Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0305/14.3BEPRT
Data do Acordão:05/22/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSÃO
Sumário:Dada a importância jurídica fundamental da questão e para melhor aplicação do direito, justifica-se a admissão de revista excepcional de acórdão do TCA que resolveu a questão da sujeição a IUC de automóvel antigo importado de Estado-Membro sem ponderar a eventual dimensão europeia da questão, suscitada pelo recorrente no recurso e que, por ser de conhecimento oficioso, importa agora considerar.
Nº Convencional:JSTA000P24567
Nº do Documento:SA2201905220305/14
Data de Entrada:02/08/2019
Recorrente:A..............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A………….., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de Maio de 2018, que concedeu provimento ao recurso interposto pela AT da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara procedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações de IUC e juros compensatórios referentes aos anos de 2009 a 2012 e respeitantes ao veículo com a matrícula …….., revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação, com a manutenção das liquidações sindicadas.

O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1. A presente Revista deve ser admitida por estarem verificados os respectivos pressupostos (nº 1 e 2, do artº 150º, do CPTA), porquanto a questão controvertida se reveste de importância fundamental atenta a sua relevância jurídica e social, sendo, ainda, a aceitação do recurso essencial para uma melhor aplicação do direito;

2. Em causa nos presentes está a interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 1º e 2º, nº 1, do CIUC e a sua articulação com as disposições do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, designadamente, a do artigo 110º atinente ao princípio da livre circulação de mercadorias entre Estados Membros e à proibição de imposições fiscais internas discriminatórias,
3. Com vista a determinar se um veículo automóvel matriculado pela primeira vez num Estado Membro da EU antes de 1981 fica sujeito a IUC se importado para Portugal e lhe for atribuída uma matrícula após 1 de Julho de 2007, atendendo a que os veículos matriculados em Portugal antes de 1981 não estão sujeitos a este imposto, ou seja, se, para efeitos de incidência de IUC deve ter-se em conta a data da primeira matrícula de um veículo automóvel, quando esta tenha sido efectuada antes de 1981 noutro Estado Membro da EU;

4. A situação em causa nos autos prende-se, concretamente, com a sujeição a IUC de um veículo automóvel antigo, de 1955, matriculado pela primeira vez no Reino Unido nesse ano e importado para Portugal em 2007, onde foi classificado como sendo de interesse museológico para o património cultural nacional;

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira tem vindo a entender que os veículos que tenham sido importados de outro Estado Membro e matriculados em Portugal após 1 de Julho de 2007, integram a categoria B do IUC, mesmo quando tiverem sido matriculados pela primeira vez noutro Estado Membro antes dessa data – cfr. art. 2º, nº 1, alínea b) do CIUC,

6. E, em resultado deste entendimento quanto à liquidação do Imposto Único de Circulação a veículos automóveis antigos, que penaliza e discrimina estes veículos que enriquecem o nosso património cultural, tem- se vindo a assistir a uma saída sistemática destes veículos do país, os quais têm vindo a ser vendidos para o estrangeiro, num claro prejuízo para o património cultural nacional;

7. Os Veículos antigos são veículos de estrada accionados mecanicamente que têm, pelo menos, 30 anos de idade, sendo conservados e mantidos em condições correctas de um ponto de vista histórico, não sendo utilizados como meio de transporte do dia-a-dia e que fazem, por essa razão, parte da herança técnica e cultural – cfr. alínea a) do nº 4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 554/99;
8. Em consequência desta tributação em IUC, há veículos raros ou até únicos que saem do país, por via de uma leitura enviesada de um dispositivo legal (CIUC), com graves consequências para o património cultural, já que são veículos que se perdem para sempre, e que nunca mais retornarão a Portugal;

9. Por esta razão, tem relevância jurídica e social a questão que se coloca, seja no âmbito da interpretação das disposições do Código do Imposto Único de Circulação a este respeito e tendo em conta as implicações desta questão ao nível do direito comunitário, seja, ainda, no âmbito das consequências que advirão para o comércio internacional de automóveis antigos e da preservação deste património cultural;

10. Há que ter presente, a este respeito, a disposição constante do artigo 1º do Código do Imposto Único de Circulação, segundo a qual “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”,

11. Bem como, o princípio da livre circulação de mercadorias entre Estados Membros da EU previsto no art. 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que impede a discriminação, ao nível da tributação interna, dos bens importados em relação aos bens não importados;

12. Assim, em nome dos princípios da equivalência e da igualdade tributária expressamente previstos no artigo 1º do Código do Imposto Único de Circulação, não pode equiparar-se o custo ambiental e viário de um veículo que se destina a circular diariamente, com o de um automóvel antigo que apenas de forma residual e esporádica circulará pelas vias públicas,

13. E tem que dar-se relevância, para este efeito, ao facto de se tratar de um veículo matriculado há mais de 50 anos, ainda que noutro Estado Membro da União Europeia, sob pena de se violar o Tratado de Funcionamento da União Europeia no que tange à discriminação entre os produtos importados e os nacionais;
14. A decisão recorrida não perfilhou este entendimento, considerando não ter qualquer relevância, para efeitos de incidência de IUC, a matrícula atribuída noutro Estado Membro da EU antes de 1981,

15. Contrariando o que vem sendo entendido pelos Tribunais Administrativos e Fiscais, em primeira instância, e foi confirmado, de forma expressa, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de reenvio prejudicial, através do Despacho de 17 de Abril de 2018, no Processo C- 640/17, de que a data da primeira matrícula atribuída noutro Estado Membro da UE, releva para aferir da incidência do IUC, afastando essa incidência quando a mesma é anterior a 1981 em face do disposto no artigo 2º, nº 1 do CIUC;

16. Também por esta razão, deverá ser admitido o presente recurso de revista, tendo presente a possibilidade da melhor aplicação do direito que resultará da reapreciação do entendimento sobre a matéria num número indeterminado de casos futuros, tendo como escopo a uniformização do direito;

17. Com efeito, a decisão recorrida considera que“(…) a lei portuguesa não reconhece qualquer relevância para efeitos de IUC à matrícula efectuada noutros países nem à data da sua aquisição, mas sim à data da matrícula ou registo em Portugal. Assim, o facto de o veículo ter recebido a matrícula “……..” em 6/6/1955, no Reino Unido, não tem qualquer reflexo na tributação em IUC em Portugal.”,

18. Interpretação que, a nosso ver e salvo o devido respeito, viola os princípios da equivalência e da igualdade tributária, bem como, o princípio da livre circulação de bens entre Estados Membros e a inerente proibição de imposições internas discriminatórias dos bens importados;

19. Na verdade, em face da previsão do artigo 1º do CIUC impõe-se que os automóveis antigos sejam objecto de uma discriminação positiva em face dos automóveis não considerados antigos, atendendo ao diferente impacto ambiental e viário que a circulação de uns e outros provoca;
20. Estamos perante um imposto que incide sobre a circulação rodoviária, sendo a própria norma que institui o imposto que impõe a observação, na sua aplicação, do princípio da equivalência como critério de igualdade tributária, que deve ser aferida em função do impacto ambiental e viário provocado pela circulação do veículo sujeito a imposto;

21. Não pode tratar-se de forma igual situações que são, manifestamente, diferentes, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária que, além da consagração constitucional que por si só obriga ao seu acolhimento, tem expressa menção no artigo 1º do CIUC, que prevê e caracteriza o Imposto Único de Circulação;

22. Donde, os automóveis classificados como antigos e matriculados há mais de 30 anos, ainda que noutro Estado Membro da EU, tenham que ser discriminados para este efeito,

23. Dado que, além de o impacto ambiental e viário provocado pela circulação dos mesmos ser incomparavelmente inferior – dado que a sua utilização é, inevitavelmente, esporádica e não habitual como sucede com os automóveis não antigos – a matrícula atribuída em Portugal é da época da primeira matrícula atribuída ao veículo, e que é reposta em circulação de forma a preservar os elementos distintivos da antiguidade do veículo automóvel;

24. E assim, se os veículos em causa foram matriculados antes de 1981, não se encontram sujeitos a IUC face ao previsto no art. 2º, nº 1, alínea a) do CIUC;

25. Foi este mesmo o entendimento emanado do Tribunal de Justiça da União Europeia no Processo nº C-640/17, por via de reenvio prejudicial promovido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em que foi colocada, precisamente, a questão da incidência do IUC sobre veículos usados e da relevância da data da primeira matrícula do veículo num país dos Estados-membros da EU;
26. Tendo a resposta sido a de que “O artigo 110º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado Membro ser superior à dos veículos não importados similares.”;

27. É à luz desta disposição, conjugada com o disposto no art. 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 1º e 2º, nº 1 do CIUC, que deve ser dada relevância, para efeitos de incidência de IUC, à data da primeira matrícula atribuída ao veículo automóvel em qualquer Estado Membro da União Europeia;

28. Deste modo, se um veículo automóvel matriculado em Portugal antes de 1981 não está sujeito a IUC por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 2º do CIUC, também um veículo matriculado em qualquer Estado Membro da EU antes de 1981 não está sujeito a este imposto;

29. É este o entendimento que deve prevalecer em face do regime jurídico aplicável;

30. Pelo exposto, a decisão recorrida ao não proceder ao correcto enquadramento das questões sub judice fez errada interpretação e aplicação do direito aplicável, devendo, por isso, ser revogada;

31. Ao decidir nos termos em que o fez, a decisão recorrida violou, além do mais, as seguintes normas:

· Do Código do Imposto Único de Circulação, os artigos 1º e 2º, nº 1;

· Da Lei Geral Tributária, o artigo 55.º;
· Do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o artigo 110º;

· Da Constituição da República Portuguesa, os artigos 8º, 13º, 103º e 266.º

Nestes termos, deve presente Recurso ser admitido e, concedendo-se provimento ao mesmo, ser revogada a decisão recorrida ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu parecer no sentido da admissão do recurso, Dado estarmos perante questão que é suscetível de expansão para outros casos e verificar-se divergências nas instâncias quanto à correta interpretação e aplicação da lei no que se refere à tributação em sede de IUC, sendo certo que a doutrina do acórdão aponta em sentido contrário ao entendimento vertido na decisão por simples despacho do TJUE – processo n.º C-640/17 – afigura-se-nos estarem reunidos o requisitos de admissão do recurso de revista ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, nos termos invocados pelo Recorrente, por a questão controvertida se revestir de importância fundamental e a intervenção do STA como órgão de cúpula se mostrar necessária para uma melhor aplicação do direito.

4 – É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1- O veículo ligeiro de passageiros com matrícula …., marca ……, ….., do ano 1955, é propriedade do impugnante – Facto não controvertido; Cfr. doc. 2 e 4 juntos com a pi.

2- A data da primeira matrícula do veículo referido em 01) é de 1955 – Cfr. fls. Doc. 2 junto com a PI constante de fls. 08) do processo físico, cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

3- Em 2007 o Cube Português de Automóveis Antigos declarou que a viatura referida em 01) “tem interesse para o património cultural nacional” - Cfr. fls. 08/09 do processo físico.

4- À viatura referida em 01) foi atribuída a matrícula … do ano de 1955 pelo facto do mesmo ter interesse Museológico para o Património Cultural Nacional - Cfr. fls. 10 do processo físico.

5- O veículo …. foi importado da Inglaterra e reposta a matricula em Portugal em 2007 – Cfr. fls. 11/12 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

6- O impugnante foi notificado em 2013 para pagar IUC de 2009, 2010, 2011 e 2012 relativamente ao veículo …., considerando a Administração Fiscal que aquele veículo pertence à categoria B) e a matrícula era de 2007 – Cfr. doc. 1 junto com a pi, cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão a proferir, não ficou provado que a matrícula …. é datada de 2007.

MOTIVAÇÃO:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico do acervo documental constante dos autos e do PA, conforme referido, a propósito, em cada um dos pontos do probatório.

Relativamente à factualidade dada como não provada, resulta de ter-se apurado o contrário, designadamente que a matricula é de 1955, sendo certo também que, é do conhecimento geral que uma matricula a iniciar com letras, sendo elas PO, não correspondem a viaturas de 2007, visto que nesta ocasião as letras inseridas na serie das matriculas não vão colocadas no inicio da matricula.

Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como Provados e Não Provados – Cfr. art. 74º LGT, 76º nº 1 LGT e art. 362º e ss do CC.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O recorrente pretende que este STA reaprecie a questão de saber se um veículo automóvel matriculado pela primeira vez num Estado Membro da EU antes de 1981 fica sujeito a IUC se importado para Portugal e lhe for atribuída uma matrícula após 1 de Julho de 2007, atendendo a que os veículos matriculados em Portugal antes de 1981 não estão sujeitos a este imposto, ou seja, se, para efeitos de incidência de IUC deve ter-se em conta a data da primeira matrícula de um veículo automóvel, quando esta tenha sido efectuada antes de 1981 noutro Estado Membro da EU, alegando que se trata de questão que se reveste de importância fundamental atenta a sua relevância jurídica e social, sendo, ainda, a aceitação do recurso essencial para uma melhor aplicação do Direito.
O acórdão recorrido considerou, em síntese, que “a matricula atribuída em 1955 pelo Reino Unido não tem qualquer reflexo na tributação em IUC em Portugal” e que “Se esse veículo recebeu em Portugal a matricula em 2/8/2007, o IUC é-lhe aplicável a partir de 1/1/2007 quanto aos veículos de categoria B matriculados a partir dessa data e a partir de 1/1/2008 quanto aos restantes veículos”, entendimento com o qual o recorrente não se conforma e alega, além do mais, ser contrário ao artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, como já decidido pelo TJUE em reenvio prejudicial no processo C-640/17.
Trata-se de questão que, com esta vertente, assume alguma complexidade jurídica - pois que exige a concatenação das normas de Direito aplicáveis com as regras do Direito Europeu -, vertente esta que o TCA-Norte não considerou e sobre a qual este STA também nunca emitiu pronúncia, justificando-se plenamente que o faça pois a questão da eventual violação de normas europeias é de conhecimento oficioso, a questão é susceptível de repetição num número indeterminado de casos futuros e as decisões conhecidas de 1.ª instância são contrárias ao entendimento adoptado pelo TCA-Norte no acórdão recorrido, que não ponderou a eventual dimensão europeia da questão colocada, antes a resolveu em estrito cumprimento das normas legais nacionais que regem o IUC.
Acresce que, como diz o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA no seu parecer, estamos perante questão que é suscetível de expansão para outros casos e verificar-se divergências nas instâncias quanto à correta interpretação e aplicação da lei no que se refere à tributação em sede de IUC, sendo certo que a doutrina do acórdão aponta em sentido contrário ao entendimento vertido na decisão por simples despacho do TJUE – processo n.º C-640/17 – afigura-se-nos estarem reunidos os requisitos de admissão do recurso de revista ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, nos termos invocados pelo Recorrente, por a questão controvertida se revestir de importância fundamental e a intervenção do STA como órgão de cúpula se mostrar necessária para uma melhor aplicação do direito.

Justifica-se, pois, que este STA, na qualidade de órgão de cúpula da jurisdição e de regulação do sistema, a reaprecie, assim contribuindo para uma melhor aplicação do Direito.

O recurso será, pois, admitido.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.

Custas a final.

Lisboa, 22 de Maio de 2019 – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes