Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01039/19.8BELSB
Data do Acordão:04/22/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:ASILO
AVERIGUAÇÕES
RISCO SOCIAL
Sumário:I - Não resultando dos autos que existam motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro e que tais falhas, a existirem “impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante” a que alude o art. 3º nº 2, 2º parágrafo do Regulamento UE nº 604/2013, de 26/6 na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não se impõe ao SEF qualquer tipo de averiguação.
II - Não existindo qualquer prova da veracidade dos fundamentos de qualquer situação degradante em centros de acolhimento em Itália não tem suporte fático a referência à existência de pareceres emitidos pelos Conselhos para os Refugiados dinamarquês, suíço e português.
Nº Convencional:JSTA00071119
Nº do Documento:SA12021042201039/19
Data de Entrada:03/10/2021
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:A…………..
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ART. 19.º-A, 37.º, n.º 2, da LEI n.º 27/2008, de 30/6
Legislação Comunitária:ART. 03.º, n.º 2, 2.º §, do REG. (UE) n.º 604/2013, de 26/6
ART. 04.º CDFUE
Aditamento:
Texto Integral: RELATÓRIO
1. O Ministério da Administração Interna, através do SEF, vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA do acórdão do TCAS proferido em 10-12-2020, que negou provimento ao recurso interposto da sentença de 06-01-2020 do TAC de Lisboa - no âmbito da ação intentada por A……………, nacional da Gâmbia, contra o ora Recorrente, impugnando a decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (que considerara inadmissível o seu pedido de proteção internacional, determinando a sua transferência para Itália, por ser o Estado-Membro da União Europeia (UE) responsável pela análise do seu pedido, nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho - que havia julgado a ação procedente, condenando o ora Recorrente a reconstituir o procedimento de determinação do Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional [art.º 36.º e ss. da Lei do Asilo] procedendo à sua instrução a fim de determinar se se verificam os pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do art.º 3.º, nº 2 do Regulamento Dublin III relativamente à prefigurada transferência para Itália.

2. Para tanto alegou em conclusão:

“1ª – Resulta evidente que o tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo de retoma a cargo, ao qual a Itália está vinculada.

2ª- Revela-se, pois, imprescindível a admissão do presente recurso de revista atenta a clara necessidade de melhor aplicação do Direito, face ao entendimento sustentado nos verditos a quo,

3ª – É evidente que o Acórdão escrutinado na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais e não se coaduna com as normas legais vigentes em matéria de asilo acima referenciadas.

4ª – Está in casu, em causa o abalo na confiança jurídica, corolário do princípio da certeza e segurança que se impõe a um estado de direito, também, e sobretudo, na aplicação da justiça.

5ª – Como outrossim e diretamente o princípio da legalidade.

6ª – De harmonia com o ar.º 18º nº 1 al. d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 junho, e o artº 37º, nº 1 da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da lei nº 27/2008, de 30 de junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 27/07/2018, um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite, atento o estatuído no nº 2 do art.º 25º do Regulamento Dublin.

7ª – Consequentemente e vinculadamente, por despacho do diretor nacional do ora recorrente proferido aos 28/05/2019, nos termos dos arts. 19º A, nº 1 a) e 37º nº 2 da citada Lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do citado Regulamento, motivo pelo qual o Estado Português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos do art.º 29º e 30º do regulamento Dublin.

8ª – O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália (cfr. art.º 13º, nº 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37º, nº 1 da Lei nº 27/2008 (Lei de Asilo), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência.

9ª – “Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (…) é a própria Lei 27/2008, de 30 de junho, que no seu artigo 37º, nº 2, lhe impunha a atuação levada a efeito” (cf. Acórdão do TCA Sul de 19/01/2012, proc. nº 08319/11).

10º - A alegação do requerente, desacompanhada da apresentação de um mínimo de elementos objetivos, é insuficiente para considerar demonstrada a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo italiano que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, ou que, dadas as particulares condições do A. a transferência implica um risco sério e verosímil de exposição do A., a um tratamento contrário ao artigo 4º da CDFUE.

11ª – Nos presentes autos inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo Italiano, único óbice parta que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada.

12ª – Com efeito, relativamente às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, a Itália encontra-se vinculada pela Diretiva 2013/33/UE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013, a qual estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional.

13º - Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do Sistema Europeu comum de Asilo (SECA), existe uma forte presunção que as condições materiais de acolhimento a favor dos requerentes de proteção internacional nesses estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais.

14ª - Ao contrário do pugnado pelo douto acórdão recorrido, o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional (que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido.

15ª – Contrariamente ao que o douto acórdão refere, ao ora recorrente não restava outra solução que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito.

16ª – Estabelece o artº 3º, nº 2, do regulamento 604/2103, que, “Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válido para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do art.º 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capitulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.”

17ª – Estabelece o arº 17º, nº 1, do referido regulamento que “Em derrogação do artigo 3º, nº 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”

18ª – E nos termos do art.º 4º da CDFUE “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas, desumanos ou degradantes.”

19ª – O douto Acórdão recorrido ao considerar a ação procedente e condenar o ora recorrente no dever de reconstruir o procedimento, instruindo-o com informação atualizada sobre as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália, de molde a aferir se no caso concreto o aqui Recorrido tem enquadramento na previsão do artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo do Regulamento, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do Estado-Membro responsável, em conformidade com o regulamento (UE) que o hospeda.

20ª – Ora, no âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da Lei de Asilo (artigos 36º a 40º) relativo à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, não se impõe à Administração que adotasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido, ao contrário do invocado pelo douto acórdão ora recorrido.

21ª – Nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo nas Condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do requerente, a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrario ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o requerente não invocou quando efetuou o pedido de Proteção Internacional.

22ª – Nessa linha, veja-se as sentenças proferidas pela 4ª U.O no Proc. nº 1843/19.7BELSB e pela 3ª U.O no Proc.2115/19.2BELSB e, sobretudo, a Sentença proferida pelo TACL, no processo 1741/18.1BELSB; o Acórdão do TCA Sul de 10/01/19 proferido no Proc. nº 1353/18.0BELSB, o Acórdão do TCA Sul de 21/02/2019 proferido no Proc. nº 1740/18.3BELSB, os Acórdãos do TCA Sul de 26/09/2019 proferidos nos Procs. nºs 743/19.5BELSB e 559/19.9BELSB, o Acórdão do TCA Sul de 21/11/2019 proferido no proc. 1258/19.7BELSB e o Acórdão do TCA Sul de 30/12/2019 proferido no proc. 1258/19.7BELSB e o Acórdão do TCA Sul de 30/12/2019 proferido no proc. 1361/19.7BELSB.

23ª – Não menos importante veja-se também a douta argumentação proferida no Acórdão recorrido, pelo digníssimo desembargador que votando contra a posição do coletivo, teve por referência o acórdão de 10.12.2019, proc.º nº 1383/19.4BELSB, no qual foi relator, e no qual entendeu então o seguinte:

“de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência ou de uma decisão que declara um novo pedido de proteção internacional inadmissível dispõe de elementos apresentados elo requerente para demonstrar a existência do risco de um trato desumano ou degradante no outro Estado-Membro, esse órgão jurisdicional deve apreciar a existência de deficiências sistémicas ou generalizadas ou que afetem certos grupos de pessoas. Contudo, tais deficiências só são contrárias à proibição de tratamento desumano ou degradante se tiverem um nível particularmente elevado de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa”

E a situação dos autos é, aliás, em tudo idêntica à tratada no recentíssimo acórdão do STA de 16.01.2020, proc. nº 2240/18.7BELSB, em que estava igualmente em questão a retoma a cargo pelo Estado Italiano. Nesse acórdão concluiu-se:

“I – Apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em que existem válido motivos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e que tais falhas implicam o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao estado em caus diligenciar pela obtenção de informação atualizada acerca da existência de risco de o requente ser sujeito a esse tipo de tratamentos:

II – A imigração ilegal, que ocorre por muitos e variados motivos, visando todos eles a melhoria das condições de vida o imigrante, não se pode confundir simplesmente com a situação do refugiado. Este, que em sentido amplo não deixa de ser imigrante, busca refúgio em país estrangeiro por recear, com razão, ser perseguido no seu país de origem em consequência de atividade por si exercida em favor da democracia, da liberdade social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos diretos da pessoa humana, ou em virtude da sua raça, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social”

Ou seja, a premissa de que parte o acórdão de que a decisão de transferência do requerente de proteção internacional para o primeiro Estado responsável tem como pressuposto a análise prévia de que nesse Estado não existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado, salvo o devido respeito, não tem acolhimento na lei (ou pelo menos não o tem com o grau de injuntividade pretendido).

No caso concreto dos autos, face ao que vem evidenciado, nada mais se impunha ao SEF.

Nesse pressuposto, concederia provimento ao recurso, revogaria a sentença recorrida e julgaria a ação improcedente.

24ª – Nesse contexto, o Acórdão recorrido carece efetivamente de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuído pelo direito vigente sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato Recorrente.

25ª – Ao invés, assim não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação do douto Acórdão, atenta a correta interpretação e aplicação da Lei.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso, face à sua natureza excecional, ser admitido em sede de apreciação preliminar sumária (cf. art.º 150º nº 1 e 2 do CPTA) e, se assim for entendido, ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão ora recorrido.”

3. Não foram deduzidas contra-alegações.

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 18.02.2021.

5. O MP emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se improcedente a ação, com a consequente manutenção do ato impugnado.

6. Notificadas as partes do mesmo parecer nada disseram.

7. Sem vistos, cumpre decidir.

*

FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO fixada pelas instâncias:

O acórdão recorrido deu por reproduzida a matéria de facto assente na 1ª instância com relevância para a decisão da causa, e que foi a seguinte:

“a) O Autor aparenta ser nacional da Gâmbia e natural de Madinakoto ─ cfr. informações constantes do PA.

b) O Autor apresentou por escrito, junto dos serviços do R., a 15/04/2019, pedido de asilo e proteção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de asilo n.º 573/19 ─ fls. 4 a 12 do PA.

c) Foi consultado o sistema EURODAC e foi detetado um Hit positivo com o n.º de referência: i) IT1TE00TMJ, inserido pela Itália, em Teramo, a 13/12/2016 ─ cfr. fls. 3 do PA.

d) A 8 de maio de 2019, pelas 16h00m, o A. prestou declarações junto do SEF, na presença de intérprete de língua mandinga ─ de nome …………. ─ tendo sido confirmado que o requerente e o intérprete se entendiam e se iria efetuar a entrevista em língua mandinga ─ fls. 18 do PA.

e) Durante a entrevista o Requerente foi perguntado sobre a sua passagem por países europeus com a indicação de que tinha sido encontrado um registo na base de dados de impressões digitais Eurodac recolhido em Itália a 13/12/2016; referiu, a esse propósito que havia estado em Itália durante dois anos.

f) Referiu ainda o seguinte:

(…)

(…)

Foi-lhe transmitida a informação de que, de acordo com o art.º 18.º/1 do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, por ter pedido proteção na Itália seria esse o país responsável pela análise do seu pedido.

Foi-lhe perguntado se tinha algo mais a declarar, ao que respondeu:

cfr. “Entrevista/Transcrição” a fls. 18 e ss. do PA, que se dá por integralmente reproduzida.

g) As declarações prestadas foram lidas ao A. em língua mandinga, que compreende e na qual se expressa — fls. 25 do PA.

h) Foi organizado o processo de determinação de responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional ─ que recebeu o n.º 00779.19PT ─ e a 10 de Maio de 2019 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efetuou um pedido de retoma a cargo do Autor às autoridades italianas, invocando o art.º 18.°/1/d) do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho — cfr. fls. 29 a 34 do PA.

i) A 28 de maio, as autoridades portuguesas informaram as autoridades italianas de que consideravam que, por nada terem dito durante duas semanas, à luz do art.º 25º/1 do-Regulamento Dublin, estas tinham concordado em retomar a cargo o cidadão estrangeiro em causa — cfr. fls. 36 do PA.

j) A 28 de maio de 2019 foi elaborada proposta de decisão (informação n.º 0951/GAR/2019), com base na qual foi proferida, nesse mesmo dia, decisão do seguinte teor:

«De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19.º - A e no nº 2 do artigo 37º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º 0951/GAR/2019 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de proteção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como A……………., nacional da Gâmbia, inadmissível.

Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 5 de Maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho.

Lisboa, 28-05-2019

A Diretora Nacional– fls. 39-43 do PA.

k) Tal decisão foi transmitida ao Autor, a 29 de maio de 2019, pela leitura da notificação da mesma em língua mandinga «que compreende ou seja razoável presumir que compreenda», tendo-lhe sido entregue cópia da decisão e da informação referida em j) – conforme auto de notificação a fls. 44 do PA.

l) A 01/06/2018, foi publicado na página oficial do Jornal Folha de S. Paulo na internet, no endereço https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/06/expulsar-imigrantes-sera-prioridade-diz-novo-ministro-do-interior-italiano.shtml, o artigo intitulado "Expulsar imigrantes será prioridade, diz novo ministro do Interior italiano" cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…)Além de aumentar as expulsões, o novo ministro disse nessa sexta (1º), após ser empossado, que pretende reduzir o número dos que chegam e os recursos gastos pelo país com refugiados e solicitantes de asilo».

m) A 28/08/2017 foi publicada, na página oficial do Jornal Expresso, notícia sob o título “PM italiano debate migrações com parceiros da UE e África perante grande protesto de apoio a refugiados”, [disponível em https://expresso.pt/internacional/2017-08-28-PM-italiano-debate-migracoes-com-parceiros-da-UE-e-Africa-perante-grande-protesto-de-apoio-a-refugiados], cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…) Entre janeiro e junho deste ano, quase 100 mil requerentes de asilo desembarcaram na costa italiana e as autoridades continuam sem conseguir garantir o acolhimento e integração destas pessoas.// (…) No sábado, milhares de requerentes de asilo e italianos que saíram em sua defesa marcharam pela capital com cartazes onde se lia "Os refugiados não são terroristas", exigindo o fim dos despejos e garantias de habitação adequada aos requerentes de asilo – depois de, na véspera, o conselho municipal de Roma, cuja câmara é liderada pelo movimento populista Cinco Estrelas, ter chegado a um acordo com a empresa que detém o edifício em causa para que 40 refugiados idosos, doentes e menores possam continuar a viver ali nos próximos seis meses enquanto aguardam novas casas».

n) A 21 de agosto de 2018, no mesmo site, foi publicada notícia sob o título “Itália. 177 migrantes só desembarcam se UE mostrar “espírito de solidariedade”, diz Salvini”, [disponível em https://expresso. pt/internacional /2018-08-21-Italia.-177-migrantes-so-desembarcam-se-UE-mostrar-espirito-de-solidariedade-diz-Salvini ], cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «Os migrantes, que se encontram há cinco dias a bordo, não poderão pisar solo italiano até que “a Europa entre em cena para ajudar”, disse Salvini. Em declarações à televisão italiana, o ministro impôs as suas condições: “O navio pode desembarcar em Itália desde que os 177 migrantes sejam distribuídos num espírito de solidariedade da União Europeia.”// (…) Na tarde desta segunda-feira, depois de três dias de negociações, o ministro italiano dos Transportes anunciou que o navio Diciotti atracaria em Catânia, o que acabou por acontecer às 23h53 locais (menos uma hora em Lisboa). Pouco depois, fontes próximas de Salvini fizeram saber que o navio tinha autorização para atracar mas os migrantes teriam de permanecer a bordo. / Na sua maioria provenientes da Eritreia e da Somália, os migrantes “precisam de assistência o mais rapidamente possível”, alertou ao jornal “The Guardian” Giovanna Di Benedetto, porta-voz da organização Save The Children. “Alguns deles passaram vários meses, se não mais de um ano, presos em campos de detenção da Líbia”, acrescentou.»

o) Com data de 22/12/2018, consta na página oficial da SIC Notícias, o artigo sob o título “Portos de Itália fechados a navio com 300 migrantes resgatados no Mediterrâneo” [disponível em https://sicnoticias.pt/especiais/crise-migratoria/ 2018-12-22-Portos-de-Italia-fechados-a-navio-com-300-migrantes-resgatados-no-Mediterraneo], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual constam, entre outras as seguintes referências: «(…)Os portos de Itália estão fechados para os mais de 300 migrantes resgatados do mar Mediterrâneo pela organização não-governamental Proactiva Open Arms, afirmou hoje o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, depois de Malta ter recusado acolhê-los.»

p) Com data de 23/01/2019, está disponível no endereço https://www.wort.lu/pt/mundo/italia-fecha-centro-para-refugiados-e-despeja-mais - de -500 -pessoas-5c48b166da2cc1784e33c406, o artigo intitulado “Itália fecha centro para refugiados e despeja mais de 500 pessoas”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta a seguinte passagem: «(…)O Governo italiano está a encerrar um centro de refugiados na cidade de Castelnuovo di Porto, perto de Roma, despejando as mais de 500 pessoas que aí encontravam abrigo. De acordo com o diário britânico The Guardian, trata-se de uma medida adotada no âmbito do "decreto Salvini", aprovado em novembro passado (…).// Salvini justificou a medida com o argumento de que o centro era "um antro de crime e tráfico de droga" e que se seguiria o fecho de outro espaço do género, localizado em Mineo, na Sicília. Além disso, acrescentou que o encerramento permitiria ao Governo poupar seis milhões de euros por ano, verba que pretendia gastar a "ajudar italianos". "Fiz o que qualquer bom pai faria", referiu, citado pelo Guardian.// Porém, Riccardo Travaglini, edil de Castelnuovo di Porto, que chegou a acolher uma refugiada oriunda da Somália em sua casa, teceu duras críticas à medida.

"Num só dia arruínam-se anos de trabalho. Estas pessoas estavam já integradas na sociedade", afirmou, referindo-se a vários casos de refugiados que estavam a trabalhar e com os filhos em escolas. O Guardian indica que "muitos estavam em pleno processo de requerimento de asilo ou tinham recebido proteção humanitária que lhes assegurava permanência durante dois anos em função de estarem impossibilitados de voltar a casa por motivos variados". Já Roberto Morassut, do Partido Democrático, comparou a expulsão dos refugiados com "deportações para os campos de concentração dos nazis".//Salvini afirmou que, "todos os que tiverem direitos serão realojados". Quanto aos restantes, confirmou que será iniciado um "processo de deportação". A medida surgiu na mesma altura em que a Alemanha anunciou que se retirava da Operação Sophia, destinada ao combate de tráfico de pessoas no Mediterrâneo desde 2015, precisamente em função da recusa italiana de acolher refugiados nos seus portos. // Desde que foi formado o Governo de coligação entre a Liga, liderada por Salvini, e o M5S de Luigi Di Maio, esta é a maior operação de expulsão de refugiados. O Guardian conta que as pessoas em causa estão a ser retiradas do espaço e enviadas de autocarro para destino desconhecido, tendo ficado determinado que o centro encerraria até ao próximo dia 31.»

q) No site reliefweb, responsável por fornecer informação humanitária no quadro da Agência das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários (OCHA), consta referência ao relatório/projeto levado a cabo no seio do Conselho Dinamarquês para os Refugiados nos seguintes termos:

Sumário

Em 2016, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council iniciaram um projeto de monitorização conjunta, documentando as experiências de requerentes de asilo transferidos para Itália de acordo com o Regulamento Dublin III. Na sequência do primeiro relatório de monitorização de Fevereiro de 2017, que documentou a situação de seis famílias com filhos menores, o segundo relatório documenta a situação de 13 indivíduos vulneráveis e famílias transferidas para Itália de outros países europeus.

Os 13 casos de estudo demonstram que a recepção de requerentes de asilo vulneráveis transferidos para Itália é arbitrária, apesar das garantias prestadas pelas autoridades italianas na sequência do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no processo Tarakhel c. Suíça.

Através da monitorização da situação de 13 pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council documentam como a muitos é totalmente negado o acesso ao sistema de acolhimento italiano ou necessitam de esperar longos períodos antes de serem alojados, o que dificulta significativamente o acesso efectivo ao procedimento de asilo italiano.

As experiências dos requerentes de asilo que participaram demonstram que, depois de terem acesso a condições de acolhimento, que frequentemente estão longe de ser adequadas para responder às suas necessidades especiais de acolhimento, as pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin ficam em risco de perder o direito a alojamento sem que a sua situação de vulnerabilidade seja devidamente tida em conta.

Ao acompanhar os casos documentados através do projeto de monitorização, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council concluíram que é claro que existe um risco real de que não sejam prestadas condições de acolhimento adequadas a requerentes vulneráveis retomados ao abrigo do Regulamento Dublin à chegada a Itália, expondo-os a risco de maus-tratos contrários ao artigo 3.º da CEDH e ao artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

O risco de violação dos direitos fundamentais das pessoas retomadas ao abrigo do Regulamento Dublin tem aumentado com as alterações ao sistema de acolhimento italiano introduzidas pelo Decreto Salvini, que entrou em vigor a 5 de Outubro de 2018 e que piorou o sistema de acolhimento italiano.

Por fim, as experiências das pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin monitorizadas evidenciam que os Estados-Membros devem cumprir as obrigações a que estão vinculados pelo Regulamento Dublin de assegurar que é dada a devida resposta às necessidades especiais de pessoas retomadas a cargo na sequência de uma transferência Dublin para o Estado-Membro responsável. Como ilustrado pelos casos de estudo deste relatório, aqueles que são responsáveis por dar resposta às necessidades especiais de pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin, parecem frequentemente desconhecê-las, apesar das obrigações que incumbem ao Estado que procede à transferência nos termos dos artigos 31 e 32 do Regulamento Dublin III, segundo as quais têm de transmitir qualquer necessidade especial da pessoa a transferir.(…)

1.2. Desenvolvimentos políticos recentes e consequências para o sistema de asilo italiano

O número de novos requerentes de asilo registados em Itália diminuiu progressivamente em 2017 e 2018, em parte devido à cooperação das autoridades italianas com as contrapartes líbias. Um Memorando de Entendimento entre as autoridades italianas e líbias foi assinado e entrou em vigor em Fevereiro de 2018 por um período de três anos. 0 Memorando e outras formas de cooperação entre os dois países para travar o fluxo migratório para Itália têm sido fortemente criticados, tanto por organizações internacionais de direitos humanos, como por organizações intergovernamentais. Anteriores acordos semelhantes entre a Líbia de Gaddafi e a Itália foram censurados pelo TEDH na sua decisão no processo Hirsi Jamaa e outros c. Itália, no qual o tribunal decidiu que as parcerias violavam o princípio do non-refoulement e a proibição de expulsões colectivas.

O ACNUR reportou 21.000 novas chegadas por mar a Itália entre Janeiro e Setembro de 2019, em comparação com 105.400 no mesmo período em 2017. Tal não significa, contudo, que a pressão sobre o sistema de asilo italiano tenha desaparecido, uma vez que no final de 2017 ainda estavam pendentes em primeira instância 145.906 pedidos de asilo.

Acresce que o sistema de asilo italiano sofreu alterações significativas desde as eleições nacionais em Março de 2018. Matteo Salvini, da Liga, - que se tornou Ministro da Administração Interna - impulsionou o Decreto sobre Segurança e Migração, também conhecido como Decreto Salvini. O diploma, que entrou provisoriamente em vigor a 5 de Outubro de 2018 e foi aprovado sob forma de lei pelo Parlamento Italiano a 28 de Novembro de 2018, piorou significativamente a situação de requerentes de asilo e migrantes em Itália. O Decreto Salvini será analisado com mais detalhe no capítulo 3.19.

Enquadramento jurídico De acordo com a jurisprudência firmada do TEDH, os requerentes de asilo são um grupo particularmente desfavorecido e vulnerável, que necessita de protecção especial, sendo as crianças requerentes de asilo identificadas como grupo extremamente vulnerável, mesmo quando acompanhadas pelos pais. Na decisão no caso MSS, o TEDH concluiu que condições de acolhimento precárias e a ausência de acesso efectivo ao procedimento de asilo podem constituir uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). No processo Tarakhel c. Suíça, o TEDH afirmou que a determinação do nível de severidade dos maus-tratos e, portanto, [a determinação] de se [estes] enquadram no escopo do artigo 3.º, é relativa e depende de todas as circunstâncias do caso, tais como a duração do tratamento e os seus efeitos físicos ou mentais e, em alguns casos, o género, idade e condição de saúde da vítima. Esta ideia foi reiterada pelo TEDH no processo O.M. c. Hungria, no qual o Tribunal considerou que requerentes de asilo lésbicas, gay, transgénero ou intersexo (LGBTI) também constituem um grupo particularmente vulnerável. O Tribunal considerou que, por forma a prevenir situações que possam replicar o sofrimento que levou estas pessoas a fugir, as autoridades devem atuar com particular cuidado no alojamento de requerentes de asilo que alegam integrar um grupo vulnerável no país que tiveram de deixar. A jurisprudência relevante relativa a transferências Dublin de famílias com crianças para Itália, incluindo as decisões do TEDH nos casos Tarakhel c. Suíça e N.A. c. Dinamarca, é descrita no relatório DRMP [Dublin Returnee Monitoring Project] de Fevereiro de 2017, que também inclui normas relevantes relativas aos direitos da criança. 5.Conclusão 5.1. Experiências das pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin monitorizadas

À semelhança dos seis casos acompanhados na primeira monitorização, nenhum dos 13 indivíduos ou famílias vulneráveis monitorizadas para este segundo relatório DRMP teve acesso a condições de acolhimento adequadas à chegada a Itália.

(…) Para garantir que os requerentes de asilo, em particular os considerados vulneráveis e com necessidades especiais de acolhimento, têm acesso a condições de acolhimento e cuidados de saúde adequados, o acesso e a qualidade das condições de acolhimento são regulados no plano europeu, em particular pela Diretiva Acolhimento (reformulada). Antes do Decreto Salvini, o sistema italiano SPRAR destinava-se a prestar condições de acolhimento adequadas a requerentes de asilo considerados vulneráveis. Na sequência do acórdão Tarakhel, as autoridades italianas garantiram que famílias com crianças seriam alojadas num centro SPRAR após serem transferidas para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin III. Todavia, através da monitorização de 13 indivíduos ou famílias vulneráveis transferidas para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin III, o DRC e o OSAR confirmaram as conclusões do primeiro relatório DRMP de Fevereiro de 2017, que documentou seis famílias, nenhuma das quais recebeu alojamento, assistência e cuidados adequados à chegada a Itália. Assim, contrariamente às normas relevantes de Direito Internacional, Europeu ou Nacional, nenhum dos 13 indivíduos ou famílias cujas experiências foram descritas neste relatório teve acesso a alojamento adequado à chegada a Itália, o que também aconteceu às seis famílias referidas no primeiro relatório DRMP. Uma vez que as autoridades italianas não suprem as necessidades de acolhimento dos requerentes de asilo em geral, nem as necessidades especiais de requerentes de asilo vulneráveis, apesar de estarem juridicamente obrigadas a fazê-lo, o mero acesso a condições de acolhimento à chegada por uma pessoa vulnerável transferida ao abrigo do Regulamento Dublin parece ser uma questão de sorte. No processo H. e Outros c. Suíça, o TEDH referiu que, apesar de os seis casos documentados no primeiro relatório DRMP não serem insignificantes, o número de casos documentados não era elevado ao ponto de indicar que as garantias prestadas pelas autoridades italianas na sequência do acórdão Tarakhel não eram, em si mesmas, fiáveis. Todavia, tendo documentado mais 13 casos de pessoas vulneráveis transferidas para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin, o DRC e o OSAR consideram que é evidente que há um risco real de que não sejam prestadas condições de acolhimento adequadas a pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin aquando da chegada a Itália, expondo-as a risco de tratamento contrário ao artigo 3.º da CEDH e ao artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Ademais, tal como ilustrado pelos casos de estudo, e contrariamente ao estabelecido pela lei italiana, os requerentes de asilo vulneráveis correm o risco de lhes ser negado ou retirado o acesso ao sistema de acolhimento italiano sem que a sua situação de vulnerabilidade ou o princípio da proporcionalidade sejam tidos em conta, o que pode dificultar significativamente o seu acesso efetivo ao procedimento de asilo. Tendo em conta as condições de acolhimento inadequadas atualmente prestadas nos centros de acolhimento de primeira linha italianos, onde todos os requerentes de asilo, excepto menores não acompanhados são alojados desde 5 de Outubro de 2018, o DRC e o OSAR temem que seja provável que as condições do sistema de acolhimento italiano se deteriorem. Disto decorre, entre outras coisas, que os requerentes de asilo, incluindo as pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin, apenas têm acesso a cuidados de saúde de emergência. No que respeita às obrigações dos Estados-Membros ao abrigo dos artigos 31 e 32 do Regulamento, que vincula o Estado-Membro que executa a transferência a transmitir ao Estado- Membro receptor informação sobre quaisquer necessidades especiais da pessoa a transferir, as experiências de pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin documentadas neste relatório demonstram que os responsáveis por dar resposta às necessidades especiais de acolhimento de pessoas vulneráveis transferidas não têm, frequentemente, conhecimento das mesmas.» [conforme tradução livre fornecida pelo CPR a que a signatária teve acesso no âmbito de outros processos]

─ Fonte: Danish Refugee Council, Swiss Refugee Council, MUTUAL TRUST IS STILL NOT ENOUGH The situation of persons with special reception needs transferred to Italy under the Dublin III Regulation, 12 de Dezembro de 2018, disponível em: https://reliefweb.int/report/italy/mutual-trust-still-not-enough-situation-persons-special-reception-needs-transferred [consultado a 2 de Agosto de 2019]

r) No site European Database of Asylum Law (EDAL), dedicado à recolha de informação atualizada sobre decisões proferidas, designadamente em instâncias jurisdicionais, nos Estados europeus, consta referência a decisão do Tribunal Administrativo do Luxemburgo de 10 de julho de 2018 nos seguintes termos: «A 10 de Julho, o Tribunal Administrativo do Luxemburgo pronunciou-se no processo 41401/18, relativo a um requerente de asilo Guineense que chegou ao Luxemburgo através de Itália. Alguns meses depois de ter pedido asilo, foi informado de que seria transferido para Itália por existir um primeiro registo das suas impressões digitais no país. O requerente impugnou a decisão enquanto estava em detenção domiciliária devido à sua transferência para Itália. Alegou que as falhas sistémicas em Itália e a falta de condições de acolhimento adequadas não asseguram o respeito pelos seus direitos fundamentais e que a transferência para o país configuraria um risco real de tratamento desumano ou degradante. Respondendo à contestação do governo, o Tribunal reiterou que, não obstante a confiança mútua continuar a ser aplicável a Estados-Membros, esta continua a ser uma presunção ilidível e, à luz da fundamentação do TJUE no processo C-578/2016, deverá ser feita uma análise individual. Prosseguiu examinando provas relevantes sobre a atual situação dos requerentes de asilo no país, incluindo o recente relatório AIDA do ECRE sobre Itália, concluindo que o procedimento de asilo e o sistema de acolhimento efetivamente apresentam várias falhas sistémicas. Notou também que tais falhas são exacerbadas pela atual instabilidade política no país. Afastando o argumento do Governo segundo o qual as alegações do requerente eram demasiados gerais, o Tribunal concluiu que há prova suficiente para considerar que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em Itália são inadequadas, notando que as autoridades italianas não conseguem assegurar acesso a cuidados médicos e condições de vida dignas, criando um possível risco de tratamento desumano ou degradante.» [conforme tradução livre fornecida pelo CPR a que a signatária teve acesso no âmbito de outros processos] Fonte: European Database of Asylum Law (EDAL), Luxembourg-Administrative Tribunal stops Dublin transfer of asylum seeker to Italy, due to country's systemic deficiencies, 10 de Julho de 2018, disponível em: https://www.asylumlawdatabase.eu/en/content/luxembourg-%E2%80%93-administrative-tribunal-stops-dublin-transfer-asylum-seeker-italy-due- country%E2%80%99s [consultado a 2 de Agosto].”

*

O DIREITO

Vem o recorrente interpor recurso do acórdão do TCAS que manteve a decisão de 1ª instância de revogação do ato de 28/05/2019 proferido pela Diretora Nacional do SEF com o fundamento de erro na fundamentação.

Para tanto refere que “Nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo nas Condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do requerente, a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrario ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o requerente não invocou quando efetuou o pedido de Proteção Internacional.”

A questão a conhecer é, assim, a de saber se deverá ser averiguado pelo SEF se se verificam, em Itália, Estado responsável pela decisão do pedido de asilo, falhas sistémicas nas condições de acolhimento de que resulte um risco de tratamento degradante ou desumano para o A./Recorrido, nos termos do artº 3º nº 2, 2º parágrafo do Regulamento UE nº 604/2013, de 26/6 ( Reg. Dublin ).

Entendeu a decisão recorrida que:

“Na entrevista realizada perante o SEF, em 8/5/2019, o recorrido referiu ter permanecido em Itália cerca de 2 anos, que o seu pedido de asilo foi recusado naquele país, que não está de boa saúde, pois que tem “problemas nos intestinos e também problemas respiratórios”, que “ onde estava (em Itália), o campo foi fechado e fiquei a viver na rua cerca de 2 meses e meio”. Mais referindo no fim e a propósito “ se tinha algo mais a declarar” que “ Não quero regressar a Itália já passei por muito naquele país. Quero ficar em Portugal porque aqui fui bem tratado e por causa do que os meus olhos viram “

Declarações estas finais, prestadas de sopetão, que dificilmente se compaginam com o direito de audiência imposto pelo artº 5º/6 do Tratado de Dublin, que seguramente deverá ter um alcance com utilidade para as pretensões do requerente de asilo.

Decorre do acima referido que o próprio SEF não atentou nas declarações prestadas pelo requerido, não sendo natural que o campo de acolhimento tenha sido encerrado durante 2 meses e meio e que o recorrido que terá problemas de saúde tenha ido viver para a rua, pelo que foi efetivamente feito um alerta sobre as más condições de acolhimento sofridas em Itália.

Tendo sido o pedido de asilo recusado em Itália deixou de fazer sentido fazer apelo à cláusula de salvaguarda referida no art.º3º/2,§2º do Tratado de Dublin III, porém o SEF está sujeito à aplicação do princípio do “non refoulement”, que vincula Portugal, o qual não tem aplicação restrita às condições existentes no país de origem do requerente, que no caso será a Gâmbia.

Aplicar-se-á também ao retorno a Itália, não podendo o SEF ignorar os pareceres emitidos pelos Conselhos para os Refugiados dinamarquês, suíço e português, o último dos quais elaborado em 14/8/2019 e que se encontra junto a numerosos processos, e que dão conta das péssimas condições de acolhimento dos refugiados em Itália, ainda que na condição de “retornados” e que não excluem que os requerentes não vulneráveis, por estarem em boas condições de saúde, posam ser sujeitos a tratos desumanos ou degradantes naquele país, tratamentos esses que não se resumem à prática da tortura, a qual não é praticada na geografia europeia ocidental.

Assim sendo, impunha-se que o SEF averiguasse das concretas condições de acolhimento do recorrido em Itália como bem refere a sentença recorrida, indagando, no mínimo, juntos das suas congéneres italianas quais irão ser as concretas condições de acolhimento, em termos de habitação, alimentação, vestuário, saúde, dinheiro de bolso, o que não fez, alheando-se da situação do recorrido e confiando na sorte.

Tal obrigação imposta ao SEF decorre da aplicação do princípio do “ non refoulement” e do preceituado nos art.ºs 33º/1e 2 da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados e 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

Resta, pois, com a fundamentação acima referida confirmar a sentença recorrida, por o despacho impugnado proferido pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF, em 28/5/2019, padecer de défice instrutório, reabrindo-se o procedimento administrativo para que tal vício seja sanado.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional e em confirmar com a fundamentação supra referida a sentença recorrida.”

Então vejamos.

Refere o Regulamento Dublin, no artigo 3º, n.º 2 que "Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4. º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável".

Em suma, a cláusula de salvaguarda prevista neste artº 3º nº 2 do Regulamento Dublin III, exige a seguinte verificação :

“a) - que existam “motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro,” e

b) – e que tais falhas “impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.

A este propósito conclui-se no Ac. do TJUE proferido no caso A. Jawo c/Alemanha de 19 de março de 2019, proc. C-163/17, que:

“O artigo 4.º da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a tal transferência do requerente de proteção internacional, a menos que o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso da decisão de transferência conclua, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados e por referência ao nível de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União, que esse risco é real para o requerente, pelo facto de que, em caso de transferência, este se encontraria, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema.(...)

A este respeito, quando o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência dispõe de elementos apresentados pela pessoa em causa para demonstrar a existência de tal risco, esse órgão jurisdicional deve apreciar, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados e por referência ao nível de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União, a existência de falhas sistémicas ou generalizadas, ou que afetem determinados grupos de pessoas (v., por analogia, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C-404/15 e C-659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.º 89).(...)

“Esse limiar de gravidade particularmente elevado é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana (v., neste sentido, TEDH, 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia, CE:ECHR:2011:0121JUD003069609, §§ 252 a 263).

Como tal, o referido limiar não pode abranger situações que se caracterizem por uma grande precariedade ou uma forte degradação das condições de vida da pessoa em causa, quando estas não impliquem uma privação material extrema que coloque a pessoa numa situação de gravidade tal que possa ser equiparada a um trato desumano ou degradante.”

Nos termos do art.º 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) "Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes".

Ora, dos elementos constantes nos autos não resulta a existência de indícios de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições do aqui recorrido que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante ou, dadas as suas particulares condições, um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4º da CDFUE, para que não se proferisse a decisão de transferência aqui em causa.

Na verdade, o aqui recorrido, quer nas declarações que prestou no SEF quando foi ouvido, quer na sua petição inicial, não alegou quaisquer factos concretos que pudessem fundamentar a existência de um risco de vir a ser sujeito a tratamento desumano, não referindo terem ocorrido quaisquer deficiências graves nas suas condições de acolhimento em Itália.

Antes apenas alegando “ ter permanecido em Itália cerca de 2 anos, que o seu pedido de asilo foi recusado naquele país, que não está de boa saúde, pois que tem “problemas nos intestinos e também problemas respiratórios”, que “onde estava (em Itália), o campo foi fechado e fiquei a viver na rua cerca de 2 meses e meio”. Mais referindo no fim e a propósito “ se \tinha algo mais a declarar” que “ Não quero regressar a Itália já passei por muito naquele pais. Quero ficar em Portugal porque aqui fui bem tratado e por causa do que os meus olhos viram “.

Não está, assim, invocado, quer perante o SEF, quer na petição inicial, nem sequer provado nos autos que tenha sido vítima durante a sua permanência em Itália de atos suscetíveis de ser qualificados como desumanos ou degradantes e que, por isso, exista um risco efetivo de poder vir a ser sujeito em Itália a um tratamento desumano, nos termos que se encontram previstos no artº 3º nº 2 do Regulamento UE nº 604/2013.

O A. limitou-se, pois, a invocar em termos genéricos e abstratos as deficiências do acolhimento em Itália, onde esteve durante cerca de 2 anos.

Em suma das suas declarações não se indicia qualquer falha sistémica no seu acolhimento em Itália nem qualquer risco de tratamento desumano ou degradante sendo que lhe competia a ele alegar e demonstrar a existência de circunstâncias excecionais que lhe fossem próprias e não o conhecimento comum e generalizado as dificuldades de acolhimento em Itália.

Pelo que o SEF não se encontrava obrigado a fazer quaisquer averiguações sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento italiano, uma vez que, no caso concreto, inexistem quaisquer indícios de que o A. tenha sido ou venha a ser vítima das mesmas, nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artº 3º nº 2 do Regulamento Dublin III.

Não resulta, assim, alegada a existência de quaisquer factos que permitam indiciar que o autor vá ser transferido para um país onde se verifiquem deficiências sistémicas no procedimento de asilo e condições de acolhimento que impliquem o risco de ser desrespeitado o seu direito absoluto a não ser sujeito a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.

Neste mesmo sentido vai a jurisprudência deste STA e nomeadamente, entre outros, os Acs. de 16.01.2020 - Proc. n.º 02240/18.7BELSB, de 04.06.2020 - Proc. n.º 01322/19.2BELSB, de 02.07.2020 - Procs. n.ºs 01786/19.4BELSB e 01088/19.6BELSB, de 09.07.2020 - Proc. n.º 01419/19.9BELSB, de 10.09.2020 - Procs. n.ºs 01705/19.8BELSB e 03421/19.1BEPRT, de 05.11.2020 - Procs. n.ºs 01108/19.4BELSB, 01932/19.8BELSB e 02364/18.0BELSB, de 19.11.2020 - Proc. n.º 01301/19.0BELSB].

E quanto à referência da decisão recorrida a pareceres emitidos pelos Conselhos para os Refugiados dinamarquês, suíço e português, temos de considerar, de acordo com jurisprudência uniforme deste STA, atrás citada, que não é possível concluir que, independentemente de uma forte pressão migratória que se constata existir, ou ter existido, nesse específico Estado-Membro da União Europeia (Itália), o requerente de proteção internacional tenha sido, e/ou vá ser, vítima de “falhas sistémicas”, devendo tal aferir-se sempre pela experiência, real e concreta, relatada pelo Autor como vivida nesse país de destino da transferência, o qual serve como indício da inexistência de perigo de tratamento desumano e degradante.

De qualquer forma sempre se diga que se os tratos desumanos ou degradantes não se resumem à prática da tortura, a qual não é praticada na geografia europeia ocidental, também não se bastam com a realidade factual da situação dos autos.

A este propósito extrai-se, por concordância, do acórdão deste STA de 04/02/2021 - Proc. 0115/20.9BELSB:

“(...) 23. Acresce que, sendo o país de destino da transferência, no caso concreto, um Estado-Membro da União Europeia, vigora o princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros que impõe uma presunção de tratamento dos requerentes de asilo e de proteção internacional de acordo com o direito da UE e com os direitos fundamentais nesta vigentes, o que mais afasta a exigência de uma ulterior atividade instrutória, ou a sua justificação, a não ser perante indícios fortes e concretos em sentido contrário, que aqui se não divisam.

24. E este entendimento encontra-se plenamente de acordo com a jurisprudência do TJUE, o qual julgou, no âmbito do proc. C-163/17, em Acórdão de 19/3/2019, que «o caráter pouco desenvolvido do sistema social italiano, cujas carências são supridas, no que respeita à população italiana, com a entreajuda e solidariedade familiar, que não existe no que respeita aos beneficiários de proteção internacional, não pode bastar para basear a conclusão de que um requerente de proteção internacional seria confrontado, em caso de transferência para esse Estado-Membro, com tal situação de privação material extrema. (…) a existência de deficiências na aplicação, pelo Estado-Membro normalmente responsável pela análise do pedido de proteção internacional, de programas de integração dos beneficiários de tal proteção não pode constituir um motivo sério e comprovado para crer que a pessoa em causa correria, em caso de transferência para esse Estado-Membro, um risco real de ser sujeita a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4° da Carta».

E mais referiu o TJUE neste Acórdão: «no que se refere à questão de saber quais são os critérios por referência aos quais as autoridades nacionais competentes devem proceder a essa apreciação, importa sublinhar que, para serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 4° da Carta, que corresponde ao artigo 3° da CEDH, e cujo sentido e alcance são, portanto, por força do artigo 52° n° 3 da Carta, iguais aos conferidos por essa Convenção, as falhas referidas no número anterior do presente acórdão devem ter um nível particularmente elevado de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa (TEDH, 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia, CE:ECHR:2011: 0121JUD003069609, § 254). // Esse limiar de gravidade particularmente elevado é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentarse, lavarse e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana (v., neste sentido, TEDH, 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia, CE:ECHR:2011:0121JUD003069609, §§ 252 a 263). //
Como tal, o referido nível não pode abranger situações que se caracterizam por uma grande precariedade ou uma forte degradação das condições de vida da pessoa em causa, quando estas não impliquem uma privação material extrema que coloque a pessoa numa situação de gravidade tal que possa ser equiparada a um trato desumano ou degradante».

E referiu, ainda, o TJUE no mesmo Acórdão:

«- o direito da União assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado-Membro partilha com todos os restantes Estados-Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2° TUE. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados-Membros no reconhecimento desses valores e, portanto, no respeito pelo direito da União que os aplica [Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial), C-216/18 PPU, EU:C:2018:586, n° 35 e jurisprudência referida], bem como no facto de que as respetivas ordens jurídicas nacionais estão em condições de fornecer uma proteção equivalente e efetiva dos direitos fundamentais reconhecidos pela Carta, nomeadamente nos artigos 1° e 4° desta, que consagram um dos valores fundamentais da União e dos seus Estados-Membros (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Cãldãraru, C-404/15 e C-659/15 PPU, EU:C:2016:198, nºs 77 e 87).

- o princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros tem, no direito da União, uma importância fundamental, dado que permite a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Mais especificamente, o princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um desses Estados-Membros considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados-Membros respeitam o direito da União e, muito particularmente, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Cãldãraru, C-404/15 e C-659/15 PPU, EU:C:2016:198, n° 78, e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial), C-216/18 PPU, EU:C:2018:586, n° 36];

- no contexto do sistema europeu comum de asilo, nomeadamente do Regulamento Dublim III, (…), deve presumir-se que o tratamento dado aos requerentes de asilo em cada Estado-Membro está em conformidade com as exigências da Carta, da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 [Recueil des Traités des Nations Unies, vol. 189, p. 150, n° 2545 (1954)] e da CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o., C-411/10 e C-493/10, EU:C:2011:865, nºs 78 a 80)».”

Não se impunha, pois, no presente caso, obrigar o SEF a averiguar acerca das indicadas condições no procedimento de asilo e no acolhimento, e, por isso, “ a instruir o procedimento administrativo com informação fidedigna e atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália.”

*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a ação administrativa improcedente.

Sem custas (art.º 84.º da Lei nº 27/2008, de 30-06).

Lisboa, 22/04/2021

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, a Relatora atesta que os Juízes Conselheiros Adjuntos Drs. Adriano Cunha e Carlos Luís Medeiros de Carvalho têm voto de conformidade.

Ana Paula Soares Leite Martins Portela