Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0734/10
Data do Acordão:10/07/2010
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ROSENDO JOSÉ
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:A interpretação favorável à recorrente do n.º 2 do artigo 84º do DL n.º 422/89 de 2/12, com o alcance de não ser devida pelas empresas que exploram jogos de fortuna ou azar a contribuição para a segurança social, não se apresenta como questão com relevância jurídica ou social, que justifique a admissão de revista excepcional.
Nº Convencional:JSTA000P12222
Nº do Documento:SA1201010070734
Recorrente:A...
Recorrido 1:INST DE GESTÃO DE REGIMES DE SEGURANÇA SOCIAL DE PONTA DELGADA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do STA:
I – Relatório:
A… interpôs junto do TAF de Ponta Delgada acção administrativa especial contra
INSTITUTO DE GESTÃO DE REGIMES DA SEGURANÇA SOCIAL (CENTRO DE PRESTAÇÕES PECUNIÁRIAS DE PONTA DELGADA)
Em que pede a anulação do despacho do Director do Instituto datado de 20/11/2006, que indeferiu o pedido de redução da taxa de contribuição para a segurança social de 34,75% para 11%, em que a A. invocava como fundamento o disposto no n.º 2 do artigo 84º do DL n.º 422/89, de 2/12.
Em 30/09/2009 o TAF julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido, decisão que foi confirmada pelo TCA - Sul, por Acórdão de 22/04/2010.
Deste Acórdão a A. interpõe recurso de revista nos termos do artigo 150º do CPTA, alegando para o efeito e em síntese que a não aplicação do regime jurídico invocado nos termos defendidos pela recorrente acarreta sério risco de não conseguir manter-se em actividade, assim fazendo perigar os postos de trabalho que proporciona à população, pelo que estaria em causa questão de relevância social e regional fundamental, atento o impacto económico que projecta na região no que concerne ao fomento do turismo naquela área.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Nos termos do n.º 5 do art. 150º do CPTA compete a esta formação apreciar se estão reunidos os pressupostos para a admissão da revista.
II – Apreciação. Os pressupostos do recurso de revista.
O recurso de revista de decisões proferidas pelos TCA quando julga em segunda instância, isto é, a terceira apreciação jurisdicional de uma causa administrativa é, como regra, rejeitado pela lei de processo (art.º 142.º n.ºs 1 e 2 do CPTA), embora seja permitido que o STA, a título excepcional, admita a terceira apreciação de uma causa num recurso relativo a matéria de direito, exclusivamente quando estejam reunidos certos pressupostos que a lei (art.º 150.º n.º 1 do CPTA), aponta como índices de que tem uma relevância superior ao comum. Tais pressupostos respeitam à natureza das questões sobre as quais versa o litígio, que devem atingir um grau de importância fundamental, de uma perspectiva jurídica ou social, ou mostrar-se claramente necessária a intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito.
Assim, é mantido e aprofundado o princípio da apreciação jurisdicional das causas administrativas, como regra, apenas em duas instâncias. Na consecução deste objectivo concorrem com o disposto no art.º 150.º do CPTA, a previsão de revista “per saltum” do artigo 151.º, e a transformação do recurso para uniformização de jurisprudência num recurso do tipo acção revisiva, a ser interposto após o trânsito em julgado da decisão recorrida.
Na concretização dos conceitos relativamente indeterminados que a lei estabelece como orientação para a filtragem dos recursos de revista a admitir excepcionalmente, o STA tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental exigida pelo artigo 150º n.º 1 do CPTA se verifica, designadamente, quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, de ser necessário compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, bem como casos em que a questão se reveste de novidade, e relativamente à qual não tenha havido oportunidade de o STA se pronunciar.
Sobre a apreciação da relevância social fundamental, o STA tem entendido que este requisito se verifica, designadamente, nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
A admissão de revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, cuja decisão nas instâncias está a suscitar fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema, ou seja, tendo como finalidade conseguir o bom funcionamento do contencioso administrativo.
Vejamos se no presente caso os aludidos pressupostos se verificam:
O litígio versa sobre a pretensão da A. de ver reduzida a taxa de contribuições para a segurança social de 34.75% para 11%, alegando para o efeito que beneficia da norma de não incidência do n.º 2 do artigo 84º do DL n.º 422/89 de 2/12.
Estabelece a citada norma:
Artigo 84.º
Imposto especial de jogo
1 - As empresas concessionárias ficam obrigadas ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade do jogo, o qual será liquidado e cobrado nos termos das disposições seguintes.
2 - Não será exigível qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da actividade referida no número anterior ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão e pelo período em que estes se mantenham em vigor.
3 - Do imposto especial de jogo, 80% constituem receita do Fundo de Turismo, que, da importância recebida, aplicará 25% do imposto por si arrecadado na área dos municípios em que se localizem os casinos na realização de obras de interesse para o turismo, nos termos estabelecidos no capítulo X.
4 - O exercício por parte das empresas concessionárias de quaisquer actividades não abrangidas pelos n.os 1 e 2 fica sujeito ao regime tributário geral.

A apreciação da pretensão da A. pelas instâncias foi conforme - de indeferimento do requerido.
O TAF de Ponta Delgada entendeu que a carga fiscal aplicável às entidades que actuam no âmbito das actividade dos jogos de fortuna e azar resulta do regime estabelecido pelo DL n.º 422/84, sendo que esse regime se aplica apenas em função do exercício da actividade do jogo, não abrangendo assim as contribuições que incidem sobre os rendimentos percebidos pelos respectivos trabalhadores.
O TCA sustentou assim a sua posição: “(…) o imposto especial sobre o jogo só substitui os impostos que tenham por fonte o exercício da actividade do jogo e o rendimento da mesma e não os impostos cuja incidência objectiva seja diferente (cfr. Ac. do STA de 88/11/95).
Ora, a obrigação contributiva para a segurança social por parte das entidades empregadoras constitui-se com o início da actividade profissional dos trabalhadores ao seu serviço (cfr. art. 56º da Lei n.º 4/2007, de 14/1), pelo que a sua fonte é o contrato individual de trabalho celebrado e não o exercício de actividade do jogo.” (cfr. Acórdão recorrido a fls. 86 e 87 dos autos).
Apreciando, deve começar por constatar-se que a questão não apresenta complexidade jurídica superior ao comum e que a interpretação defendida pela recorrente não suscitou a adesão de nenhum dos juízes que intervieram nas instâncias.
Além disso, não há conhecimento de que outras acções estejam intentadas a defender a interpretação proposta pela recorrente, nem é de esperar que venham a surgir quanto a um tributo que não é um imposto, quando a referencia a ‘tributação’ que aparece na norma, não pode deixar de ser lida de acordo com os cânones da interpretação sistemática e finalística e, quanto a imposto “stricto sensu” como o IVA, o STA decidiu no Ac. da 2.ª Secção, de 8.11.95, P. 019537 (do sumário):
II - O imposto especial sobre o jogo só substitui os impostos que tenham por fonte o exercício da actividade do jogo e o rendimento da mesma e não outros impostos cuja incidência objectiva seja diferente.
III - Não cabe no âmbito dessa substituição o IVA, por se tratar de um imposto sobre o consumo ou sobre a despesa (art. 1 do CIVA).
IV - Quando o legislador quis isentar as concessionárias de outros impostos, não incluídos no facto tributário complexo, tipificado para definir a incidência do imposto sobre o jogo, fê-lo expressamente (cfr. arts. 10.º do D.L. n. 48912 e 92 e 93 do D.L. n. 422/89).
Portanto, a questão tem limitado interesse jurídico.
Quanto à relevância social vem invocada paralisação de actividade e desemprego das pessoas ocupadas pela recorrente. O desemprego é um problema social gravíssimo e fundamental para os portugueses. Porém, o sentido da importância social fundamental a que se refere o art.º 150.º do CPTA não é esse que a recorrente invoca. Na verdade o art.º 150.º reporta-se às questões jurídicas, ou que podem ser resolvidas pela interpretação e aplicação do direito e não a questões económico sociais cuja resolução depende do mercado, de intervenções políticas, ou da conjugação de ambas. O recurso de revista destina-se a dizer o direito de acordo com as regras da hermenêutica jurídica e não a interpretar as normas da forma adaptada à solução favorável à manutenção do emprego em uma ou mais empresas.
Também não há razão para enquadrar a questão jurídica suscitada nestes autos no pressuposto da necessidade de intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito, uma vez que não existem razões objectivas de funcionamento da administração da justiça que recomendem semelhante entendimento, desde logo porque não existe um contencioso de importância alargada para além da fronteira do caso inter partes, é dizer, em que seja suscitada a dúvida interpretativa em diversos processos, em que seja de prever um repetido ou recorrente pedido de decisão sobre o mesmo ponto, ou em que se conheçam correntes divergentes quanto à solução jurídica.
III – Decisão:
Atento o exposto, por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo artigo 150º n.º 1 do CPTA, acordam em conferência na secção de contencioso administrativo do STA, em não admitir o recurso de revista
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 7 de Outubro de 2009. – Rosendo Dias José (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho Maria Angelina Domingues.