Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0136/11.2BEVIS 0723/17
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:REVISÃO OFICIOSA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
Sumário:O prazo para impugnar a decisão do pedido de revisão de atos tributários é o prazo de 90 dias a contar da notificação desta decisão – artigos 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária e 102.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção anterior à da Lei n.º 66-B/20012, de 31.12.
Nº Convencional:JSTA000P27189
Nº do Documento:SA2202102170136/11
Data de Entrada:06/21/2017
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..................... E OUTROS
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. O Representante da fazenda pública recorreu da sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou totalmente procedente a impugnação judicial da liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares do ano de 2006, inserta na demonstração do acerto de contas n.º 2009 00001550574, no montante de € 2.834,66.

Impugnação esta que tinha sido interposta por A………….., contribuinte fiscal n.º ………….. e por B………………., contribuinte fiscal n.º …………., ambos com residência na Rua ………, n.º …., Tonda, 3460 - ….. Tondela.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(...):

a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou tempestiva a impugnação apresentada nos autos, e, conhecendo do pedido, julgou a impugnação procedente e provada, com a consequente anulação do ato de liquidação impugnado;

b) O presente recurso tem, assim, por objecto a reapreciação da matéria de direito, no segmento da sentença que diz respeito à exceção de caducidade do direito de impugnar, suscitada pela Fazenda Pública e julgada improcedente pela Mma. Juiz «a quo»;

c) A discordância com a sentença sob recurso reside, portanto, em divergente conclusão sobre a interpretação do quadro normativo aplicável à situação em presença, não aceitando a Fazenda Pública a configuração que do mesmo faz a douta sentença recorrida;

d) Com a ressalva do sempre devido respeito, entende a Fazenda Pública que a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito ao ter concluído pelo conhecimento do pedido, anulando a liquidação impugnada;

e) Dispunha o art.º 102º do CPPT o prazo para a interposição de impugnação judicial, o qual era de 90 dias a partir dos factos elencados nas alíneas a) a f) do n.º 1, de 15 dias após a notificação do indeferimento da reclamação graciosa (n.º 2), ou a todo o tempo, se o fundamento for a nulidade (n.º 3);

f) Na procedência da excepção da caducidade do direito de impugnar, oportunamente suscitada pela Fazenda Pública, deveria a Mma Juiz do Tribunal «a quo», abster-se do conhecimento do mérito da presente impugnação;

g) Antes, socorrendo-se de erro imputável aos serviços, o impugnante pediu revisão oficiosa do ato tributário (liquidação de IRS/2006), nos termos do art.º 78.º, n.º 1 da LGT, muito para além do prazo de reclamação administrativa;

h) Sendo que, a provar-se não existir erro imputável aos serviços no seu pedido de revisão oficiosa, verifica-se a consequente caducidade do direito de impugnar e que oportunamente foi suscitada pela Fazenda Pública;

i) A Ilustre Juiz do Tribunal «a quo» refere a existência de erro nos pressupostos de facto e de direito o que, no nosso modesto entender, não existem;

j) Isto porque não existe qualquer divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada, o que inviabiliza erro nos pressupostos de facto;

k) Por outro lado, não é feita errada interpretação ou aplicação das normas legais vigentes. Vejamos:

l) As correções efetuadas tiveram na sua génese vários elementos solicitados aos serviços intervenientes, incluindo ao impugnante;

m) O que significa que o apuramento dos rendimentos em causa foi efectuado com recurso à base de dados informática das quais constam elementos declarados pelo impugnante, por entidades terceiras (através de elementos solicitados e no cumprimento de obrigações acessórias), além de dados internos;

n) Elementos estes de que a administração tributária dispunha e que torna despiciente a sua consideração de erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos da revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços;

o) O que leva a que, tendo presente as especificidades desta forma de liquidação bem como o procedimento que lhe está associado, não exista erro imputável aos serviços pois a mesma foi efectuada com base e de acordo com as disposições previstas para esta forma de liquidação de IRS;

p) Veja-se que não é referida na douta sentença quais as tipologias dos erros existentes, ou seja, se existiu ou não erro na recolha das declarações ou se o procedimento das mesmas foi ou não afectado por decisões erradas dos serviços da administração tributária ou se houve erros na emissão da declaração;

q) Ao invés do mencionado na douta sentença em análise, não poderá ser considerado erro imputável aos serviços qualquer correcção, sob pena da criação de um precedente que proporcione ao impugnante a invocação desses erros para promover a revisão oficiosa indiscriminada dentro do prazo de quatro anos;

r) E pôr em causa a eficácia e racionalidade do sistema de garantias do impugnante;

s) Nem tão-pouco se poderá dar abrigo à qualificação dos factos tributários como sendo um fundamento que sirva de base à apresentação de um pedido de revisão oficiosa para além do prazo de reclamação administrativa, por lhe faltar o requisito de erro imputável aos serviços;

t) Impunha-se pois que, na sua análise, a douta sentença fizesse alusão aos vários esclarecimentos solicitados pela administração tributária e que deram alento à liquidação efectuada;

u) Pelo que se deveria ter considerado procedente a exceção perentória de caducidade, traduzindo-se na intempestividade da apresentação da petição de impugnação judicial, e absolver-se a Fazenda Pública, nos termos dos artigos 493.º e 579.º do CPC;

v) Isto porque precludiu, com o decurso do prazo de reclamação, o direito do contribuinte lançar mão do instituto da revisão do ato tributário quando não exista erro imputável aos serviços na liquidação;

w) E, sendo assim, há muito se encontrava expirado o prazo para deduzir impugnação judicial aquando da sua apresentação;

x) E, na procedência da exceção da caducidade do direito de impugnar, oportunamente suscitada pela Fazenda Pública, deveria a Mmª Juiz do Tribunal «a quo» abster-se do conhecimento do mérito da presente impugnação;

y) “A intempestividade de meio impugnatório utilizado implica a não pronúncia do tribunal no que toca às questões suscitadas na respectiva petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na exacta medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início”, vide Acórdão do STA de 12-09-2011, recurso n.º 0449/11;

z) Nem para o efeito se invoque a aplicação do princípio do pro actione, ínsito no art.º 7º do CPTA, pois este supõe, a existência de duas ou mais interpretações possíveis, razoáveis, da mesma norma processual, devendo a opção recair na que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas;

aa) Admitir-se a aplicação do princípio do pro actione no caso dos autos, seria admitir-se a apreciação dos argumentos alegados numa situação de intempestividade do meio judicial utilizado, quando o tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções peremptórias, nos termos do art.º 579º do CPC;

bb) Conclui portanto a Fazenda Pública que existe vício de julgamento, uma vez que, com o sempre devido respeito, deveria a Mmª Juiz alargar o âmbito da sua apreciação no que diz respeito à existência de erros imputáveis aos serviços, tais como erros na recolha das declarações ou ainda erros na concretização das decisões proferidas do procedimento tributário;

cc) Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença proferida nos autos que, julgando improcedente a questão prévia da caducidade do direito de impugnar, apreciou o mérito da impugnação judicial».

Os Recorridos contra-alegaram e também formularam conclusões, que a seguir se transcrevem: «(...)

A. Tendo em conta a matéria de facto provada nos presentes autos, entendem os ora Recorridos que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo;

B. Desde logo porque, contrariamente ao que vem referido nas Alegações de Recurso, o pedido de revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, constitui um meio adequado para reagir ao ato tributário em crise, tal como a reclamação graciosa ou a impugnação judicial;

C. Trata-se de um meio de restituição do indevidamente pago à Fazenda Pública, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação;

D. O pedido de revisão oficiosa é, assim, um meio ao dispor dos contribuintes, este podem, no prazo de quatro anos após a liquidação, solicitar a revogação do ato com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT;

E. Ao contrário do que parece crer o Representante da Fazenda Pública, este é um meio de reacção e um reforço das garantias dos contribuintes, tanto ao seu dispor como ao dispor da própria AT;

F. E a revisão oficiosa, no prazo de quatro anos, pode ocorrer tanto por impulso da própria AT como a pedido do sujeito passivo, dirigido ao órgão competente da AT, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 7 da LGT;

G. Por outro lado, a jurisprudência do STA é absolutamente uniforme no sentido de que existe um erro imputável aos serviços, tanto quando há erro sobre os pressupostos de facto, como quando o erro recai sobre os pressupostos de Direito;

H. Razão pela qual a errada aplicação da lei no caso vertente resulta num erro de Direito imputável aos serviços e que a estes cumpre reverter;

I. Para tanto, irreleva que os elementos (de facto) tenham sido fornecidos pelo sujeito passivo, como sucedeu no caso sub judice, uma vez que a errada aplicação da lei não resulta de uma deficiente declaração dos factos;

J. E se assim é, como não pode deixar de ser, resulta claro que os Recorridos poderiam, como fizeram, lançar mão do pedido de revisão oficiosa para requerer a anulação da Liquidação, o que veio a suceder em sede de impugnação judicial e, por tudo quanto se expôs, se deverá manter.».

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

Com relevância para a decisão da questão prévia suscitada pela Fazenda Pública, decidida no ponto 2.1. da sentença e sobre a qual incide o presente recurso, a Mm.ª Juiz a quo julgou provados os seguintes factos: «(...)

1. A liquidação de IRS do ano de 2006, inserta na demonstração de acerto de contas n.º 2009 00001550574, no montante de 2 834,66 €, notificada aos Impugnantes, tinha como data limite de pagamento voluntário 02.09.2009. – doc. 1 junto com a petição inicial.

2. Em 26.04.2010 A……………… e B……………………, ora Impugnantes, apresentaram pedido de revisão do ato tributário com os fundamentos constantes de fls. 1 e ss. do processo administrativo apenso, cujo teor se tem por reproduzido.

3. Por despacho da Sra. Diretora de Serviços do IRS, datado de 26.11.2010, foi indeferido o pedido de revisão do ato tributário. – cfr. fls. 152 do processo administrativo apenso.

4. Os presentes autos de impugnação deram entrada no Tribunal via SITAF em 15.03.2011. – cfr. consulta do SITAF.».



3. Dos fundamentos de Direito

O presente recurso tem por objeto (apenas) a decisão da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a exceção da caducidade do direito de impugnar (ponto 2.1. da sentença).

Isso é expressamente referido do ponto 2.º das doutas alegações, onde se anuncia que o recurso tem por objecto «a reapreciação da matéria de direito, no segmento da sentença que diz respeito à exceção de caducidade do direito de impugnar».

E é confirmado na última conclusão do recurso, onde é pedida a «revogação da douta sentença proferida nos autos que, julgando improcedente a questão prévia da caducidade do direito de impugnar, apreciou o mérito da impugnação judicial» [conclusão “cc)”].

No entendimento do Recorrente, o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que podia conhecer do mérito. Por entender que «há muito que se encontrava expirado o prazo para deduzir impugnação judicial» [conclusão “w)”].

A impugnação judicial teve por objecto a decisão Senhora Diretora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares que indeferiu o pedido de revisão por não estar verificado um dos seus pressupostos: a existência de erro imputável aos serviços.

O que se confirma pelo pedido a final formulado: a anulação do indeferimento do pedido de revisão, por ilegalidade do mesmo.

O prazo para impugnar decisão do pedido de revisão de atos tributários é o prazo de 90 dias a contar da notificação desta decisão [nos termos dos artigos 95º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária e 102.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção de então].

Em parte alguma se alega que a impugnação não foi apresentada dentro deste prazo. E dos autos resulta que os Impugnantes foram notificados dessa decisão através do ofício n.º 13511, de 2010/12/15. Pelo que a impugnação apresentada em 2011/03/15 (ponto 4 dos factos provados) estaria em prazo.

Parece, todavia, que o que a Fazenda Pública pretende é que o prazo para impugnar, no caso, não era este, mas o prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo do pagamento voluntário [nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Ou seja, a Fazenda Pública entenderá que a consequência de inexistir erro imputável aos serviços será a intempestividade do pedido de revisão oficiosa e que a consequência da intempestividade do pedido de revisão oficiosa será a intempestividade da própria impugnação judicial.

A ser correta esta interpretação, o entendimento não pode ser acolhido.

A consequência da inexistência de erro imputável aos serviços não é a intempestividade da pretensão formulada no pedido de revisão, é a sua improcedência. Por não estarem reunidos os pressupostos substantivos do seu deferimento.

E, como é lógico, a decisão que for proferida no pedido de revisão (qualquer que ela seja) abre um novo prazo para impugnar. Para impugnar a decisão do pedido de revisão, bem entendido (como, de resto, sucedeu no caso). E não (ao menos directamente) a liquidação propriamente dita.

Trata-se a impugnação de um ato secundário ou de segundo grau. E não a impugnação do ato (primário ou de primeiro grau) da liquidação.

Deve, também, observar-se que a pretensão da Fazenda Pública não está de acordo com a própria decisão do pedido de revisão.

Porque – como já foi referido – a Senhora Diretora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares não se escusou a conhecer da revisão com fundamento em intempestividade: negou-lhe provimento.

Não decidiu que a revisão do ato era intempestiva: decidiu que não estavam reunidos os pressupostos do deferimento da pretensão nela formulada.

Parece que a ideia da Fazenda Pública é a de que – qualquer que seja o pedido (e mesmo que seja pedida a anulação da decisão administrativa que indeferiu o pedido de revisão) – a impugnação tem por objecto o próprio ato de liquidação.

Que, ao impugnar a decisão do pedido de revisão não se pretende mais do que obter do tribunal o que não foi obtido do órgão de revisão.

Para a Fazenda Pública, impugnar a revisão não é «rever a revisão»: é «rever a liquidação». Como se a impugnação não tivesse por objecto a decisão que se impugna, mas a situação subjectiva de que se ocupou a decisão impugnada.

Só assim se compreende que venha agora invocar fundamentos para indeferir a revisão que não resultam da própria decisão que indeferiu a revisão.

Mas não é assim, claro: o ato lesivo não é, aqui, a liquidação, é a decisão de não a rever. O que resulta, claramente, do artigo 95º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (já acima invocado).

O tribunal não se substitui à entidade administrativa: sindica a legalidade da sua atuação.

E, assim sendo, nunca seria aplicável ao caso a alínea a) do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E o prazo para impugnar nunca se poderia contar do término do prazo de pagamento voluntário do tributo.

Mal se compreenderia, de resto, uma solução legislativa que se traduzisse em o prazo para impugnar um ato terminar antes desse ato ter sido praticado. Porque isso se traduziria e o ato lesivo nunca poder ser impugnado. O que, para além de ser uma solução irrazoável, afrontaria, sem dúvida alguma, o direito à tutela judicial efectiva.

Pelo que o recurso da decisão que julgou improcedente a exceção da caducidade do direito de deduzir impugnação não merece provimento. E essa decisão deve ser confirmada, ainda que com a precedente fundamentação.



4. Das conclusões

O prazo para impugnar a decisão do pedido de revisão de atos tributários é o prazo de 90 dias a contar da notificação desta decisão – artigos 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária e 102.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção anterior à da Lei n.º 66-B/20012, de 31.12.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

D.n.

Lisboa, 17 de fevereiro de 2021. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.