Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0369/14.0BELLE 01043/17
Data do Acordão:11/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
PREJUÍZO FISCAL
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:O art. 52.º, n.º 2, do CIRC (redacção em vigor em 2011) não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos, desde que respeitado o limite de tempo nele fixado.
Nº Convencional:JSTA000P23899
Nº do Documento:SA2201811280369/14
Data de Entrada:09/28/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 369/14.0BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 2011, após a Administração tributária (AT) ter feito correcções à matéria tributável declarada, designadamente por não ter aceitado a dedução de prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 2009 e 2010, por o terem sido com recurso a métodos indirectos.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. A douta sentença recorrida decidiu pela procedência do pedido concluindo pela anulação parcial da liquidação fundamentando com suporte no douto Acórdão do STA proferido no Proc. 0129/11 datado de 25/05/2011 que reproduziu na parte que interessou à decisão;

2. Com o sempre devido respeito, não pode a FP concordar com tal afirmação;

3. Com efeito, a factualidade dada como provada no RIT da acção inspectiva ao exercício de 2011, considerou a AT que a matéria colectável apurada com recurso a métodos indirectos nos exercícios de 20009 e 2010 foi nula e não apurou os prejuízos declarados pela ora Impugnante;

4. Pelo que não podia existir dedução de prejuízos daqueles exercícios em 2011;

5. Por outro lado, a dedução de eventuais prejuízos apurados com recurso a métodos indiciários nunca poderão ser deduzidos;

6. Com efeito, nos exercícios em que haja lucro tributável mas o mesmo não foi apurado pelo suporte contabilístico, não é permitida a dedução de prejuízos fiscais;

7. Da mesma forma, nos casos em que são os prejuízos a não corresponderem a qualquer suporte na contabilidade, deve ser aplicado o mesmo princípio;

8. Pelo que a continuidade da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo só tem verdadeira acepção quando os movimentos estão devidamente registados de acordo com as normas contabilísticas ou possam sê-lo por se mostrarem documentalmente comprovados;

9. Nos métodos indirectos tal suporte deixa de existir, configurando-se numa verdadeira penalização a impossibilidade de reporte de prejuízos por ofender as regras de determinação da matéria colectável (positiva ou negativa);

10. Não o tendo feito, incorreu o julgador da 1.ª instância em erro de julgamento e violou o disposto no n.º 2 do art. 52.º do CIRC;

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que considere o pedido improcedente como é de inteira JUSTIÇA».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegação, com conclusões do seguinte teor:

«A) O julgamento da matéria de facto mostra-se isento de qualquer censura;

B) Aliás, os factos a que se referem os artigos 9.º, 10.º e 11.º das doutas alegações da recorrente não correspondem à verdade;

C) Com efeito, o lucro tributável proposto no Relatório da Inspecção é irrelevante, uma vez que o que interessa para a questão sub judice são os prejuízos fiscais dos anos de 2009 e 2010 que vieram a ser fixados no âmbito do procedimento de revisão que incidiu sobre a avaliação indirecta (com recurso a métodos indirectos) e que reduziu os prejuízos declarados nos montantes de 91.749,25 € e de 37.806,42 €, para um “resultado fiscal corrigido” de 63.496,87 € e de 10.225,92 €, ou seja, um total de 73.722,79 € para os dois anos, como consta da respectiva Acta dos peritos que foi junta à petição inicial como Doc. 4.

D) Acresce que a redacção do n.º 2 do artigo 52.º do CIRC em vigor à data dos factos apenas não permite aproveitar o reporte de prejuízos nos anos em que o lucro tributável tenha sido determinado com recursos a métodos indirectos; já o prejuízo apurado num exercício com recurso a métodos indirectos pode ser reportado para um outro exercício onde o lucro tributável tenha sido apurado com base no regime geral de tributação;

E) Tal matéria está consolidada desde há muito na jurisprudência dos tribunais tributários (vide por todos o Acórdão do STA de 25 de Maio de 2011, Proc. n.º 0865/10 e o Acórdão do STA de 1 de Junho de 2011, Proc. 0129/11).

F) Termos em que a não-aceitação do reporte dos prejuízos de 2009 e 2010 para o exercício de 2011 viola manifestamente o disposto no citado artigo 52.º do CIRC, uma vez que tal interpretação não tem qualquer correspondência com a letra da lei ou com o espírito do legislador.

G) Em conclusão e considerando que o lucro tributável do exercício de 2011 foi no valor de 78.545,04 € e que os prejuízos fiscais determinados para os exercícios de 2009 e 2010, no seu conjunto, foram no montante de 73.722,79 €, resulta que o lucro tributável de 2011 a tributar é de apenas 4.822,25 €.

H) Face ao que antecede, bem andou a douta decisão recorrida que julgou procedente a impugnação deduzida.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Excelências mui doutamente suprirão, a sentença recorrida, aliás, douta, não merece qualquer censura, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter-se o entendimento sancionado no Tribunal “a quo” de anulação da liquidação de IRC na parte impugnada, como é de inteira JUSTIÇA TRIBUTÁRIA».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] Nos termos do estatuído no artigo 52.º/2 do CIRC os prejuízos não são dedutíveis nos períodos de tributação em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável por métodos indirectos.
Na determinação do sentido das normas fiscais são observadas regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º da LGT).
Assim, “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que foi aplicada” – artigo 9.º/1 do CC.
“Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” – artigo 9.º/2 do CC.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” – artigo 9.º/3 do CC.
“Persistindo a dúvida sobre a sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância deve atender-se à substância económica dos factos tributários” – artigo 11.º/3 da LGT.
Ora, a interpretação que a recorrente faz no sentido de que a norma do artigo 52.º/2 do CIRC impede a dedução de prejuízos apurados por métodos indirectos, a nosso ver, não tem apoio na letra ou espírito da lei.
De facto, a norma em causa, apenas proíbe a dedução de prejuízos nos períodos de tributação em que tiver lugar a apuramento do lucro tributável por métodos indirectos e não quando tais prejuízos são apurados métodos indirectos, como é jurisprudência reiterada e consolidada do STA e cujo discurso fundamentador se subscreve, por inteiro (acórdãos de 9/11/2005 -R. 0495/05; 23/11/2005 - R. 0827/05; 25/01/2006 - R. 01026/05; 07/06/2006 - R. 0351/06; 22/01/2006 - R. 0134/05; 10/01/2007 - R. 0589/06; 25/05/2011 - R. 0865/11; 01/06/2011 - R. 0129/11 e de 30/05/2017 - R. 017/16).
No mesmo sentido vai a melhor doutrina (Saldanha Sanches, A Quantificação das Obrigação Tributária; Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 173, Lisboa, 1995, nota 452 de pp. 453/454; Apontamentos ao IRC, Almedina, Rui Duarte Morais, página 106; “REPORTE DE PREJUÍZOS FISCAIS”- Tese de Pós-Graduação em Direito Fiscal, Cátia Sofia Cardoso Pereira, Maio 2011, CIJE, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, disponível via Internet).
No caso em apreciação, os prejuízos fiscais foram apurados por métodos indirectos nos exercícios de 2009 e 2010 e foram deduzidos no exercício de 2001, em que o lucro tributável foi apurado com base na contabilidade da recorrida, pelo que a dedução de tais prejuízos tem pleno respaldo no normativo do artigo 52.º/2 do CIRC, como bem decidiu a sentença recorrida».

1.5 Os Conselheiros adjuntos tiveram vista.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que a lei não proíbe que num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé deu como assentes os seguintes factos:

«A) Ao abrigo da ordem de serviço interna n.º 01201301786, de 20/11/2013 a Administração Tributária levou a cabo uma acção inspectiva, à impugnante, de âmbito parcial em sede de IRC relativa aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 (cfr. fls. 20 dos autos);

B) Em 17/12/2013, foi elaborado o relatório final o qual se tem por aqui reproduzido para todos os efeitos legais, e onde consta, nomeadamente:
«I- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria Tributável
1. Em 30/06/2012, foi entregue D.R. modelo 22 de IRC, referente ao ano de 2011, na qual foi apurado um Lucro Tributável, no montante de € 73.545,04; foi utilizado parte do prejuízo fiscal dedutível declarado no campo 303 do quadro 09 (€ 129.55557), correspondendo este ao somatório do prejuízo de 2009 de € 91.74925 com o de 2010 de € 37.80642, daí resultando a Matéria Colectável nula (de € 000).

LUCRO TRIBUTÁVEL€ 75.545,04
PREJUÍZOS FISCAIS TRIBUTÁVEIS€129.555,67
PREJUÍZOS FISCAIS DEDUZÍVEIS€78.546,04
MATÉRIA COLETAVEL€0,00

2. No ano de 2009 foi apurado e declarado pelo sujeito passivo (s.p.) o prejuízo fiscal de € 9.749,25.
3. No ano de 2010 foi apurado e declarado pelo sujeito passivo (s.p.) o prejuízo fiscal de € 37.806,42.
4. Da acção inspectiva efectuada ao s.p. em cumprimento da OI.2012.01934, de 06/11/2012, de âmbito parcial geral aos exercidos de 2009 e 2010, resultaram correcções através da aplicação de métodos indirectos nesses dois anos, pelo que, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º do CIRC, os prejuízos fiscais apurados nos anos de 2009 e 2010 pelo s.p. não são dedutíveis.
5. Assim sendo, no ano de 2011 apura-se uma Matéria Colectável igual ao montante apurado a título de Lucro Tributável, no valor de € 73.545,04, conforme se demonstra no quadro se pelo que se propõe a correcção ao prejuízos fiscais indevidamente deduzidos no valor de € 78,545.04.

C) Em 16/12/2013, foi aposto sobre o relatório de inspecção tributária, o despacho “Concordo” proferido pelo Director de Finanças de Faro Adjunto (cfr. fls. 16 dos autos);

D) O relatório final foi notificado à Impugnante através do ofício n.º 22882 de 20/12/2013 (cfr. fls. 15 dos autos);

E) Em 30/12/2013 foi emitida a liquidação n.º 20138310015273, no valor de € 15.723,85 (cfr. fls. 13 dos autos);

F) Em 02/01/2014 foi feita compensação tendo resultado um imposto no valor de € 14.545,67 (cfr. fls. 14 dos autos);

G) No exercício de 2011, a matéria tributável foi apurada com base na contabilidade da impugnante (por acordo)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT entendeu que a sociedade ora recorrente, com referência ao exercício do ano de 2011, não podia deduzir ao lucro tributável, como deduziu, os prejuízos fiscais dos exercícios de 2009 e 2010, uma vez que estes prejuízos foram apurados por métodos indirectos. Consequentemente, a AT procedeu à correcção do lucro tributável declarado e ulterior liquidação adicional do IRC.
A Recorrente impugnou judicialmente a liquidação e a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, julgando procedente a impugnação, anulou esse acto. Dando razão à Impugnante, a sentença louvou-se no acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 1 de Junho de 2011 no processo n.º 129/11 para considerar que o art. 52.º, n.º 2, do CIRC, não impede a dedução dos prejuízos fiscais apurados por métodos indirectos em exercícios anteriores (2009 e 2010) ao lucro tributável do exercício (2011), apurado com base na contabilidade, respeitado que está o critério temporal aí previsto.
O Representante da Fazenda Pública discorda da sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo. Em síntese, entende que a dedução desses prejuízos não é possível, uma vez que os mesmos foram apurados por métodos indirectos e, por isso, está legalmente vedado o seu reporte, por força do disposto no n.º 2 do art. 52.º do CIRC.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que o art. 52.º, n.º 2, do CIRC não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos.

2.2.2 DA INTERPRETAÇÃO DO N.º 2 DO ART. 52.º DO CIRC

Em ordem a decidir a questão, cumpre interpretar os n.ºs 1 e 2 do art. 52.º do CIRC, que, na redacção aplicável (A da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010),
ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/3-b/2010/04/28/p/dre/pt/html.), dispunha:
«1- Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos quatro exercícios posteriores.
2- Sem prejuízo do disposto no número seguinte, nos períodos de tributação em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, ainda que se encontrem dentro do período referido no número anterior, não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos».
Não é a primeira vez que a questão se coloca a este Supremo Tribunal, ainda que com referência a anteriores versões do CIRC, mas a norma em tudo paralela ao ora considerado n.º 2 do art. 52.º.
Cremos que, actualmente, existe orientação jurisprudencial firme, consolidada e unânime (Para além dos demais citados pelo Procurador-Geral Adjunto, vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 9 de Novembro de 2005, proferido no processo n.º 495/05, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/230cbaabe2bb298b802570c00040ffc5;
- de 25 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 865/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/db8f0b1e51c74728802578a20047fdd3;
- de 1 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 129/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fb13c4a6e948cc33802578a8002e1ddc;
- de 31 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 17/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a0815f8f82ef6518802581330031f85b.), que recolhe o apoio da doutrina ( Cfr. SALDANHA SANCHES, A quantificação da obrigação tributária, 2.ª edição, Lex, 2000, nota 87, pág. 345.) e com a qual concordamos, pela força da sua argumentação, que também aqui adoptamos.
Vamos, pois, remeter para a fundamentação do mais recente dos acórdãos em que a questão foi tratada: o proferido em 31 de Maio de 2017 no processo n.º 17/16. Permitir-nos-emos apenas introduzir entre parêntesis rectos algumas notas requeridas pelas circunstâncias do caso sub judice. Passamos a citar:
«A questão colocada a este Tribunal no presente recurso não é nova, nem novos são os argumentos esgrimidos pela Fazenda Pública na sua alegação para procurar obviar à possibilidade de dedução de prejuízos fiscais determinados por métodos indirectos a lucros tributáveis determinados com base na contabilidade.
A tais argumentos tem este STA vindo a dar resposta no sentido acolhido na sentença recorrida, constituindo tal entendimento jurisprudência consolidada da Secção, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer, há mais de uma década, aliás.
E é o entendimento que mais se adequa os princípios fundamentais que regem a tributação das empresas, daí que desde há muito seja também o preconizado pela melhor doutrina – cfr. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária; Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação administrativa, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 173, Lisboa, 1995, nota 452 de pp. 453/454: No regime actualmente definido pelo n.º 2 do art. 46.º do Código do IRC, – correspondente ao n.º 2 do artigo 47.º do mesmo Código na redacção em vigor à data dos factos (2009) [e ao n.º 2 do art. 52.º do CIRC, na redacção aplicável em 2011] – em exercícios com lucros praticados segundo métodos indiciários os prejuízos não são dedutíveis. Mas podê-lo-ão ser em exercícios posteriores, calculados segundo os métodos normais, se não tiver havido preclusão temporal deste direito, não havendo razões para deles dissentir.
Consignou-se no Acórdão deste STA de 9 de Novembro de 2005, rec. n.º 0495/05 [(Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/230cbaabe2bb298b802570c00040ffc5.)], perante norma semelhante ao artigo 47.º do Código do IRC (em vigor em 2009) [e ao artigo 52.º, na redacção em vigor em 2011], em resposta ao argumento sistemático ainda agora invocado pela recorrente Fazenda Pública:
«(…) diz a Administração Fiscal, o número 1 do artigo 46.º do CIRC fala de «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores». Ora, como as disposições anteriores não se referem ao apuramento de resultados por métodos indirectos, de que só adiante o Código se ocupa, o legislador só admite a dedutibilidade dos prejuízos apurados a partir da contabilidade, e só deles. E, sendo esta a única norma que se ocupa da dedutibilidade de prejuízos, os apurados por métodos indiciários não são, nunca, dedutíveis.
Há várias razões que impossibilitam esta leitura da norma.
Desde logo, a sua letra:
Não é verdade que as normas anteriores ao artigo 46º. se refiram, exclusivamente, ao apuramento da matéria colectável pelo método directo. O artigo 16.º enuncia os métodos para a determinação da matéria colectável, referindo, expressamente, a possibilidade de o ser por via indiciária.
Por outro lado, se o legislador quisesse obstar ao reporte dos prejuízos apurados por métodos indirectos diria isso mesmo, de modo afirmativo. Mas não só o não fez, claramente, no n.º 1, como no número 2 do artigo 46.º, voltando a referir-se aos prejuízos anteriormente apurados, para dizer quando podem e quando não podem ser deduzidos, não distingue o modo do seu apuramento.
Por último, a impossibilidade de reporte de prejuízos apurados por métodos indirectos seria incompatível com a regra da solidariedade dos exercícios e com a da tributação conforme a capacidade contributiva e de acordo com o rendimento real.
A capacidade contributiva de um sujeito passivo de IRC não se revela, só, pelo benefício obtido num determinado período de tempo, artificialmente autonomizado: essa capacidade, assim patenteada, está inflacionada se ele suportou anteriormente perdas, uma vez que o resultado positivo vai ser aplicado na compensação do anterior prejuízo. E as perdas não deixam de o ser só porque não foram apuradas a partir dos seus elementos contabilísticos, mas a partir de índices de que a Administração fez uso. Por detrás do resultado fiscal não deixa nunca de estar o facto tributário, independentemente do método por que se chegou ao seu apuramento e quantificação. [Significativo é que a fundada dúvida de que falava o artigo 121.º do Código de Processo Tributário (CPT) e é hoje tratada no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) conduza à anulação do acto de liquidação, quer tenham sido utilizados métodos indirectos, quer o não tenham sido, apenas com a ressalva do n.º 2 de ambos os apontados artigos]. É que não há tributação sem facto tributário, seja qual for o modo como este se patenteie – por acção do contribuinte, declarando-o ou evidenciando-o na sua contabilidade, ou por acção da Administração, pelo conhecimento que lhe chegou por qualquer meio, ou extraindo-o de elementos seus conhecidos.
Assim, o facto tributário, e a respectiva quantificação, a que a Administração chega mediante métodos indirectos, não deixa de ser um verdadeiro facto tributário, tão verdadeiro como o que é revelado pelas contas do sujeito passivo. A Administração age utilizando índices, partindo de factos que conhece para aceder a outros, desconhecidos, mediante métodos indiciários, socorrendo-se de regras da experiência, assim desembocando na quantificação do facto tributário. Num caso, os factos são evidenciados pela contabilidade; no outro, são apurados pela Administração Fiscal – mas sempre o apuramento da situação contributiva se funda em factos, e a tributação incide sobre o rendimento real.
É verdade que a matéria colectável apurada por métodos indirectos não goza de um grau de certeza tão elevado quanto a que tem a resultante da contabilidade. Mas a diferença não está na substância, mas só no grau, sendo certo que, como já se notou, mesmo uma contabilidade escorreita pode revelar um resultado do exercício discutível. E se, apurada matéria colectável positiva, ainda que por métodos indiciários, se segue a tributação, do mesmo modo que acontece quando aquela matéria resulta da contabilidade, então, também o apuramento de uma matéria colectável negativa através de métodos indirectos não pode ter consequências diferentes das que tem o apuramento contabilístico de um resultado fiscal negativo: o reporte dos prejuízos.
Em súmula, a expressão do número 1 do artigo 46.º do CIRC «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores», não significa que só os prejuízos apurados na base da contabilidade do sujeito passivo são dedutíveis. Deve ser entendida como referência global ao conjunto normativo que o Código dedica à incidência do imposto (artigos 1.º a 7.º), isenções (artigos 8.º a 14.º) e determinação da matéria colectável, sendo certo que, antes do artigo 46.º citado, o artigo 16.º aponta a existência de dois métodos de determinação da matéria colectável: com base na declaração do contribuinte e por obra da Administração. Ou seja, o uso da expressão «nos termos das disposições anteriores» não é sinal excludente do apuramento da matéria colectável por métodos indiciários.» (fim de citação)».
Em consequência, impõe-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que nenhuma censura merece.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

O art. 52.º, n.º 2, do CIRC (redacção em vigor em 2011) não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos, desde que respeitado o limite de tempo nele fixado.


* * *

3. DECISÃO

Em face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Fazenda Pública.

*
Lisboa, 28 de Novembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.