Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01462/17
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:ADESÃO
PROGRAMA
Sumário:I - Os sistemas informáticos existem para facilitar os procedimentos com o objectivo de pouparem recursos materiais e humanos quer aos contribuintes, quer à Administração Tributária.
II - Nem sempre são dotados da maleabilidade necessária para serem acedidos por contribuintes menos afoitos nas lides informáticas, a quem se presta uma informação cibernética algo diversa de uma verdadeira comunicação na medida em que se mostre incapaz de levar a mensagem ao seu destinatário, sem ruídos e omissões.
III - Os contribuintes não têm o dever legal de terem específica formação informática para cumprirem as suas obrigações fiscais, e, por mais «friendly» utilização que os sistemas informáticos possam facultar haverá sempre necessidade, aqui e ali, da intervenção humana, nos termos da lei, e, para alcançar a justiça do caso concreto, ultrapassando os desvios de comunicação ou utilização que apareçam neste contacto entre os contribuintes e a Administração Tributária.
Nº Convencional:JSTA000P22871
Nº do Documento:SA22018013101462
Data de Entrada:12/18/2017
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel
. de 30 de Outubro de 2017


Julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………., S.A, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal de 16 de Junho de 2017, que indeferiu pedido de adesão ao PERES, regulado pelo DL 67/2016, de 03/09, tendo em vista a inclusão da dívida em execução coerciva no PEF 1848201301095170, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1. A questão que aqui se coloca à douta apreciação do Meritíssimo Tribunal “ad quem”, resume-se a saber se, no caso em apreço, se verifica, ou não, motivo para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
2. Para que a instância se extinga por inutilidade superveniente da lide é necessário, por um lado, que essa inutilidade ocorra após a instauração do processo em causa (superveniência) e, por outro lado, que se conclua que o prosseguimento do processo não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o Autor/Recorrente (inutilidade stricto sensu).

3. No caso em apreço, não ocorre inutilidade da lide, menos ainda a sua superveniência. Senão vejamos:
4. De facto, na data da reclamação, a acção executiva n° 1848201301095170 já se encontrava extinta por efeito do pagamento da quantia exequenda, através da compensação.

5. Ocorre que a utilidade que a recorrente pretendeu extrair da reclamação não está relacionada com aquela acção executiva, antes e apenas com a alteração da decisão da Autoridade Tributária, concretamente do chefe do Serviço de Finanças de Paredes, datada de 16/06/2017, que indeferiu a pretensão da Recorrente de aderir ao PERES.

6. Isto porque, aquela decisão afecta direitos e interesses legítimos da Recorrente.

7. Dito de outro modo, não está em causa a “repristinação” daquela acção executiva, tão só colocar em causa uma decisão da Administração Tributária que privou a Recorrente de pagar a sua divida tributária através do PERES.

8. Mais refere a decisão que a Recorrente não impugnou a compensação, também por esta via pretendendo justificar o sentido da mesma.

9. A Reclamante não impugnou aquela compensação, efectuada em 06/06/2017, uma vez que estavam preenchidos os seus pressupostos legais, e isto por duas ordens de razões:
Face à existência de um crédito fiscal que se tornara certo, líquido e exigível, por força de decisão proferida no âmbito do processo de Impugnação Judicial que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, sob o n°592/13.4BEPNF.
Tendo em conta a existência de um contra crédito da Recorrente emergente do direito à recuperação de IVA.

10. Por outro lado, não se acha, ainda, preenchido o requisito da superveniência.

11. Com efeito, a haver essa inutilidade, sempre ela seria “originária”, por, à data da apresentação da Reclamação, já se verificarem os motivos que, segundo a decisão recorrida, a fundamentam.

12. E, de facto, conforme resulta daquela decisão “se confrontarmos a data de apresentação da presente Reclamação (26/06/2017) e a data da extinção do processo de execução fiscal nº 1848201301095170, verificamos que, na data de apresentação da PI já estava extinto o PEF”.

13. Porém, inutilidade originária é figura inexistente no nosso Ordenamento Jurídico.

14. Do que antecede resulta, assim, que a sentença sob recurso denegou, à Recorrida, o direito que esta, em sede de Reclamação, deduzida ao abrigo do artigo 276° do CPPT, pretendeu fazer valer, violando, destarte, tal norma.


Requereu que seja dado provimento ao recurso, revogada a decisão do Tribunal a quo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da confirmação da sentença recorrida por entender «(…) A recorrente sindicou, em 26/06/2017, o despacho de 16/06/2017 que indeferiu pedido de adesão ao PERES, na modalidade de pagamento prestacional, da dívida em cobrança coerciva no PEF 1848201301095170.
A dívida em causa já havia sido extinta por compensação, devidamente estabilizada na ordem jurídica por não ter sido impugnada, operada em 06/06/2017.
Portanto, na data em que a recorrente sindica o ato de indeferimento do pedido de adesão ao PERES, na modalidade de pagamento prestacional, já não existia a dívida que se pretendia pagar ao abrigo desse regime.
Salvo melhor juízo, verifica-se, assim, que ocorre uma inutilidade/impossibilidade originária da lide, reconduzível à falta de um pressuposto processual, que é a falta de interesse em agir, e que constitui uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância da entidade demandada (artigos 577.° e 578.° do CPC).
De facto, o ato de compensação da dívida mostra-se consolidado na ordem jurídica e, salvo melhor, juízo, ao contrário do que sustenta a recorrente era suscetível de impugnação, nos termos do disposto nos artigos 89.º e 276.° do CPPT.
Na verdade, como resulta do probatório, à data da compensação, a dívida estava garantida e deve entender-se que já estava a ser paga em prestações para efeitos de sindicância, uma vez que a recorrente já havia pedido a adesão ao PERES, em 20/12/2016, na modalidade de pagamento prestacional, pelo que, como se diz na sentença recorrida, seria causa prejudicial da presente ação.
Ora, inexistindo a dívida que se pretende pagar ao abrigo do PERES, parece certo que a recorrente não tem qualquer interesse em agir, por inutilidade/impossibilidade originária, uma vez que deixou de existir a dívida objeto de pedido de adesão ao PERES.
Termos em que, pelos fundamentos aduzidos, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»»

A decisão recorrida considerou provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

A. Em 16/10/2013, a reclamante apresentou impugnação judicial, relativa a IMT, do período de 2013, à qual foi atribuído o processo n.º 592/13.4 BEPNF, cfr. fls. 21/40 do e consulta SITAF;

B. Na mesma data, pelo Serviço de Finanças de Paredes, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1848201301095170, contra a ora Reclamante, para cobrança coerciva de dívidas de IMT, no montante de €77.986,97, com data limite de pagamento 03/10/2013 - cfr. certidões do pef juntas aos autos, fls. 46/verso do p.f;

C. Em 29/10/2013, foi a Reclamante citada pessoalmente para a execução referida em B), bem como do montante [indicativo] a prestar para efeitos de garantia de € 99.020,81, cfr. fls. 47 do p.f.;

D. Em 26/10/2013, o OEF constituiu penhor do direito de crédito correspondente ao valor de reembolso de IVA do Mês de Setembro de 2013, no montante de €78.616,76, para garantia do pagamento da dívida exequenda e acrescido em cobrança no processo de execução fiscal 1848201301095170, cfr. fls. 83 do p.f;

E. Em 08/11/2013, através de email, e posteriormente, em 12/11/2013, através de correio registado, a Reclamante deu entrada no OEF requerimento a oferecer como garantia a penhora de acções, com vista à suspensão do PEF acima referido, em virtude de ter apresentado Impugnação Judicial, cfr. fls. 85 verso/86 do p.f.;

F. Em 15/11/2013, a reclamante foi notificada da constituição do penhor, cfr. fls. 109 do p.f.;

G. Em 25/11/2013, a reclamante apresentou reclamação nos termos do art. 276° do CPPT contra o penhor referido em F), pedindo a sua anulação, à qual foi atribuído o 723/13.4BEPNF, cfr. fls. 124/131 do p.f. e mediante consulta SITAF;
H. A reclamação referida em G) foi julgada improcedente, por prolação de sentença em 19/12/2013, no âmbito do processo judicial referido em G), cfr. consulta SITAF;

I. Em 20/12/2016, a ora Reclamante aderiu ao Programa Especial de Redução do Endividamento aos Estado (PERES), por via electrónica, no Portal da Autoridade Tributária e Aduaneira, cfr. termo de adesão n.º 83066, fls. 185/verso do p.f;

J. Ao efectuar a adesão referida em I), a Reclamante por lapso inseriu apenas o processo n.º 1848201201026607, quando pretendia adicionar, também, o processo n.º 1848201301095170 [admitido por confissão (cfr. ponto 4.° da PI) e corroborado pela documentação junta ao autos fls. 185 verso do p.f.];

K. Na mesma data, 20/12/2016, a ora Reclamante enviou e-mail dirigido ao OEF, cfr. fls. 170 verso e 171 do p.f, com o seguinte teor(...)
Exmo. Sr. Chefe da Repartição de Finanças de Paredes,
No processo de adesão ao PERES da empresa acima referenciada pretendia-se ter feito a adesão nos processos facultativos suspensos:
1848201201026607
1848201301095170
tendo inadvertidamente obtido o termo de adesão apenas no processo 1848201201026607, existindo a limitação no sistema de, após esta adesão facultativa, fazer a inclusão do outro processo.
Tratando-se de um lapso técnico, pois é manifesta a vontade de fazer a adesão ao PERES para ambos os processos, agradecia que V. Exas se dignasse a fazer a inclusão do processo 1848201301095170 no PERES, e a gerar a respectiva guia de pagamento.
Permita-me também manifestar a estranheza da impossibilidade dos processos não poderem ser objecto de uma adesão independente, pois são ambos de natureza facultativa, e têm origem em processos que ainda estão em análise e foram objecto de impugnação e poderão ter um desfecho diferente.
Pede deferimento,
………….
L. Em 22/12/2016, a ora Reclamante dirigiu novo e-mail ao OEF, cfr. fls 170 verso do p.f, com o seguinte teor:«(...)
Na sequência do contacto telefónico, e face à possibilidade de anulação do termo de adesão para ser efectuada uma nova adesão que incorporassem os dois processos, informo que a empresa não tem recursos para fazer o pagamento da nova guia pelo valor global, pois entretanto já efectuou o pagamento de 31.449,30€ (tendo aguardado até ao final do dia 20 dez 16 que fizessem o cancelamento do termo de adesão - conforme comprovativo que anexo).
Atendendo às circunstâncias deste caso, solicito que com a subscrição do novo termo de adesão se faça apenas o pagamento do valor diferencial no montante 7.156,17€, estando disponíveis para fazer este pagamento junto da Repartição de Finanças ou por meio de guia.
Fico a aguardar o vosso feedback. Cumprimentos, …………….
(…)»

M. Em 30/01/2017, a ora Reclamante dirigiu novo e-mail dirigido ao OEF de insistência relativamente ao referido em K) e L), cfr. fls. 169 verso e 170 do p.f.;

N. Em 06/06/2017 foi o processo de execução fiscal n.º 1848201301095170 declarado extinto por compensação, cfr. fls. 202/203 do p.f.;

O. Em 09/06/2017, a ora Reclamante apresentou requerimento dirigido ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Paredes, cfr. fls.169/169 verso, com o seguinte teor:
«(…)
Tendo sido feita uma exposição no dia 30jan17 sobre a integração do processo 1848201301095170 ao PERES por falha técnica na submissão do pedido, conforme reportado no e-mail abaixo, no qual, para além do historial do processo, se comprovam os factos alegados, vimos mais uma vez requerer uma resposta ao requerimento, dado a empresa ainda não ter sido informada de qualquer decisão.
Entretanto o processo que estava na origem (e que se pretendia incluído no PERES), que se encontrava suspenso na data limite de submissão ao PERES (20dez16) teve decisão judicial e foi objecto de compensação no dia de hoje com um crédito de reembolso de IVA, com cobrança de 87.691,07€, conforme documento que se anexa, não deixando margem para um pagamento faseado da dívida, quer pela integração no PERES, ou, perante uma decisão desfavorável, pela possibilidade da empresa efectuar requerimento para pagamento em prestações nos termos previstos na lei.
Agora, estando mais complexa e densa toda a situação, e com base nos argumentos abaixo:
Relativos à integração no PERES
- trata-se de um erro informático reportado atempadamente
- outros contribuintes, com a mesma falha técnica, e no mesmo dia (20dez16), conseguiram ver anulado o pedido e fizeram uma nova submissão ao PERES
- inexistência de tratamento discriminatório por parte da Administração Fiscal
- o anormal tempo decorrido da ocorrência do facto (quase 6 meses), para ser comunicada a decisão, que ainda não ocorreu
- a integração no PERES no plano desejado (36 meses), tem o beneficio da redução dos juros e custas em 80% (não considerados na compensação).
Relativos à compensação efectuada
- a empresa é exportadora, e apresenta mensalmente de forma recorrente reembolsos de IVA
- o reembolso de IVA é necessário para manter a actividade da empresa, nomeadamente para pagamento dos salários de mais de 150 trabalhadores
- estando pendente uma resposta sobre a integração no PERES, do conhecimento da Administração Fiscal, não desencadeou o eventual pedido de pagamento em prestações da dívida compensada (extra PERES)
- perante a decisão judicial, a empresa não foi notificada para pagamento do valor em causa, com a respectiva liquidação fiscal dos juros e demais encargos
Assim, vimos por este meio reiterar a necessidade de uma decisão, que sendo favorável, como se espera, permitirá impugnar a compensação, sendo desfavorável e discriminatória, deverá dar a possibilidade para apresentação de requerimento para pagamento em prestações nos termos legais.
Pede deferimento,
………………..
(…)»
P. Em 12/06/2017, foi a ora Reclamante notificada VIA CTT da demonstração da aplicação do crédito para compensação, cfr. fls. 43 do p.f;

Q. A ora Reclamante não impugnou o acto de compensação referido em N) e P) [admitido por confissão (cfr. fls. 205 do p.f)];

R. Em 16/06/2017, o Chefe do SF de Paredes, proferiu despacho de indeferimento relativamente ao requerimento referido em P), cfr. fls. 14 do p.f., cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, e donde consta o seguinte:
«(…)
Exm°s Senhores
Na sequência das várias comunicações havidas sobre este assunto, a posição dos Serviços Centrais é de que apenas poderá haver uma adesão por contribuinte, não havendo lugar a alterações aos planos elaborados.
Relativamente ao caso em apreço, a DSCCT respondeu por e-mail de 07-06-2017 onde informa “que para efeitos do DL 67/2016 apenas poderá existir uma adesão por contribuinte, conforme FAQ disponibilizadas no âmbito do referido DL — 13”.
Assim, já não se toma viável a inclusão de outras dívidas no plano prestacional em vigor, motivo pelo qual somos levados a indeferir o pedido do contribuinte.
Com os melhores cumprimentos
O Chefe de Finanças,
…………………………
(…)
S. Em 26/06/2017, a Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Finanças de Paredes, a presente Reclamação de acto do órgão de execução fiscal [cfr. fls. 4 do p.f.].


Questão objecto de recurso:

1- Inutilidade superveniente da lide.

1- Inutilidade superveniente da lide

O recorrente vem nestes autos de recurso assacar à sentença recorrida erro de julgamento por ter declarado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, que, em seu entender, se não verifica.
Define a lei, art.º 277.º, e) do Código de Processo Civil, aqui subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, que a instância se extingue com a inutilidade superveniente da lide. A doutrina, de modo unânime tem vindo a definir que a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio – in, José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol 1, anotação 3 ao art. 287.º, pág. 512.
Assim, haverá que percorrer um percurso lógico para averiguar se estamos no caso concreto perante uma tal situação que começará inevitavelmente por apurar de que lide estamos a falar.
A sentença recorrida escolheu como lide a extinguir a instância executiva – execução fiscal n.º 1848201301095170 – o que se compreenderia se a decisão reclamada fosse relativa a qualquer trâmite processual atinente a esse processo executivo. Mas não é assim. A reclamação do acto do órgão de execução fiscal iniciou-se com o requerimento da recorrente solicitando a correcção de um lapso que praticou na utilização do sistema informático quando pretendia inserir esta e outra execução no programa Peres. A ligação entre esse requerimento e a execução decorre apenas da circunstância de o órgão de execução fiscal, sem qualquer suporte legal, e, porventura por facilidade meramente operacional dos seus serviços, em vez de passar a tratar separadamente de ambas as execuções o referido requerimento, que dizia respeito à adesão ao Programa Peres e não a qualquer processo executivo – no sentido de ser dele um incidente ou trâmite legal de qualquer género – o ligar umbilicalmente à dita execução, como poderia ter efectuado relativamente à que se encontra ainda pendente. Talvez tenha sido mero acaso que ajudou a criar uma teia de confusões que conduziram a este recurso, que, não fora elas, poderia ter sido evitado.
Assim a ligação entre o requerimento de correcção do lapso na candidatura de adesão ao programa Peres e o processo executivo é errónea, juridicamente insustentada e, por essa razão de mera lógica cartesiana nunca poderia ser susceptível de, por si mesma, determinar a extinção da instância executiva por se não tratar de facto superveniente a ela relativo e que nela pudesse, de per si, e no estado processual actual, determinar qualquer efeito.
Verifica-se, pois, manifesto erro de direito na decisão recorrida que professou entendimento diverso, a determinar a sua revogação
A sentença recorrida não só poderia, como deveria ter apreciado a pretensão que lhe foi presente, a cujo conhecimento se furtou pela porta da inutilidade superveniente da lide e que consiste em definir, tão só, se o despacho que veio a indeferir o requerimento de correcção do lapso cometido na adesão ao Programa Peres enferma ou não de vício de ilegalidade.
Dispondo o processo de todos os elementos para o efeito, e sendo esse conhecimento coincidente com o objecto do presente recurso, passaremos, pois, à análise da legalidade da decisão de indeferimento adoptada em 16/06/2017, o Chefe do SF de Paredes, tal como mencionada na matéria de facto provada.
São fundamentos do indeferimento, como consta do teor de tal decisão que:
1. A posição dos Serviços Centrais é de que apenas poderá haver uma adesão por contribuinte,
2. não havendo lugar a alterações aos planos elaborados.
3. já não se toma viável a inclusão de outras dívidas no plano prestacional em vigor.

O pedido inicial, formulado pela recorrente e objecto do presente recurso prende-se, exclusivamente com a parte da sentença que definiu o seguinte:
Exmo. Sr. Chefe da Repartição de Finanças de Paredes,
No processo de adesão ao PERES da empresa acima referenciada pretendia-se ter feito a adesão nos processos facultativos suspensos:
1848201201026607
1848201301095170
tendo inadvertidamente obtido o termo de adesão apenas no processo 1848201201026607, existindo a limitação no sistema de, após esta adesão facultativa, fazer a inclusão do outro processo.
Tratando-se de um lapso técnico, pois é manifesta a vontade de fazer a adesão ao PERES para ambos os processos, agradecia que V. Exas se dignasse a fazer a inclusão do processo 1848201301095170 no PERES, e a gerar a respectiva guia de pagamento.
Permita-me também manifestar a estranheza da impossibilidade dos processos não poderem ser objecto de uma adesão independente, pois são ambos de natureza facultativa, e têm origem em processos que ainda estão em análise e foram objecto de impugnação e poderão ter um desfecho diferente.
Pede deferimento,
………………..

A sentença recorrida julgou já provado que:
T. Ao efectuar a adesão referida em I), a Reclamante por lapso inseriu apenas o processo n.º 1848201201026607, quando pretendia adicionar, também, o processo n.º 1848201301095170 [admitido por confissão (cfr. ponto 4.° da PI) e corroborado pela documentação junta ao autos fls. 185 verso do p.f.];

Do mesmo modo, existe prova nos autos que a recorrente, no mesmo dia em que obteve essa errada, por incompleta, adesão ao Programa Peres requereu junto da Administração Tributária a correção do lapso que o sistema informático não permitia, pedido que foi renovando, insistentemente depois, até receber a decisão de indeferimento seis meses depois.
Diz a decisão reclamada que apenas poderá haver uma adesão por contribuinte, não havendo lugar a alterações aos planos elaborados e que já não se toma viável a inclusão de outras dívidas no plano prestacional em vigor.
A recorrente nunca pretendeu ou requerer mais que uma adesão ao plano Peres. Requereu correcção do lapso que cometeu inadvertidamente ao fazer constar desse pedido de adesão apenas uma execução quando pretendia inserir duas. Pretende, pois, uma única adesão que contenha em si duas execuções, o que a lei admite. O seu pedido foi formulado logo que ocorreu o lapso, no último dia do prazo de adesão, que veio posteriormente a ser prorrogado. Não formulou, posteriormente qualquer outro pedido, tardio, de segunda adesão àquele plano.
Se a Administração Tributária houvesse diligenciado, como era seu dever legal, art.º 55.º e 56.º da Lei Geral Tributária, pela correcção do lapso, que a sentença veio a considerar provado que era um mero lapso de inserção de dados num sistema informático, anulando a adesão incorrecta e permitindo que o contribuinte completasse a sua adesão, nos termos pretendidos que eram conformes com a lei, toda a discussão subsequente não teria tido lugar, como, provavelmente não ocorreria a compensação e a consequente extinção da execução 1848201301095170 e o recorrente teria beneficiado da faculdade que a lei lhe conferia de proceder ao pagamento das suas dívidas fiscais em termos economicamente mais favoráveis.
O requerimento apresentado pelo recorrente de correcção do lapso de inserção no Programa Peres tem que ser analisado e decidido tendo em conta a situação tributária existente no momento da sua apresentação e não a actual situação que é fruto da não decisão desse requerimento e da não correcção do lapso, como se impunha, argumentando com o que existe e não deveria existir, apenas porque a Administração Tributária não teve a actuação diligente e legal que se impunha, e, usou essa omissão em desfavor do contribuinte praticando actos e desenvolvendo procedimentos que não poderia ter usado se tivesse procedido à correcção desse lapso.
Os sistemas informáticos existem para facilitar os procedimentos com o objectivo de pouparem recursos materiais e humanos quer aos contribuintes, quer à Administração Tributária. Nem sempre são dotados da maleabilidade necessária para serem acedidos por contribuintes menos afoitos nas lides informáticas, a quem se presta uma informação cibernética algo diversa de uma verdadeira comunicação na medida em que se mostre incapaz de levar a mensagem ao seu destinatário, sem ruídos e omissões. Os contribuintes não têm o dever legal de terem específica formação informática para cumprirem as suas obrigações fiscais e por mais «friendly» utilização que os sistemas informáticos possam facultar haverá sempre necessidade, aqui e ali, da intervenção humana, nos termos da lei e para alcançar a justiça do caso concreto, ultrapassando os desvios de comunicação ou utilização que apareçam neste contacto entre os contribuintes e a Administração Tributária.
A compensação foi possível porque o lapso de inserção do processo executivo no Programa Peres não foi corrigido, quando podia e devia ter sido corrigido. O pagamento integral do processo executivo 1848201301095170 sem os benefícios permitidos pelo Programa Peres ocorreu porque o dito lapso não foi atempadamente corrigido. A recorrente reafirmou, depois da compensação que mantinha o mesmo interesse na decisão do requerimento em que pedia a correcção do lapso anterior, o que arreda completamente que outro sentido se possa retirar da sua não impugnação desse acto de compensação. Todos estes actos são lesivos dos legítimos interesses patrimoniais da recorrente e a sua causa está numa tardia e errada decisão da Administração Tributária quanto ao requerimento inicialmente apresentado de correcção de um lapso de inserção no programa Peres, por via informática.
Grande parte dos danos decorrentes desta tardia e errada decisão serão monetários, sem que o dinheiro seja um bem perecível e sendo possível reacertar, por meros movimentos financeiros, o que correu menos bem, por forma a que o contribuinte pague o que é devido usando dos benefícios que a lei lhe conferiu, e, o erário público seja integrado dos valores devidos e de que não entendeu prescindir.
Impõe-se, pois, pelas razões expendidas anular a decisão recorrida e determinar que a Administração Tributária reaprecie o requerimento inicial apresentado, determine a correcção do lapso informático verificado, e reponha a situação que deveria ter ocorrido depois dessa correcção, com as demais consequências legais.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, anular a decisão reclamada que deve ser substituída por outra que determine a correcção do lapso de inserção no Programa Peres, com as demais consequências legais.
Custas pela recorrida que não pagará taxa de justiça dada a ausência de contra-alegações.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2018. - Ana Paula Lobo (relatora por vencimento) – António Pimpão - Ascensão Lopes (Vencido nos termos do voto em anexo)

Fiquei vencido por consideração do seguinte:

A questão a decidir é a de saber se, no caso, ocorre a inutilidade superveniente da presente lide, como decidiu o Tribunal "a quo", ou se, como sustenta o recorrente, deve, ser julgada procedente a sua reclamação, contra o despacho do OEF -Chefe do SF de Paredes - de 16/06/2017, referido supra, na alínea R) do probatório, na qual pede que o OEF profira despacho a admitir a sua adesão ao programa PERES no âmbito do processo judicial nº 592/13.4BEPNF mediante simples pagamento do montante de EUr. 7.156,17, relativo ao termo de adesão e por já ter sido paga a quantia de Euro 31.449,30
Vejamos:
Na altura da presente reclamação já tinha sido efectuada a compensação por iniciativa da administração fiscal conforme a prerrogativa que lhe é conferida pelo artº 89º do CPPT. A ora recorrente foi devidamente notificada da compensação efectuada e não reagiu sendo que nos articulados 16º, 17º, 35º e 37º da petição inicial de reclamação dá conta da sua realização e portanto não a desconhecia.
O seu pedido na presente reclamação em que questiona o despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Paredes proferido em 16/06/2017 destacado na alínea "R" do probatório é, no fundo, que lhe seja, ainda, (e não obstante ter aderido já ao referido programa para pagamento do processo executivo fiscal nº 1848201201026607) permitido aderir ao programa PERES com um segundo processo executivo; no âmbito do Processo Judicial nº 592/13.4 BEPNF no qual discutiu uma liquidação de IMT no valor de 77.986,97 Euros que deu lugar à instauração do processo de execução fiscal nº 1848201301095170) (vide fls. 21 dos presentes autos), sendo que esta impugnação foi julgada improcedente e terá transitado em julgado conforme o que refere nos articulados 14º e 15º da petição inicial que deu origem à presente reclamação.

Por sua vez o despacho reclamado sustenta o indeferimento da pretensão da reclamante em fazer a adesão ao programa PERES de um segundo processo executivo (o já referido processo de execução fiscal n° 1848201301095170) na orientação/informação dos serviços centrais da Autoridade Tributária de que não era permitida mais do que uma adesão ao programa PERES, tudo nos termos que constam da alínea "R" do probatório.

Aqui chegados a nosso ver deviam ser abordadas várias questões.

Em primeiro Lugar saber se está correcta a decisão de 1ª Instância que se decidiu pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide na circunstância de se ter entretanto extinto o processo executivo fiscal que a ora recorrente pretendia fazer incluir no programa PERES, por via da compensação de créditos da iniciativa da Administração Fiscal, compensação esta não impugnada.
Em segundo lugar apenas para o caso de a resposta à primeira questão ser negativa, saber se o despacho reclamado enferma de alguma ilegalidade face ao que dispõe o DL 67/2016 de 03/11/2016.

Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, por força do que dispõe o artº.551, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, está elencada a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).
Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
Assim, se por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se puder manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios (cfr. ac.S.T.A.- 2ª. Secção, 9/1/2013, rec.1208/12; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I vol., pág.512).
A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.
Especificamente quanto à acção executiva, tendo esta como escopo a cobrança coerciva de um crédito, através da busca e apreensão de bens, para posterior venda, somente fará sentido falar em inutilidade superveniente da instância executiva quando esta fica desprovida de qualquer objecto, ficando inutilizada porque não é capaz de prosseguir com o seu fim primordial, a realização coactiva da prestação. Fica, assim, o processo executivo despido do seu objecto e do seu fim. É, pois, mais uma forma de extinção da instância para além das causas nominadas previstas no art° 176° do CPPT, aplicável ao processo de execução fiscal como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.304 e seg..

A situação dos autos é, porém, peculiar, pois que no momento em que a petição de reclamação é apresentada já tinha sido extinto o processo que a recorrente pretendia incluir na sua adesão ao programa PERES. (negrito nosso)
Esta extinção não é, assim, posterior ao início da instância e não ocorre uma inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide. Daí que o julgamento efectuado, na 1ª instância, refira, a nosso ver indevidamente, esta causa de extinção da instância; não podendo sufragar-se tal fundamentação.
Assim, aqui chegados teríamos de verificar se o reclamante ainda tem (tinha) interesse em agir e caso o tenha teríamos subsequentemente de aferir da legalidade do despacho reclamado incluindo à luz do princípio da igualdade previsto na CRP.
Cremos que, a final a decisão recorrida acaba por estar certa embora não fosse de acompanhar a sua fundamentação.
No caso dos autos, está em causa um despacho que indeferiu/condicionou a inclusão no programa PERES de uma dívida exequenda certificada e exigida num determinado processo executivo fiscal, no caso o processo executivo nº 1848201301095170.
Este processo foi extinto por compensação (não impugnada) ainda antes da apresentação da presente reclamação.
Assim sendo, concordamos, como já se disse, que não será um caso de impossibilidade ou inutilidade da lide, por atenção aos seus parâmetros conceituais embora seja absolutamente exacto que a instância não possa manter-se pois que a dívida que se pretendia pagar ao abrigo do programa PERES já não existia na data da apresentação da reclamação ocorrendo pois uma inutilidade/impossibilidade originária da lide, reconduzível à falta de um pressuposto processual, que é a falta de interesse em agir, e que constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância da entidade demandada (artigos 577.º e 578.º do novo CPC).

De resto, consciente desta impossibilidade a própria recorrente nas conclusões do seu recurso refere que estavam reunidos os pressupostos para a efectivação da compensação e mais refere que não está em causa a "repristinação" daquela acção executiva, mas tão só colocar em causa uma decisão da Administração Tributária que privou a Recorrente de pagar a sua dívida tributária através do PERES. (sublinhado nosso).

Concede-se que a rigidez de sistemas informáticos colocados em plataformas electrónicas para as quais são remetidos "obrigatoriamente" os cidadãos interessados no seu conteúdo podem criar, no reverso da sua utilidade, situações impessoais que o tratamento humanizado das mesmas situações permitiria ultrapassar com mais facilidade, naturalidade e mais pronta justiça. Compreende-se até a indignação e o direito a tê-Ia, sempre com vista ao melhoramento da prestação de serviços ao cidadão e às empresas e espera-se, naturalmente um melhoramento contínuo das referidas plataformas, mas daí até à qualificação da sua existência e operacionalidade como ilegal vai uma grande distância no actual quadro legal e constitucional.
A título ainda meramente esclarecedor destaca-se que o DL nº 67/2016 de 03/11/2016 previa no seu número 1) que a adesão dos contribuintes a este regime (PERES) é feita por via electrónica no portal da AT até 20/12/2016 e no seu número 2) que: "No acto de adesão é exercida a opção pelo pagamento integral ou em prestações em determinado prazo nos seguintes termos:
a) Nas dívidas de natureza fiscal, a opção é exercida separadamente em relação a cada uma das dívidas"
b) Nas dívidas à segurança Social, a opção é exercida em relação à totalidade da dívida.
3- As dívidas em processo de execução fiscal em relação às quais seja exercida a opção pelo pagamento em prestações são cumuladas um mesmo plano prestacional.

E terá sido aqui, no nº 2 aI. a) do preceito, que o programa informático inserido na plataforma electrónica para acesso ao PERES terá ido buscar a sua rigidez consistente em impedir de forma fácil e pronta a correcção de qualquer lapso na introdução de mais do que um processo executivo no programa de pagamento em prestações. A imperfeição é, naturalmente, de lamentar atenta a certeza do adágio "errar é humano" mas não se patenteia ilegalidade dada a possibilidade conferida ao cidadão contribuinte de dívidas fiscais de inserir no programa PERES apenas os processos executivos que entendesse convenientes (veja-se que já essa possibilidade não foi conferida para o caso das dívidas à segurança social conforme resulta expressamente da aI. b) do nº 1 do artigo supra referido).
E decisivo, também, para a presente decisão como destaca a sentença recorrida, cuja fundamentação nesta parte para aqui se aporta, é o facto de a decisão e compensação não ter sido impugnada mediante reclamação do artº 276° do CPPT tendo-se firmado no ordenamento jurídico, dando lugar à extinção do processo de execução fiscal que é o objecto da presente acção.
Aqui chegados, cremos que não assiste razão à recorrente ainda que em termos conceituais não possamos falar de impossibilidade ou inutilidade da lide, sendo ainda de destacar que o tratamento discriminatório a que se refere não curou demonstração pelo que também não se pode falar em violação do princípio da igualdade.
Em conclusão: confirmaria a decisão recorrida com a presente fundamentação.

Ascensão Lopes