Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01094/17
Data do Acordão:09/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IRS
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
OPÇÃO
Sumário:O regime geral de tributação (art. 28º do CIRS) é o da contabilidade e o regime da tributação pelo regime simplificado sempre será supletivo, desde que não haja opção ou condições obrigatórias de enquadramento no regime da contabilidade.
Nº Convencional:JSTA000P23571
Nº do Documento:SA22018091201094
Data de Entrada:10/10/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por ………., com os demais sinais dos autos, contra a liquidação de IRS respeitante ao ano de 2012, no montante de € 13.571,82.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A) Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto do sentido preconizado pela douta decisão recorrida o qual, salvo melhor opinião e com todo o respeito pela orientação vertida, se nos afigura derivar da incorrecta percepção e valoração sobre o que foi a qualificação jurídica dada pela Autoridade Tributária à luz dos regimes de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, previstos e articulados no art.º 28° do CIRS, densamente retratado pela doutrina mais avisada.
B) A sentença recorrida faz uma distinção sobre o que é estar enquadrado num tipo de regime de tributação por força da lei (ou seja, por cumprimento de limites objectivos previstos no seu n° 2 na redacção dada à data dos factos), ou, pelo exercício da opção - mas daí não extrai qualquer tipo de efeito jurídico diferenciado.
C) Não há uma paridade perfeita que permita ao contribuinte optar por aquele que mais lhe aprouver, sem prejuízo de lhe ser dada o direito de recorrer a um regime dito de opção. A opção é una (contabilidade organizada), o regime-regra, esse, decorre da lei e dos limites aí previstos.
D) O exercício da opção é decisivo para apurar o regime aplicável, e se não se optou — o efeito que daí decorrer não poderá ser semelhante ao que é imputado a quem opta.
E) Sob pena de se cair inapelavelmente na antinomia só se pode falar em regime de opção (tal como é conceptualizado dogmaticamente pela doutrina unânime), se houver exercício pelo regime de opção!!! Inexistindo, o que há é um adequado enquadramento jurídico da situação tributária do sujeito passivo em função dos critérios objectivos previstos no n° 2, do art.º 28°, do CIRS.
F) Entender como entende a douta decisão recorrida, não suportada, aliás, seja em doutrina ou jurisprudência, é conformar-se com a completa perversão do regime previsto no art.º 28°, do CIRS, o qual, em termos abstractos, dá ao contribuinte a prorrogativa de optar pela contabilidade organizada se para o efeito a exercer mas que depois de ter iniciado actividade no regime simplificado e sem que em algum momento tenha assumido manifestação de vontade pelo regime de opção permite que ele por aqui se mantenha ad aeternum ao abrigo do n° 5 daquele preceito legal.
G) Admite-se que o mesmo se possa manter nas situações em que a opção tenha sido exercida, e isso é coerente porque materializa o respeito por um regime de opção. Mas o inverso, permanecer num regime que sendo de opção simplesmente não se aderiu (e que na óptica reflexa, o Prof. Saldanha Sanches haveria de dizer que não houve renúncia ao regime simplificado) — constitui, dogmaticamente, uma clara contradição do sistema.
H) O n° 3, do art.º 28° do CIRS marca uma linha (referente ao exercício da opção independentemente da verificação dos critérios previstos no n° 2 daquele preceito legal) que prevê a adopção de um regime que tem na sua base o exercício esclarecido da opção pela contabilidade organizada em detrimento do regime-regra. E no seu n° 4, especifica os instrumentos e o momento no seio dos quais se materializa esse exercício.
I) O douto tribunal a quo parece entender que, a inexistência de um comando normativo que à semelhança do que sucede para a cessação do regime simplificado regulasse a eventual cessação do regime pela contabilidade e a inexistência de qualquer limitação quanto ao período de permanência deveria desde logo ditar logo o seu enquadramento no regime de opção... que não optou…
J) Todavia, há ontologicamente um desequilíbrio consentido pelo legislador sobre o funcionamento dos regimes de tributação previstos e articulados nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 28°, do CIRS de apenas atribuir o direito de optar pela contabilidade organizada não permitindo semelhante prerrogativa, desta feita pelo regime simplificado, que decorre ope legis, e que é preciso respeitar.
L) O exercício do direito ao regime de opção não é uma mera formalidade, ele exprime uma vontade legalmente tutelada. Pelo que se o mesmo não foi exercido impõe-se a produção de um efeito que respeite a natureza e os princípios que norteiam o regime de tributação legalmente previsto.
M) Pelo que, mais uma vez, somos a concluir que incorre no manifesto anacronismo o exercício mental de reflexamente buscar nos normativos previstos para a cessação do regime simplificado a solução para o caso em apreço, especialmente quando a não opção pelo regime da contabilidade organizada não cria a necessidade de um normativo específico de cessação, pois que o próprio regime soluciona sistematicamente esta situação mediante o recurso ao n° 2, do art.º 28°, do CIRS.
N) Isto significa que, na óptica da AT, discutir a permanência num regime de tributação, à luz do regime previsto no art.º 28° do CIRS só faz sentido se houve exercício pelo regime de opção, doutro modo não se está lá verdadeiramente enquadrado em virtude da opção mas porque, como já alegámos, foram ultrapassados os limites objectivos previstos no seu n° 2.
O) A qual, de resto, vai manifestamente ao encontro da doutrina portuguesa mais avisada na matéria, e, sistematicamente em linha com as soluções que tem vindo a ser dadas por este Colendo Supremo Tribunal sobre a interpretação do regime de tributação previsto no art.º 28°, do CIRS.
Não tendo a douta sentença recorrida feito correcta interpretação do regime aplicável, ao arrepio do que se dispõe no art.º 28°, n.°s 2 e 3, do CIRS, forçoso é determinar a sua revogação e substituição por acórdão que, reconhecendo como melhor pronúncia a apreciação da matéria de direito sufragada pela AT - julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente declare [im]procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das alegações produzidas e das conclusões que antecedem que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correcção.

1.3. O Recorrido apresentou contra-alegações e concluiu como segue:
A - Sendo certo que o regime de contabilidade organizada para determinação dos rendimentos da categoria empresariais e profissionais, constante do art.º 28º do CIRS, não decorre apenas da opção do sujeito passivo, mas pode ocorrer por determinação da lei (n.º 2), por exigência legal de um período mínimo de permanência (n.º 5) ou por decurso do prazo mínimo nos casos de reinício de actividade (n.ºs 11 e 13), é incorrecto afirmar que a opção é decisiva para apurar o regime aplicável, como se faz nas conclusões D), E), H), I), L), M) e N) das alegações da AT, pelo que estas devem soçobrar.
B - Esquece a AT na interpretação que faz do art.º 28º do CIRS que há uma obrigatoriedade de permanência de 3 anos, para qualquer dos regimes, o que a lei consente em nome da regularidade e expectativa de tributação dos titulares dos rendimentos empresariais e profissionais em actividades de risco empresarial e profissional, podendo essa imposição legal ser alterada por opção pela contabilidade organizada, mas que não sendo alterada vincula a AT a respeitar esse período mínimo de permanência, como é ocaso dos autos.
C - Nas alegações da AT — conclusão E, esta parece não entender o efeito que o período mínimo de permanência, aplicável aos dois regimes (simplificado e de contabilidade), tem na interpretação do referido art.º 28º, mesmo quando a coerência desta forma de determinação do rendimento, no seu conjunto, o atesta pois, qualquer que seja o regime a aplicar ao caso da cessação de actividade seguida de reinício, a lei manda atender ao decurso do período mínimo de permanência, para declarar que o regime que há-de vigorar no reinício da actividade não será o que vigorava à data da cessação, sendo disso exemplo, as normas dos n.ºs 11 e 13 do art.º 28º do CIRS;
D - Não há qualquer perversão do regime do art°. 28° do CIRS na interpretação dada pela decisão recorrida, ao contrário do que sustenta a conclusão das alegações da AT, pois mesmo que se tenha iniciado a actividade no regime simplificado e acaso se não faça a opção pela contabilidade organizada, conferida pelo nº 5, o sujeito passivo pode não continuar “eternamente” naquele regime (simplificado), bastando para tal que se mostrem verificados os pressupostos do n°. 2 do art.º 28º , sendo, no entanto, de respeitar o período mínimo de permanência, imposto pelo n.º 5 da mesma norma, sendo esta a coerência do sistema;
E - Devemos acentuar, no entanto, que a interpretação veiculada pela AT, olvidando a obrigatoriedade do período mínimo de permanência, permite-lhe corrigir as declarações dos contribuintes quanto ao regime de tributação, de um modo discricionário quando o n.º 5 do art.º 28º do CIRS impõe à AT uma actuação vinculada, razão pela qual entendemos em sede de impugnação judicial que havia erro de violação de lei, sufragada pelo Tribunal Tributário e que se espera confirmada pelo STA;
F - Refira-se, lateralmente, que a obrigatoriedade do período mínimo de permanência imposta pelo n.º 5 do art.° 23º do CIRS, foi suprimido, por se ter dado nova redacção ao mesmo número, bem como foram revogados os n.ºs 11, 12 e 13 da mesma norma, pela Lei n.º 42/2016 de 2012, vigorando a partir de 2017, o que faz pensar que a AT não podia deixar de considerar aquele período mínimo na interpretação daquela norma em vigor à data dos factos julgados em 2012.
G - Da matéria de facto dada como provada resulta que:
- o Recorrente não optou pelo regime de contabilidade organizada, até 2012;
- foi ultrapassado qualquer um dos limites referidos no artigo 28.º n.º 2 do CIRS em dois exercícios consecutivos (2010 e 2011);
- num único exercício (2010) foi ultrapassado esse limite em montante superior a 25% desse limite;
- que o regime de permanência em qualquer dos regimes é de 3 anos (n.º 5 do art. 28.º do CIRS);
Pelo que é forçoso concluir, como o fez o Tribunal de primeira instância que a AT não podia deixar de enquadrar o Recorrente no regime da contabilidade organizada a partir de 1 de Janeiro de 2011 até 2013 e logo, no exercício de 2012, o regime de tributação era o da contabilidade organizada;
H - E, por tal, nenhuma censura deve ser feita à essa decisão, que afirma:
- “... aquele mínimo de permanência será objectivamente de aplicar qualquer que seja a forma de determinação do rendimento…”
- “…não estatuindo a norma qualquer restrição quanto à permanência do s.p. no referido regime, excepto nos casos em que o mesmo se encontre no regime simplificado e pretenda optar pela contabilidade organizada ...”;
- “…sem prejuízo da cessação da aplicação do regime simplificado por força do seu n.º 6…”
- “... inexistindo qualquer imitação quanto ao período de permanência do regime de contabilidade, pelo que se impunha a inclusão do imp.te no regime de contabilidade organizada naquele ano de 2012…”.
I - Quanto à escassez de jurisprudência salientada pela AT, nas suas alegações, ousamos referir e citar, em parte, o Acórdão n.º 0377/15, de 04.11.2015, do STA, que se pronuncia expressamente, pela aplicação do período de permanência de três anos, mesmo no caso de contabilidade organizada, cfr. último parágrafo do mesmo: “ No caso, o recorrido impugnante marido estava, por opção, a ser tributado, no triénio 2006/2008, de acordo com a contabilidade organizada e não tendo optado pela alteração desse regime no momento em que a poderia ter feito, tal regime mantém-se, pois que, como se viu e bem refere a sentença recorrida nos termos do n.º 5 do art. 28.º do CIRS, o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes o que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do n.º 4, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.”;
Termina pedindo a confirmação do julgado recorrido.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
« (…)
1. INTRODUCÃO
Inconformada, veio a Impugnada AT interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 23/03/2017, pelo M. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente procedente a presente impugnação e, em consequência, anulou o ato de indeferimento de enquadramento da Impugnante no regime de tributação com base na contabilidade, o ato tributário e os juros compensatórios apurados (cfr. a sentença recorrida, ínsita de fls. 68 a 72 e, ainda, as alegações juntas de fls. 88 a 94 do processo em suporte físico, de ora em diante designado como p. f.).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judicio, e, obviamente, das respetivas conclusões, que fixam e delimitam o thema decidendum submetido à apreciação deste Supremo Tribunal, a ora Recorrente AT veio imputar à decisão judicial recorrida erros de julgamento que incidiram sobre a matéria de direito, com o que, alegadamente, o tribunal a quo teria violado o disposto no artigo 28.º nº 2 e 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) [v. as Conclusões alegatórias, ínsitas a fls. 94 e verso do p. f.].
Vejamos, pois, se assiste razão à ora Recorrente nestas suas alegações.
II. DOS ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO
II. i. Veio, pois, a Recorrente AT insurgir-se contra o entendimento vertido na sentença recorrida, quanto à ocorrência in casu de erro nos pressupostos de direito que presidiram à liquidação de IRS referente ao ano de 2012, no valor de € 13.571,82.
Por sua vez, o Recorrido, nas suas contra-alegações veio bater-se pela manutenção da sentença recorrida, pugnando pela inverificação de qualquer erro de julgamento de direito.
A título perfunctório, o Ministério Público vem consignar que não adere à argumentação jurídica aduzida pela Recorrente, em prol da sua tese recursiva.
Efetivamente, nos termos do n.º 1 do mencionado preceito do CIRS, na redação então em vigor, a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade.
Por sua vez, o seu n.º 2 veio delimitar o âmbito de incidência do regime simplificado, por referência aos sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos limites aí fixados, relativos ao volume de vendas e ao valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria.
Todavia, os n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito vieram facultar aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado a opção pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade, a formular aquando da declaração de início de atividade ou até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento.
Acresce que, nos termos do seu n.º 5, o período mínimo de permanência, seja no regime simplificado, seja no de contabilidade organizada, é de três anos, prorrogável por iguais períodos, salvo se o sujeito passivo comunicar a sua alteração, ao abrigo do nº. 4.
Em adição, por força do seu n.º 6, “Cessa a aplicação do regime simplificado apenas quando algum dos limites a que se refere o n.º 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos”.
Delineados os contornos legais da quezília doutrinal que divide a Recorrente AT e o Recorrido, o Ministério Público vem enfatizar que esta disposição legal vem sendo debatida pela jurisprudência, mormente por este Colendo STA, e, ademais, decidida de forma pacífica, uniforme e consistente (assim, cfr., por todos, os doutos Acórdãos de 06/05/2009, de 23/06/2010 e de 12/03/2014, tirados nos Processos n.ºs 0127/09, 01032/09 e 0736/13, disponíveis in www.dgsi.pt/jsta).
Acresce que a Decisão do Tribunal Arbitral, de 08/01/2012, proferida no âmbito do Processo n.º 97/2012-T versou sobre um caso similar ao dos presentes autos, aí tendo sido aduzida a fundamentação a que o Ministério Público adere inteiramente e que, com a devida vénia, passará a transcrever: “(...) A Administração Tributária procedeu em 2009 ao reenquadramento no regime simplificado, “tomando em consideração os rendimentos auferidos e declarados em 2008, e na ausência de opção, nos termos dos n.ºs 4 e do art. 28.º do CIRS, foi o Requerente enquadrado no regime simplificado de tributação, com efeitos desde 01.01.2009.”
Certamente que não teve em conta a alteração introduzida ao artigo 28.º n.º 5 do CIRS pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do OE/2007) sobre o período mínimo de permanência de três anos, quer no regime geral da contabilidade, quer no regime simplificado de tributação.
E daí que a AT fale na ausência de opção, sendo certo que o Requerente não tinha que fazer qualquer opção em 2009, por estar a decorrer o período mínimo de 3 anos e, com base nesse fundamento legal, o Requerente não tenha apresentado qualquer declaração de opção pelo regime da contabilidade no referido ano de 2009.
E, portanto, nem o fato de no ano de 2008, segundo ano do período mínimo de três anos, o sujeito passivo Requerente auferir rendimentos inferiores a qualquer dos limites previstos no nº 2 do art. 28.º como foi o caso, o obrigava a ser tributado pelo regime simplificado em 2009.
O legislador do OE/2007 ao criar um período mínimo de três anos de permanência em qualquer dos regimes — simplificado ou da contabilidade — teve por intenção, em nosso entender, criar um período mínimo de estabilidade na sua forma de tributação durante, pelo menos durante 3 anos, no regime da contabilidade, avaliando, certamente, que uma vez adotada a contabilidade, isso implica determinados custos que não são irrelevantes e, portanto, não terá criado um regime de cessação da tributação pelo regime da contabilidade idêntico ao da cessação quando tributado pelo regime simplificado.
E tal como o contribuinte só pode alterar o seu regime no início do período seguinte e até 31 de março, se os seus proveitos do último ano do período ficarem aquém do desejado, também a Administração Tributária só o poderá reenquadrar no início do novo período de três anos, face aos proveitos do último exercício desse período, que é o exercício imediatamente anterior ao novo ciclo que se vai iniciar.
E também não se poderá esquecer que o regime geral de tributação é o da contabilidade e que o regime de tributação simplificado é supletivo, sempre que não haja opção ou condições obrigatórias de enquadramento no regime da contabilidade. (...)” (o sublinhado não consta do original, disponível in https://caad.org.pt).
II. 2. Retornando ao caso vertente, da factualidade dada como provada emerge que o Impugnante, desde 01/01/2008, se encontra enquadrado no regime simplificado e que, a partir de 01/01/2010, passou a ser tributado pelo regime de contabilidade organizada, com fundamento na ultrapassagem, no ano de 2009, do valor de inclusão nesse regime (vide o item A) dos factos provados, constante de fls. 69 do p.f.).
Mais resulta do probatório que o Impugnante, no ano de 2011, se manteve neste último regime e que, no ano de 2011, apresentou um volume de negócios no montante de € 112.184,85, mas não exerceu a opção pelo regime de contabilidade (cfr. a alínea B) da fundamentação de facto da sentença em crise, inserto a fls. 69 e 70 do p. f.).
Esse facto veio determinar o enquadramento pela Administração Fiscal no regime simplificado, a partir do ano de 2012, e a subsequente a liquidação de IRS do ano de 2012, na quantia de € 13.571,82, que foi impugnada nos presentes autos (v. os itens C) a F), ínsitos a fls. 7° do p. f.).
Analisada esta factualidade sob o prisma do artigo 28.º do CIRS, na redação então em vigor, forçosa se torna a ilação de que a AT desvalorizou, pura e simplesmente, e fez letra morta, também no caso em presença, do preceituado no seu n.º 5, escamoteando o facto de que in casu não se impunha ao Impugnante que, no ano de 2012, fizesse qualquer declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada.
Efetivamente, encontrava-se então a decorrer o período mínimo de anos previsto no já citado nº 5, razão pela qual o reenquadramento no regime simplificado, efetuado pela AT, a partir do ano de 2012, injustificado e ilegal.
A ser assim, a exegese que fez dessa disposição legal mostra-se à revelia, quer da letra, quer do espírito desse normativo e, daí, em infração às regras hermenêuticas consagradas no artigo 9º do Código Civil.
Ademais, pese embora a menção, pela Recorrente AT, dos doutos arestos deste Colendo STA que, na sua ótica, respaldariam a sua tese, ao Ministério Público afigura-se que, ao invés, a interpretação que defende aí não obteve acolhimento.
Destarte, de tudo o que vem exposto, se conclui que a sentença em apreço efetuou uma correta e adequada subsunção jurídica ao preceito legal convocado para a decisão e, consequentemente, interpretou e aplicou acertadamente a lei, devendo, como decorrência, ser mantida por este Colendo Tribunal ad quem.
III. CONCLUSÃO
Em suma e em conclusão, face à improcedência das conclusões das alegações da Recorrente AT, o Ministério Público emite parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, de que deverá ser mantida a sentença recorrida.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
«A) Desde 01.01.2008 a impugnante encontra-se enquadrada no regime simplificado de determinação dos rendimentos comerciais de comercialização de veículos automóveis ligeiros, tendo-se mantido neste regime por um período de dois anos, passando a estar sujeita a tributação pelo regime de contabilidade organizada a partir de 01.01.2010 por se entender que no ano de 2009 ultrapassou o valor de inclusão naquele regime de acordo com o limite ínsito no n° 2, do art.° 28°, do CIRS, em valor superior a 25% num único exercício. — cfr Informação dos serviços de fls. 38 e segs., do P.A apenso e fls. 17 e 18, do Proc. Rec. Hier. Apenso.
B) No ano de 2011 manteve-se no regime de contabilidade organizada por se verificar que no ano de 2010 teve um volume de negócios no valor de € 326.749,26, sendo que no ano de 2011 apresentou um volume de negócios no montante de € 112.184,85, e não tendo optado pelo regime de contabilidade, foi considerado como enquadrado no regime simplificado a partir do ano de 2012.- cfr. fls. 17 e 18, do Rec. Hier. apenso.
C) Após o envio da respectiva declaração periódica de rendimentos ao abrigo daquele regime de contabilidade organizada, e da determinação da Administração Fiscal no sentido de correcção da declaração para tributação pelo regime simplificado e concomitante correcção da primitiva declaração por si concretizada, foi efectivada a correcção dos elementos declarados e elaborada Declaração Oficiosa de rendimentos. — cfr. Oficio de fls. 17 e de fls. 8, DP de fls. 28 a 30, DP de fls. 32 a 34, do Proc. Recl. apenso aos autos.
D) Foi efectuada a liquidação do imposto ao contribuinte com base na determinação do rendimento tributável de acordo como o regime simplificado, do qual deduziu reclamação graciosa, no qual se insurge do rendimento que lhe foi apurado — cfr. requerimento de fls. 3 e segs., e Nota de liquidação de imposto de fls. 11, do Proc. Recl. apenso.
E) A reclamação graciosa referida supra mereceu despacho proferido em 31.10.2014, de indeferimento, devidamente notificado ao interessado, com base no entendimento que só nos casos em que o contribuinte formalize a opção pela contabilidade organizada é que permanecerá nesse regime e pelo período de três anos. — cfr. Decisão aposta sobre Parecer e Informação de fls. 58 a 60, do Proc. Recl. Apenso.
F) Da decisão da reclamação graciosa referida supra, o Imp.te interpôs recurso hierárquico, o qual mereceu decisão de indeferimento proferido em 18.09.2015, pela D.S. do IRS, com fundamento na inexistência de opção pelo regime de contabilidade organizada e não em resultado de inclusão do s.p. pelo regime de contabilidade organizada por imposição legal — cfr. Despacho aposto sobre Informação dos Serviços, de fls. 15 a 19, do Rec. Hier. apenso..

3.1. Enunciando como questão a decidir a de saber se o impugnante deve ser tributado segundo o regime simplificado ou segundo o regime da contabilidade organizada, relativamente ao IRS do ano aqui em questão (2012), a sentença concluiu pela aplicação deste último regime (contabilidade organizada) dado que, à data, a limitação ao período mínimo de permanência estabelecido no nº 5 do art. 28º do CIRS, se aplica indistintamente aos dois regimes de determinação dos rendimentos empresariais, não estatuindo a norma qualquer restrição quanto à permanência do sujeito passivo no referido regime, excepto nos casos em que o mesmo se encontre no regime simplificado e pretenda optar pela contabilidade, ao abrigo da 1ª parte do referido preceito legal, e sem prejuízo da cessação da aplicação do regime simplificado por força do seu nº 6, já que aquele mínimo de permanência será objectivamente de aplicar qualquer que seja a forma de determinação do rendimento e só nos casos aí apontados cessará a aplicação do regime simplificado, inexistindo qualquer limitação quanto ao período de permanência do regime de contabilidade; pelo que naquele ano de 2012 se impunha a inclusão do impugnante no regime de contabilidade organizada.
Sendo que, quanto aos juros compensatórios apurados, uma vez que não se verificou qualquer retardamento da liquidação do imposto devido, também não são devidos (art. 35° da LGT).

3.2. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, sustentando que o exercício da opção é decisivo para apurar o regime aplicável, assim já não sucedendo, contudo, no caso de não ter havido opção (se não se optou, o efeito que daí decorrer não poderá ser semelhante ao que é imputado a quem opta): discutir a permanência num regime de tributação, à luz do regime previsto no art.º 28° do CIRS, só faz sentido se houve exercício pelo regime de opção, pois, de outro modo, não se está enquadrado no regime em virtude da opção mas, antes, porque foram ultrapassados os limites objectivos previstos no n° 2 do mesmo normativo.
Apreciar, à luz desta fundamentação da AT, a legalidade da liquidação impugnada é, portanto, a questão a decidir.
Vejamos.

4.1. À data, o art. 28º do CIRS dispunha o seguinte [com as alterações introduzidas pela Lei nº 30-G/2000, de 29/12, do DL 198/2001, de 3/7 (que renumerou os arts. do CIRS), da Lei nº 109-B/2001, de 27/12, da Lei nº 32-B/2002, de 30/12, do DL nº 211/2005, de 7/12, e da Lei nº 53-A/2006, de 29/12]:
Artigo 28.º - Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais
1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:
a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;
b) Com base na contabilidade.
2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000. (Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade. (Redacção do DL 211/2005-07/12)
4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos: (Redacção da Lei 53-A/2006-29/12)
a) Na declaração de início de actividade;
b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações. (Redacção da Lei 53-A/2006-29/12)
5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido. (Redacção da Lei 53-A/2006-29/12)
6 - A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos. (Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
7 - Os valores de base necessários para o apuramento do rendimento tributável são passíveis de correcção pela Direcção-Geral dos Impostos nos termos do artigo 39.º, aplicando-se o disposto no número anterior quando se verifiquem os pressupostos ali referidos.
8 - Se os rendimentos auferidos resultarem de serviços prestados a uma única entidade, excepto tratando-se de prestações de serviços efectuadas por um sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o sujeito passivo pode optar pela tributação de acordo com as regras estabelecidas para a categoria A, mantendo-se essa opção por um período de três anos. (Redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)
9 - Sempre que da aplicação dos indicadores de base técnico-científica a que se refere o n.º 1 do artigo 31.º se determine um rendimento tributável superior ao que resulta dos coeficientes estabelecidos no n.º 2 do mesmo artigo, pode o sujeito passivo, no exercício da entrada em vigor daqueles indicadores, optar, no prazo e nos termos previstos na alínea b) do n.º 4, pelo regime de contabilidade organizada, ainda que não tenha decorrido o período mínimo de permanência no regime simplificado. (Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
10 - No exercício de início de actividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor anual de rendimentos estimado, constante da declaração de início de actividade, caso não seja exercida a opção a que se refere o n.º 3. (Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
11 - Se, tendo havido cessação de actividade, esta for reiniciada antes de 1 de Janeiro do ano seguinte àquele em que se tiverem completado 12 meses, contados da data da cessação, o regime de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais a aplicar é o que vigorava à data da cessação. (Aditado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro)
12 - O referido no número anterior não prejudica a possibilidade de a DGCI autorizar a alteração de regime, a requerimento dos sujeitos passivos, quando se verifique ter havido modificação substancial das condições do exercício da actividade. (Aditado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro)
13 - Exceptuam-se do disposto no n.º 11 as situações em que o reinício de actividade venha a ocorrer depois de terminado o período mínimo de permanência. (Redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)

4.2. Do disposto neste art. 28º do CIRS, resulta que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso de imputação prevista no art. 20º do mesmo código, se faz com base na aplicação das regras do regime simplificado ou com base nas regras do regime de contabilidade organizada (nº 1), ficando abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos limites indicados no nº 2 e não tenham optado pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade. Sendo que esta opção tanto pode ser formalizada e exercida logo na declaração de início de actividade, como pode ser formalizada e exercida em declaração de alterações a apresentar até ao fim do mês de Março do ano em que se pretenda alterar a forma de determinação dos rendimentos (nºs. 3 e 4).
De todo o modo, embora no nº 6 se preveja, em termos de mudança de regime de tributação, a cessação do regime simplificado, já no que se refere à cessação do enquadramento no regime de contabilidade organizada e consequente saída de tal regime de tributação, para efeito de transição para o regime simplificado, nada se diz: o enquadramento do sujeito passivo no regime simplificado de tributação obedece apenas às regras que constam do transcrito nº 2 do art. 28º, sendo que o período mínimo de permanência em qualquer dos ditos regimes, é de três anos, prorrogável por iguais períodos, salvo se o sujeito passivo comunicar a sua alteração (nºs. 4 e 5).
Aliás, também não pode esquecer-se que o regime geral de tributação é o da contabilidade (o regime de tributação pelo regime simplificado sempre será supletivo, desde que não haja opção ou condições obrigatórias de enquadramento no regime da contabilidade). Ou seja, como bem sublinha o MP, a única excepção que faz cessar o período mínimo de 3 anos é a que se encontra prevista no nº 6 do art. 28º relativamente à cessação do regime simplificado e à passagem obrigatória do contribuinte para o regime da contabilidade, que poderá ocorrer em qualquer momento do ciclo de três anos, quando verificados os respectivos pressupostos; o mesmo não sucedendo, porém, no caso contrário, pois que não há norma idêntica para a cessação da vigência da tributação pelo regime da contabilidade durante o ciclo mínimo de três anos que se encontre a decorrer.
No caso, vem provado que desde 01/01/2008 que o impugnante estava enquadrado no regime simplificado e que, a partir de 01/01/2010, passou a ser tributado pelo regime de contabilidade organizada, com fundamento na circunstância de ter ultrapassado, no ano de 2009, o valor que permitia a inclusão naquele primeiro regime.
No ano de 2011, mantendo-se integrado no regime da contabilidade organizada, apresentou um volume de negócios no montante de € 112.184,85, mas porque não exerceu a opção pelo regime de contabilidade, a AT veio a determinar o enquadramento no regime simplificado, a partir do ano de 2012, e a subsequente a liquidação de IRS do ano de 2012, na quantia de € 13.571,82, ora impugnada.
Ora, considerando o referido período mínimo de permanência de três anos, quer no regime geral da contabilidade, quer no regime simplificado de tributação e considerando que, como igualmente pondera o MP, o sujeito passivo não tinha que efectuar qualquer declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada em relação a 2012 (pois que estava então a decorrer o período mínimo de anos previsto no nº 5 do art. 28º), só pode concluir-se que pela ilegalidade do reenquadramento (operado pela AT) do sujeito passivo no regime simplificado, a partir do ano de 2012.
Aliás, e considerando até a actual redacção do nº 5 do art. 28º do CIRS, também não se vê que, no essencial, a interpretação sustentada pela recorrente haja obtido acolhimento por parte da invocada jurisprudência.
Em suma, tendo a AT procedido, oficiosamente, relativamente ao IRS de 2012, à determinação dos questionados rendimentos pelo regime simplificado, a liquidação sindicada sofre de vício de violação de lei, como bem se entendeu na sentença recorrida, que deve, assim, ser confirmada.
Improcedendo, portanto, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa,12 de Setembro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.