Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0942/18.7BEPRT
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23981
Nº do Documento:SA1201812180942/18
Recorrente:A....
Recorrido 1:ORDEM DOS ADVOGADOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A……………………. intentou, no TAF do Porto, contra a Ordem dos Advogados, a presente providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Superior daquela Ordem, de 12/01/2018, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão pelo período de quatro anos.

Aquele Tribunal, por sentença de 12/07/2018, indeferiu a requerida providência.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte manteve.
É desse acórdão que a Autora vem recorrer ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Autor pediu, no TAF do Porto, a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados que, na sequência de condenação crime, lhe aplicou a pena de suspensão pelo período de quatro anos.
Aquele Tribunal indeferiu o requerido pela seguinte ordem de razões:
“…
No seguimento do que acima se deu como não provado, a Requerente não logra demonstrar com a certeza e segurança jurídica necessárias que não disponha de rendimentos ou de poupanças que lhe permitam fazer face às despesas de que carece. Da mesma forma, nem sequer logra demonstrar a exata composição do agregado familiar. Significa isto, que a Requerente não logrou demonstrar que a suspensão do exercício da atividade implica deixar de ter rendimentos, uma vez que não se sabe quais são os seus rendimentos (pois que poderá ter outros para além dos decorrentes do exercício da advocacia), nem se possui depósitos bancários. Nada.
Face ao exposto, considera-se não ocorrer uma situação de periculum in mora.

Ora, a decisão disciplinar de suspensão de atividade, significa que a Requerente se encontra a cumprir a pena em que foi condenada. Ou seja, a pena é executada, sem se saber se é ou não devida. Quer isto dizer, que quando a ação principal for decidida, já a pena poderá estar executada na sua plenitude. Aqui sim, é que ocorre uma situação de facto consumado, pois a haver procedência da ação principal, já não pode a situação de facto ser revertida ... . Assim, os interesses de facto que a Requerente visa assegurar no processo principal estarão ultrapassados quando a ação de que esta providência depende estiver decidida.
Face ao exposto, considera-se ocorrer uma situação de facto consumado.
*
Atendendo a que se julga ocorrer uma situação de facto consumado, compete saber …. se se mostra deveras provável que obtenha ganho de causa na ação principal, conforme obriga o regime atual do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
…..
Conforme a própria reconhece, não é verdadeira a sentença que simulou. Com essa conduta colocou em causa a respeitabilidade das instituições, como os Tribunais, a Ordem dos Advogados ou até, se se quiser, o múnus do exercício da advocacia. Situação que coloca em causa, de forma muito grave, a honorabilidade e a respeitabilidade da Advocacia. Isto porque, seria o caos no exercício da advocacia se os Advogados pudessem falsificar documentos judiciais, pelo que a conduta da Requerente também é deveras infiel ao exercício da profissão, minando os alicerces de toda uma profissão que se quer proba e íntegra.
Para além disso, a sua conduta não foi íntegra, nem teve lisura, pois que não se coibiu de praticar toda uma série de atos e procedimentos fraudulentos, com a intenção de fazer passar a mensagem de se tratarem de atos verdadeiros.
….
Conforme acima analisado, conclui-se não ter a Requerente, pelo seu lado, na máxima intensidade, a aparência do direito, pelo se afigura não poder obter provimento na ação principal.
Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos para não conceder a providência cautelar.

O TCA, para onde a Autora apelou, confirmou decisão, com um discurso de que se destaca:

E face aos circunstanciados factos apurados nessa sede, sumariamente se afigura que não logra a recorrente contrariar o juízo do tribunal “a quo”, ao julgar ler a sanção - suspensão por 4 (quatro) anos - que recaiu sobre a requerente da providência âncora legal, sopesando hipótese seja sob égide de aplicação do EOA 15/2005, de 26/01 (e sucessivas alterações), seja em eventual equacionamento de favor da Lei n.° 145/2015, de 09/09.
Sem que essa sanção, ou a graduação encontrada, firam proporcionalidade, em qual das declinações de perspectiva deste princípio; não cai nem se aproxima de desproporção; não certamente pelo apelo que a recorrente faz quanto ao seu agregado familiar e rendimentos, face ao atendível limite dos factos que se encontram fixados.
No que toca aos restantes princípios que a recorrente afirma como violados, alega sem consubstanciar, tal como quando aponta violação do conteúdo essencial de um direito fundamental …. ou com desconecto apelo normativo, ao invocar violação do “direito ao trabalho constitucionalmente consagrado no artigo 65º da C.R.P., que garante a subsistência de duas menores filhas da requerente que nada têm a ver com a presente situação” …
E «Faltando o fumus boni iuris, por não ser provável a verificação das ilegalidades imputadas ao acto suspendendo, a providência cautelar soçobra de imediato.»

3. A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique a alteração desse entendimento.
Com efeito, a única questão que aqui se coloca é a de saber se o TCA decidiu bem quando, sufragando a decisão do TAF, concluiu que se não verificava o fumus boni iuris e, com esse fundamento, indeferiu a requerida medida cautelar. Conclusão que decorreu de não ser de admitir a verificação das ilegalidades imputadas ao acto suspendendo, conclusão que tudo indica não merecer censura.
De resto, essa questão, atentas as especificidades do caso concreto, não pode ser qualificada como uma questão de grande relevância jurídica ou social.
Acresce que as instâncias decidiram convergentemente essa questão e fizeram-no com uma fundamentação jurídica convincente, razão pela qual também se não justiça a sua admissão para uma melhor aplicação do direito.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.