal Arbitral singular em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido apresentado nos termos do RJAT e que correu termos sob o n.º 662/2016-T, notificada por comunicação electrónica datada de 2 de Novembro de 2016 – cfr. Documento n.º 1;

b) Acórdão que decidiu: julgar procedente o pedido de anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa na parte impugnada; improcedente a questão de inconstitucionalidade suscitada pela Requerida; e improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

c) A ora Recorrida identificava como objecto do pedido de pronúncia arbitral parte da decisão de deferimento parcial da pedido de reclamação graciosa e a autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2013, do grupo fiscal do qual é sociedade dominante, na medida em que foi desatendido o pedido de reconhecimento da ilegalidade parcial da autoliquidação relativamente ao valor de: i) 245.876,61 €, relativos a benefício por criação líquida de emprego; alegando, em suma, vício material de violação de lei, relativamente aos citados montantes, divergindo na interpretação a fazer dos n.ºs 3 e 5 do art. 19.º do EBF.

d) Neste recurso para uniformização de jurisprudência, a Recorrente contesta a parte da decisão relativa ao benefício fiscal por criação líquida de postos de trabalho, com respeito à interpretação das normas, à data dos factos, constantes dos n.ºs 3 e 5 do art. 19.º do EBF, as quais determinavam, respectivamente, que «O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida» e que «A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, (…)».

e) Sendo que o valor económico do pedido atinente a tal questão é de, conforme indicado pela Requerente, na sua PI, de € 15.287,56, valor atribuído também ao presente recurso.

f) Acontece que, como melhor se explicitará, a decisão arbitral, na parte ora recorrida, colide frontalmente com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do TCAS (cfr. Documento n.º 2, que se junta e se considera reproduzido para todos os efeitos legais), já transitado em julgado, emitido em 12 de Junho de 2014, no âmbito do processo n.º 07437/14, o qual constitui Acórdão fundamento dos presentes autos de recurso.

g) No caso dos autos, salvo o devido respeito, a ora Recorrente não concorda, nem se pode conformar nos termos legais, com parte do segmento decisório do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Singular, porquanto entende a Recorrente, com o devido respeito, que a decisão arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação do teor das normas ínsitas aos n.ºs 3 e 5 do art. 19.º do EBF.

h) In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito – saber se o limite da majoração anual prevista no n.º 3 do art. 19.º do EBF é aplicável proporcionalmente nos exercícios de início e fim do contrato de trabalho, quando o período de cinco anos não coincide com o período de tributação.

i) Demonstra-se, no caso vertente, que se encontram reunidos os requisitos para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, quais sejam, que as situações de facto sejam substancialmente idênticas; haja identidade na questão fundamental de direito; se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e a oposição decorre de decisões expressas e não apenas implícitas.

j) Verifica-se o requisito de identidade das situações de facto, pois, subjacentes às decisões em confronto estão dois casos de entidades empregadoras que suportaram encargos com a criação líquida de emprego, sendo que, em ambos os casos, apuraram encargos dedutíveis em montante superior por aplicação do limite da majoração anual de forma absoluta em cada um dos seis exercícios em que se reflectiu o contrato em causa, estando em causa a diferença resultante do cálculo dos encargos dedutíveis por aplicação do limite de forma proporcional.

k) Demonstra-se, também o requisito da identidade da questão de direito. Considerou-se na decisão fundamento que o limite “anual” da majoração previsto no n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.º 3, e ser consentâneo com este, só assim se garantindo a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, como prescrito pelo art. 9.º do Código Civil. Pelo que, o limite máximo previsto para a “majoração anual”, deve também ser objecto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos) nos termos do art. 279.º, alínea c) e art. 296.º, ambos do Código Civil) – cfr. sumário.

l) Porém, a decisão arbitral recorrida concluiu o oposto, considerando que «não se encontra no teor do art. 19.º, n.º 3 do EBF a obrigação do intérprete efectuar o ajuste da majoração, isto é, que seja reduzida proporcionalmente ao período de duração dos contratos de trabalho elegíveis no exercício inicial e final a que se reportam os cinco anos descritos no art. 19.º, n.º 5 do EBF. Pelo contrário, o legislador no art. 19.º, n.º 3 refere-se ao «montante máximo da majoração anual».
«Deste modo e pressupondo que o legislador utilizou uma linguagem precisa, como nos ensina a jurisprudência supra citada, não se vê forma de concluir que deva ser efectuado o ajuste na majoração em função da duração efectiva dos contratos de trabalho. Esta conclusão preliminar é reforçada com o recurso ao elemento histórico de interpretação quando se constata que, com o Orçamento do Estado de 2003 (n.º 32-B/2002 de 30/12) o montante máximo do benefício fiscal (14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado) a considerar deixou de se reportar aos encargos mensais por posto de trabalho e passou a referir-se ao montante anual da majoração por posto de trabalho. De modo a que, com a alteração legislativa se empreendeu uma redução substancial do benefício concedido às empresas. (à data, o benefício encontrava-se previsto no artigo 17.º do EBF)».

m) Concluindo, assim, o Tribunal Arbitral que o limite da majoração anual deve ser aplicado in toto em cada um dos seis exercícios em que se reflectem os cinco anos de contrato de trabalho que está subjacente à atribuição do benefício fiscal.

n) Ora, tal apreciação teve por base uma interpretação cabalmente errada das normas constantes, à data dos factos, dos n.ºs 3 e 5 do art. 19.º do EBF, sendo precisamente esta mesma questão apreciada em termos radicalmente distintos no Acórdão do TCAS que nos serve de fundamento (devendo notar-se apenas que, no acórdão fundamento, estão em causa as mesmas normas, com a mesma redacção, no que ora importa, mas com diferente numeração).

o) De facto, como bem se fundamenta na apreciação da questão: «daquele preceito legal resulta que o benefício tem uma duração de cinco “anos” (e não cinco exercícios) a contar da vigência do contrato de trabalho. Assim sendo, o legislador pretendeu que o benefício, em vez de vigorar por cinco exercícios fiscais, vigorasse por cinco anos. //Com efeito, se o dies a quo do benefício fiscal é a data do início da vigência do contrato de trabalho, então, o dies ad quem será o último dia do prazo de cinco anos, que se conta a partir daquela data, de acordo com as regras de cômputo do termo fixado por lei (art. 279.º, alínea c) e art. 296.º, ambos do Código Civil). (...)// Se é certo e assente que o legislador pretendeu que o benefício fiscal tivesse uma duração de 5 anos, tal não obsta a que o benefício se reflicta em 6 exercícios económicos, como sucede nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício económico, como por exemplo, se um contrato se inicia no dia 2 de Dezembro de 2004, então o benefício fiscal vigorará até ao dia 2 de Dezembro de 2009, o que abrange seis exercícios económicos 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009.// Ora, a sentença recorrida decidiu no sentido de que o n.º 3 do art. 17.º do EBF não implica, no primeiro ano do início do benefício e no último ano do benefício que o limite máximo do benefício previsto no n.º 2 seja proporcional aos dias efectivos de trabalho, ou seja, aos dias efectivos de vigência do contrato.// Sucede que, o benefício fiscal ora em causa pressupõe, para além do mais, a vigência de contrato de trabalho, pelo que, em data anterior à celebração do contrato de trabalho não há benefício fiscal, tal como não há passados 5 anos da celebração desse contrato. //Dependendo o benefício fiscal (que consiste na majoração de encargos dos respectivos contratos de trabalho celebrados, com os limites previstos no n.º 2 do art. 17.º do EBF) da vigência do contrato de trabalho, tal condição implica, necessariamente, uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista no n.º 2, nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício.// A não ser assim, então, estaríamos a permitir que o destinatário do benefício usufruísse in totum da majoração legal mesmo quando o contrato de trabalho respectivo tivesse apenas uma vigência parcial, sendo certo que a majoração está umbilicalmente ligada à vigência do contrato de trabalho, e pelo período de cinco anos estabelecido no n.º 3 (...) Deste modo, o limite “anual” da majoração previsto no n.º 2 do art. 17.° do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.º 3, e ser consentâneo com este, uma vez que, só assim se garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º do Código Civil, aplicável ex vi art. 11.º, n.º 1 da LGT). //Assim sendo, como o limite máximo previsto no n.º 2 se reporta a uma “majoração anual”, o termo “anual” deve também ser objecto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos previsto no n.º 3) ou seja, se inicia no primeiro dia de vigência do contrato e termina no último dia dos cinco anos a contar daquela data (termos do art. 279.º, alínea c) e art. 296.º, ambos do Código Civil).// O que significa que, o n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado no sentido de estabelecer o limite máximo de majoração de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite máximo reporta-se à “majoração anual” de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e deste modo, deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, garantindo, deste modo, a coerência e unidade do regime jurídico do benefício fiscal em causa, não contrariando, esta interpretação, o disposto no artigo 10.º do EBF» (destaques nossos)

p) Resulta, assim, demonstrada a existência de decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, de forma expressa.

q) Conforme já foi dito, quer na decisão arbitral recorrida, quer no Acórdão fundamento a questão de direito em análise prende-se com a interpretação das normas ínsitas nos n.ºs 3 e 5 do art. 19.º do EBF, isto é, a de saber se o limite máximo da majoração anual deverá aplicar-se em absoluto ou, como se defende, proporcionalmente, por referência ao período de vigência do contrato que está subjacente à concessão do benefício fiscal.

r) Perante esta questão decidiu o Tribunal Arbitral, na decisão recorrida, «não se encontra no teor do art. 19.º, n.º 3 do EBF a obrigação do intérprete efectuar o ajuste da majoração, isto é, que seja reduzida proporcionalmente ao período de duração dos contratos de trabalho elegíveis no exercício inicial e final a que se reportam os cinco anos descritos no art. 19.º, n.º 5 do EBF».

s) Pelo contrário, o legislador no art. 19.º, n.º 3 refere-se ao «montante máximo da majoração anual». (...) «(...) não se vê forma de concluir que deva ser efectuado o ajuste na majoração em função da duração efectiva dos contratos de trabalho», julgando, a final, pela procedência do pedido de anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa na parte impugnada».

t) Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida.

u) Aqui chegados, e no cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, cumpre assinalar que a decisão recorrida incorreu num manifesto erro de julgamento, adoptando uma interpretação das normas constantes, à data, dos n.ºs 3 e 5 [do art. 19.º] do EBF, que não respeita, nomeadamente, as directrizes dos arts. 8.º e 9.º do Código Civil.

v) Tendo em consideração os factos considerados relevantes devidamente expostos é inequívoca a conclusão de que as normas aqui em análise, porque tratam do regime de um benefício fiscal impõem particular atenção à coerência interna do sistema, nomeadamente à justificação subjacente à consagração do benefício, conforme foi decidido doutamente no acórdão fundamento.

w) De outro modo, a atribuição do benefício beneficiaria as entidades empregadoras que criassem emprego com reflexo em mais do que cinco períodos de tributação, sendo tal resultado absurdo e, portanto, proscrito pela presunção do legislador razoável, a que o julgador está vinculado ex vi artigo 9.º do Código Civil, bem como proscrito pelo princípio constitucional da igualdade, mormente, da igualdade fiscal.

x) A doutrina que dimana do acórdão fundamento salienta que se o benefício fiscal em causa pressupõe a vigência de contrato de trabalho, tal condição implica, necessariamente, uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista, à data, no n.º 3, nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício.

y) Bem como, salienta que, a não ser assim, permitir-se-ia que o destinatário do benefício usufruísse in totum da majoração legal mesmo quando o contrato de trabalho respectivo tivesse apenas uma vigência parcial, quando a majoração está incindivelmente ligada à vigência do contrato de trabalho, pelo período de cinco anos estabelecido legalmente, garantindo esta interpretação a unidade do sistema jurídico e a sua coerência.

z) Sendo que, conforme dispõe o artigo 8.º do Código Civil, o julgador deve ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito, o que decorre da própria ideia de Justiça e está, também, subjacente à consagração do meio processual aqui em uso.

aa) Cabendo, na perspectiva da ora Recorrente, sempre ressalvado o devido respeito, corrigir o indesmentível erro de julgamento em que incorreu a, aliás douta, decisão aqui em análise.

Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, considerando a jurisprudência supra indicada, deverá ser decretada a anulação da decisão arbitral recorrida e a sua substituição por outra que julgue improcedente tal parte do pedido, como é de Direito e Justiça!».

1.2 O recurso foi admitido.

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. Na medida em que o presente recurso é em tudo semelhante a um outro que se encontra pendente nesse Supremo Tribunal, sob o n.º 568/17-50, a Recorrida desde já requer a apensação deste recurso àquele outro.

B. Ainda que assim não se entenda, então, subsidiariamente e para evitar uma possível, ainda que meramente eventual e, em qualquer caso, indesejável contradição de julgados, desde já se requer a suspensão dos presentes autos até ao trânsito em julgado daquele outro recurso.

C. No caso sub judice não se mostra verificado um dos requisitos de admissibilidade do presente recurso: a identidade das situações de facto. Pelo que o mesmo não deve ser conhecido.

D. Com efeito, no que respeita aos factos do acórdão fundamento apenas se sabe, em concreto, que a AT efectuou uma correcção por o contribuinte ter feito um cálculo incorrecto do benefício.

E. Mas não se sabe os termos em que o contribuinte aí em causa efectuou os cálculos do benefício (nomeadamente, se o contribuinte se encontrava a majorar depois de decorrido o prazo de cinco anos do benefício ou não estando cumprido o requisito da idade não superior a 30 anos, ou se majorou mais do que 50% do custo, se considerou mal o salário mínimo para efeito de majoração, se fez uma proporção da majoração anual no primeiro e último ano do benefício quando não coincidam com o ano civil mas fez mal os cálculos da proporção, se fez uma proporção da majoração anual tendo em conta o número de meses do ano ou tendo em conta o número de dias do ano, ou se fez uma aplicação abusiva do benefício relativamente a um trabalhador que pouco trabalhou e que auferiu um ordenado astronómico, etc.).

F. Ao invés, na decisão arbitral recorrida ficou provado o número de trabalhadores que reuniam os requisitos para que as empresas do grupo da Recorrida pudessem usufruir do benefício, os trabalhadores que passaram a ser considerados e os que deixaram de ser considerados para este efeito, as respectivas datas de início e de cessação do benefício, o montante da majoração efectuada por empresa e o respectivo cálculo, bem como o montante da majoração que devia ter sido considerada.

G. E foi face a toda a factualidade aí provada que o árbitro, interpretando a lei, deu a solução do caso, devidamente fundamentada.

H. A questão fundamental de direito sobre a qual divergem a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento prende-se com a interpretação do limite do benefício fiscal previsto no artigo 19.º, n.º 3, do EBF, no primeiro e último anos em que o contribuinte pode usufruir do benefício, quando o(s) trabalhador(es) tenha(m) sido contratado(s) em data não coincidente com o primeiro dia do exercício.

I. Sendo que, enquanto o acórdão-fundamento considerou que a majoração do custo deve ser proporcionalmente restringida no primeiro e no último ano do benefício nas situações em que a contratação do trabalhador não coincide com o primeiro dia do exercício.

J. A douta decisão arbitral recorrida concluiu que «não se encontra no teor do art. 19.º n.º 3 do EBF a obrigação do intérprete efectuar o ajuste da majoração, isto é, que seja reduzida proporcionalmente ao período de duração dos contratos de trabalho elegíveis no exercício inicial e final a que se reportam os cinco anos descritos no art. 19.º n.º 5 do EBF. Pelo contrário, o legislador no art. 19.º, n.º 3 refere-se ao «montante máximo da majoração anual», «deste modo e pressupondo que o legislador utilizou uma linguagem precisa, como nos ensina a jurisprudência supra citada, não se vê forma de concluir que deva ser efectuado o ajuste na majoração em função da duração efectiva dos contratos de trabalho. Esta conclusão preliminar é reforçada com o recurso ao elemento histórico de interpretação quando se constata que, com o Orçamento do Estado de 2003 (...), o montante máximo do benefício fiscal (14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado) a considerar deixou de se reportar aos encargos mensais por posto de trabalho e passou a referir-se ao montante anual da majoração por posto de trabalho. De modo a que, com a alteração legislativa se empreendeu uma redução substancial do benefício concedido às empresas (à data, o benefício encontrava-se previsto no artigo 17.º do EBF)» [conclusão I)] das alegações da AT que, por sua vez, cita a decisão arbitral recorrida].

K. A coerência e a unidade do sistema invocadas pela Recorrente para defender a interpretação da lei sufragada pelo acórdão fundamento em nada abonam aquela interpretação do benefício.

L. Com efeito, se o objectivo do benefício fiscal em consideração é promover o emprego, não se vislumbra em que é que a coerência e a unidade do sistema reclamam uma restrição proporcional da majoração máxima anual permitida no primeiro e último ano do benefício, quando estas datas não coincidam com início e o fim do exercício.

M. O acórdão fundamento preconiza, em razão de uma alegada imposição lógica – de lógica naturalista, diríamos nós – uma interpretação restritiva da norma em questão conduzindo a uma restrição proporcional do montante máximo de majoração anual nos exercícios inicial e final do período de cinco anos de duração do benefício, nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício.

N. Todavia, o cânone hermenêutico da interpretação restritiva ou redução teleológica apenas deve ser utilizado nas situações em que, apelando ao fim da norma, resulta que a letra é mais ampla do que o que se pretendia.

O. Sucede que no caso concreto não há nenhuma indicação ou indício que permita afirmar que a letra atraiçoou o espírito.

P. Acresce que, como mais detalhadamente exposto nos artigos 36.º e 37.º destas alegações, existem razões de ordem prática que justificam a opção legislativa de se admitir a majoração anual máxima independentemente da duração do contrato de trabalho no exercício em questão.

Q. O desacerto da teoria da restrição proporcional do benefício demonstra-se ainda pelos números estranhos e diferentes a que se chega se se restringir a majoração de forma mensualizada ou tendo em atenção o número de dias, sendo que os resultados obtidos em cada uma destas opções são diferentes.

R. Aliás, a prevalência da interpretação preconizada pela Recorrente e pelo acórdão fundamento conduziria até à consequência perversa de levar as empresas a esperarem pelo início do ano seguinte para contratarem novos trabalhadores, de molde a poderem usufruir do benefício na sua plenitude e não, como se pretende, a contratarem quando precisam.

S. Deturpando assim o interesse extra-fiscal que presidiu à consagração do benefício.

T. Ao contrário do que invoca – mas não demonstra – a Recorrente, a doutrina sustentada pelo acórdão fundamento não viola o princípio da igualdade.

U. Pelo menos, enquanto este for compreendido como o tratamento igual de situações iguais.

V. Comparar um empregador que contrata um trabalhador elegível para o benefício a 1 de Janeiro de um determinado ano com um outro empregador que contrata numa outra data do mesmo ano é comparar situações de facto diferentes e, por isso, não comparáveis.

W. Nos benefícios fiscais que se baseiam em normas de conduta, cujo respeito produz efeitos fiscais favoráveis, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não em relação aos contornos em que são previstos.

X. O acesso ao benefício fiscal em apreço depende do comportamento do contribuinte, que é livre de optar por preencher as condições normativamente estabelecidas e assim beneficiar deste, ou não as cumprir e não usufruir da medida. E se os efeitos do benefício fiscal se modificarem consoante o momento do preenchimento das suas condições, dependerá do contribuinte optar pelo preenchimento das condições da forma que lhe permita optimizar os seus efeitos.

Y. Nos casos de benefícios fiscais dependentes de opções dos sujeitos passivos, em que é colocada na sua disponibilidade a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal, não há tratamento discriminatório violador do princípio da igualdade pela norma que fixa esses efeitos, mas apenas se houver distinção arbitrária e sem fundamento jurídico nas condições de acesso ao benefício.

Z. Os distintos efeitos que se podem verificar na majoração são imputáveis às escolhas do sujeito passivo e não a uma lei discriminatória.

Nestes termos e nos melhores de Direito devem V. Ex.as absterem-se de tomar conhecimento do presente recurso ou, ainda que assim não entendam – o que apenas por hipótese académica se admite e sem conceder – julgar o recurso improcedente, pois só assim se realizará prudentemente o Direito e se fará a sempre costumada Justiça».

1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que ocorre oposição de acórdãos (detalhando os motivos por que considera verificada a oposição) e de que «deverá o presente recurso ser julgado improcedente» e ser uniformizada jurisprudência «no sentido de que o limite máximo à majoração, consagrado no n.º 3 do artigo 19.º do EBF, aplica-se a todos os exercícios, designadamente, ao primeiro e ao último, por referência à duração de 5 anos do benefício fiscal, independentemente da data de admissão do trabalhador elegível para esse efeito», com a seguinte fundamentação: «[…]

Nos autos digladiam-se duas interpretações díspares do artigo 17.º ou 19.º – consoante a redacção aplicável – do EBF, ambas alicerçadas num acervo de argumentos jurídicos ponderosos e consistentes.
Assim, a decisão arbitral recorrida aduziu, a favor do seu entendimento, a seguinte panóplia de razões, que, com a devida vénia, passaremos a transcrever “(...) não se encontra no teor do art. 19.º, n.º 3 do EBF a obrigação do intérprete efectuar o ajuste da majoração, isto é, que seja reduzida proporcionalmente ao período de duração dos contratos de trabalho elegíveis no exercício inicial e final a que se reportam os cinco anos descritos no art. 19.º n.º 5 do EBF.
Pelo contrário, o legislador no art. 19.º n.º 3 refere-se ao «montante máximo da majoração anual».
Deste modo e pressupondo que o legislador utilizou uma linguagem precisa, como nos ensina a jurisprudência supracitada, não se vê forma de concluir que deva ser efectuado o ajuste na majoração em função da duração efectiva dos contratos de trabalho.
Esta conclusão preliminar é reforçada com o recurso ao elemento histórico de interpretação quando se constata que, com o Orçamento do Estado de 2003, o montante máximo do benefício fiscal (14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado) a considerar deixou de se reportar aos encargos mensais por posto de trabalho e passou a referir-se ao montante anual da majoração por posto de trabalho. De modo a que, com a alteração legislativa se empreendeu uma redução substancial do benefício concedido às empresas.
Por outro lado, a finalidade legislativa que justifica o benefício encontra-se no estímulo ao emprego em que o vínculo jurídico com a entidade patronal seja dotado de estabilidade e segurança, isto é, o elemento teleológico é compatível com qualquer das interpretações em confronto, mas sobretudo não aponta para uma interpretação que limite o âmbito do benefício fiscal. E como se sustenta na decisão arbitral n.º 212/2013-T, de 26/02/2014 e em que assumiu a função de árbitro-presidente, o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA: «… a única razão que, abstractamente, poderia explicar outras limitações da majoração, não expressamente previstas, seria a maximização das receitas fiscais e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que prevêem benefícios fiscais, que são justificadas por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se “interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”:..».
(...) Em suma, afasta-se a tese da majoração anual proporcional à duração dos contratos de trabalho e, assim, o despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa é ilegal, por erro nos pressupostos de direito (...)».
Por seu turno, o acórdão fundamento veio invocar, em prol da sua posição doutrinal, que «(...) Dependendo o benefício fiscal (que consiste na majoração de encargos dos respectivos contratos de trabalho celebrados, com os limites previstos no n.º 2 do art. 17. do EBF) da vigência do contrato de trabalho, tal condição implica, necessariamente, uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista no n.º 2, nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício.
A não ser assim, então, estaríamos a permitir que o destinatário do benefício usufruísse in totum da majoração legal mesmo quando o contrato de trabalho respectivo tivesse apenas uma vigência parcial, sendo certo que a majoração está umbilicalmente ligada à vigência do contrato de trabalho, e pelo período de cinco anos estabelecido no n.º 3.
Não se pode olvidar que há uma racionalidade na lei que o intérprete deve reconstruir, o que exclui a aplicação automática da letra da lei, devendo, antes ser considerado o contexto lógico-literal da norma.
Deste modo, o limite “anual” da majoração previsto no n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.º 3, e ser consentâneo com este, uma vez que, só assim se garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º do Código Civil, aplicável ex vi, art. 11.º n.º 1 da LGT).
(...) O que significa que, o n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado no sentido de estabelecer o limite máximo de majoração de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite máximo reporta-se à “majoração anual” de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e deste modo, deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, garantindo, deste modo, a coerência e unidade do regime jurídico do benefício fiscal em causa, não contrariando, esta interpretação, o disposto no artigo 10.º do EBF”.
II. 2. Ora, como enfatizou, expressivamente, a decisão arbitral posta em crise, esta questão tem gerado forte controvérsia, tendo merecido tratamento díspar, inclusive no seio do próprio Centro de Arbitragem Administrativa.
Acresce que, quer a Recorrente AT, quer a Recorrida EDP - Energias de Portugal, no âmbito das suas contra-alegações (v. fls. 102 a 126 do p. f.), já esgrimiram, com mestria, o arsenal de argumentos em que estribaram as suas posições doutrinais, razão pela qual nos dispensamos de efectuar, de novo, uma análise detalhada do preceito legal aqui em causa.
Assim, sem embargo da controvérsia que esta questão actualmente assume, uma vez sopesadas as duas teses em confronto, convenceu-nos a hábil e consistente argumentação vertida na decisão arbitral recorrida.
Com efeito, antolha-se-nos mais credível e acertado esse entendimento, já que dispõe de correspondência verbal no respectivo texto legal e, ademais, respeita o seu espírito e atende à unidade do sistema jurídico, no seu conjunto.
Trata-se aí, pois, na nossa óptica, de uma interpretação que segue os ditames dos princípios gerais que regem a interpretação das leis, vazados no artigo 9.º do Código Civil e daí que a acolhamos.
Efectivamente, na perspectiva do Ministério Público, in casu, a concatenação destes elementos interpretativos secunda o entendimento veiculado na decisão arbitral ora impugnada.
Acresce que esta solução é a que, aparentemente, reúne maior consenso e, ademais, detém suporte doutrinal e jurisprudencial de grande relevo. […]».

1.5 Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos (Por razões de ordem prática, apenas mantivemos a parte final da numeração dos factos.):

«1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo societário tributado em IRC com fonte no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS).

2. No exercício de 2013, para além da Requerente faziam parte do perímetro do grupo tributado pelo RETGS, as 27 sociedades que a seguir se enumeram:
a) EDP Gestão da Produção de Energia, S.A.; b) EDP Estudos e Consultoria, S.A.; c) EDP Serviner - Serviços de Energia, S.A.; d) A…………………, Lda.; e) B………………, S.A.; f) EDP Valor - Gestão Integrada de Serviços, SA.; g) EDP Serviço Universal, S.A.; h) EDP Gás – S.G.P.S., S.A.; i) EDP Internacional, S.A.; j) EDP Inovação, S.A.; l) EDP Soluções Comerciais, S.A.; m) EDP Comercial - Comercialização de Energia, S.A.; n) EDP Distribuição - Energia, S.A.; o) EDP Serviços - Sistema para a Qualidade e Eficiência Energética, S.A.; p) C……………………., S.A.; q) EDP Ventures SGPS, S.A.; r) D…………………, Lda.; s) E………………, S.A.; t) EDP MOP - Operação de Pontos de Carregamento da Mobilidade Eléctrica. S.A.; u) EDP Imobiliária e Participações, S.A.; v) F………………... S.A.; x) G………….. S.A.; z) H…………..,, S.A.; aa) EDP Gás.com - Comércio de Gás Natural, S.A.; bb) EDP Projectos S.G.P.S., S.A.; cc) I………….., S.A. e dd) J………………, Lda.

3. A Requerente apresentou em 27/01/2016 uma declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de substituição do grupo fiscal, ao abrigo do disposto no art. 122.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), da qual resultou um lucro tributável do grupo sujeito ao RETGS no montante de € 378.568.179,84.

4. O imposto a pagar resultante dessa autoliquidação foi de € 39.395.341,63.

5. Na EDP Gestão da Produção de Energia S.A., no exercício de 2013, existiam 57 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.

6. Desses trabalhadores existiam 10 que deixaram de ser elegíveis para o benefício.

7. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 370.080,03, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses que estiveram ao serviço da empresa.

8. A EDP Gestão da Produção de Energia S.A. como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 10.185,00.

9. Na EDP Estudos e Consultadoria S.A., no exercício de 2013, existiam 493 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.

10. Desses 493 trabalhadores, 57 trabalhadores entraram para o quadro de pessoal da empresa a partir de Fevereiro de 2013 e 34 deixaram de ser elegíveis para o benefício.

11. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 3.050.407,50, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses em que estiveram ao serviço da empresa.

12. A EDP Estudos e Consultadoria, S.A. como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 205.839,19.

13. Na EDP Serviner - Serviços de Energia, S.A., no exercício de 2013, existiam 12 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.

14. Desses 12 trabalhadores, 4 entraram para o quadro de pessoal da empresa em diferentes meses do ano de 2013.

15. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 66.202,50, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses em que estiveram ao serviço da empresa.

16. A EDP Serviner - Serviços de Energia, S.A. como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 9.720,85.

17. Na A………………, Lda. no exercício de 2013, existiam 33 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.

18. Desses 33 trabalhadores, 23 entraram para o quadro de pessoal da empresa em diferentes meses do ano de 2013 e 3 deixaram de ser elegíveis para o benefício.

19. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 119.390,83, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses em que estiveram ao serviço da empresa.

20. A A………………., Lda. como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 18.306,76.

21. Na B………………, S.A., no exercício de 2013, existiam 19 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.

22. Desses 19 trabalhadores, 1 deixou de ser elegível para o benefício.

23. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 122.220,00, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses em que estiveram ao serviço da empresa.

24. A B……………….. S.A., como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 1.826,82.

25. O valor total que não foi deduzido por parte das empresas supra identificadas foi de € 245.878,62.

26. A Requerente apresentou reclamação graciosa do acto tributário de «autoliquidação» relativo ao período de tributação de 2013 a que coube o n.º 3085201604004310.

27. A reclamação graciosa foi parcialmente deferida por despacho datado de 19/07/2016 e notificado à Requerente em 04/08/2016.

28. O pedido de constituição do tribunal e de pronúncia arbitral foi apresentado em 02/11/2016».

2.1.2 No acórdão fundamento, foi estabelecida como provada a seguinte factualidade, que ora reproduzimos nos segmentos relevantes para a decisão a proferir:

«A. O Grupo “... ... ... S.A.” iniciou em 2005 a tributação em IRC segundo uma óptica de Grupo, tendo para tal nesse exercício procedido à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, do qual é sociedade dominante (Doc. 2 da PI).

B. No dia 15/10/2008, teve início acção inspectiva interna de âmbito parcial ao exercício de 2006 do referido Grupo, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200800385 (Doc. 2 da PI).

C. Concluída esta acção inspectiva, foi elaborado o relatório junto a fls. 65/140, datado de 15/04/2009 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido juntamente com os respectivos apensos, do qual consta o seguinte:
Da análise efectuada aos elementos contabilístico-fiscais do exercício de 2006, relativos ao grupo ... Sociedade ... ... , SA (doravante designado por Grupo ... ), resultaram as seguintes correcções:
[…]
I - 4.1.1 - AO NÍVEL DO LUCRO TRIBUTÁVEL
Foram efectivadas correcções no total 16.035.294,59 euros, decorrentes das correcções efectuadas ao lucro tributável da empresa, em termos individuais, ... Sociedade ... ... , S.A., conforme consta dos relatórios de inspecção tributária elaborados e a seguir discriminadas: (…)
I -
[…]
I - 4.1.1.10 - BENEFÍCIO FISCAL – CRIAÇÃO DE EMPREGO PARA JOVENS (178.294,13 euros)
O Sujeito Passivo deduziu indevidamente ao lucro tributável, a título de benefício fiscal com a criação líquida de emprego para jovens, a verba de 178.294,13 euros por cálculo incorrecto do benefício previsto no artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (ver ponto III -1.10 do presente relatório).
I - 4.1.1.11 - MAJORAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS – DONATIVOS (518.749,81 euros)
A empresa deduziu ao lucro tributável o valor de 559.282,01 euros a título de majoração de donativos ao abrigo do Estatuto do Mecenato, dos quais 518.749,81 euros dizem respeito à importância plurianual atribuída à Fundação... (acima referida), a qual não pode ser efectuada por não se enquadrar nas disposições contidas do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo D.L. n.º 74/99 de 16 de Março (ver ponto III -1.11 do presente relatório). (…)
I - 4.2 - IMPOSTO EM FALTA
I - 4.2.1 - IRC
Foram efectivadas correcções no total de 512.907,86 euros, resultantes do imposto em falta detectado na empresa, em termos individuais, ... Sociedade ... ... , S.A., assim discriminado: (…)
[…] (Doc. 2 da PI).

D. Na sequência deste relatório, a Administração Tributária emitiu as liquidações de IRC do exercício de 2006 e respectivos juros compensatórios com os n.ºs 20098310013309, 20090000571807 e 20090000571808, e a compensação n.º 200900001866915, que deram lugar à demonstração de acerto de contas n.º 20090000250429, actos recebidos pela impugnante no dia 15/05/2009, e dos quais resultou o valor a pagar por esta de € 5.306.874,85 (cinco milhões, trezentos e seis mil, oitocentos e setenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), com data limite de pagamento no dia 17/06/2009 (Doc. 1 da PI).

E. Para efeito de cobrança coerciva desta quantia, no dia 08/07/2009, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3573200901081624 (Doc. 11 da PI).

F. No âmbito deste processo de execução fiscal, no dia 27/08/2009, a impugnante apresentou garantia bancária no valor de € 5.807.148,31 (cinco milhões, oitocentos e sete mil, cento e quarenta e oito euros e trinta e um cêntimos) (fls. 229).

[…]

EE. Consta da informação n.º 861/99, com despacho concordante do Subdirector Geral da Direcção Geral dos Impostos o seguinte:
Quanto à questão levantada sobre se a limitação estabelecida de 14 vezes o ordenado mínimo nacional é com ou sem a referida majoração de 150% incluída, concorda-se com o parecer da DSBF: os encargos com aquele empregado serão majorados em 50%, para efeitos de aceitação como custo fiscal, tendo como limite máximo o valor correspondente a 14 vezes o salário mínimo nacional. Ou seja, se do apuramento dos 150% resultar um valor superior a 14 vezes o salário mínimo nacional, então, para efeitos fiscais, apenas será aceite este último montante” (Doc. 9 da PI).

FF. Nos termos do ponto 3 do Despacho Ministerial de 05/03/1999, “[e]ntende-se que para os efeitos do n.º 2 do art. 48.º-A do EBF, o montante máximo dos encargos por posto de trabalho não pode exceder Esc. 858.200$00, isto é, 14 vezes o ordenado mínimo nacional mais elevado, que para 1999 ficou fixado pelo DL n.º 49/99, de 16.02, em 61.300$00”.

GG. Consta do ponto 3 da informação vinculativa emitida no processo n.º 3885/01, que, tomando como base o valor de 14 SMN (em 2001) equivalente a 938.000$00, que o incentivo fiscal máximo por cada trabalhador elegível será equivalente a 469 contos, ou seja, 50% de 14 SMN (Doc. 10 da PI).

HH. Por despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 18/02/2010, foi determinada a revogação parcial do acto impugnado, com rectificação da correcção do benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego, quanto aos contratos anteriores a 2003, do montante de € 45.534,99 para € 10.750,08 (PAT apenso)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD em 20 de Julho de 2017 no processo n.º 662/2016-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=27&id=2830.), invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 7437/14 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e3b7e50e928ed8cd80257cf9004d2467.), relativamente à interpretação do limite do benefício fiscal previsto no artigo 19.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) – a que correspondia o art. 17.º do mesmo Estatuto, antes da republicação pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho –, no primeiro e último anos em que o contribuinte pode usufruir do benefício, quando o(s) trabalhador(es) tenha(m) sido contratado(s) em data não coincidente com o primeiro dia do exercício; se, nesses casos, o benefício deve, ou não, ser ajustado proporcionalmente, na fixação do limite máximo da majoração.
Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, o regime de interposição do recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo difere do regime do recurso previsto no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre da alínea a) do n.º 2 do referido art. 152.º (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, pág. 230. ).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição não questionada no caso sub judice.
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.
Ainda antes, cumpre decidir o requerimento efectuado pela Recorrida, como questão prévia, e a que se referem as conclusões das contra-alegações identificadas como A. e B.

2.2.1.2 A Recorrida pediu a apensação do presente recurso ao recurso com o n.º 568/17-50, «[n]a medida em que o presente recurso é em tudo semelhante» a esse outro, que se encontra também pendente neste Supremo Tribunal. Subsidiariamente, pediu a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir naquele recurso, «para evitar uma possível, ainda que meramente eventual e, em qualquer caso, indesejável contradição de julgados».
Quanto ao pedido de apensação, verificámos mediante consulta do SITAF que o processo n.º 568/17-50 respeita a uma decisão do CAAD, sobre uma questão em tudo idêntica à dos presentes autos. No entanto, verificamos a existência de dois obstáculos à possibilidade da requerida apensação – em tese, admissível nos termos do art. 268.º do Código de Processo Civil (CPC) –, a saber: primeiro, a apensação, como prescreve o n.º 3 do referido artigo do CPC, deve ser requerida no processo instaurado em primeiro lugar, que não é este, mas o 568/17; segundo, no referido processo a instância de recurso para este Supremo Tribunal encontra-se suspenso, por despacho da Conselheira relatora, até que esteja decidida a impugnação judicial deduzida da mesma decisão arbitral para o Tribunal Central Administrativo Sul.
Não pode, pois, ser deferido o pedido de apensação.
Quanto ao pedido de suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo supra referido, a mesma só poderia justificar-se – à luz dos princípios invocados em seu suporte e do disposto no n.º 1 do art. 272.º do CPC – caso tal decisão estivesse iminente, o que não é o caso, como acima deixámos dito. Aliás, caso a referida impugnação judicial venha a ser deferida, o recurso a que respeita o processo n.º 568/17-50 poderá até perder o seu objecto.
Assim, também não pode ser deferido o pedido de suspensão da instância.

2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.2.2.1 Nos termos do referido art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i) que exista contradição entre essa decisão e um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito, ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que decidiram os acórdãos em confronto – o arbitral, ora sob recurso, e o fundamento, tendo sempre presente como pano de fundo a questão relativamente à qual foi invocada a contradição de julgados, a de saber se o benefício fiscal previsto no art. 19.º do EBF deve ser ajustado proporcionalmente, na fixação do limite máximo da majoração, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação. Isto porque, referindo o n.º 5 do artigo em causa que a majoração prevista no seu n.º 1 «aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho», esse período, as mais das vezes, não coincide perfeitamente com 5 exercícios, antes se reflectindo em 6 exercícios económicos, sempre que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício económico.

2.2.2.2.1 A ora Recorrida apresentou no CAAD pedido de declaração da ilegalidade da autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2013 e da decisão da reclamação graciosa que deduziu contra esse acto tributário, na parte em que não considerou o benefício fiscal previsto no n.º 3 do art. 19.º do EBF na sua plenitude, na medida em que a majoração foi apurada proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos de trabalho nos exercícios inicial e final do período de 5 anos, quando nada na lei prescreve a aplicação desse pro rata naqueles exercícios.
O tribunal arbitral deu razão à ora Recorrida. Para tanto, depois de enunciar como questão controvertida a de saber «se o benefício fiscal previsto no art. 19.º do EBF deve ser ajustado proporcionalmente, na fixação do limite máximo da majoração, naquelas hipóteses em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação» e de resumir as posições da aí autora (ora Recorrida) e da AT, dizendo que aquela «pugna que o limite máximo da majoração se reporta ao montante anual, independentemente do período em que vigoraram os contratos de trabalho», enquanto esta «defende que na quantificação desta [majoração máxima] se deve ter em conta a duração efectiva dos contratos no ano da admissão e no da extinção», o tribunal arbitral deu conta da divergência jurisprudencial existente no CAAD em torno da questão (Em sentido favorável à pretensão da aí Requerente, a decisão arbitral de 26 de Fevereiro de 2014, proferida no processo n.º 212/2013-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPage=34&id=707
Em sentido contrário, a decisão arbitral de 16 de Outubro de 2016, proferida no processo n.º 129/2016-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=22&id=2207.).
De seguida, efectuou a ponderação dos argumentos a favor de uma e da outra posição, para concluir: «Em suma, afasta-se a tese da majoração anual proporcional à duração dos contratos de trabalho e, assim, o despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa é ilegal, por erro nos pressupostos de direito».
Ponderou ainda a invocada inconstitucionalidade da referida norma na interpretação adoptada, por violação do princípio da igualdade, para concluir que «não existe qualquer discriminação arbitrária nas condições de acesso ao benefício fiscal em análise. Os distintos efeitos que se podem verificar na majoração são imputáveis às escolhas do sujeito passivo e não a uma lei discriminatória».
Assim, a decisão arbitral recorrida, julgou procedente o pedido que foi formulado pela ora Recorrida ao CAAD, no que se refere ao modo como deve ser calculado o benefício fiscal em causa.

2.2.2.2.2 Por sua vez, no acórdão fundamento estava em causa uma liquidação adicional de IRC do ano de 2003 efectuada a uma sociedade na sequência de uma acção inspectiva em que foram efectuadas diversas correcções, sendo uma delas relativa ao benefício fiscal por criação líquida de emprego, à data previsto no art. 17.º do EBF. Entendeu a AT, em resumo, que, nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício, o limite máximo do benefício no primeiro e último dos 5 anos por que é concedido deve ser reduzido na proporção correspondente ao tempo de vigência do contrato relativamente a um ano.
A referida sociedade, discordando desse entendimento, impugnou a liquidação e a sentença deu-lhe razão no que respeita à referida correcção.
A Fazenda Pública insurgiu-se contra a sentença e dela recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul que, nessa parte – que é a que ora nos interessa –, deu provimento ao recurso. A esse respeito, deixou dito:
«Se é certo e assente que o legislador pretendeu que o benefício fiscal tivesse uma duração de 5 anos, tal não obsta a que o benefício se reflicta em 6 exercícios económicos, como sucede nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício económico, […] // Ora, a sentença recorrida decidiu no sentido de que o n.º 3 do art. 17.º do EBF não implica, no primeiro ano do início do benefício e no último ano do benefício que o limite máximo do benefício previsto no n.º 2 seja proporcional aos dias efectivos de trabalho, ou seja, aos dias efectivos de vigência do contrato.// Sucede que, o benefício fiscal ora em causa pressupõe, para além do mais, a vigência de contrato de trabalho, pelo que, em data anterior à celebração do contrato de trabalho não há benefício fiscal, tal como não há passados 5 anos da celebração desse contrato.// Dependendo o benefício fiscal (que consiste na majoração de encargos dos respectivos contratos de trabalho celebrados, com os limites previstos no n.º 2 do art. 17.º do EBF) da vigência do contrato de trabalho, tal condição implica, necessariamente, uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista no n.º 2, nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício.// A não ser assim, então, estaríamos a permitir que o destinatário do benefício usufruísse in totum da majoração legal mesmo quando o contrato de trabalho respectivo tivesse apenas uma vigência parcial, sendo certo que a majoração está umbilicalmente ligada à vigência do contrato de trabalho, e pelo período de cinco anos estabelecido no n.º 3.// Não se pode olvidar que há uma racionalidade na lei que o intérprete deve reconstruir, o que exclui a aplicação automática da letra da lei, devendo, antes ser considerado o contexto lógico-literal da norma.// Deste modo, o limite “anual” da majoração previsto no n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.º 3, e ser consentâneo com este, uma vez que, só assim se garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º do Código Civil, aplicável ex vi, art. 11.º, n.º 1 da LGT).// Assim sendo, como o limite máximo previsto no n.º 2 se reporta a uma “majoração anual”, o termo “anual” deve também ser objecto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos previsto no n.º 3) ou seja, se inicia no primeiro dia de vigência do contrato e termina no último dia dos cinco anos a contar daquela data (termos do art. 279.º, alínea c) e art. 296.º, ambos do Código Civil).// O que significa que, o n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado no sentido de estabelecer o limite máximo de majoração de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite máximo reporta-se à “majoração anual” de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e deste modo, deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, garantindo, deste modo, a coerência e unidade do regime jurídico do benefício fiscal em causa, não contrariando, esta interpretação, o disposto no artigo 10.º do EBF.// Deste modo, a actuação da AT, no que se refere a esta correcção, não é violadora do princípio constitucional da legalidade tributária porquanto aquela actuou de acordo com a previsão legal, não se verificando qualquer restrição por via administrativa, mas antes pela lei, do limite máximo da majoração».
Em conformidade, o Tribunal Central Administrativo Sul, quanto a esse fundamento, deu provimento ao recurso da Fazenda Pública, revogando a sentença recorrida, na parte em que esta, julgando procedente a impugnação judicial relativamente àquele fundamento, anulara a liquidação adicional impugnada na parte que teve origem na referida correcção.

2.2.2.2.3 Como resulta do que deixámos exposto supra, as situações factuais nos presentes autos e no processo em que foi proferido o acórdão fundamento, na parte que ora importa considerar, são em tudo idênticas: em ambas estava em causa o modo como deve ser calculado o benefício fiscal relativamente aos contratos de trabalho cujo início não coincida com o início do exercício anual do contribuinte no primeiro e no último exercício.
E, como resulta também do que deixámos dito, as decisões em confronto, aceitando ambas que o benefício, porque fixado em anos, pode reflectir-se em mais de cinco exercícios quando o início do contrato não coincida com o início do exercício, deram resposta divergente à questão que a Recorrente erigiu como decidenda no presente recurso por oposição de julgados, de saber como se apura o benefício, no que respeita ao limite máximo da majoração, naquelas hipóteses em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação: enquanto a decisão recorrida entendeu que não há que operar qualquer redução naquele limite, o acórdão fundamento sustentou que o limite máximo do benefício fiscal nesses exercícios deve ser ajustado proporcionalmente ao período da vigência do contrato.
Dito de outro modo, enquanto na decisão recorrida se entendeu que o limite máximo da majoração se reporta ao montante anual, independentemente do período em que vigoraram os contratos de trabalho, no acórdão fundamento sustentou-se que no apuramento daquele se deve ter em conta a duração efectiva dos contratos no ano da admissão e no da extinção.
Verifica-se, pois, a divergência que justifica a prossecução do recurso.
Note-se que não obsta a essa conclusão o facto de a norma em causa ser o art. 17.º do EBF no acórdão fundamento e o art. 19.º na decisão recorrida pois, como avançámos supra, se trata da mesma norma, resultando a diferença na numeração da republicação do EBF operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho. Por outro lado, também não obsta à admissão do recurso que a orientação perfilhada pelo acórdão arbitral esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que não conhecemos jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a questão.
Passemos, pois, ao conhecimento do mérito do recurso.

2.2.3 DO LIMITE MÁXIMO DO BENEFÍCIO

Sobre a questão, ficou dito na decisão recorrida:
«O ponto de partida da actividade interpretativa que o tribunal se encontra obrigado a realizar terá de consistir na determinação das suas premissas.
No domínio dos benefícios fiscais o legislador encontra-se obrigado a: «… usar linguagem precisa nas normas que concedem os benefícios, utilizando os conceitos que usa no sentido tradicional», acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0152/10, de 05/05/2010 e em que foi relator o Conselheiro Valente Torrão.
Na actividade hermenêutica das normas que estabelecem benefícios fiscais é ainda necessário dizer que está proibida a integração analógica, mas esta admite interpretação extensiva, como o art. 10.º do EBF dispõe.
Na verdade, o princípio da legalidade impede a administração tributária ou um tribunal de integrar uma potencial lacuna que exista em norma tributária que preveja um benefício fiscal, embora, em bom rigor, não existam lacunas neste domínio. As situações não previstas como isentas de imposto estão excluídas do âmbito da norma de isenção.
No caso em apreço e utilizando tais premissas, não se encontra no teor do art. 19.º, n.º 3 do EBF a obrigação do intérprete efectuar o ajuste da majoração, isto é, que seja reduzida proporcionalmente ao período de duração dos contratos de trabalho elegíveis no exercício inicial e final a que se reportam os cinco anos descritos no art. 19.º, n.º 5 do EBF.
Pelo contrário, o legislador no art. 19.º, n.º 3 refere-se ao «montante máximo da majoração anual».
Deste modo e pressupondo que o legislador utilizou uma linguagem precisa, como nos ensina a jurisprudência supra citada, não se vê forma de concluir que deva ser efectuado o ajuste na majoração em função da duração efectiva dos contratos de trabalho.
Esta conclusão preliminar é reforçada com o recurso ao elemento histórico de interpretação quando se constata que, com o Orçamento do Estado de 2003, o montante máximo do benefício fiscal (14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado) a considerar deixou de se reportar aos encargos mensais por posto de trabalho e passou a referir-se ao montante anual da majoração por posto de trabalho. De modo a que, com a alteração legislativa se empreendeu uma redução substancial do benefício concedido às empresas.
Por outro lado, a finalidade legislativa que justifica o benefício encontra-se no estímulo ao emprego em que o vínculo jurídico com a entidade patronal seja dotado de estabilidade e segurança, isto é, o elemento teleológico é compatível com qualquer das interpretações em confronto, mas sobretudo não aponta para uma interpretação que limite o âmbito do benefício fiscal. E como se sustenta na decisão arbitral n.º 212/2013-T, de 26/02/2014 e em que assumiu a função de árbitro-presidente, o Conselheiro Jorge Lopes De Sousa: «…a única razão que, abstractamente, poderia explicar outras limitações da majoração, não expressamente previstas, seria a maximização das receitas fiscais, e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que prevêem benefícios fiscais, que são justificadas por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se “interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”…».
Ainda assim, será legítimo questionar: admitir-se-á uma interpretação restritiva do art. 19.º, n.º 3 do EBF?
Entende-se que não, ou seja, vislumbram-se fundamentos para admitir a majoração anual máxima, independentemente da duração do contrato elegível para o benefício fiscal.
O art. 18.º, n.º 1 do CIRC dispõe que: «Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.», isto é, a determinação do lucro tributável é feita de acordo com cada período de tributação que, regra geral, coincide com o ano civil, após o fim do exercício, visto que o facto gerador do imposto se verifica no último dia do período de tributação, art. 8.º, n.º 9 do CIRC.
Consequentemente é por referência ao último dia de tributação que o sujeito passivo se encontra obrigado a apurar os encargos que estão contabilizados como custos do respectivo exercício e que foram suportados com os trabalhadores que preenchem as condições do art. 19.º, n.º 1 do EBF.
Assim, esta operação de determinação do lucro tributável respeitante a cada exercício é reportada ao último dia deste e, como tal, não há que considerar os factos tributários que ocorram posteriormente, que serão considerados na determinação do lucro tributável de outro exercício – art. 18.º do CIRC.
O montante total que estiver contabilizado como custo do exercício é majorado, para efeitos fiscais, em 50%, tendo esse valor da majoração de ser referido expressamente na declaração modelo 22.
A determinação do lucro tributável realizada nos termos supra expostos pressupõe que, no final de cada exercício, o sujeito passivo tenha a possibilidade de determinar a majoração de que pode beneficiar, visto que é ela que deve ser incluída na declaração de rendimentos.
Em suma, afasta-se a tese da majoração anual proporcional à duração dos contratos de trabalho […]».
Não vemos motivo para nos afastarmos do assim decidido. Vejamos:
«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» [art. 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT)].
O que significa que na interpretação das normas fiscais há que obedecer aos critérios reconhecidos pelo art. 9.º do Código Civil (CC).
Assim, desde logo, a letra da lei não dá apoio algum à tese da Recorrente. É certo que a letra da lei não constitui o único, nem sequer o mais importante elemento a considerar na tarefa hermenêutica, mas é o que constitui o seu ponto de partida e «[c]omo tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» [J. BAPTISTA MACHADO (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182.)], como resulta do disposto no n.º 2 do art. 9.º do CC. O mesmo Autor explicita: «A letra (o enunciado linguístico) é, assim o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, n.º 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação» (Idem, pág. 189.).
Assim, não figuramos como possível extrair da norma um sentido «não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», bem como não podemos atribuir-lhe um sentido que faz tábua rasa da presunção de «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (cfr., respectivamente, n.ºs 2 e 3 do art. 9.º do CC). Se o legislador queria estabelecer a proposta proporcionalidade porque o não deixou expresso?
Ademais, como ficou dito na decisão arbitral proferida no processo n.º 212/2013-T, acima referida, «há reforçadas razões para dar relevância ao elemento textual, derivadas do facto de se estar perante um regime legal que foi várias vezes revisto e em que, por isso, se materializaram várias possibilidades de o legislador ter reformulado a expressão do seu pensamento, se tivesse constatado que tinha dito mais ou menos do que o que pretendia. Ora, constata-se que, já depois da Lei n.º 32-B/2002, o artigo 17.º do EBF foi completamente revisto pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e, no novo n.º 3, refere-se que «o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida», o que corresponde, com actualização terminológica, à redacção anterior».
Mas, salvo o devido respeito, também o elemento racional ou teleológico não aponta para a necessidade de uma interpretação restritiva do alcance do benefício fiscal, que só se imporia perante a certeza de que o legislador falhara a redacção da norma.
Como também ficou dito na referida decisão arbitral com o n.º 212/2013-T, «a única razão que, abstractamente, poderia explicar outras limitações da majoração, não expressamente previstas, seria a maximização das receitas fiscais, e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que prevêem benefícios fiscais, que são justificadas por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se «interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). Por outro lado, a majoração tem sempre a duração máxima de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º do EBF, pelo que não se vê como se possa concluir, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, que «o benefício fiscal ocorreria por um período de seis anos». Isto é, se as condições para atribuição do benefício se verificaram, por exemplo, em 1 de Junho de 2001, o benefício fiscal terminará, no máximo, no dia 31 de Maio de 2006, tendo a exacta duração de cinco anos, apesar de essa duração abranger seis anos civis, dois deles parcialmente. No pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por imposição do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, a «majoração anual» de que fala o n.º 2 do artigo 17.º do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, reportar-se-á a anos civis, como se infere do facto de ser anual e ser calculada em função do valor do salário mínimo nacional, relativamente ao qual vigorava a regra da fixação anual, com referência a cada ano civil, como decorre do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro. Por outro lado, se é certo que, abstractamente, o valor de uma «majoração anual» calculada em função do valor do salário mínimo nacional poderia ser calculado somando os montantes do salário mínimo nacional que em cada um deles vigorou, também é certo que esse método seria impraticável quando o valor dessa majoração anual não é de 12 meses, mas sim de 14 meses, o que pressupõe que seja o mesmo o valor do salário mínimo nacional que em cada um deles vigorou. Por outro lado, nem se pode imaginar que o legislador, ao estabelecer a majoração para vigorar em anos civis, não tenha previsto a situação de os trabalhadores iniciarem os seus contratos fora da data do início do ano civil, pois, estatisticamente, num ano com 365 dias, será 364 vezes mais provável que isso suceda do que no preciso dia do início do ano».
Poderia, é certo, o legislador ter optado por uma solução como a preconizada pela Recorrente, mas não resulta do texto da lei que tenha efectuado essa opção, nem resulta de quaisquer outros elementos interpretativos que tivesse querido fazê-la. Não pode, pois, o intérprete substituir-se-lhe e, com base numa pretensa unidade e coerência do sistema jurídico, criar uma norma que restrinja o âmbito do benefício fiscal.
Nem se argumente com uma pretensa violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa,
Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações; ao invés, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de modo a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional.
Como bem salientou a decisão recorrida, «A previsão de benefícios fiscais, ainda que justificada pela prossecução de fins de interesse público, não deixa, no plano normativo, de estabelecer regimes particulares de tributação e, como tal, trata de forma dissemelhante situações submetidas ao mesmo imposto. Ainda que as medidas de fomento previstas visem atingir fins ou interesses social e economicamente valiosos e, por isso, não se traduzam em discriminações arbitrárias sem fundamento jurídico algum.
Deste modo, se os benefícios fiscais já configuram um afastamento das regras que asseguram a tributação em função da capacidade contributiva, as exigências do princípio constitucional da igualdade não se traduzem no obstáculo à previsão de regimes fiscalmente privilegiados.
Consequentemente, a questão da violação do princípio da igualdade deve colocar-se nos benefícios fiscais que se alicerçam em normas de conduta cujo respeito produz efeitos fiscais, relativamente às condições de acesso e não em relação aos contornos em que são previstos.
O acesso ao benefício fiscal em apreço depende do comportamento do sujeito passivo, que é livre de optar por preencher as condições normativamente estabelecidas e assim beneficiar deste, ou não as cumprir e não usufruir da medida. E se os efeitos do benefício fiscal se modificarem consoante o momento do preenchimento das suas condições, dependerá da voluntas do sujeito passivo optar pelo preenchimento destas, de forma que lhe permita optimizar os seus efeitos.
Assim, nos benefícios fiscais dependentes das opções dos sujeitos passivos não existirá o tratamento discriminatório ofensivo do princípio da igualdade pela norma que estatui esses efeitos, mas apenas se houver distinção arbitrária e sem fundamento jurídico algum nas condições de acesso.
Revertendo tal interpretação para os autos, verifica-se que não existe qualquer discriminação arbitrária nas condições de acesso ao benefício fiscal em análise. Os distintos efeitos que se podem verificar na majoração são imputáveis às escolhas do sujeito passivo e não a uma lei discriminatória».
Não pode sequer considerar-se que a solução legislativa, na interpretação que subscrevemos, seja arbitrária, uma vez que, numa opção tão legítima como razoável, coloca na disponibilidade do contribuinte a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal, como sucede em tantas outras situações.
Em suma, a decisão recorrida não merece censura.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos.

II - Nos benefícios fiscais que dependem de um comportamento do contribuinte, que pode livremente optar por preencher as condições legalmente estabelecidas para deles usufruir, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não em relação aos contornos em que são previstos.

III - Assim, não há tratamento discriminatório, nem sequer arbitrariedade da solução legal, se é colocada na disponibilidade do contribuinte a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, negar-lhe provimento.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 8 de Maio de 2019. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) por vencimento – Ana Paula da Fonseca Lobo, vencida pelas razões constantes do voto de vencido apresentado pelo Sr. Cons. Ascensão Lopes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva - António José Pimpão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes (vencido nos termos do voto que anexo).


Votei vencido porquanto:

Processualmente verifica-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira, (AT) inconformada com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral, em 20 de julho de 2017 no processo n° 662/2016-T, veio nos termos do disposto no art.° 25°, n°2 e 4, do regime jurídico da arbitragem tributaria aprovado pelo Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro apresentar recurso para uniformização de jurisprudência, invocando contradição entre esta decisão arbitral e o acórdão fundamento da secção do CT do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 12/06/2014, no âmbito do processo n° 07437/14.

A questão de direito em análise prende-se com a interpretação das normas ínsita nos n°s 3 e 5 do art. 19º do EBF, isto é, a de saber se o limite máximo da majoração anual deverá aplicar-se em absoluto ou, como se defende, proporcionalmente, por referência ao período de vigência do contrato que está subjacente à concessão do benefício fiscal.

DO MÉRITO E DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO:
Estamos face a dois processos cuja matéria de facto revela que duas entidades empregadoras distintas suportaram encargos com a criação líquida de emprego, sendo que, em ambos os casos, apuraram encargos dedutíveis em montante superior, por aplicação do limite da majoração anual de forma absoluta em cada um dos seis exercícios em que se reflectiu o contrato em causa. Ou seja: para efeitos de (IRC), as sociedades consideraram custos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos no valor (majorado) de 150% durante seis exercícios relativamente a 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado por cada posto de trabalho fixado, o que é desde o início contestado pela Administração Fiscal.

Mas, enquanto que na decisão fundamento se entendeu indevida esta actuação declarativa, na consideração de que o limite “anual” da majoração previsto no n.° 2 do art. 17.° do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.° 3, e ser consentâneo com este, só assim se garantindo a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, como prescrito pelo art. 9.° do Código Civil. Pelo que, o limite máximo previsto para a “majoração anual”, deve também ser objecto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos) nos termos do art. 279°, alínea c) e art. 296°, ambos do Código Civil), o que implica o ajuste proporcional dos custos nos anos inicial e final do contrato de trabalho quando este não seja inteiramente coincidente com o início e fim do ano civil;

Já na decisão recorrida se considerou que o beneficio fiscal previsto no art. 19.° do EBF admitia tal quantificação de custos não devendo estes ser ajustados proporcionalmente, na fixação do limite máximo da majoração, naquelas hipóteses em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, tendo entendido que o limite da majoração anual deve ser aplicado in toto em cada um dos seis exercícios em que se reflectem os cinco anos de contrato de trabalho que está subjacente à atribuição do benefício fiscal.

A questão não é pacífica no próprio CAAD, tendo sido entendido nas decisões n°s 212/2013-T de 26/02/2014 e n° 628/2016-T de 06/04/2017 que “o legislador não pretendeu que fosse apurada uma majoração proporcional ao período de vigência dos contratos de trabalho no exercício inicial e final” mas decidiu-se em sentido diverso/oposto na decisão arbitral n° 129/2016-T de 16/10/2016.
A decisão recorrida do CAAD, sublinha-se, acabou por considerar que não se impunha uma interpretação que considerou ser restritiva dos termos legais expressos no art° 19° do EBF em vigor a 31/12/2013 e que uma vez que o art° 18° n° 1 do CIRC impõe que a determinação do lucro tributável seja feita de acordo com cada período de tributação deve ser por referência ao último dia de tributação que o sujeito passivo se encontra obrigado a apurar os encargos que estão contabilizados como custos do respectivo exercício incluindo os que foram suportados com trabalhadores que preencham as condições do n°1 do art° 19º do EBF. E concluiu que o montante total que estiver contabilizado como custo do exercício é majorado, para efeitos fiscais em 50% afastando a tese da majoração anual proporcional à duração dos contratos de trabalho o que teve como consequência ter sido julgado procedente o pedido apresentado por EDP- Energias de Portugal, de anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa na parte impugnada.

Por sua vez, a ora recorrente AT não se conforma com a decisão do CAAD apresentando argumentação, nos termos supra destacados, sendo a mais pertinente a que expressa na conclusão o) do seu recurso onde sustenta que, o benefício fiscal ora em causa pressupõe, para além do mais, a vigência de contrato de trabalho e que dos números 3 e 5 do art° 19° do EBF resulta que o benefício tem uma duração de cinco “anos” (e não cinco exercícios) a contar da vigência do contrato de trabalho. E que assim sendo, o legislador pretendeu que o benefício, em vez de vigorar por seis exercícios fiscais, vigorasse antes por cinco anos.

A nosso ver a razão está com a decisão proferida no acórdão fundamento e por isso concederíamos provimento ao recurso da AT pelas seguintes razões:

A questão de saber se a majoração dos custos com contratos de trabalho deve ser pelo valor total em cada um dos seis exercícios em que se reflecte o contrato de trabalho de cinco anos ou apenas proporcional à duração ou vigência dos contratos de trabalho nos anos em que o seu início e fim não coincidam com o começo e o terminus do ano civil ou exercício económico -fiscal, tem de obter a resposta de que deve ser proporcional, (a questão a decidir é a de saber se o limite da majoração anual prevista no nº 3 do art. 19º do EBF é aplicável proporcionalmente nos exercícios de início e fim do contrato de trabalho, quando o período de cinco anos não coincide com o período de tributação) desde logo pela expressão literal e legal dos preceitos que devemos considerar e que passaremos a destacar, sob pena de se fazer interpretação extensiva (que deve ser restringida ao máximo em matéria de benefícios fiscais) com a patente e óbvia consequência de fazer estender por um significativo período temporal a aplicação do benefício fiscal em causa, quando o legislador de forma clara e precisa expressou na letra da lei os limites do benefício que a todos obriga. Ademais, segundo cremos esta é interpretação que melhor respeita o seu espírito e atende à unidade do sistema jurídico, no seu conjunto, como melhor se fundamentará infra.

É o que resulta a nosso ver do quadro legal que teve a seguinte evolução e é o seguinte

Na versão original do D.L. n° 215/89 de 01/07 que instituiu o Estatuto dos Benefícios Fiscais não era prevista qualquer majoração para a criação de emprego jovem.

A Lei n.° 72/98, de 3 de Novembro, introduziu no Estatuto dos Benefícios Fiscais um art. 48°-A, com a seguinte redacção:

criação de empregos para jovens

1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 -- Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o ordenado mínimo nacional.

Com a renumeração operada pela Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho, este artigo passou a ser o art. 17° do E.B.F.

Mais tarde a lei 72/98 de 3 de Novembro introduziu no EBF um artigo 48°- A com a seguinte redacção:
Artigo 48.°-A

Criação de empregos para jovens

1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o ordenado mínimo nacional.

Com a renumeração operada pela Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho, este artigo passou a ser o art. 17° do E.B.F e o preceito tinha a seguinte redacção:

“1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 -- A majoração referida no n.° 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.”

A Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro (LOE para 2003), alterou a redacção daquele n.° 2 do dito art° 17° o qual passou a dispor:
“2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.”

O art. 17.º, n.° 3 (na redacção anterior à da Lei 10/2009, de 10/03) estabelecia que a majoração “tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.”


Estabelecia o artº 19º do EBF em 31/12/2013 (na redacção da Lei n.º 55-A/2010 - Diário da República n.º 253/2010, 1º Suplemento, Série I de 31/12/2010 com início de vigência em 01/01/2011) que:

Criação de emprego

1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150% do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:

a) “Jovens” os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;

b) “Desempregados de longa duração” os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;

c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;

d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.

3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.

4 - Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal.

5 - A majoração referida no n.° 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.
6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.° do Código do IRC.


Está pois em causa apenas a melhor interpretação dos referidos ditames legais.

Vejamos:

Como se expressou no ac. deste STA de 29/11/2011 tirado no recurso nº 0701/10:

Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.

Na interpretação da lei, o seu aplicador não deve cingir-se à letra da lei mas o pensativo legislativo a que o intérprete chegue tem de conter um mínimo de correspondência verbal (artº 9º do Código Civil).

A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.

O primeiro, são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).

O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete.

A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
Temos de pensar que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e se serviu do vocábulo jurídico adequado e que o legislador se dirige a todos os cidadãos, sendo necessário que o entendam (sobre esta matéria cfr. i.a.: Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, pág. 163; Castanheira Naves, Interpretação Jurídica, págs. 362/363; Baptista Machado, Introdução ao Direito, pág. 182; Oliveira Ascensão, O Direito, págs. 406/407; Santos Justo, Introdução ao Estudo de Direito, 4ª ed., págs. 334 e ss.).

O nosso legislador (art° 9° do CC) consagra o elemento literal como ponto de partida da interpretação ao referir que “a interpretação deve...reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo” (n°1), estabelecendo a função negativa ao afirmar que o intérprete não pode considerar aquele pensamento “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” (nº2) e reconhecendo a função positiva, quando determina que o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n°3) (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, Introdução ao Estudo de Direito, 2ª ed., págs. 57/58; Neves Pereira, Introdução ao Direito e às Obrigações, 3ª ed., págs. 229 e ss; Heitor Consciência, Breve Introdução ao Estudo do Direito, 3ª ed., revista, págs. 43 e ss.).
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal…” .“ (CC Anotado, vol. 1° 4 ed., págs. 58 e 59).
Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a lógica.

Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis)(…)”.

Acresce referir ainda, que o artº 2º, nº 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Julho dispõe que:


Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.

Assim, entendemos que tratando-se de medidas excepcionais, o legislador tem de usar linguagem precisa nas normas que concedem os benefícios, utilizando os conceitos que usa no sentido tradicional.

Acresce, finalmente, reiterar que em matéria de benefícios fiscais não pode o intérprete integrar lacunas com recurso à analogia e não deve efectuar interpretação extensiva salvo casos muito restritos.

Expostas estas linhas sobre a interpretação das normas passamos a apurar o sentido do preceito em questão supra citado (art° 19º nº 5 do EBF).

E, desde logo, temos de expressar que sendo exacto que do preceito acabado de referir, não resulta qualquer estatuição de redução proporcional ao período de vigência dos contratos de trabalho no ano do exercício em que se iniciam e findam, a verdade é que dessa alegada omissão não se pode, a nosso ver, depreender o efeito contrário ou seja que a mesma não é de aplicar e que o benefício se fiscal se quantifica temporalmente por seis exercícios económicos, pois que esta interpretação alteraria por completo o sentido literal da norma quanto aos resultados temporais do benefício que o legislador quis de forma clara estabelecer num período temporal de apenas cinco (5) anos e não seis (6), como resulta na prática da interpretação do acórdão recorrido, resultado que não tem na lei o mínimo de expressão, antes pelo contrário. Acresce referir que o preceito indica o início da contagem do período de 5 anos (“a contar do início da vigência do contrato de trabalho”) e por consequência o seu fim pois que o prazo de anos se conta nos termos do art° 279° aI. c) do C. Civil. De facto, se o dies a quo do benefício fiscal é a data do início da vigência do contrato de trabalho, então, o dies ad quem será o último dia do prazo de cinco anos, que se conta a partir daquela data, de acordo com as regras de cômputo do termo fixadas nos termos do preceito legal acabado de referir devidamente conjugado com o art. 296.° do Código Civil. E é exacto, como se afirma no acórdão fundamento que o benefício fiscal ora em causa pressupõe, para além do mais, a vigência de contrato de trabalho, pelo que, em data anterior à celebração do contrato de trabalho não há benefício fiscal, tal como não o há passados 5 anos da celebração desse contrato.

Assim sendo, a regra da proporcionalidade reclamada pela recorrente AT configura-se em substância como uma consequência da não coincidência, na maior parte das vezes, do início e fim do contrato de trabalho com o começo e termo do ano civil e não é mais do que uma operação aritmética na lógica e ordem das coisas, determinada, necessariamente, pelos limites temporais do benefício fiscal de “cinco anos” previsto no art° 19º n°5 do EBF.

Ponderado que foi o elemento literal que se nos afigura de meridiana clareza importa no entanto analisar se outros elementos têm o potencial de conduzir a interpretação distinta da seguida no acórdão fundamento.

Mas não se vislumbra tal potencialidade.

Quanto à finalidade legislativa que justifica o benefício consistente no estímulo ao emprego através do fomento de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, em que o vínculo jurídico com a entidade patronal seja dotado de estabilidade e segurança, este elemento (teleológico) não é decisivo por ser de facto compatível com qualquer das interpretações em confronto, e o relevo do elemento histórico a existir só pode ser para justificar a maior propensão do legislador para uma maior limitação da substância/montante quantitativa do benefício, que nos leva a compreender melhor (na interpretação que fazemos aqui) a opção pela sua extensão por um período de cinco anos contados nos termos da lei civil em detrimento da sua extensão a seis anos de exercícios económicos, interpretação que sempre estaria em contraciclo com a evolução legislativa. De facto, da interpretação conjugada do art° 48°-A do EBF e do art° 17° do mesmo diploma na redacção dada pela Lei n° 32-B/2002 resulta que foi alterado o critério delimitativo do valor máximo dos encargos mensais para um novo critério delimitativo do valor máximo da majoração anual. Até 2002 são os encargos a beneficiar da majoração que não podem exceder um determinado limite, eram os encargos a majorar que não podiam exceder 14 vezes o salário mínimo nacional. Depois de 2002 é a própria majoração sobre os encargos que não pode ultrapassar esse limite de 14 vezes o salário mínimo nacional. E, daí a expressão do ac. 0283/12 deste STA de 16 de Maio de 2012 onde se pode ler:

“(...) A interpretação da recorrente só tem fundamento com a nova redacção em vigor a partir de 2002, já que, aí sim, se estabelece um montante da máximo da majoração anual e não um montante máximo de encargos mensais.

Neste caso, o montante máximo a deduzir como custo fiscal tem como limite o montante equivalente a 14 vezes o salário mínimo nacional.

Daqui resulta então uma clara intenção legislativa de reduzir aquele benefício fiscal, não sendo, no entanto, esta última redacção da norma aplicável ao caso dos autos.(...)”

Finalmente, quanto ao elemento sistemático ainda que não se vislumbre situação equivalente que possa ser tomada para participar decisivamente na interpretação do artigo 19º n° 5 do EBF considerado este como parte de um todo, ou seja parte do sistema uma vez que o benefício fiscal é tipificado para uma dada situação concreta autónoma, verificados que sejam os respectivos pressupostos e uma vez que apenas está em causa o seu quantum ou extensão por aplicação de regras de cálculo, sempre se dirá que é pertinente a argumentação contida no acórdão fundamento quando expressa que:

(...) Deste modo, o limite “anual” da majoração previsto no n.° 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.° 3, e ser consentâneo com este, uma vez que, só assim se garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.° do Código Civil, aplicável ex vi, art. 11.°, n.° 1 da LGT).

Assim sendo, como o limite máximo previsto no n.° 2 se reporta a uma “majoração anual” o termo “anual” deve também ser objecto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos previsto no n.° 3) ou seja, se inicia no primeiro dia de vigência do contrato e termina no último dia dos cinco anos a contar daquela data (termos do art. 279.°, alínea c) e art. 296.°, ambos do Código Civil).

O que significa que, o n.° 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado no sentido de estabelecer o limite máximo de majoração de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite máximo reporta-se à “majoração anual” de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e deste modo, deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, garantindo, deste modo, a coerência e unidade do regime jurídico do benefício fiscal em causa, não contrariando, esta interpretação, o disposto no artigo 10.º do EBF(...).”

Também se afigura pertinente a expressão do acórdão do CAAD tirado no recurso n° 129/2016T de 16/10/2016 o qual é dissonante da decisão recorrida, onde se expressou:

“(...) O mesmo nos parece que deva suceder com o facto de as empresas criarem postos de trabalho em meses diferentes no ano. E isto porque, embora a lei se refira à “criação líquida” de postos de trabalho, e com isso procure incentivar o emprego e a estabilidade no emprego, parece claro que o bem-estar social emergente dessa criação é igual, independentemente da altura do exercício fiscal do empregador em que esse emprego for criado, pois é igual o efeito benéfico que a medida de incentivo fiscal proporciona à sociedade em geral, contanto a relação de emprego se prolongue pelo mesmo período de tempo.

Acresce, neste mesmo sentido, que a lei fala em montante “máximo” da majoração anual, inculcando a ideia de que o valor dessa majoração é variável, podendo ser inferior, e conquanto não exceda um montante que, no limite, corresponde a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida. É nestes termos que nos parece que o preceito deve ser interpretado tomando por base estes pressupostos valorativos que, a nosso ver, corporizam a sua verdadeira mens legis. Pois que toda a norma ou o regime legal repousa numa ratio juris, requerendo-se que seja entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado pretendido, do ideal de justiça nela vertido[3].

Assim sendo, como, crê-se, não pode deixar de ser, considera-se que o elemento racional ou teleológico da interpretação aponta efectivamente para uma interpretação que restrinja o alcance do benefício fiscal,(...)”

Aqui chegados, afigura-se-nos que a ponderação dos elementos, literal, histórico sistemático e teleológico, na forma supra exposta e, destacados no acórdão fundamento, afastam a interpretação não restritiva efectuada pela decisão arbitral sob recurso, a qual não tem na letra da lei correspondência verbal o que ditaria a necessidade de anular a mesma decisão, pelo que concederíamos provimento ao recurso e uniformizaríamos a jurisprudência com o seguinte sentido:

Na quantificação da majoração prevista no n° 1 do art° 19 do EBF deve ter-se em conta a duração efectiva dos contratos de trabalho no ano do seu início (admissão) e no ano do seu termo (extinção) sendo que o prazo previsto no n° 5 do mesmo preceito se inicia no primeiro dia de vigência do contrato e termina no último dia dos cinco anos a contar daquela data nos termos do art. 279.°, alínea c) e art. 296.°, ambos do Código Civil. Esta interpretação autoriza e determina que o limite da majoração anual prevista no n° 3 do art. 19° do EBF é aplicável proporcionalmente nos exercícios de início e fim do contrato de trabalho, quando o período de cinco anos não coincide com o período de tributação.


Lisboa, 08.05.2019
Ascensão Lopes