Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01134/09
Data do Acordão:03/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:PAGAMENTO DA DÍVIDA EXEQUENDA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I - O pagamento da dívida exequenda, quando posterior à respectiva instauração, conduz à extinção da execução por despacho do competente órgão de execução fiscal, o que, ocasionando a perda de objecto para a oposição deduzida, justifica, em regra, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
II - Só não acontecerá nos casos em que a oposição à execução fiscal tenha por objecto a impugnação do acto de liquidação, designadamente quando o oponente vise imputar àquele acto uma ilegalidade abstracta (alínea a), n.º 1 do artigo 204.º do CPPT) e quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (alínea h) do mesmo normativo).
Nº Convencional:JSTA00066333
Nº do Documento:SA22010031001134
Data de Entrada:11/16/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART203 ART204 N1 ART264 N1 ART270.
CPC96 ART287 E.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED PAG89 PAG323.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificada nos autos, não se conformando com o despacho da M.ma Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que, com fundamento na extinção da execução decorrente do pagamento da dívida exequenda, declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, dele vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
Primeira: A Oponente foi notificada do despacho que declarando estar pago o imposto, foi o processo executivo julgado extinto por inutilidade superveniente da lide.
Segunda: Ora, apesar do pagamento efectuado, por penhora da sua conta bancária, a oponente NÃO RENUNCIOU, à verificação do seu direito, quanto ao objecto do recurso.
Terceira: O Art.º 204º do CPPT refere que a oposição poderá subsistir se:
204° (...)
b) Inexistir o imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor e à data dos factos a que respeita a obrigação, ou inclusive, não estar autorizada a sua cobrança.
Quarta: Ora, no caso em apreço, o imóvel em apreciação estava classificado pelo IPAAR como de Interesse Público pelo Instituto do Património Arquitectónico e, consequentemente, ISENTO DO PAGAMENTO DE SISA, ao abrigo do Estatuto dos Benefícios Fiscais, (alínea g) do artº 6° do CIMT).
Quinta: Ora, estando isento, não deviam, NUNCA, os Serviços de Finanças 3, de Lisboa, efectuar a penhora da sua conta bancária, com recurso à figura do abuso de direito.
Sexta: E a questão que a oponente pretende ver declarada com o seu Recurso, é a de que estava isenta do pagamento da dita SISA.
Sétima: E nem se pode dizer que a oponente efectuou o pagamento voluntário da SISA, porquanto, foi coagida a esse pagamento por via da penhora da sua conta bancária, pelo que não colhe, em nossa opinião, a argumentação da simples remessa para os efeitos dos art°s 264º nº 1 e 269° do CPPT.
Oitava: A oponente, repete-se NÃO ABDICOU NEM RENUNCIOU À APLICAÇÃO DO SEU DIREITO, nem pagou de livre e espontânea vontade, a SISA, já que o imóvel em apreço, dela estava isento.
2 – A Fazenda Pública não contra-alegou.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Objecto: Saber se, paga a quantia exequenda, deve declarar-se extinta, por inutilidade superveniente da lide, a oposição à execução.
FUNDAMENTAÇÃO
Na informação de fls. 27 dos autos consta ter a oponente sido notificada para efectuar o pagamento da sisa adicional, sendo informada que, contra essa liquidação, poderia, caso entendesse, deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial.
A recorrente, nas conclusões das suas alegações de recurso, pretende a subsistência da oposição, mesmo tendo em conta o pagamento da quantia exequenda e a extinção da execução, com fundamento na alínea a) do artigo 204º do CPPT, ou seja por inexistir o imposto, taxa ou contribuição, nas leis em vigor e à data dos factos a que respeita a obrigação, ou inclusive, não estar autorizada a sua cobrança.
O que se prevê naquele dispositivo legal como fundamento da oposição é a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita, ou seja, aquilo que doutrinária e jurisprudencialmente se qualifica por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação.
Mas, o próprio recorrente, nas citadas conclusões das alegações de recurso admite a existência do tributo, quando afirma que “a questão que a oponente pretende ver declarada com o seu recurso, é a de que estava isenta do pagamento da dita SISA”
Improcede assim este fundamento de oposição à execução.
De qualquer modo, uma vez extinta a pretensão executiva na pendência da oposição, como sucede no caso sub judice, esta torna-se impossível, por perder a sua finalidade de oposição ao exercício do direito de crédito da exequente. Porém, nos casos em que a oposição à execução fiscal é tida como meio processual adequado para reagir perante uma decisão ilegal da qual não caberá via de reacção diversa, como sucede nos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.° do CPPT, a oposição pode subsistir mesmo encontrando-se extinta a execução subjacente.
Será este o caso? Parece-nos que não. Na verdade o que se prevê nestas situações como fundamento da oposição é a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
No caso concreto, quando foi efectuada a liquidação adicional da SISA, a recorrente foi da mesma notificada e informada de que podia reclamar ou impugnar judicialmente aquele acto. Tendo-lhe sido dada a oportunidade de impugnar o acto de liquidação, está-lhe agora vedada a possibilidade de discutir em sede de oposição a legalidade do mesmo. Isso só poderia acontecer se estivéssemos perante uma situação de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, o que não acontece seguramente na situação em apreciação, como anteriormente ficou referido.
CONCLUSÃO
Em nosso entender o recurso não merece provimento.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- O despacho recorrido tem o seguinte teor integral:
“Os presentes autos de oposição foram deduzidos por A… (Processo de execução fiscal n° 3085200501021222 do Serviço de Finanças de Lisboa 3), contribuinte n° 169938956, residente na Calçada do …, n° .., … Lisboa, que veio pedir a anulação do processo executivo, e em consequência, ser sustada a penhora, em virtude de inexistir a dívida de IMT.
Pelo Ofício n° 19635 de 2008-11-20 do Serviço de Finanças de Lisboa 3 (fls. 46 dos autos), fomos informados que o processo de execução fiscal supra referido instaurado em nome de A…, foi extinto por pagamento voluntário em 28/03/2008.
Uma vez que se encontra paga a quantia exequenda e consequentemente extinto o processo de execução fiscal, os presentes autos perderam o seu objecto.
Assim, e constatada a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 264°, n.º 1 do Código do Procedimento e Processo Tributário e art. 287° al. e) do Código do Processo Civil, ex vi, al. e) do art. 2° do CPPT, declaro extinta a instância.
Custas pela oponente.
Registe e Notifique.”
5- A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se, “in casu”, uma vez extinta a execução fiscal em resultado do pagamento dívida exequenda, permanece útil a oposição contra ela deduzida pela ora recorrente.
No sentido da inutilidade dessa lide se entendeu no despacho sob recurso, contra o que se insurge a recorrente para o que, em suma, alega que encontrando-se isenta do pagamento da sisa que fora liquidada, uma vez que o imóvel a que se referia se encontrava classificado pelo IPAAR como de interesse público, o que estaria em causa na oposição que deduzira seria a própria inexistência desse imposto, fundamento previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT.
Vejamos.
Constitui entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que o pagamento da dívida exequenda, quando posterior à instauração da execução, conduz à extinção da execução por despacho do competente órgão de execução fiscal (artigos 203.º, 264.º, n.º 1 e 270.º do CPPT), o que, ocasionando a perda de objecto para a oposição de deduzida, justifica, em regra, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Só assim não acontecerá nos casos em que a oposição à execução fiscal tenha por objecto a impugnação do acto de liquidação, designadamente quando o oponente vise imputar àquele acto uma ilegalidade abstracta (alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT) e quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (alínea h) do mesmo normativo) -ver Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, anotação 10 ao artigo 160.º do CPPT, a fls. 89.
A primeira das hipóteses configuradas como passíveis de conferir utilidade à lide de oposição à execução fiscal, usualmente qualificada por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, exige a ausência em absoluto do pressuposto normativo, ou seja, o acto de liquidação não tem por suporte qualquer lei em vigor
Como impressivamente afirma Jorge Lopes de Sousa, ob. citada, a fls. 323 “-…, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside no acto que faz aplicação da lei no caso concreto, mas antes na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado”.
Voltando à situação dos autos, ao contrário do que defende a recorrente, o que a oponente, ora recorrente, alega não é a inexistência de lei que preveja o imposto de Sisa, mas antes a aplicação em concreto do mesmo no acto de liquidação ao entender que do seu pagamento se encontrava isento, apenas, assim, questionando a respectiva ilegalidade neste quadro.
Daí que afastada fique a possibilidade da recorrente à luz da referida alínea a) fundamentar a oposição que deduzira e, por essa forma, defender a persistência da utilidade de lide, não obstante a extinção da execução.
Por outra parte, certo é ainda que a recorrente também não poderá beneficiar da previsão normativa constante da alínea h) para fundamentar a oposição, uma vez que na altura em que foi notificada da liquidação adicional da Sisa foi-lhe desde logo proporcionado o ensejo de a impugnar judicialmente ou deduzir reclamação graciosa (cfr. fls. 27).
Bem se andou, pois, no despacho sob recurso ao concluir pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 287.º alínea e) do CPC):
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, o despacho recorrido.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 10 de Março de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do Vale – Jorge Lino.