Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0675/09.5BECTB 0586/17
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:EMPRESA MUNICIPAL
CONTRATO PROGRAMA
IVA
Sumário:I - As empresas do sector empresarial local são, à luz do direito europeu, organismos de direito público quando actuam na qualidade de autoridade pública (distinguindo-se pelo exercício da sua actividade de operadores económicos privados) e, por isso, beneficiam do regime de não sujeição a IVA do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.
II - Os contratos programa celebrados entre os municípios e as empresas do sector empresarial local, para regular as tarefas nelas delegadas “constituem contratos de direito administrativo destinados a definir a missão, responsabilidades e as respectivas dotações financeiras que são transferidas do Município para as empresas locais, não revestindo a natureza de contratos de prestação de serviços realizados a título independente”
Nº Convencional:JSTA000P26340
Nº do Documento:SA2202009160675/09
Data de Entrada:05/24/2017
Recorrente:FUNDÃO VERDE ESPAÇOS E JARDINS, E.M.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- Fundão Verde Espaços e Jardins, EM, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, em 30 de Novembro de 2016, que julgou improcedente a impugnação que intentara contra as liquidações oficiosas do IVA e respectivos juros compensatórios n.ºs 09078102, 09078104, 09078106, 09078108, 09078110, 09078112, 09078114, 09078116, 09078118, 09078120, resultantes da inspecção fiscal aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no valor global de 140.325,96€, apresentado, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
«[…]
1. A ora arguida era uma empresa municipal detida a 100% pelo Município do Fundão.

2. O Município do Fundão constituiu tal sociedade, ora recorrente, por duas ordens de razões, a saber.

a. A primeira porque pretendia, no seguimento de contactos com o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional), ajudar à reinserção socioprofissional de desempregados de longa duração ou em situação de desfavorecimento face ao mercado de trabalho, que o desejassem fazer na área do Concelho do Fundão:

b. A segunda porque, para cumprir com o primeiro desiderato, desejava transferir para esta sociedade as competências que por lei tem na área do tratamento dos espaços verde públicos (a denominada estrutura verde)

3. As empresas municipais visam, exclusivamente, a realização de competências dos municípios e podem, nos termos da lei celebrar com estes contratos programa e/ou verem nelas ser delegadas competências daqueles.

4. O artigo 20º da lei 53-F/06 atrás referido consigna expressamente que as empresas municipais de prestação de serviços de interesse geral dependem da celebração de contratos de gestão com as entidades participantes.

5. A única entidade participante no capital da ora recorrente - Fundão Verde - Espaços e Jardins, EM era o Município do Fundão.

6. A Fundão Verde celebrava, anualmente, com o Município do Fundão, contratos programa pelo qual este transfere para aquela a competência para a prática dos serviços na área da manutenção/criação da estrutura verde.

7. Nos termos dos Estatutos do ora recorrente dado que o único accionista é o Município do Fundão o órgão Assembleia-geral da mesma é a Assembleia Municipal do Concelho do Fundão.

8. Por este motivo e por imposição legal e estatutária, a ora recorrente, está obrigada a apresentar à Assembleia Municipal do Fundão quer o plano de actividades e orçamento global quer as contas do exercício e os seus relatórios justificativos.

9. Uma coisa é a celebração do contrato programa, que é celebrado com a Câmara Municipal do Fundão - depois de esta obter a competente autorização da Assembleia Municipal - outra é a aprovação do orçamento e das contas da ora recorrente.

10. Estes instrumentos são completamente autónomos, ainda que aprovados pelo mesmo órgão a Assembleia Municipal do Fundão.

11. A Assembleia Municipal do Fundão pode aprovar o contrato programa que o Município lhe apresente mas pode recusar o plano de actividades da Fundão Verde - Espaços e Jardins, EM, ora recorrente, ou tendo aprovado este pode recusar as contas da Fundão Verde - Espaços e Jardins, E.M.

12. A ora recorrente não é, ao contrário do que se refere na douta sentença recorrida uma prestadora do Município do Fundão, ao invés, a Fundão Verde - Espaços e Jardins, E.M., era a empresa municipal de carácter geral para a qual o Município do Fundão transferiu a competência da realização de tarefas de serviço público geral que são exclusivamente da sua responsabilidade.

13. Sendo que, o montante que o Município do Fundão transferia para a ora recorrente não era a contrapartida das actividades que a esta desenvolve - daí a sua não sujeição a tributação - mas antes a atribuição à Fundão Verde - Espaços e Jardins, E.M. dos meios necessários para que ela concretize uma obrigação geral e universal - pois os jardins e espaços verdes porque públicos são de utilização de todos - e ao mesmo tempo contribua para a reinserção socioprofissional daqueles cidadãos atrás referidos e em especial situação de desfavorecimento.

14. Uma prestação de serviços só é efectuada a título oneroso e tributável se "existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contra valor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário" Acórdão de 30.03.1994, Tolsma, C-16/93, n.º 14.

15. A ora recorrida tem a especial obrigação de relatar à sua Assembleia Geral, que é a Assembleia Municipal do Fundão, no exercício da obrigação de transparência que a lei lhe impõe onde, como e aonde vai, previsivelmente - no orçamento - ou gastou efectivamente - na prestação de contas - os recursos que pelo contrato programa o Município do Fundão lhe pôs à disposição para a concretização de delegação de competências.

16. A Fundão Verde actuou na totalidade do seu serviço, que é a manutenção de espaços verdes, no âmbito do seu poder de autoridade delegado.

17. Por outro lado, os proveitos da ora recorrente foram pagos pelo IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) e pela Câmara Municipal do Fundão, e não por privados.

18. E destinaram-se exclusivamente para pagar os custos de reinserção social de desempregados na manutenção de espaços verdes, propriedade da Autarquia, para utilização pública, sem qualquer concorrência à iniciativa privada.

19. Por outras palavras, a Empresa Municipal, ora recorrente cumpre o n.º 2 do art. 2.º do CIVA, uma vez que realiza operações no exercício dos seus poderes de autoridade uma vez que a sua não sujeição não originou distorções de concorrência, cumprindo assim o pressuposto previsto no n.º 4 do art. 2.º do CIVA.

20. A recorrente não exerceu qualquer das actividades referidas no n.º 3 do art. 2.º do CIVA, a saber: a) Telecomunicações; b) Distribuição de água, gás e electricidade; c) Transporte de bens; d) Prestação de serviços portuários e aeroportuários; e) Transporte de pessoas; f) Transmissão de bens novos cuja produção se destina a venda; g) Operações de organismos agrícolas; h) Exploração de feiras e de exposições de carácter comercial; i) Armazenagem; j) Cantinas; I) Radiodifusão e radiotelevisão.

21. O objecto social da recorrente visava assegurar o tratamento e realização dos jardins e espaços públicos e a sua conservação e manutenção - estruturas verdes - na área do município do Fundão - para uma melhor qualidade de vida da população.

22. Por outro lado, a sua não sujeição a tributação não originou distorções de concorrência, nomeadamente, o facto do art. 31.º da Lei 58/98 (Lei que serviu de suporte legal à constituição da ora recorrente) referir que estes investimentos são de rendibilidade não demonstrada ou de adopção de preços sociais, estando as Empresas Públicas Municipais obrigadas a fazer contratos programa, que foi justamente o que fizeram.

23. Por outras palavras, o escopo social da ora recorrente não é lucrativo, vide Lei 58/98, 53F/06 e portarias 348-A/98, pelo que se pode concluir que investimentos de rendibilidade não demonstrada ou adopção de preços sociais, dificilmente podem ser aceites como causadores de distorções de concorrência.

24. A ora recorrente preenche os três requisitos cumulativos do n.º 2 do artigo 2 do CIVA

25. A aplicação do disposto no n.º 2 do art. 2.º do CIVA obriga ao preenchimento cumulativo de três requisitos, que se consideram verificados nestes autos, a saber: que estamos em presença do Estado, através de uma Empresa Pública Municipal; que a ora recorrente realizava operações no exercício dos seus poderes de autoridade e; finalmente, que a não sujeição a imposto não originou distorções de concorrência.

26. As actividades exercidas pela recorrente não são sujeitas a IVA, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 2.º do CIVA.

27. O artigo 31.º da Lei 58/98, refere que as subvenções são investimentos de rendibilidade não demonstrada ou que são uma mera adopção de preços sociais, e que as Empresas Publicas Municipais estão obrigadas a fazer contratos-programa.

28. Fica prejudicado o fundamento de definir estas subvenções como apoio à exploração numa óptica de mercado, já que a Lei não só prevê que são preços sociais, ou investimentos não rentáveis, como o próprio escopo social da recorrente assim como dos seus financiadores principais (C.M. Fundão e IEFP), não é lucrativo.

29. Este argumento permite concluir que as subvenções recebidas pela recorrente não estão directamente conexas com o preço de cada operação, mas antes com o custo das operações, constituído essencialmente por salários e matérias-primas.

30. Numa primeira análise, as subvenções que a recorrente recebeu, quer da Câmara Municipal do Fundão, quer do IEFP, servem para pagar salários e as matérias-primas para os trabalhadores poderem manter, recuperar, etc., os espaços verdes do Fundão e, foi sobre a projecção desse montante de despesas (salários e matérias primas), que foram calculados os financiamentos necessários, feitos sob a forma de subvenções.

31. Trata-se apenas de assegurar a actividade da recorrente através de comparticipação das despesas inerentes ao seu normal funcionamento, à sua normal subsistência, enquanto Empresa Municipal criada com o intuito de exercer poderes de autoridade delegados pela Autarquia que a criou, visando a reinserção social dos cidadãos do seu município.

32. Em momento algum podemos afirmar que, de forma inequívoca, estamos perante subvenções ligadas directamente ao preço de cada operação, uma vez que, para tal, teria de existir um elemento de conexão entre a subvenção e o preço das operações subvencionadas, resultante do facto do montante dos subsídios ser determinado com referência, quer ao preço da venda, quer às quantidades vendidas ou ao volume dos serviços prestados.

33. A prova mais idónea desse facto é a existência de um contrato quadro entre a ora recorrente e a Câmara Municipal do Fundão, onde o apoio financeiro é direccionado para o pagamento dos custos e subsistência económica dos trabalhadores.

34. No caso em apreço, estamos perante subvenções que se traduzem em subsídios, compensações financeiras a fundo perdido, recebidas a título de incentivo à criação do emprego, correspondente ao produto do número de postos de trabalho e de custos a eles associados, criados por um subsídio unitário, tendo em vista a reinserção social, assim como o apoio financeiro e económico da recorrente.

35. As subvenções da Câmara Municipal do Fundão são atribuídas em função do número de trabalhadores e de despesas de manutenção, não em função de um valor com referência directa ao preço do serviço a prestar, sem prejuízo da recorrente ter apresentado orçamento justificativo das despesas previstas.

36. A grande maioria dos custos da recorrente são para pagar salários, sendo que o montante de financiamento do IEFP se mostra insuficiente para esse fim, pelo que o montante financiado pela Autarquia do Fundão é igualmente utilizado com essa finalidade, bem como para o pagamento da compra das matérias-primas.

37. Por outro lado, o Plano de actividades é um plano obrigatório para efeitos de apresentação e aprovação junto da entidade Autárquica, sendo que estranho seria a Câmara Municipal do Fundão aprovar um financiamento sem ter um orçamento previamente apresentado.

38. O plano contém naturalmente dados objectivos que permitam orçamentar os montantes necessários para as actividades propostas mas, e aqui está a diferença, as actividades propostas não são prestações de serviços à Autarquia, mas antes serviços que a Autarquia tem que prestar no âmbito da sua actividade.

39. Por essa mesma razão é que o objecto social da Fundão Verde E.M. é a promoção da requalificação, bem como a concepção das estruturas verdes do Concelho do Fundão, pretendendo assegurar a melhoria da qualidade de vida da população local através da gestão, administração e conservação das estruturas verdes existentes ou futuras. A actividade contida no seu objecto social compreende a criação, ampliação, reparação, renovação e manutenção dos espaços verdes do Concelho, isto é, foi criada para somente deter um âmbito de intervenção geográfico concelhio.

40. Caso não existisse a Fundão Verde, a Câmara Municipal do Fundão teria de exercer a mesma actividade, por exemplo através de um Departamento Camarário específico, que também teria de apresentar um Plano de Actividades orçamentado.

41. Ora, nem todas as actividades exercidas pelas Autarquias estão isentas de IVA, da mesma forma que nem todas as subvenções estão isentas.

42. No caso concreto, o artigo 16, n. 5, alínea c), do CIVA, dá uma definição do que deve entender-se por "subvenções directamente conexas com o preço das operações", esclarecendo-se que são as "estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e que sejam fixados anteriormente à realização das operações", o que também impede que se considere para esse efeito todas as compensações por insuficiência de receitas de exploração, designadamente o financiamento da Autarquia à sua Empresa Pública Municipal de reinserção social para uma actividade no exercício dos seus poderes de autoridade.

43. Apesar da actividade da recorrente para terceiros ser residual, estamos perante um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, ou seja, enquanto sujeito passivo que pratica simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não confiram esse direito à dedução, pelo que terá de aplicar como forma de cálculo do imposto a suportar o método pro rata.

44. Sujeitos passivos de IVA são os sujeitos passivos de IVA que praticam, simultaneamente, operações (vendas ou prestações de serviços) que dão direito à dedução do IVA suportado nas compras (inputs) e operações que não conferem direito à dedução (como é o caso da maioria das vendas ou prestações de serviços que beneficiam de isenção de IVA), vendo limitado o seu direito à dedução desse IVA que suportam a uma percentagem (pró rata), que tem em conta o peso relativo das operações praticadas que conferem direito à dedução, no conjunto do total das operações por si praticadas.

45. A actividade da Impugnante a terceiros é, manifestamente residual, sendo que a restante actividade da Impugnante está, nos termos expostos ao longo da presente impugnação, isenta de IVA.

46. Face ao alegado ao aplicar, como aplica, aos presentes autos, o disposto na al. c) do n.º 5 do artigo 16 do CIVA, concluindo pela sujeição das subvenções recebidas ao IVA, o tribunal a quo faz uma errada aplicação e interpretação do direito;

Termos em que, sempre com o douto suprimento do V. Exas., deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências, tudo como é de inteira e liminar JUSTIÇA.
[…]».


2- Não foram produzidas contra-alegações


3- O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de no sentido de se dar provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação e anulando-se as liquidações sindicadas.


4- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
a) A 25/01/2006 foi aprovado pela Câmara Municipal do Fundão, o seguinte (cfr. documento de fls. 83 a 89 do PAT):
“Contrato Programa
Considerando que foi celebrado um contrato-programa, entre o Município do Fundão e a empresa municipal Fundão Verde - Espaços e Jardins E.M., no dia 26 de Julho de 2005, no âmbito do planeamento, gestão e realização de investimento no domínio dos espaços verdes;
Considerando que a cláusula sexta desse contrato previa que face a situações que viessem a emergir durante a vigência do mesmo e que implicassem a alteração de circunstâncias que determinaram os termos do contrato, ambos os outorgantes poderiam acordar sobre a revisão dos mesmos;
Considerando que foi aprovado em reunião ordinária da Câmara, datada de 23/12/2005 o plano de actividades e orçamento para 2006 da Fundão Verde - Espaços e Jardins, E.M. que fará parte integrante do presente contrato;
Considerando que nesse documento que, mensura, planeia e racionaliza as necessidades financeiras da Fundão Verde - Espaços e Jardins, E.M., se prevê para o ano de actividade de 2006, como contrapartida das obrigações assumidas no contrato-programa, a transferência, a ser feita mensalmente por parte do Município para a empresa, da quantia de € 18 000,00, valor não previsto no contrato inicial
Entre:
o Município do Fundão, pessoa colectiva n.º 506 215 695, com sede na Praça do Município, representada neste acto pelo Sr. Vice-Presidente da Câmara, Dr. ………….., na qualidade de 1.º Outorgante;
A Fundão Verde - Espaços e Jardins, Empresa Municipal, pessoa colectiva n.º 507 017 412 abreviadamente designada por Fundão Verde E.M., empresa pública municipal, com personalidade jurídica e dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com sede na Praça do Município, n.º 8, 1.º andar, Fundão, representada neste acto pelo Presidente do Conselho de Administração, Dr. ……….., na qualidade de 2.º outorgante, é celebrado o presente Contrato - Programa, ao abrigo do disposto no artigo 31.º, da lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais, e do artigo 21.º do Estatutos da Fundão Verde, E.M., de acordo com o disposto nas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira Objecto
Constitui objecto do presente Contrato Programa a implementação de uma Estratégia de criação e manutenção de espaços verdes na cidade do Fundão, no âmbito da qual se incluem as seguintes acções:
a) Criação de espaços verdes.
b) Manutenção de espaços verdes, nomeadamente a manutenção de jardins e a poda de árvores.
Cláusula Segunda
Obrigações do primeiro outorgante
No âmbito do presente Contrato Programa o Município do Fundão compromete-se a acompanhar e fiscalizar a execução física as acções elencadas na cláusula anterior.
Cláusula Terceira
Obrigações do segundo outorgante
No âmbito do presente Contrato Programa a Fundão Verde - Espaços e Jardins E.M. compromete-se a:
a) Promover a execução física das acções enunciadas na alínea a) da cláusula primeira, nos espaços verdes da cidade do Fundão;
a) Coordenar e agilizar todo o processo de desenvolvimento, manutenção e preservação dos espaços verdes da cidade do Fundão.
Cláusula Quarta
Abrangência temporal
A abrangência temporal dos trabalhos previstos na cláusula primeira corresponde ao ano de 2006.
Cláusula Quinta
Período de vigência
O presente Contrato Programa entra em vigor na data da sua assinatura, com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2006 e pelo prazo de 6 meses, renovável por igual período (...)
Cláusula Sexta
Execução financeira
Em face das obrigações atribuídas a cada um dos outorgantes, deverá o Município do Fundão proceder à transferência para a Fundão Verde - Espaços e Jardins, E.M., do valor correspondente ao investimento associado às acções por esta desenvolvida no âmbito deste contrato, num total de 108.000,00 € (cento e oito mil euros).
Cláusula Sétima
Forma de Pagamento
A liquidação do financiamento por parte do Município do Fundão depende da existência de dotação orçamental adequada e operar-se-á por transferência de capital, paga em prestações mensais iguais e sucessivas, no montante de € 18 000,00 (dezoito mil euros), que serão pagas até ao dia 20 de cada mês, na sequência da realização da despesa por parte da Fundão Verde - Espaços e Jardins, E.M., mediante a apresentação e aprovação dos respectivos documentos justificativos.”

b) A 12/09/2008 foi proferida informação e parecer no âmbito da análise interna às contas da impugnante, em sede de IVA, levada a cabo na sequência de pedido de reembolso, no sentido de se propor a abertura de uma ordem se serviço externa, aos anos de 2005, 2006 e 2007 (cfr. parecer da divisão de inspecção tributária, de fls. 7 a 9 do PAT);
c) Entre 27/11/2008 e 08/04/2009 decorreu inspecção externa à aqui impugnante (cfr. nota de diligência de fls. 57 do PAT);
d) De inspecção conclui a AT pela existência de IVA em falta no valor de 20.475,00 euros, relativos ao exercício de 2005, 45.360,00 euros, relativos a 2006 e 60.000,00 euros, relativos a 2007 (cfr. Quadro Resumo do Relatório de inspecção, de fls. 95 dos autos);
e) Lê-se do relatório de inspecção, além do mais, o seguinte (cfr. relatório de inspecção, de fls. 96 e ss, do PAT) [v., também, transcrições na sentença recorrida fls. 231 do Sitaf]
f) A 09/05/2009 foi emitido despacho de concordância com o relatório parcialmente transcrito na alínea anterior (cfr. despacho de fls. 92 dos autos);
g) A 29/05/2009 foram emitidas, dirigidas à impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios (cfr. documentos de fls. 42 a 61 dos autos);

Na sentença afirma-se ainda que não existirem factos não provados com relevância para a decisão».

2. Do direito

2.1. A questão que vem suscitada no âmbito do recurso resume-se a saber se estão ou não sujeitos a IVA os subsídios à exploração que o sujeito passivo e aqui recorrente, a empresa municipal Fundão Verde Espaços e Jardins, E.M., recebeu do Município do Fundão, ao abrigo do contrato programa celebrado entre as duas entidades.

2.1.1. No âmbito da inspecção tributária realizada entre 27/11/2008 e 8/4/2009, conclui a AT que os subsídios à exploração pagos pelo Município do Fundão à aqui Recorrente em 2006, constituíam prestações de serviços e, como tal, deveriam integrar o âmbito de incidência da al. c), do n.º 5 do artigo 16.º do CIVA (À data dos factos, dispunha a al. c), do n.º 5 do artigo 16.º do CIVA o seguinte: “As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações”.). A Recorrente contestou este enquadramento, alegando que aqueles pagamentos deveriam considerar-se isentos nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA (À data dos factos, dispunha o n.º 2 do artigo 2.º do CIVA o seguinte: “O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência.”.).

2.1.2. A sentença recorrida sufragou o entendimento vertido no relatório de inspecção tributária, concluindo pela incidência do imposto sobre os referidos subsídios à exploração, baseando essa decisão nos seguintes pressupostos jurídicos: i) a isenção de IVA prevista no n.º 2 do artigo 2.º só pode aplicar-se, em razão da exigência do princípio da neutralidade fiscal, quando estiver verificada uma triple condição: “estar em causa o Estado ou uma pessoa colectiva de direito público, quando realize operações no exercício de poderes de autoridade e que não provoquem distorções da concorrência”; ii) o não exercício de poderes de autoridade pela empresa, por a mesma se encontrar no domínio privado da administração e actuar no âmbito da actividade para com o município como um qualquer prestador de serviços; iii) os subsídios à exploração destinarem-se à compensação de reduções nos preços de venda de mercadorias e produtos, ou à compensação por perda de rendimento, sendo que a distinção entre os dois se faz, nomeadamente olhando para a forma de cálculo do valor do subsídio a atribuir e, neste caso, as subvenções eram calculadas com base nas necessidades de financiamento do sujeito passivo, coincidindo, portanto, com o valor das prestações de serviço a realizar, pelo que estaríamos perante preços e não perante verdadeiros subsídios à exploração.

2.1.3. Nas alegações de recurso, a Recorrente sustenta o erro de direito da sentença recorrida insistindo em que: i) a mesma deve ser qualificada como organismo de direito público à luz do direito europeu e, como tal, abrangida pela isenção de IVA do n.º 2 do artigo 2.º; que a relação jurídica que se institui com o Município por efeito da celebração do contrato programa não corresponde a uma prestação de serviços à luz da jurisprudência europeia firmada no acórdão Tolsma, C-16/93; iii) e que os subsídios à exploração não são subvenções em termos económico-privados, mas sim contrapartidas pelos encargos assumidos com a delegação das tarefas públicas, o mesmo é dizer que constituem a forma legalmente estabelecida para a remuneração dos encargos impostos por via do contrato programa.

E tem razão a recorrente.

2.2. De resto, é a própria Administração Tributária que, no Ofício Circulado n.º 30159/2014 (Disponível em: http://www.taxfile.pt/file_bank/news2514_1_1.pdf.), esclarece, por ocasião da aprovação da Lei n.º 50/2012 (que aprovou o Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local e das Participações Locais), que as empresas locais, que à luz do direito europeu são organismos de direito público, quando actuam na qualidade de autoridade pública (distinguindo-se pelo exercício da sua actividade de operadores económicos privados), beneficiam do regime de não sujeição a IVA do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.
De resto, como se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Abril de 2017 (proc. 1060/13), o TJUE, em resposta a um reenvio prejudicial, precisamente sobre a questão de saber se uma entidade do sector empresarial público (no caso do sector empresarial regional), quando actua ao abrigo de um contrato programa, deve ou não considerar-se abrangida pela isenção do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, esclareceu que “o conceito de «outros organismos de direito público» constante do artigo 13.º, n.º 1 da Directiva 2006/112 [Directiva IVA] não deve ser interpretado por referência à definição do conceito de «organismo de direito público» enunciado no artigo 1.º, n.º 9 da Directiva 2004/18/CE [Directiva contratos públicos] . Para efeitos de submissão ou não a IVA basta analisar se a entidade exerce a sua actividade económica como autoridade pública (leia-se, ao abrigo de uma delegação de poderes públicos, por exemplo, para a liquidação e cobrança de taxas) e se a isenção não é susceptível de conduzir a distorções na concorrência. Nesse aresto o TJUE confirma também que a prestação de serviços a autoridades públicas em conformidade com o definido nos contratos-programa constitui uma actividade económica.
E é isso que sucede neste caso, pois como bem explica a Recorrente nas suas alegações, estamos perante uma empresa municipal criada na vigência da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, de que o Município do Fundão é o único accionista e na qual o mesmo “delegou”, através do contrato programa aqui em apreço, a realização de um serviço de interesse geral, que consistia na manutenção/criação da estrutura verde do município. Para este efeito, não importa se na vigência da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, as entidades do sector empresarial local podiam ou não exercer também actividades económicas em concorrência com os privados, importa apenas que a actividade que em concreto era exercida ao abrigo do contrato-programa a que respeitam os subsídios à exploração aqui em análise não era uma prestação de serviços em regime de concorrência, antes correspondendo à gestão de um serviço de interesse geral em nome do município, que na vigência daquele diploma correspondia à actividade de uma empresa encarregada da promoção do desenvolvimento local (artigo 21.º) (e que na vigência da Lei n.º 58/98 se qualificava como a prossecução de um objectivo sectorial).
Lembre-se que o contrato-programa não era uma aquisição de serviços, como parece ser o entendimento vertido no relatório da inspecção tributária, mas sim o instrumento administrativo de gestão que disciplinava o exercício da actividade exercida pela empresa, em nome do município (artigo 31.º da Lei n.º 68/98 e artigo 23.º da Lei n.º 53-F/2006), funcionando este na vigência da Lei n.º 53-F/2006 como um instrumento suplementar da orientação estratégicas (artigo 16.º da Lei n.º 53-F/2006).
É esta também a qualificação que a AT, no Ofício Circulado n.º 30159/2014, apresenta para os contratos programa ao afirmar que os mesmos “constituem contratos de direito administrativo destinados a definir a missão, responsabilidades e as respectivas dotações financeiras que são transferidas do Município para as empresas locais, não revestindo a natureza de contratos de prestação de serviços realizados a título independente”.

2.3. É, pois, com base neste enquadramento jurídico institucional (orgânico-administrativo) e contratual que têm de ser qualificados para efeitos de IVA os subsídios à exploração. E é com base neste enquadramento que a AT afirma, no já referido Ofício Circulado n.º 30159/2014, que “nas situações de transferência de responsabilidades/atribuições de um município para uma empresa local, as transferências financeiras a efetuar são qualificadas pela lei como dotações financeiras ou subsídios à exploração, não assumem, as mesmas a natureza de contraprestação pela prestação de um serviço (ou pela entrega de um bem) ” e, nessa medida, “constituem atividades fora do campo de incidência do imposto”, i. e., são transferências financeiras sobre as quais não incide IVA.

2.4. Assim, reitera-se aqui o já decidido por este Supremo Tribunal Administrativo no recente acórdão de 27 de Novembro de 2019 (proc. 0431/10.8BEVIS 01481/17): “A autoridade tributária absorveu no seu seio as orientações recentes do TJUE nesta matéria-oficio circulado nº 30159/2014 de 18-06-2014, da AT AGT-IVA-embora já ao abrigo da Lei 50/2012 de 31/8 que entretanto revogou a Lei 53-F/2006 de 29 de Dezembro, aí se mostrando inequívoco que as actividades exercidas na qualidade de autoridades públicas pelas Empresas Municipais, redundarão na aplicação do nº 2 do artigo 2º do CIVA”

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular as liquidações impugnadas.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


Lisboa, 16 de Setembro de 2020 - Suzana Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Ferraz - Francisco Rothes.