Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02256/19.6BEBRG
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26361
Nº do Documento:SA22020091602256/19
Data de Entrada:06/23/2020
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUNEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações

A………., LDA., melhor identificada nos autos, vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente o recurso por si interposto contra o despacho da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 27 de Outubro de 2019, que determinou o acesso às suas contas e documentos bancários, relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2016 e 31 de Dezembro de 2018.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos que negou provimento ao recurso e, em consequência, manteve a decisão da Sra. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que autorizou o acesso da Administração às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, com referência ao período compreendido entre 01/01/2016 a 31/12/2018.
O presente recurso versa sobre decisão de mérito e fundamenta-se exclusivamente em matéria de direito.
2. Da factualidade dada como provada nos autos, é inequívoco que o despacho de 29/04/2019 de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo do Director de Finanças de Viana do Castelo, não foi notificado à Recorrente.
3. E do número 1 do citado normativo legal resulta que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, como é o caso, só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, pelo que, decorre directamente da lei, nomeadamente do preceituado no artigo 36.º, n.º 1 do CPPT e artigo 77.º, n.º 6 da LGT, que tal omissão importa a ineficácia do despacho em referência.
4. E, se esse despacho é ineficaz, como efectivamente sucede, ou seja, não produz efeitos em relação ao sujeito passivo, isso significa que a pretendida prorrogação do prazo do procedimento de inspecção também não produziu os efeitos pretendidos, ou seja, não chegou a haver prorrogação.
5. E, se não houve prorrogação do prazo do procedimento de inspecção, isso quer dizer que este caducou findo o prazo de 6 meses fixado no artigo 36.º, n.º 2 do RCPITA, ou seja, no caso dos autos, em 14/05/2019.
6. Entende o Mm.º Juiz a quo que a omissão consubstanciada na falta de notificação do despacho de 29/04/2019 de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo do Director de Finanças de Viana do Castelo não impede a produção de efeitos desse mesmo despacho, porquanto a notificação que o n.º 4 do artigo 36.º do RCPITA exige se mostra assegurado mediante o conhecimento do ofício a que se alude no ponto 6) dos factos dados como provados – entendimento que se considera destituído de fundamento fáctico-legal e contra legem.
7. Tal como decorre do disposto no artigo 36.º, n.º 3 do RCPITA a possibilidade de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo não é arbitrária e apenas poderá acontecer desde que verificadas as circunstâncias elencadas nas várias alíneas do invocado normativo legal.
8. Ora, sem a notificação do despacho de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo, o sujeito passivo, neste caso, a Recorrente fica sem conhecer os fundamentos legais invocados para determinar a prorrogação em causa.
9. E, por conseguinte, fica igualmente a Recorrente impedida de poder reagir contra tal decisão, desde logo porque ignora em absoluto os respectivos fundamentos, perante quem, quais os meios de defesa e prazo para reagir – igualmente omissos na notificação em referência.
10. Sendo que, a lei é clara e inequívoca, quando preceitua que “as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado”.
11. A decisão de prorrogação do prazo de um procedimento inspectivo afecta os direitos e interesses legítimos do contribuinte inspeccionado que, por conseguinte, continuará sujeito a um procedimento inspectivo e respectivos actos de inspecção e, nomeadamente, ao cumprimento dos direitos e deveres que a lei impõe no âmbito do mesmo, susceptível de alterar a situação tributária do contribuinte.
12. Pelo que a notificação da prorrogação do prazo do procedimento inspectivo é uma notificação referente a um acto, assente numa decisão que carece de ser fundamentada nos termos da lei, que afecta os direitos e interesses legítimos do contribuinte.
13. E, assim sendo, encontra-se adstrita ao preceituado no artigo 36.º, n.º 2 do CPPT que rege quanto a tais notificações e dispõe que as mesmas devem conter “sempre” a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado e o que não sucede manifestamente.
14. Pelo que, jamais poderá entender-se que a notificação exigida pelo artigo 36.º, n.º 4 do RCPITA se mostra assegurada pela simples notificação-aviso dessa prorrogação, sem mais, nomeadamente desacompanhada da decisão de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo e respectivos fundamentos, meios de defesa e prazo para reagir.
15. Ao entender dessa forma, o Tribunal a quo não só viola frontalmente o disposto no artigo 36.º, n.º 2 do CPPT, como faz tábua rasa do dever legal e constitucionalmente consagrado que impende sobre a Autoridade Tributária de fundamentação das suas decisões, a qual, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de existir, ser clara, congruente, e contemplar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto e ter decidido da forma como decidiu, ao abrigo do disposto nos artigos 268.º da CRP, 21.º do CPT, 125.º do CPA e 77.º da LGT.
16. A exigência legal e constitucional de fundamentação dos actos tributários visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa”, cfr., excerto extraído do sumário do acórdão do STA, de 15-04-2009, processo n.º 065/09, disponível in www.dgsi.pt.
17. Pelo que, um acto apenas se encontra fundamentado quando um destinatário normalmente diligente ou razoável — uma pessoa normal (bonus pater familias) — colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o acto sindicado, fica em condições de conhecer o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do autor do acto, isto é, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão e os motivos pelos quais se decidiu em determinado sentido e não noutro qualquer.
18. Com a simples notificação-aviso da prorrogação do prazo do procedimento inspectivo, desacompanhada da respectiva decisão e respectivos fundamentos, meios de defesa e prazo para reagir, a Recorrente ficou impedida de conhecer o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do autor do acto, isto é, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão e os motivos pelos quais se decidiu em determinado sentido e não noutro qualquer.
19. Pelo que, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, ao decidir como o fez, se estribou numa errónea apreciação da matéria de Direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.
20. Pugna ainda o Tribunal a quo que “atendendo à notificação insuficiente, por falta de envio do despacho de prorrogação, assistia à Recorrente a possibilidade de recurso ao regime do art.º 37.º do CPPT (…)” e que “a irregularidade da notificação fica sanada pelo não uso do mecanismo do art.º 37.º do CPPT (…)” - também aqui – com o devido respeito – sem razão.
21. Em primeiro lugar, e tal como decorre do disposto no artigo 37.º do CPPT, nomeadamente quando refere expressamente “…pode o interessado…requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”, e assim o reconhece o Tribunal a quo, assistia à Recorrente a possibilidade de recurso a tal regime, ou seja, assistia à Recorrente a faculdade legal de o fazer e não o dever legal de o fazer.
22. Vale dizer que não resulta da lei a obrigatoriedade de recurso ao mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT.
23. Ademais, a lei é clara, nomeadamente resulta do preceituado no artigo 36.º, n.º 1 do CPPT e artigo 77.º, n.º 6 da LGT, relativamente às consequências jurídicas da falta de fundamentação: a decisão só produz efeitos em relação ao contribuinte quando lhe seja validamente notificada.
24. Ou seja, resulta da lei que tal omissão importa a ineficácia do acto, in casu, do despacho de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo.
25. E, se esse despacho é ineficaz, como efectivamente sucede e decorre directamente da lei, ou seja, não produz efeitos em relação ao sujeito passivo, isso significa que a pretendida prorrogação do prazo do procedimento de inspecção também não produziu os efeitos pretendidos, ou seja, não chegou a haver prorrogação.
26. Ora, o legislador ao contemplar a faculdade legal prevista no artigo 37.º CPPT, não pretendeu fazer letra morta do disposto no artigo 36.º, n.º 1 do CPPT e artigo 77.º, n.º 6 da LGT.
27. Da mesma forma que o legislador ao contemplar a faculdade legal prevista no artigo 37.º CPPT não pretendeu criar um mecanismo e/ou forma de desobrigar a Autoridade Tributária do dever legal, com assento constitucional, de fundamentação das suas decisões.
28. O legislador ao contemplar a faculdade legal prevista no artigo 37.º CPPT não pretendeu criar um mecanismo de protecção legal relativamente à imperícia, incúria, erro e/ou lapso da Autoridade Tributária (que não notificou a Recorrente do despacho de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo, tal como se impunha legalmente), que não está acima da lei, sob pena de violação do princípio da igualdade de armas, porquanto, a falta de observância pelo contribuinte dos termos legais faz precludir o seu respectivo direito e assim já não sucederá, in casu, relativamente à Administração Tributária.
29. Isto porque, a Administração Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade.
30. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação.
31. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão e que as mesmas devem ser dadas a conhecer ao contribuinte.
32. Mais se deve referir que o artigo 7.º do RCPITA consagra o princípio da proporcionalidade vigente em sede de procedimento de inspecção, o qual igualmente se encontra consignado no artigo 63.º, nº. 4, da L.G.T. (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - 2ª.Secção, de 24/7/2014, proc. 7844/14; Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.50 e seg.).
33. A notificação da prorrogação do prazo do procedimento inspectivo foi efectuada – ponto 6 da factualidade dada como provada – mas desacompanhada do respectivo despacho e absolutamente omissa quanto aos respectivos fundamentos, meios de defesa e prazo para reagir, pelo que, à luz do disposto no artigo 36.º, n.º 1 do CPPT e artigo 77.º, n.º 6 da LGT, tal omissão importa a ineficácia do acto.
34. Vale dizer que, jamais tal ineficácia fica sanada pelo não uso do mecanismo do artigo 37.º do CPPT, isto porque, pelo não uso do mecanismo do artigo 37.º do CPPT, enquanto faculdade legal, a notificação em referência não passou a estar dotada da respectiva decisão, devidamente fundamentada, com indicação dos meios de defesa e prazo para reagir.
35. Ou seja, o não uso do disposto no artigo 37.º do CPPT – que como supra se deixou dito, se trata de uma mera faculdade legal e não um dever legal - não é um mecanismo susceptível de tornar eficaz um acto que a lei culmina expressamente com a ineficácia, sob pena de subversão da própria lei,
36. E violação do princípio da legalidade, princípio do inquisitório e da proporcionalidade, vigentes em sede de procedimento de inspecção e a que a Administração Fiscal está adstrita.
37. Vale dizer que do não uso da faculdade legal prevista no artigo 37.º do CPPT não resulta nem pode resultar a sanação da omissão de fundamentação dos actos tributários, cuja exigência e dever decorre da lei e tem assento Constitucional.
38. O despacho de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo – que pelo não uso do mecanismo do artigo 37.º do CPPT continuou a não ser notificado ao contribuinte - não produz efeitos em relação ao sujeito passivo, tal como preceituado no artigo 36.º, n.º 1 do CPPT e artigo 77.º, n.º 6 da LGT.
39. Isso significa que a pretendida prorrogação do prazo do procedimento de inspecção também não produziu os efeitos pretendidos, ou seja, não chegou a haver prorrogação.
40. E, se não houve prorrogação do prazo do procedimento de inspecção, isso quer dizer que este caducou findo o prazo de 6 meses fixado no artigo 36.º, n.º 2 do RCPITA, ou seja, no caso dos autos, em 14/05/2019.
41. Pelo que, contrariamente ao defendido na sentença recorrida, a decisão da Sra. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que autorizou o acesso da Administração às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, com referência ao período compreendido entre 01/01/2016 a 31/12/2018, é ilegal, por se mostrar inserida no âmbito de um procedimento inspectivo caduco.
42. Ademais, pugna o Tribunal a quo que “…ainda que se mostrasse ultrapassado o prazo de seis meses a que alude o n.º 2 do artigo 36.º do RCPITA…tal não se revelaria impeditivo da derrogação do sigilo bancário enquanto ainda não tivesse sido concluído, uma vez que é pacífica a natureza meramente ordenadora daquele prazo de seis meses, cujo incumprimento tem como únicas consequências a não suspensão do prazo de caducidade, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT e o impedimento de actos externos de inspecção, nos termos do n.º 7 do artigo 36.º do RCPITA…”.
43. Tal posição sufraga o entendimento defendido nos autos pela Ré e Digno Ministério Público, no sentido de que a caducidade do procedimento inspectivo só se repercute no efeito suspensivo da inspecção no prazo de caducidade da liquidação, e o qual não está consentâneo nem actualizado com a lei em vigor e aplicável nos autos (o mesmo se diga relativamente ao Acórdão do Tribunal Constitucional de 25/09/2008, processo n.º 457/08, invocado na sentença recorrida, também anterior a tal alteração legislativa).
44. Ora, tal como resulta expressamente do número 7 do artigo 36.º do RCPITA, na sua nova redacção, o decurso do prazo do procedimento de inspecção “determina o fim dos actos externos de inspecção”.
45. Não há dúvida que o acesso da Administração às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, com referência ao período compreendido entre 01/01/2016 a 31/12/2018, consubstancia um acto externo de inspecção.
46. Pelo que, também assim, a decisão da Sra. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que autorizou o acesso da Administração às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, com referência ao período compreendido entre 01/01/2016 a 31/12/2018, é ilegal.
47. Tal entendimento proclama-se, também, porque nos quadros de um Estado de Direito, o princípio da segurança jurídica impõe que as situações jurídicas de natureza restritiva ou impositiva – como claramente é o caso de um procedimento de inspecção tributária – não durem indefinidamente.
48. Daí que o n.º 2 do artigo 36.º do RCPITA impõe que o procedimento de inspecção seja contínuo e deva ser concluído no prazo máximo de seis meses.
49. Além das apontadas razões de segurança jurídica, também os princípios da celeridade e da economia procedimental militam no sentido do estabelecimento de uma solução desta natureza.
50. Tais princípios não se coadunam com o defendido pela sentença recorrida quanto à invocada “natureza meramente ordenadora daquele prazo de seis meses”.
Sem prescindir, cumpre dizer ainda mais o seguinte:
51. Independentemente de tudo quanto acima ficou exposto, resulta dos pontos 7), 9), 11) e 15) da factualidade dada como provada, que a Recorrente deduziu e apresentou, oportunamente, a sua oposição aos actos inspectivos, devidamente fundamentada (a motivação da oposição deduzida pelo SP radica no facto de o despacho de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo, comunicado através do ofício n.º 1521 datado de 02.05.2019, ser ineficaz por falta de notificação dos fundamentos em que se baseou a dita prorrogação), e tal oposição tem suporte legal no artigo 47.º do RCPITA.
52. Por decorrência do n.º 7 do citado artigo 36.º do RCPITA, o decurso do prazo do procedimento de inspecção “determina o fim dos actos externos de inspecção”.
53. Logo, se a Lei impõe o fim dos actos externos de inspecção, tal implica a inutilidade das ordens de serviço que, assim, se devem, igualmente, considerar caducadas.
54. E, se uma ordem de serviço caduca, isso acarreta a falta de credenciação dos inspectores designados para a sua execução.
55. Sendo certo que a falta de credenciação legitima a oposição aos actos de inspecção, nos termos do disposto no artigo 47.º do RCPITA.
56. Por outro lado, ainda que se entenda que o fim dos actos externos de inspecção não determina a caducidade das ordens de serviço, o que não se concede, ainda assim, o sujeito passivo não está obrigado a permitir a prática de actos inspectivos proibidos por Lei que permanecem ilegais mesmo que consentidos pelo sujeito passivo [cfr. MARTINS ALFARO, in Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Comentado e Anotado, Ed. Áreas Editora (2003), p.361].
57. Ademais, sendo ilegais tais actos inspectivos, ao sujeito passivo assiste o direito de resistência, nos termos do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da Lei Fundamental. [Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, in RCPIT Anotado e Comentado, ed. Coimbra Editora (2013), p. 274].
58. A oposição aos actos de inspecção pela Recorrente é legítima, nomeadamente com fundamento nas circunstâncias preceituadas no artigo 63.º, n.º 5 da LGT, pelo que a realização do procedimento ficou depende de autorização judicial com base em pedido fundamentado pela administração tributária, tal como preceituado no n.º 6 do invocado normativo legal.
59. Ora, tal como resulta dos autos, nomeadamente do ponto 12) da matéria provada, o Director de Finanças solicitou ao Tribunal de Viana do Castelo a declaração de ilegalidade da oposição aos actos inspectivos, tendo sido proferida decisão de indeferimento liminar.
60. Vale dizer que, tanto quanto resulta da factualidade dada como provada nos autos, não existe decisão judicial a declarar ilegítima a oposição aos actos de inspecção deduzida pela Recorrente.
61. Por conseguinte, tal oposição, deduzida com fundamento no disposto no artigo 47.º do RCPITA, mantém-se e a prática dos actos de inspecção não pode prosseguir: artigo 63.º, n.º 6 da LGT.
62. O mesmo é dizer que, apenas no caso de o Tribunal, mediante pedido fundamentado pela Administração Tributária, considerar e determinar que a oposição da Recorrente é ilegítima, e só nesse caso, é que o procedimento de inspecção poderá prosseguir.
63. Não havendo decisão judicial nesse sentido e/ou não tendo ocorrido nenhuma notificação judicial a declarar ilegítima a oposição da Recorrente, tal como assim resulta provado dos autos, a prática dos actos de inspecção não poderá prosseguir.
64. Pelo que, também assim, a sentença recorrida ao manter a decisão da Sra. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que autorizou o acesso da Administração às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, com referência ao período compreendido entre 01/01/2016 a 31/12/2018, é ilegal, porque violadora do disposto no artigo 47.º do RCPITA e artigo 63.º, n.º 5 e 6 da LGT.
65. Assim sendo, não existindo fundamento legal para a derrogação do sigilo bancário, como se crê, deve a decisão recorrida ser revogada.
66. Finalmente, no que concerne à invocada preterição de formalidade essencial e tal como resulta da petição inicial, a Recorrente invocou nos autos a violação do disposto no artigo 267.º, n.º 5 da CRP, 60.º, n.º 1 da LGT e 121.º e 122.º a 124.º do CPA, por inobservância do direito de audição prévia, constitucionalmente consagrado, à decisão de acesso às contas e documentos bancários.
67. Considera o Tribunal a quo que o direito de audição prévia não se encontra legalmente estabelecido para os casos em que o destinatário da decisão de acesso a informações e documentos bancários é o sujeito passivo inspeccionado, outrossim, apenas se aplica “quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte”, cfr. artigo 63.º-B, n.º 5 da LGT- crê-se que, também aqui, sem razão, sendo tal entendimento igualmente contrário à lei e violador da Constituição.68. Em causa no âmbito dos presentes autos está um procedimento de derrogação do sigilo bancário inserido num procedimento de inspecção tributária (já caducado) e no procedimento de derrogação do sigilo bancário da competência da Autoridade Tributária é obrigatória a audição prévia do contribuinte, para que este se pronuncie, se quiser, sobre a intenção de a Autoridade Tributária proceder à derrogação do sigilo bancário.
69. Em causa não está uma qualquer autorização e/ou prestação de consentimento da aqui Recorrente para a derrogação do sigilo bancário, a qual não é necessária tal como decorre do disposto no artigo 63.º-B, n.º 1 da LGT.
70. Outrossim, o que releva é o direito da Recorrente, com assento legal e constitucional, de participação na formação da decisão que lhe diz respeito, como é o caso da decisão Sra. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que autorizou o acesso da Administração às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, cumprindo não olvidar que tal decisão importa o sacrifício do direito à reserva da intimidade vida privada da Recorrente.
71. Isto porque, estando em preparação uma decisão, neste caso a decisão de derrogação do sigilo bancário, impõe-se a respectiva comunicação ao interessado para o exercício do direito de audiência, nomeadamente para dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2ª Secção, de 25/1/2000, rec. 21244, Ac. Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2ª. Secção, de 2/7/2003, rec.684/03; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 2ª.Secção, de 17/9/2013, proc. 1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).
72. Tal decorre expressamente do disposto no art.º 267.º, n.º 5 da Constituição da República (CRP) – “o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”, como é o caso.
73. Mas também do disposto no artigo 60.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e artºs 121.º e 122.º a 124.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) que prevêem a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, como é manifestamente o caso.
74. Como resulta dos autos, a Autoridade Tributária avançou para a derrogação do sigilo bancário sem dar ao contribuinte a possibilidade de audição prévia, violando, desse modo, um direito fundamental da Recorrente constitucionalmente consagrado.
75. O direito de audição prévia trata-se de uma formalidade essencial através da qual se pretende dar ao contribuinte a possibilidade de discutir com a Administração sobre a legalidade da pretensão visada por esta (derrogação do sigilo bancário.
76. O direito de audição prévia dos contribuintes no procedimento de derrogação do sigilo bancário estava expressamente previsto no n.º 3 da redacção inicial do art.º 63.º-B da LGT, introduzida pela Lei nº 30-G/2000.
77. Após a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 55-B/2004, o referido direito de audição prévia passou a constar do n.º 5 do citado art.º 63.º-B.
78. A par destes normativos legais, o direito de audição prévia dos contribuintes visados pela derrogação do sigilo bancário também constava, e ainda consta, do art.º 63.º, n.º 7, alínea b) da LGT, que expressamente refere “audição prévia obrigatória do sujeito passivo”.
79. Com a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 94/2009, deixou de figurar no art.º 63.º-B da LGT a referência ao direito de audição prévia dos contribuintes, salvo tratando de familiares ou terceiros em situação de relações especiais, mantendo-se essa referência, contudo, no art.º 63.º, n.º 7, alínea b) da LGT.
80. Ora, em face de tal evolução legislativa, não pode considerar-se, tal como assim é defendido pela sentença recorrida, que o legislador quis abolir o direito de audição prévia dos contribuintes visados pela derrogação do sigilo bancário.
81. Isto porque, e como supra se deixou dito, o direito de audição prévia é um direito constitucionalmente consagrado e expressamente previsto e salvaguardado no artigo 267.º, n.º 5 da CRP.
82. Não sendo aceitável defender-se que o legislador quis violar a Constituição, porquanto resulta da lei – cfr. artº 9.º, nº 3 do Código Civil – que na fixação do sentido e alcance da lei, presumirá, o intérprete, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
83. Portanto, haverá que interpretar a matéria em causa – direito de audição prévia dos contribuintes visados pela derrogação do sigilo bancário – conformemente à Constituição, o que nos leva a concluir que aquele direito continua a ter consagração segundo as regras gerais do art.º 267.º, n.º 5 da CRP, art.º 60.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e artºs 121.º e 122.º a 124.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
84. Ou seja, não era preciso que tal matéria viesse consagrada expressamente no art.º 63.º-B da LGT, por isso, foi revogada.
85. O que não se pode é interpretar a referida revogação como traduzindo a intenção do legislador em abolir o direito de audição dos contribuintes visados pela derrogação do sigilo bancário, porquanto, essa seria uma interpretação materialmente inconstitucional.
86. Assim sendo, resulta provado nos autos que a Autoridade Tributária violou o direito da Recorrente à audição prévia, nos termos acima descritos, o que se traduz numa preterição de uma formalidade essencial, que gera a anulabilidade dos actos inquinados por essa preterição, pelo que a decisão Sra. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que autorizou o acesso da Administração às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, deve ser anulada com tal fundamento.
87. Pelo que, também assim, a sentença recorrida ao manter a decisão da Sra. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que autorizou o acesso da Administração às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, com referência ao período compreendido entre 01/01/2016 a 31/12/2018, fez errada interpretação do Direito e violou o disposto nos artigos 267.º, n.º 5 da CRP, art.º 60.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e artºs 121.º e 122.º a 124.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
88. Deve, por isso, a mesma ser revogada e substituída por outra que determine a anulação da decisão de derrogação do sigilo bancário com fundamento na falta de fundamento legal e/ou preterição de formalidades essenciais, nos termos supra expostos.

I.2 – Contra-alegações
A Recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma;
I. A notificação de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo, feita na pessoa da advogada da aqui recorrente, tinha no seu título como assunto “Notificação – Prorrogação do prazo para conclusão da ação inspetiva – OI201800689, OI201800702 e OI201800703” e ocorreu a 02/05/2019.
II. E o texto da notificação era o seguinte:
“Exmo (a). Senhor (a):
Fica V.ª Ex.ª notificado de que, por meu despacho de 2019/04/29, foi prorrogado o prazo para conclusão dos atos inspetivos por um período de mais três meses, nos termos do nº4 do art.º 36º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), sendo a data previsível de conclusão o dia 14/08/2019”.
III. O art.º 36º, nº4 do RCPITA diz-nos que:
“(…)
4 - A prorrogação do prazo do procedimento de inspeção deve ocorrer até ao seu termo, antes da emissão da nota de diligência, e é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento. (…)”
IV. Portanto, são requisitos essenciais que a decisão de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo seja notificada ao sujeito passivo até ao seu termo e com a indicação da data previsível do termo do procedimento.
V. Elementos esses que, no presente caso, foram comunicados na própria notificação, pelo que a AT deu cumprimento ao disposto naquela norma.
VI. Porém, caso a Recorrente entendesse que estavam elementos em falta naquela notificação, sempre poderia a senhora advogada (nitidamente conhecedora das normas processuais e procedimentais tributárias) deitar mão do disposto no artigo 37º do CPPT e solicitá-los, o que não fez, pelo que deixou que a situação se consolidasse na sua esfera jurídica.
VII. Acresce que a Recorrente não coloca em causa os elementos constantes na notificação ou os fundamentos que lhe foram notificados posteriormente, simplesmente coloca em causa a falta de junção da informação com os fundamentos de prorrogação argumentando que tal leva a que a notificação não lhe seja oponível.
VIII. Aliás, tendo sido notificada a aqui advogada da Recorrente (que já era naquela data a mandatária constituída) bem sabia que poderia pedir aqueles elementos em falta, só não o fez por opção ou porque entendeu que já tinha os elementos suficientes para dar como válida a decisão.
IX. Mais, tendo a recorrente enviado o requerimento referido no ponto 37 da contestação e constante a fls 127 do PA a 20/05/2019, isto é dentro dos 30 dias previstos no artigo 37º do CPPT, a AT enviou subsequentemente (a 23/05/2019) a informação que continha os fundamentos da prorrogação do prazo do procedimento inspectivo;
X. Pelo que, no presente caso, estamos perante uma situação em que o requerimento da Recorrente foi convolado num pedido de aperfeiçoamento da notificação, previsto no artº 37º do CPPT (por ter sido feito dentro daquele prazo), tendo a AT, consequentemente, enviado os elementos em falta na notificação (fundamentação da decisão de prorrogação), não tendo aquela ficado minimamente prejudicada nos seus direitos.
XI. Ainda que assim não fosse, a única consequência pelo facto de o procedimento inspectivo prosseguir para além dos seis meses estipulados no artigo 36º, nº2 do RCPITA é aquele que se encontra previsto no artigo 46º, nº1 do CPPT, ou seja conta-se o prazo desde o seu início para efeitos de caducidade do direito de liquidação pela AT.
XII. Defende, ainda, a Recorrente que caso se entenda que o acto de prorrogação não lhe é oponível então a autorização de derrogação de sigilo bancário também é inválida porque o procedimento inspectivo teria caducado e a AT não poderia pedir as informações assim como elementos bancários às instituições financeiras porque se trata de um acto inspectivo externo.
XIII. Só que quer a decisão de derrogação de sigilo bancário, quer a análise das informações fornecidas à AT pelas instituições financeiras consubstanciam actos internos.
XIV. Aliás é o que resulta da letra da lei e do entendimento unanime da jurisprudência.
XV. Veja-se por todos o Ac do TCA Sul acima citado onde é referido que: “(…) Isto é, uma inspecção não tem que ser qualificada como externa apenas porque aquela análise também incidiu em documentos que vieram à sua posse no decurso da inspecção, como foi o caso, desde que consumados nas suas instalações.
VIII – Não existindo norma legal especial a impor que o procedimento de derrogação do sigilo fiscal se desenvolva no âmbito exclusivo de uma inspecção externa, que os actos praticados no procedimento se consubstanciaram.”
XVI. Consequentemente, não só a decisão de prorrogação é oponível à Recorrente, como a decisão de derrogação de sigilo bancário é válida.
XVII. Sobre a preterição da formalidade essencial consubstanciada na omissão da audiência prévia à Recorrente, remete-se para o Acórdão do Pleno desse STA, nº 0262/15 de 14/05/2015, dando-se aqui por transcrito.

I.3 – Parecer do Ministério Público
O Ministério Público emitiu o seguinte Parecer:
A………., Lda. vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 24 de Janeiro de 2020, que julgou improcedente o recurso por si interposto do despacho da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 27 de Outubro de 2019, que determinou o acesso às suas contas e documentos bancários, relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2016 e 31 de Dezembro de 2018 (cf. sentença, composta de trinta e quatro páginas, constante do SITAF).
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Assim sendo, analisadas as conclusões formuladas pela ora Recorrente, na motivação do recurso jurisdicional em apreço, constata-se que este imputa à sentença recorrida, erro de julgamento da matéria de direito consubstanciado na falta de notificação do despacho que prorrogou o prazo da inspecção tributária e na preterição do direito de audição.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
DO MÉRITO DO RECURSO
CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
No entendimento da Recorrente, o despacho da Directora-Geral da AT é ilegal, em primeiro lugar, por se mostrar inserido no âmbito de um procedimento inspectivo caduco,
Por ultrapassado o prazo de seis meses estabelecido no n.º 7 do artigo 36º da LGT.
Na medida em que não foi validamente notificada e em tempo útil da respectiva prorrogação, sendo, por tal motivo, legítima a sua oposição à prática de actos de inspecção.
Vejamos:
Nos termos do artigo 36.º, n.º 1 do RCPITA, o procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.
Por sua vez, por força do preceituado nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito e diploma legais, o procedimento de inspecção deve ser contínuo e concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, salvo se o prazo for prorrogado, o que pode ocorrer por, no máximo, por dois períodos de três meses.
A regularidade ou cumprimento deste prazo e o conhecimento das eventuais prorrogações são controladas pela cópia, assinatura e data desta apostas na ordem de serviço que determinou o procedimento, a qual deve ser entregue ao sujeito passivo no início daquele, alvo nas situações previstas no artigo 46.º (artigo 51.º, n.ºs 1, 2 e 3 do RCPITA
Nos termos do preceituado nos artigos 61.°, n.º 1 e 62.º n.º 1 e 2 do RCPITA, os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento, devendo o procedimento culminar com a elaboração de um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico- tributária, cuja notificação ao contribuinte deve ser realizada, por carta registada, nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.°, considerando-se concluído o procedimento na data dessa notificação.
Ora, como se constata dos factos apurados o Director de Finanças de Viana do Castelo proferiu despacho de prorrogação do prazo do aludido procedimento inspectivo, tendo sido remetido ofício à sociedade Recorrente a dar-lhe conhecimento (cf. pontos 5) e 6) dos factos considerados provados.
Nesta conformidade, mostra-se respeitado o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigoº 36º do RCPITA, atinentes à prorrogação do prazo de inspecção.
É um facto que a Recorrente não foi notificada do teor do despacho de prorrogação.
No entanto, tal irregularidade ficou sanada pelo não uso do mecanismo do artigo 37º do CPPT, não fazendo operar a caducidade do procedimento inspectivo.
Mas mesmo que se entendesse que o prazo tinha sido ultrapassado, tal circunstância não teria por efeito inelutável a ilegalidade do procedimento, conduzindo apenas, como pacífica e reiteradamente a doutrina e a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vem explicando, a que o efeito suspensivo, produzido pela instauração do procedimento, cesse. (cf. os Acórdãos do TC nº 457/2008, de 25/09, e do STA de 25/02/2015, proc. nº 0709/14 disponível, tal como os que infra se citarão, em www.dgsi.pt).
Nesta conformidade, afigura-se-nos que o recurso deve improceder, quanto a este segmento decisório.
PRETERIÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO
Invoca ainda a Recorrente a ilegalidade da decisão de derrogação por não ter sido notificada para exercer o direito de audição antes da decisão de levantamento do sigilo bancário.
Vejamos se lhe assiste razão.
O princípio da participação consagrado no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) exige que seja assegurado ao cidadão uma participação efectiva na formação das decisões que lhe respeitem, mas não que essa participação seja realizada através de uma audiência prévia nos termos em que a mesma se mostra instituída e regulamentada no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Em todas as redacções do artigo 63.º-B da LGT anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro encontrava-se expressamente previsto o dever da Administração Tributária proceder à audição prévia do sujeito passivo antes de proferir a decisão de acesso directo a documentação bancária.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009 e a redacção por esta dada ao artigo 63.º-B da LGT, deixou de haver qualquer referência expressa a essa exigência de audição prévia do contribuinte,
A qual se manteve apenas para as situações em que o acesso a informações e documentos bancários se reporta a contas de que são titulares familiares daquele e/ou de terceiros que com ele estejam numa relação especial,
Tem de concluir-se que, após a entrada em vigor do preceito em referência com aquela nova redacção, deixou de ser exigível que o contribuinte seja ouvido nos termos já mencionados e definidos pelo artigo 60.º da LGT.
A inexigibilidade da audição prévia do contribuinte nos termos formalmente consagrados no artigo 60.º da LGT foi um dos grandes objectivos prosseguidos com a reforma introduzida pela Lei n.º 94/2009 de 1 de Setembro,
Como inequivocamente o revelam, por um lado, o facto de o legislador ter eliminado do preceito a referência expressa a essa audição e a ter mantido para os familiares ou terceiros que tenham com ele uma relação especial.
E, por outro, o espírito da norma e as razões históricas subjacentes à alteração do procedimento nos termos que podem ser acolhidas na exposição de motivos constante da Proposta de Lei que antecedeu a Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro.
E a propósito do recorte constitucional do princípio de participação consagrado no artigo 267.º n.º 5 da CRP e do recorte legal do direito de audição prévia consagrado nos artigos 100.º a 103.º do CPA e 60.º da LGT,
O que a Lei Fundamental reconhece é o direito a uma participação, remetendo para o legislador ordinário o modo de concretização dessa participação, o que este veio a fazer, de um modo geral, através da consagração do direito de audiência prévia.
Porém, não só não existe fundamento algum para que se entenda que ao legislador está vedada a possibilidade de em determinados procedimentos especiais, como é o caso do procedimento tendente à derrogação do sigilo bancário, afastar a audiência prévia, como não há razão para se entender que por causa do afastamento ou limitação dessa audição o princípio constitucional de participação, garantido pelo artigo 267º, n.º 5 da CRP, se não mostra observado.
Aliás, que esse princípio fundamental de participação efectiva não passa necessariamente por uma notificação formal do sentido da decisão e das razões que a determinam resulta claro, desde logo, de a própria Constituição o não ter erigido em exigência fundamental da sua concretização.
Como afirmou já o Tribunal Constitucional, o artigo 267º nº 5 da Constituição da República Portuguesa "não vincula a um modo necessário e único de organização do procedimento administrativo para assegurar a participação dos administrados, não impondo que, em todos os tipos de procedimento administrativo, o princípio geral da participação dos interessados seja maximizado com a consagração de uma audiência formal". (cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 499/2009, proferido no processo nº 06698).
Também esta questão já foi por diversas vezes colocada ao Supremo Tribunal Administrativo, tendo sido sufragado, de modo reiterado e uniforme, o entendimento de que “após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, o art. 63.º-B da LGT, que em todas as suas redacções anteriores impunha à AT a audiência prévia do sujeito passivo antes de proferir a decisão da acesso directo a documentação bancária, deixou fazer essa exigência relativamente ao acesso a informações e documentos bancários do próprio sujeito passivo, mantendo-a apenas para as situações em que o acesso se reporta a contas de que são titulares familiares daquele ou terceiros que com ele estejam numa relação especial” (cf. Acórdão do Pleno de 14 de maio de 2015, no processo n.º 262/15-50, publicado no apêndice ao Diário da República de 16 de Junho de 2016, págs. 156/183).
Nesta conformidade, com o devido respeito por melhor opinião, afigura-se-nos que não merece censura o facto de não ter sido concedido ao Recorrente o direito de audição previamente à prolação da decisão.
CONCLUSÃO
Nestes termos, com os fundamentos expostos, deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.

I.4 - Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. O procedimento inspectivo ao abrigo do qual foi efectuada a decisão de derrogação do sigilo bancário objecto dos autos, está a ser realizado a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI201800702, OI201800703 e OI201800689, incidente quanto aos exercícios de 2016, 2017 e 2018 – cfr. fls. 12, 13 e 14 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
2. As ordens de serviço identificadas no ponto anterior foram assinadas pelo sócio gerente da Recorrente em 14-11-2018 – cfr. fls. 12, 13 e 14 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
3. Em 09-04-2019, através dos ofícios n.º 1311 e 1312, e em 17-04-2019, a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo notificou a Recorrente, por si e na pessoa da Mandatária judicial constituída, para informar se autorizavam o acesso à informação e documentos bancários – cfr. fls. 94 a 103 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
4. Em 18-04-2019, a Recorrente apresentou na Direcção de Finanças de Viana do Castelo requerimento onde informa que “(…) tal como decorre do disposto no número 4 do artigo 63º-C da LGT, a administração tributária pode aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento dos respectivos titulares, pelo que a AT não carece da autorização solicitada (…)” – cfr. fls. 105 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
5. Em 29-04-2019, o Director de Finanças de Viana do Castelo proferiu despacho de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo credenciado pelas ordens de serviço identificadas em 1) até 14-08-2019, nos termos e fundamentos constantes de fls. 107 a 109 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
6. Em 02-05-2019, através do ofício n.º 1521, a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo notificou a Recorrente, na pessoa da Mandatária judicial por si constituída, da “prorrogação do prazo para conclusão da acção inspectiva – OI201800689, OI201800702 e OI201800703 (…) por um período de mais três meses, nos termos do n.º 4 do art.º 36º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPITA), sendo a data previsível de conclusão o dia 14/08/2019 (…)”, sem que, contudo, tenha anexado o despacho de prorrogação identificado no ponto anterior – facto não controvertido e conforme a fls. 110 e 111 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
7. Em 20-05-2019, a Recorrente apresentou na Direcção de Finanças de Viana do Castelo, o requerimento de fls. 127 a 129 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido, e nos termos do qual manifesta a oposição à prática de actos de inspecção, nos termos do art.º 47º do RCPITA, por caducidade do procedimento de inspecção, atento o decurso do prazo de 6 meses fixado no art.º 36º, n.º 2, do RCPITA, sem que tenha sido notificada de qualquer despacho de prorrogação do procedimento de inspecção;
8. Em 23-05-2019, através do ofício n.º 1724, a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo notificou a Recorrente, na pessoa da Mandatária judicial por si constituída, de que “(…) por lapso manifesto, o ofício n.º 1521 da Divisão de Inspecção Tributária, datado de 02-05-2019, não se fez acompanhar do teor do despacho nele identificado. Assim, pese embora o SP tenha à sua disposição a faculdade prevista no n.º 1 do art.º 37º do CPPT, remetem-se em anexo o despacho e a fundamentação em falta, dando-se cumprimento ao princípio da legalidade previsto no artigo 55º da LGT. Mais se informa que a notificação do presente ofício com os respectivos anexos sana retroactivamente a insuficiência daquela comunicação. (…)” – cfr. fls. 130 a 135 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
9. Em 03-06-2019, a Recorrente apresentou na Direcção de Finanças de Viana do Castelo, o requerimento de fls. 136 a 138 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido, e nos termos do qual reitera a oposição à prática de actos de inspecção, por caducidade do procedimento de inspecção;
10. Em 04-06-2019, a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo remeteu à Recorrente, na pessoa da Mandatária judicial por si constituída, o ofício n.º 1895, constante de fls. 139 e 140 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido, aí afirmando que “(…) os actos de inspecção prosseguirão os seus normais termos, em conformidade com o RCPITA. (…)”;
11. Em 09-07-2019, a Recorrente apresentou na Direcção de Finanças de Viana do Castelo, o requerimento de fls. 143 a 145 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido, no qual é afirmado que “(…) em face da oposição (legítima) do SP, o prosseguimento dos actos inspectivos externos só poderá suceder mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente (…)”;
12. Em 09-07-2019, o Director de Finanças de Viana do Castelo pediu ao Juiz de Direito da Comarca de Viana do Castelo “(…) a declaração de ilegalidade da oposição aos actos inspectivos e a prolação da necessária autoficção para a continuação da sua prática”, tendo o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, em 12-07-2019, proferido decisão de indeferimento liminar, por incompetência em razão da matéria – cfr. fls. 146 a 172 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
13. Em 31-07-2019, a Chefe de Divisão da Inspecção Tributária, em regime de suplência do Director de Finanças de Viana do Castelo, proferiu despacho de prorrogação do prazo do procedimento inspectivo credenciado pelas ordens de serviço identificadas em 1) até 14-11-2019, nos termos e fundamentos constantes de fls. 193 a 195 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
14. Em 02-08-2019, através do ofício n.º 2468, a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo notificou a Recorrente, na pessoa da Mandatária judicial por si constituída, da “prorrogação do prazo para conclusão da acção inspectiva – OI201800689, OI201800702 e OI201800703 (…) por um período de mais três meses, nos termos do n.º 4 do art.º 36º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPITA), sendo a data previsível de conclusão o dia 14/11/2019 (…)” – cfr. fls. 191 a 195 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
15. Em 12-08-2019, a Recorrente apresentou na Direcção de Finanças de Viana do Castelo, o requerimento de fls. 196 e 197 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido, no qual é afirmado que “(…) apenas no caso de o Tribunal, mediante pedido fundamentado pela administração tributária, considerar e determinar que a oposição do SP é ilegítima, e só nesse caso, é que o procedimento de inspecção poderá prosseguir. (…)”;
16. Em 10-09-2019, o Director de Finanças de Viana do Castelo solicitou à Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira a derrogação do sigilo bancário da sociedade Recorrente, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 199 e ss. do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
17. Por despacho da Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 27-10-2019, foi autorizado o acesso às contas e documentos bancários da sociedade Recorrente, nos seguintes termos:
“1. Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Direcção de Finanças de Viana de Castelo, prestada no âmbito das Ordens de Serviço n.º s OI201800702, OI201800703 e OI201800698, bem como com os pareceres e despacho nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos nas alíneas b), d) e f) do n.º 1 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do mesmo preceito legal, autorizo que funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder diretamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo "A…………, LDA.", com o número de identificação fiscal …………., com referência ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2018.
2. Devolva-se o processo à Direção de Finanças de Viana de Castelo para efeitos de prosseguir o procedimento de levantamento do segredo bancário” – cfr. fls. 241 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
18. A Recorrente foi notificada da decisão de autorização para acesso a documentos e informações bancárias identificada no ponto anterior em 07-11-2019 – cfr. fls. 248 a 250 do processo administrativo apenso, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
19. A petição inicial do presente recurso foi remetida a este Tribunal, via electrónica, em 18-11-2019 – cfr. fls. 1 do suporte electrónico dos autos.

II.2 – De Direito
I. São três as questões sob análise no presente Recurso, importando saber:
a) se teve lugar a caducidade do procedimento inspectivo, em especial por falta de fundamento legal para a respectiva prorrogação;

b) se foi preterido o direito de audição da Recorrente, aquando da derrogação do sigilo bancário;

c) se o mecanismo previsto no artigo 63.º, n.º 5 da LGT pode ser arguido no presente caso como obstáculo à derrogação do sigilo bancário.


II. Alega a Recorrente que foi ultrapassado o prazo legal de 6 meses previsto para a duração típica do procedimento inspectivo, nos termos do artigo 36.º, n.º 2 do RCPIT, designadamente por não ter sido notificada do fundamento de prorrogação do mesmo, mas tão somente de um ofício a comunicar esta mesma prorrogação.
Assim, terminando o procedimento em 14-05-2019, foi o mesmo objecto de prorrogação, por despacho de 29-04-2019 do Director de Finanças de Viana do Castelo, tendo a Recorrente sido notificada a 02-05-2019, por ofício para o efeito, da informação de “prorrogação do prazo para conclusão da acção inspectiva – OI201800689, OI201800702 e OI201800703 (…) por um período de mais três meses, nos termos do n.º 4 do art.º 36º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária”, embora a mesma tenha sido remetida sem o aludido despacho de prorrogação.
Segundo sustenta a Recorrente, e contrariamente ao expressamente defendido na decisão recorrida, a falta de notificação do despacho propriamente dito (e seus fundamentos) vicia irremediavelmente a decisão de prorrogação do mencionado procedimento inspectivo e, por esta via, todos os atos subsequentemente praticados, designadamente a decisão de derrogação do sigilo bancário.

III. Julgamos que não assiste razão à Recorrente.
Desde logo porque, tendo-se verificado uma irregularidade de notificação e podendo aceder ao teor completo do despacho de prorrogação do procedimento inspectivos e seus respectivos fundamentos – valendo-se da faculdade que lhe assiste nos termos do artigo 37.º do CPPT – optou a Recorrente por não o fazer.
E a este respeito, sublinhe-se que podia fazê-lo em tempo útil, ainda antes de o prazo inicial do procedimento inspectivo chegar ao seu termo - uma vez que tal prazo terminaria apenas a 14 de Maio de 2019, tendo a Recorrente sido notificada da mencionada informação de prorrogação (com a insuficiência de notificação) logo a dia 2 daquele mês.
Ora, se é certo que a Recorrente – como a própria reconhece – não é obrigada a socorrer-se à faculdade do mencionado artigo 37.º, tão pouco faz sentido que se possa valer do vício da, por si alegada, mas manifestamente inexistente, falta de fundamentação (que é, na verdade, uma mera deficiência de notificação – uma vez que a Recorrente parece confundir o ato a notificar e o acto de notificação) daquela decisão de prorrogação que podia ser, por esta via, facilmente suprido.
Tem, assim, lugar uma sanação da mencionada falta de notificação, como bem sublinha Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado, Volume I, 6.ª edição, 201, p. 352: “Por isso, a única interpretação que confere sentido útil à inclusão daquelas referências à reclamação e á impugnação, parece ser a de que se, não for requerida a notificação dos requisitos omitidos, no prazo referido no n.º 1, a omissão deixa de ser relevante para afectar a produção de efeitos do acto de notificação e, consequentemente, ficará assegurada a eficácia do acto notificado.” No mesmo sentido veja-se Serena Cabrita Neto et Al., Contencioso Tributário, Volume I, 2017, p. 297: “se o destinatário do acto não utilizar o mecanismo previsto no artigo 37º do CPPT sana-se a irregularidade da notificação. ... Sanados os vícios do acto de notificação, não se poderá alegar a ineficácia do acto notificado ou a notificar.
Em segundo lugar, convém sublinhar – como faz a jurisprudência (veja-se, entre muitos outros, os Acórdãos proferido pela 2.º Secção deste Supremo Tribunal em 10/12/2008, no processo n.º 080/08, ou em 25-02-2015, no processo n.º 0709/14, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) – que é pacífica a natureza meramente ordenadora daquele prazo de seis meses e que o respectivo incumprimento (acaso, porventura, se verificasse) teria apenas como consequências a não suspensão do prazo de caducidade e o impedimento de actos externos de inspecção, nos termos, respectivamente, do n.º 1 do artigo 46.º da LGT e do n.º 7 do artigo 36.º do RCPITA.
Impõe-se, portanto, a conclusão de que não ocorreu a caducidade do procedimento inspectivo, tendo o acto de prorrogação produzido os seus devidos efeitos.
E, não tendo ocorrido a caducidade do procedimento inspectivo, fica forçosamente prejudicado o conhecimento do alegado vício de falta de credenciação da equipa inspectiva, uma vez que a própria Recorrente formula a verificação deste por exclusiva dependência da demonstração da caducidade daquele procedimento.

IV. Alega, ainda, a Recorrente ter ocorrido preterição de formalidade essencial, sob a forma de impossibilidade legal (constitucionalmente exigível, segundo a Recorrente) de exercício do direito de audição previamente à decisão de derrogação do sigilo bancário.
A este respeito, comecemos por sublinhar que, em sequência da evolução do regime de derrogação do sigilo bancário – muito em particular, a ocorrida com a redacção introduzida pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro -, passou a existir uma separação procedimental clara entre o regime aplicável ao contribuinte (n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT) e aquele aplicável a “familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte” (n.º 2 daquela norma), sendo cristalina desta dualidade de soluções a redacção do n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT - “Os atos praticados ao abrigo da competência definida no n.º 1 são suscetíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo e, sem prejuízo do disposto no n.º 13, os atos previstos no n.º 2 dependem da audição prévia do familiar ou terceiro e são suscetíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes.” – que contrasta com a anterior solução desta mesma disposição, onde aquela audição prévia era sempre obrigatória, independentemente dos sujeitos envolvidos.
Assim sendo, e como bem sublinharam quer a sentença recorrida quer o Parecer do Ministério Público, nenhumas dúvidas podem sobrar acerca da deliberada supressão legal da obrigação de audição prévia quando esteja em causa a derrogação do sigilo bancário do próprio contribuinte, como se pode ler em Francisco Rothes, “Algumas reflexões sobre a derrogação do sigilo bancário e a inspecção tributária suscitadas por um caso concreto”, Desafios Tributários, Coordenação Nuno Barroso e Pedro Marinho Falcão, Porto, Vida Económica, 2015, pág. 84: “A AT pode, em todas as situações acima indicadas aceder aos elementos bancários independentemente do consentimento do interessado, sem necessidade de prévia recusa de exibição ou de autorização de acesso e, inclusive, sem a sua prévia audição nos termos em que a mesma se mostra postulada no art.º 60º da LGT, pois o legislador ordinário, na regulamentação do procedimento especial da derrogação do dever do sigilo bancário, eliminou essa fase procedimental”; posição esta que surge na linha (precursora e muito anterior, mas absolutamente correta [como é típico daqueles que estão muito à frente do seu tempo]) das posições advogadas por José Luís Saldanha Sanches, “Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 377, Janeiro-Março, 1995, disponível em www.saldanhasanches.pt, no sentido de que o próprio princípio constitucional da igualdade entre contribuintes e da tributação pelo lucro real não podia ser posto em causa por uma legislação e interpretação restritiva da possibilidade de derrogação de sigilo bancário.
Em suma, não sendo exigível tal formalidade, nenhum vício pode, por tal via, ser assacado à decisão de derrogação escrutinada na sentença da primeira instância, não merecendo por isso, também por aqui, provimento o presente recurso.

V. Questão diferente é a de saber se a supressão da fase procedimental da audição prévia – ocorrida com a redacção introduzida pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro – ainda mantem a conformidade daquele regime com o disposto na Lei Fundamental.
A esta questão já foi dada resposta cabal e exaustiva - no sentido da conformidade constitucional de tal solução - pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal no Acórdão de 14 de Maio de 2015, proferido no Processo n.º 7945/14, disponível em www.dgsi.pt.
Pela sua clareza expositiva, a que aderimos plenamente, remetemos para os termos então ali vertidos, que aqui nos abstemos de reiterar, até porque já se encontram extensamente transpostos na decisão recorrida.

VI. Importa, por último, analisar a invocada oposição a quaisquer atos de inspecção, incluindo a derrogação do sigilo bancário, com base no regime constante do artigo 63.º, n.ºs 5 e 6 da LGT aplicável por remissão do artigo 47.º do RCPITA.
Ora, após uma exaustiva análise de todo o teor do Processo, entendemos ser de concluir que não assiste qualquer razão à Recorrente também a este respeito.

VII. Em primeiro lugar, é de salientar que a oposição apresentada pela Recorrente se estriba unicamente numa alegada falta de credenciação (questão, como vimos, já ultrapassada) – cfr. petição do recurso da derrogação do sigilo bancário, interposto nos termos do artigo 146.º-B do CPPT.
É acerca desse – e somente desse – fundamento de oposição que este Supremo Tribunal se pode pronunciar, não podendo opinar sobre questão nova anteriormente não colocada ao tribunal a quo.
É o caso, designadamente, da alegada “reserva da intimidade da vida privada” que, pese embora integre os fundamentos de oposição constantes do artigo 63.º, n.º 5 da LGT, nunca foi como tal alegada pela Recorrente. Com efeito, a única referência feita pela Recorrente à dita “reserva da intimidade da vida privada” – e sem qualquer referência ao seu suporte legal, reitera-se – ocorre a respeito de uma “medida cautelar urgente de suspensão da decisão recorrida”, enxertada pela Recorrente no presente recurso de oposição à derrogação do sigilo bancário, regulado pelo artigo 146.º-B do CPPT, e tendo passado, por despacho liminar do Exmo. Juiz do Tribunal a quo, a ser objecto de processo autónomo (Proc. N.º 2309.19.0BEBRG).
Em suma, o mencionado fundamento não pode ser agora conhecido se nem sequer foi alegado em primeira instância; donde, se a recusa do dever de colaboração por parte do Recorrente não é estribada em qualquer dos fundamentos previstos no n.º 5 do artigo 63.º da LGT – e uma vez ultrapassada a oposição com fundamento no artigo 47.º do RCPIT – só resta apurar das responsabilidades fiscais, contra-ordenacionais e, eventualmente, criminais decorrente de tal recusa de colaboração por parte da Recorrente.

VIII. Por último, importa sublinhar que, em qualquer caso, os fundamentos de oposição vertidos no artigo 63.º, n.º 5 da LGT não parecem aptos a obstar à prossecução da derrogação do sigilo bancário. E assim parece ser porquanto, desde logo, tal derrogação é objecto de uma regulamentação própria, extensa e tendencialmente exaustiva, vertida no artigo 63.º-B da LGT, e, por isso, não carecida assim de uma regulação adicional, especialmente ao nível dos meios de tutela do contribuinte.
Por outro lado, é o próprio artigo 63.º, n.º 5 da LGT que parece pressupor a sua não aplicação à derrogação do sigilo bancário, ao prever que:
A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:
a) …;
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado, com exceção do segredo bancário…;
c) …
d)… .
Com efeito, mal se compreenderia que o legislador tivesse admitido que, entre os fundamentos de oposição à diligência especial de acesso à informação protegida por sigilo bancário pudesse encontrar-se, em abstracto, o próprio segredo bancário – a sua exclusão dos fundamentos de oposição só faz sentido no pressuposto de se entender que o próprio mecanismo de derrogação do sigilo bancário já se encontra excluído pelo legislador do escopo desta oposição.
A solicitação feita pela AT ao Tribunal de Viana do Castelo para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 63.º da LGT era, por conseguinte, manifestamente desnecessária, representando um excesso de cautela da mesma.
Pelo exposto, é nossa opinião que os fundamentos de oposição às diligências inspectivas vertidos na lista do artigo 63.º, n.º 5 da LGT não são aplicáveis à derrogação do sigilo bancário.


III. CONCLUSÕES
I – A não utilização pelo destinatário do acto do mecanismo previsto no artigo 37º do CPPT implica a sanação da irregularidade da notificação.
II – É meramente ordenadora a natureza do prazo de seis meses para conclusão do procedimento inspectivo, e o respectivo incumprimento é apenas gerador da não suspensão do prazo de caducidade e do impedimento de actos externos de inspecção.
III – Não é desconforme com a Lei Fundamental a solução legal que dispensa de audição prévia a decisão de derrogação do sigilo bancário.
IV – Os fundamentos de oposição às diligências inspectivas vertidos na lista do artigo 63.º, n.º 5 da LGT não são aplicáveis à derrogação do sigilo bancário.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.