Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0135/12.7BEMDL 0977/17
Data do Acordão:02/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO SOBRE VEÍCULO
ISENÇÃO
TRANSMISSÃO MORTIS CAUSA
Sumário:As condições pessoais exigidas para que pudesse funcionar a isenção de ISV relativamente ao importador originário, a idade e a habilitação legal para conduzir, eram de aplicação universal, quer aos importadores originários, quer aos seus herdeiros, não se vislumbrando que pudesse ocorrer uma diferenciação negativa restrita aos herdeiros menores que não fosse igualmente aplicável a todos aqueles que tivessem adquirido a propriedade de um veículo no estrangeiro e quisessem proceder à sua importação por ocasião da mudança de residência.
Nº Convencional:JSTA000P24217
Nº do Documento:SA2201902130135/12
Data de Entrada:09/13/2017
Recorrente:A.......
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……….., inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (TAF de Mirandela) datada de 10 de Fevereiro de 2017, que julgou improcedente a Impugnação judicial deduzida, contra a liquidação de Imposto sobre veículos, no valor de € 6.987,09.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1º Com base no artigo 50º 1 do ClSV (na redação a data dos factos dada pela Lei nº 64-A-2008 de 31 de Dezembro) foi liquidado o imposto no montante de 6.987,09€, a pagar pela herança do falecido B………, cuja representante e cabeça de casal é aqui a impugnante e o seu único herdeiro é o seu filho menor que à data do óbito do seu pai ainda não tinha nascido e quando o imposto foi liquidado tinha dois anos de idade.
2º Objetivamente é impossível ao único herdeiro (conforme resulta provado dos documentos que se encontram nos autos) cumprir os requisitos mencionados no artigo 49º do mesmo diploma, para poder continuar com a isenção do imposto sobre veículos aquando da transferência de residência de um país terceiro para território nacional, que havia sido concedida ao seu pai.
3º Essa impossibilidade resulta da sua idade (menoridade) o que o impede de ter acesso a carta de condução, já que o mesmo reside em território nacional.
4º Somos de opinião que a interpretação normativa que o I. Tribunal deu ao artigo 49º, 1 do ClSV viola o artigo 13º, 1 da CRP, bem como o artigo 21º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
5º O que torna a decisão inconstitucional e contrária à lei.
6º O l. Tribunal decidiu pela improcedência da impugnação pelo facto do herdeiro não poder cumprir os requisitos não vislumbrando que a decisão da administração pública seja desproporcional ou desigual.
7º Tal interpretação não merece a nossa concordância porque trata de forma diferente os filhos maiores e menores.
8º Se o único herdeiro tivesse dezoito anos Já poderia continuar a beneficiar da isenção ou pelo menos teria todas as condições para continuar com esse benefício (é a interpretação que fazemos da douta sentença recorrida) o que colide com o princípio da igualdade exigido pelo artigo 13°, 1 da CRP e a proibição da discriminação em razão da idade prevista no artigo 21º da Carta dos Direitos da União Europeia.
9º Desta forma, a interpretação que deveria ter sido dada ao artigo 49º,1 do ClSV em consonância com o artigo 13º 1 da CRP e o artigo 21º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, seria que “O direito às isenções previstas no ClSV são transmissíveis mortis causa caso se verifiquem no transmissário os respectivos pressupostos ou tal não aconteça por razões que objectivamente não lhe podem ser imputáveis como a menor idade” mas a que foi dada é inconstitucional porque diferencia os filhos menores, dos maiores.
10º Ou então à cautela de patrocínio sempre se dirá que foi conferida ao artigo 49º, 1 do CISV é inconstitucional porque deveria obedecer ao princípio da igualdade (artigo 13º 1 da CRP) e não o faz.
11º Confere sempre aos herdeiros maiores (que são os que têm a possibilidade de cumprir os requisitos legais) um benefício, que os menores nunca terão porque jamais poderão ter carta de condução (por exemplo), o que os diferencia negativamente de forma inadmissível à luz do artigo 13º, 1 da CRP.
12º Além de que previsão do artigo 49º do ClSV e outras normas legais, como o artigo 50º do mesmo diploma e ao caso aplicável têm de se referir (na nossa opinião) a situações em que haja por parte do transmissário a possibilidade de cumprir os pressupostos exigidos.
13º No caso em concreto de momento não é possível esse cumprimento (o único herdeiro é menor).
14º Se a interpretação não for essa (como aconteceu com a douta sentença recorrida) estará em causa a violação do princípio da proporcionalidade num sentido mais estrito, ou seja, a lesão tem de ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (relação custo/beneficio) e da igualdade exigível em todas as decisões administrativas (não há nenhuma justificação objectivamente para a diferença de tratamento entre os filhos maiores e menores de idade).
15º Com a reforma do CPA até foi inserido o Princípio da Razoabilidade, que obriga a rejeitar as soluções manifestamente injustas desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito (art. 8º CPA),
16º O que nos parece, que acontece no caso em apreço, já que resulta da decisão de que se recorre que os filhos maiores podem ter direitos (neste caso beneficiar da isenção de um imposto que o de cujus-pai-, beneficiou e que se transmite por morte) que os menores jamais terão acesso.
17º Em situações em que haja um filho maior e outro menor, podem ter ambos tratamentos diferentes em razão da idade o que seria incompreensível!!!
18º Por tudo o exposto não deveria ser cancelado o benefício atribuído ao pai de cujus, devendo o menor continuar a beneficiar dele, não sendo ordenada a sua reposição porque a sua obrigação extingue-se por razões objectivas relacionadas com a sua tenra idade, sendo-lhe completamente impossível cumprir os pressupostos legais, devendo como tal o acto de liquidação ser anulado, tal qual os fundamentos em que o mesmo foi fundamentado.
19º Ao não ter assim sido decidido foram violados pelo Doutro Tribunal, os artigos 6º e 7º, 2 e 8º do CPA (na sua redação atual), bem como o artigo 99º do CPPT.
Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, designadamente a declaração de inconstitucionalidade dos entendimentos normativos em pauta e caso assim não se entenda do próprio artigo 49º, 1 do ClSV e caso assim não se entenda, deve o presente recurso proceder, revogando-se a douta sentença recorrida e julgando a impugnação deduzida procedente por provada, fazendo aliás, como sempre, JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.
O Ministério Público emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. O veículo marca Seat, modelo Leon, matricula portuguesa……….. e propriedade de B………., foi legalizado através da declaração aduaneira de veículo (DAV) n.º 2009/10914 de 2009/04/28, ao abrigo do disposto no art. 58º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei 22-A/2007 de 29 de Junho, que regula a isenção do imposto sobre veículos aquando da transferência de residência de um país terceiro para território nacional, pelo que não foi paga qualquer quantia a título de ISV, IVA ou direitos;
2. O veículo em causa obteve matrícula nacional em 2009/06/02 e o beneficiário faleceu em 18/10/2009;
3. A………. foi constituída cabeça de casal da herança, na qualidade de representante legal do seu filho menor e único herdeiro, C……….., nascido em 17/11/2009;
4. Em data não alegada a impugnante foi notificada da liquidação de Imposto sobre veículos cobrança a posteriori) e para pagar o montante de 6.987,09€;
Nada mais se deu como provado.
Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Entende a recorrente que a interpretação que o Tribunal recorrido fez do disposto no artigo 49º, n.º 1 do Código do Imposto Sobre Veículos viola o princípio da igualdade consagrado constitucionalmente, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade consagrados no Código do Procedimento Administrativo, bem como o disposto no artigo 99º do CPPT.
O tribunal a quo pronunciou-se sobre as questões colocadas nos seguintes termos:
O filho menor do transmitente não reunia os pressupostos de isenção de ISV previstos no art.º 58.º (cfr. art.º 49.º):
Não é maior de 18 anos (à data de entrada da acção tinha 2 anos de idade) e é notório que não está habilitado a conduzir- pelo que o cálculo do imposto residual, relativo ao tempo em falta para o prazo de 5 anos fixado no art.º 50.º, foi bem liquidado pela AT.
Salvo o devido respeito o raciocínio tido pela Impugnante no art.º 7.º da PI, de que é impossível ao transmissário cumprir os pressupostos que a legislação impõe, que o desoneram da obrigação, não pode proceder porque, se assim fosse, e com esse fundamento, qualquer menor não habilitado para conduzir, noutras circunstâncias, também poderia obter a isenção de ISV porque objectivamente não poderia cumprir os requisitos da isenção.
Por outro lado, não vemos no que é que foi violado o princípio da proporcionalidade e da igualdade relativamente ao transmissário.
O princípio da proporcionalidade implica a necessidade de adequação das medidas administrativas aos objectivos a serem prosseguidos, por um lado, e a necessidade de equilíbrio entre os interesses públicos e privados, não podendo ser infligidos sacrifícios desnecessários aos destinatários das decisões administrativas, por outro.
Este princípio, no dizer de Freitas do Amaral e outros, in CPA anotado, 3ª edição, pág. 42, permite aos tribunais penetrar no âmago das decisões administrativas, controlando a própria correcção dos critérios de decisão utilizados, o que é sobretudo importante no domínio da discricionariedade.
Contudo, não foi infligido qualquer sacrifício desnecessário porque o que está em causa é o cumprimento da lei, e o cumprimento do princípio da legalidade, a que a Administração está vinculada.
O princípio da igualdade plasmado no art. 13.º da CRP, e consoante os ensinamentos de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in CRP anotada, Coimbra Editora 2005, que partilhamos, tem, sucintamente, dois sentidos: aquele que consiste na vedação de privilégios e de descriminações (sentido negativo) e o seu sentido mais exigente que é o sentido positivo: a) tratamento igual de situações iguais; b) Tratamento desigual em situações desiguais; c) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais; d) tratamentos das situações não apenas como existem mas também como devem existir; e) Consideração do princípio não como uma “ilha”, antes, como princípio a situar no âmbito dos padrões materiais da Constituição.
Ora, não inovando a lmpugnante factos que nos levassem a diferentes conclusões, desconhece-se que a AT tivesse tratado de maneira diferente casos idênticos ao dos autos.
No essencial considerou-se que não se mostram violados os princípios invocados pela recorrente por a questão de facto dos autos não poder ser subsumível à previsão da norma.
À data dispunha o n.º 1 do artigo 49.º do ClSV que o direito às isenções previstas no presente código é transmissível mortis causa caso se verifiquem no transmissário os respectivos pressupostos, aplicando-se, de outro modo, o regime prescrito no artigo seguinte, o ónus da tributação residual, cfr. artigo 50º.
Resulta da matéria de facto que a isenção do imposto sobre veículos foi concedida ao autor da sucessão nos termos do disposto dos artigos 58º a 60° do mesmo código, ou seja, em decorrência de transferência de residência de país terceiro para Portugal.
Ocorrendo este circunstancialismo, o regime regra da tributação não é aplicável, ou seja, é concedida a isenção, quando o veículo se destine a ser introduzido no consumo por ocasião da transferência normal de residência para território nacional, cfr. artigo 60°, n.º 1, al. a) e, entre outros requisitos, o proprietário tenha 18 ou mais anos de idade e esteja habilitado a conduzir, cfr. artigo 58º, n.º 1 do mesmo código.
Portanto, ao contrário do alegado pela recorrente, o legislador não editou uma norma que aplicada na sua literalidade origina, ou pode originar, desigualdades entre herdeiros maiores e herdeiros menores.
Na verdade, estes requisitos da maioridade e da habilitação legal para a condução não eram de aplicação exclusiva aos herdeiros do autor da sucessão que tenha beneficiado da isenção, eram aplicáveis ao importador originário do veículo por ocasião da mudança da sua residência e, nessa medida, constituíam uma condição sine qua non para a concessão do benefício da isenção aquando da importação.
Ou seja, a eventual desconformidade com os parâmetros constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da adequação não reside no regime previsto no artigo 49º que regula os casos de transmissão do veículo por morte do importador originário, quando muito poderia residir nas próprias regras respeitantes à pessoa do contribuinte importador que estabelecem o regime da isenção por ocasião da mudança de residência; tratam-se, porém, de escolhas e opções do legislador que não podem ser sindicadas pelos Tribunais.
Assim, podemos surpreender com facilidade que as condições pessoais exigidas para o importador originário, a idade e a habilitação legal para conduzir, eram de aplicação universal, quer aos importadores originários, quer aos seus herdeiros, não se vislumbrando que pudesse ocorrer uma diferenciação negativa restrita aos herdeiros menores que não fosse igualmente aplicável a todos aqueles que tivessem adquirido a propriedade de um veículo no estrangeiro e quisessem proceder à sua importação por ocasião da mudança de residência.
Concluímos, assim, que não se mostram violados os parâmetros e princípios constitucionais invocados pela recorrente.
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Francisco Rothes – Ascensão Lopes (vencido conforme voto em anexo).









Recurso nº 135/12.7BEMDL
Votei vencido por concordar com a alegação de que a interpretação efectuada pela AT do disposto no artigo 50º 1 do CISV (na redacção à data dos factos dada pela Lei n° 64-A-2008 de 31 de Dezembro) a qual determinou a liquidação do imposto sobre veículos no montante de 6.987,09€, a pagar pela herança do falecido B………., que deixou como seu único herdeiro o seu filho menor, que à data do óbito do seu pai ainda não tinha nascido, colide desde logo com o artigo 13°, 1 da CRP, e bem como o artigo 21ºda Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podendo ainda questionar-se a violação do direito à propriedade privada e à sucessão, contidos no artigo 62º nº 1 da mesma CRP.
No caso dos autos é objectivamente impossível ao único herdeiro, que é menor, cumprir os requisitos mencionados no artigo 49º do CISV (designadamente obter carta de condução).
Para evitar desproporções ou injustiças derivadas do teor do artigo 49°, 1 do CISV na sua redacção à data de 2009, este tem de ser interpretado, desde logo, em conjugação/consideração do disposto nos artigos 13° nº 1 da CRP e 21° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Na interpretação do mesmo preceito haverá ainda que obstar a que se chegue a soluções manifestamente injustas, desrazoáveis ou incompatíveis com os princípios contidos no artigo 8º do CPA (normativo subsidiário do CPPT) o qual dispõe que “A Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa”.
A fim de salvaguardar o respeito por tais princípios não nos repugna uma interpretação extensiva do disposto no artº 49º nº 2 do CISV, no sentido de equiparar o menor ao incapaz pois para o exercício da condução o resultado acaba por ser o mesmo.
Finalmente encontramos alguma incoerência/desarmonia no teor do nº 1 do artº 49º do CISV ao estipular que “1 - O direito às isenções previstas no presente código é transmissível mortis causa caso se verifiquem no transmissário os respectivos pressupostos, aplicando-se, de outro modo, o regime prescrito no artigo seguinte”, pois que em bom rigor a transmissão de direitos em abstracto só pode ocorrer enquanto a isenção não for exercida e, por outro lado o cumprimento ou incumprimento do período de 12 meses de intransmissibilidade previsto no artº 50º nº 1 só faz sentido se atinente a transmissão em vida. De facto, a transmissão por morte não se compadece com vontades subjectivas, pois ocorre por força das leis e da natureza da vida e sendo a renúncia à herança impossível de ser fixada apenas no veículo automóvel em causa, então temos que o próprio direito à sucessão e propriedade privada está sempre colocado em causa na interpretação efectuada pela AT.
Por tudo o exposto sumariamente entendemos que da conjugação dos preceitos que determinaram a liquidação devia retirar-se a seguinte interpretação: “As isenções previstas e obtidas no âmbito do CISV e neste consideradas como transmissíveis mortis causa, não sofrem revogação total ou parcial, caso se verifiquem na pessoa do transmissário os respectivos pressupostos ou caso tal não aconteça por razões que objectivamente não lhe podem ser imputáveis como por exemplo a sua menoridade à semelhança do que sucede com os incapazes (artº 49º nº 2 do CISV)”.
Por tudo o exposto, entendemos que o acto de liquidação devia ser anulado e concederíamos, pois, provimento, ao recurso com as legais consequências.

Ascensão Lopes